Sfti|i:'iW ■■■!-:. .0--. '"''■'. NLM G01407b2 2 • .*-' * W**~sfc&tâ ■ir SURGEON GENERAL'S OFFICE LIBRARY. Section, -_____ xoJÁZáM é\\' *•** .*?&£■ ?Y v*n ■#^-!&* \& ' NLM001407622 #t** - Tr\i íÉf.'* ' ^J? >*.;/* ?\&-'Jté?* '.$?. / - -/ T HEMATOLOGIA TROPICAL I£NSAI<) CLTNKX) PELO Dr. Miguel Pereira (ex-interno do professor Francisco de Castro) -=sa»^« (7, .^»í-BRARy 1 ÃPk 17 J90G LAEMMERT & C. —Editores Rio de Janeiro —S. Paulo —Recife 1897 > /8í>7 DUAS PALAVRAS Este trabalho sahe de uma penna inexperta e obscura. Algumas paginas incoherentes e outras muitas em que a matéria é deficientemente desbastuda; eis o que d'elle pensa, antes que o digam outros, o seu autor. A esse façam-lhe carga os doutos, se quizerem e, se possivel, apontem-lhe os erros que assim aprenderá, mas, não se lhe ar- guam defeitos sem que, em abono seu, evoquem a circumstancia de que o programma traçado foi antes o de fazer e criticar que o de copiar e imitar. Sejam-lhe presentes, ao julgamento, as palavras de Fontana e a sentença de Tácito. No primeiro capitulo julgou o autor opportuna a discussão no ter- reno da Anatomia geral, concluindo por estabelecer que era desconforme á sciencia negar ás hematias as prerogativas da cellula. No segundo abeirou-se da questão relativa á anemia tropical e ahi após discutir, comparar e experimentar, acreditou-se habilitado a não sanccionar a opinião corrente que admitte a hypoglobulia physiologica. No terceiro, finalmente, propoz-se a estudar a pathologia do sangue pra- ticando em leucemicos e hypoemicos. As dificuldades que então se lhe antepuzeram foram muitas e insupe- ráveis quasi. Venceu-as por fim mas não as venceu só. A seu lado teve um investigador emérito, o Dr. Francisco Fajardo, que, sobre soccorrel-o com os seus conselhos, generosamente abriu-lhe as portas do Laboratório Bacteriológico Federal onde foram feitos os estudos originaes concernentes á Leucocythemia. . , O Autor. Hematologia Tropical (ENSAIO CLINICO) CAPITULO I Considerações Geraes Lavenir appartient à lhematologie. (1) Nos limites da hematologia se contem o estudo physico, chimico e biológico do sangue, do mesmo modo que nos da angiologia fica a descripção do vasto systema de canaes, cujas infinitas dependên- cias marcam o itinerário da massa sanguinea, esse «tecido circu- lante» (2) que tem nas fôrmas da hydraulica o fundamento e o segredo de sua eterna corrente. Hematologia e angiologia estão, uma para outra, como o continente para o conteúdo. Que a condição normal de ser dos hemoductos (3) se desvirtue, que um desvio do typo physio- logico se patenteie nelles, como facto illativo, obrigado, até certo limite, assim de uma alteração de estructura que lhes mascare a physionomia anatômica, como de uma aggressão â solidariedade orgânica e a angiologia terá perdido o seu caracter meramente des- criptivo, invadirá o terreno da Pathologia e chamar-se-ha angiopa- thologia; consideração idêntica cabe á hematologia em cuja seara; no (1) Hayem. Du Sang. Preí. (2) « Das Blut istein fluessiges Gcwebe» Joliannes Orth: Lehrbuch der speciellen pathologischen Anatomie. Berlin, 1877, tom. I, pag. I. (3) O neologisrno que propomos parece respeitar as leis da derivação. 1 A —1890 — 2 — papel de capitulo da Pathologia Geral, (1) muito ha que respigar, a parte as alterações, ou mechanicas ou physico-chimicas, que ao sangue possam advir das perturbações de que os vasos se resintam; da Índole deste trabalho não é, de facto, a apreciação, que a outros convém, dos eífeitos repercutidos naquelle por um determinado estado destes. Outra é a sua natureza e diverso o seu objectivo. Depois que a sciencia se libertou das concepções extrava- gantes decorrentes de estranha e bizarra ideação, depois que o mysterioso e o sobrenatural deixaram de torrear na arena nosogra- phica, cedendo aos poucos o terreno ante o valor positivo dos factos, cuja resultante aponta hoje o caminho seguro a seguir, depois de solidamente estabelecida, á feição de um axioma, a noção que iden- tifica a moléstia com o próprio organismo, a tal ponto que ella não exprime mais que um estado vital em que se manifesta «desvio parcial das propriedades pliysiologicas», seria um attentado á lógica, valeria um desrespeito á coherencia, conceber a possibilidade de independência entre o estado hygido de um lado, o pathologico de outro. Decorre naturalmente d' ahi a obrigatoriedade, para o perfeito conhecimento da moléstia, de um estudo prévio das condições no meio normal em que ella se enscena; a ignorância da normalidade só pôde determinar a ignorância dos seus vícios. Perder-se-hia desfarte um dos termos da comparação e o padrão do julgamento ficaria por erguer. E não foi senão por pretenderem firmal-o arbitrariamente, a todo transe, a poder de imaginação, que, uma a uma, successivamente, baquearam as theorias que, de todos os tempos, tiveram a peito a reso- lução do problema cuja incógnita se evidencia hoje á luz dos modernos conhecimentos. Não se faz mister desandar até muito longe de nós para chegar-se á época em que, a despeito dos copiosos recursos que as sciencias, ditas subsidiárias, já então enthesouravam em deposito com- mum onde a medicina os buscava e busca ainda, era de verificação constante a soífrega tendência do espirito em romper os limites de acção creados pelo circulo que um determinismo severo e escrupuloso cada vez a mais estrize. E isto para que? Para com lamentável menosprezo (1) Ziegler, Anatm. Pathologia, pag. 2. do mundo objectivo, expandir-se em divagações, rarefazer-se em deva- neios quasi sempre ridículos e responsáveis sempre pela morosidade que impunham ao evolver da sciencia. A observação directa cedia assim o passo ao raciocínio, alavanca dos velhos doutrinários a debater-se contra entes de razão, impalpaveis e dispersos numa atmosphera densa de hypotheses e prenhe de duvidas. (1) Magendie não era ouvido quando sentenciava que um experimentador, para o ser, carecia mais dos olhos e dos ouvidos que do cérebro e o gênio de (2) Cláudio Bernard não fulgurava ainda para ensinar o preceito fecundo de que, nas sciencias experimentaes, depois do facto é que vem o raciocinio. Longe de nós o pensar que, em resguardo dos interesses scientificos, basta o «observer eomme une bete»; ao exame dos factos devem succeder a sua comparação e o seu veredictum definitivo; então sim, ha lugar para o raciocinio que exclusivamente nelles firma o seu ponto de partida e, que jamais os perdendo de vista, se erga mode lado nas fôrmas de uma lógica sã. Razões de sobra ao mestre assis tem quando, em sua obra (3) referindo-se a Marey, diz:—«Ao espirito do sábio, debatendo-se em dificuldades diante dos factos, succedeu fugir á realidade, quando mais devera aconchegar-se delia, pôr a imaginação que soccorre porque inventa, onde cumpria ficasse a lógica que explica, porque deduz.» Para que, sem o prestigio de um exemplo, não passe o que sobremencionamos com relação ao divorcio que as theorias separa dos factos — que, entretanto bem acazalados deveram estar, sempre diremos: — quando a Chimica, guiada pela vigorosa cerebração de Lavoisier, as suas portas, de par em par, escancarou á Medicina, um autor houve, Baumes, (4) que não recuou ante a phantasia de constituir uma tão estranha quão sin- gular classificação das moléstias; distribuindo-as, de conformidade com princípios cuja existência conjecturava, nos cinco seguintes grupos: calorineses, oxy'gêneses, hydrogeneses, azoteneses e phosphoreneses. O professor de Montpellier não se mostrava assim mais adiantado em (1) Citado no Tratado de Clinica Propedêutica—Francisco de Castro. (2) d » » » » » » » " (3) Tratado de Clinica Propedêutica, por Francisco de Castro, pag. 69. (i) Baumes. Fondenients de Ia science mélhodique des maladies (1788) Andral. — 4 — Nosographia do que os contemporâneos de Paracelso que, com pequenas variantes, professavam as mesmas idéas. O resultado fatal desse doutrinarismo, na sua quintessência, expressou-se, antes, não depois, de Lavoisier no descrédito em que cahiu a Chimica applicada e que na época, os insuccessos therapeuticos confirmavam, levando os seus adversários ao extremo de um exaggero opposto. Ahi estava Sydenham. Em minoria, sabiamente guardando posição criteriosa entre os que se enthusiasmavam com facilidade e os que com desalento se desilludiam, possuindo nitida a intuição do methodo, evitando o arrojo das theorias para não serem levados pela mesma corrente de depreciação em que para logo cahiam sem cotação, alguns havia que se mantinham emattitude favorável ao progresso. Bari nantes...... Razão não nos negará quem, por um momento, attentar para o con- ceito de Haller, (1) tão em harmonia com a natureza do nosso trabalho que para aqui não vacillamos em transportal-o:—«Non idpo analyses sanguinis utilitate sua destituuntur, dum sapienter novissimus spes nostras recidere, necque plura dicere quam a natura discimus. » * * * O schemma memorável de Schleiden e de Schwann outorgando á cellula o papel de elemento irreduzivel, de unidade vital, foi o ponto de partida de onde Rudolf Virchow alçou o vôo possante levando na envergadura magestosa do seu gênio a concepção da Pathologia Cellular, «Ia más alta y filosófica de Iasgeneralizaciones biológicas» ,{2) fecunda e solida theoria cuj maior beneficio não foi de certo o de ter, desde os alicerces, derrocado o vetusto e entrevecido dogma das formações espontâneas, que, não obstante, continua, apezar de des- prestigiado, mercê da defeza que lhe movem certos espíritos retró- grados, a influir sobre os destinos da sciencia cujo cabedal se foi constituindo e engrossando com os desvios e as alterações que se passam no seio do elemento anatômico a que Küllicker (3) chamou (1) Haller, Elementa physiologica\ lib. V § £ YXX lV— cit. por Andral. (2) Ramou y Cajal, Manual de Histologia, 2a ed. Valencia. 1893. (.1) Küllicker, Histol. Hum. Trad. franc. 1856. «unidade morphologica essencial» — expressão tão rigorosa e tão completa relativamente á Histologia, a que não compete, senão aci- dentalmente, as noções de funcção e de composição, quanto completa e rigorosa é, no que respeita á Physiologia, a sua correlata: « uni- dade funccional essencial». Continuando a digredir nesta ordem de idéas, attenta a imprescindibilidade de seu concurso para a solidez da conclusão que nos norteia, soffra-se-nos, quando para mais não seja, em favor ao menos de subjectiva exigência, inquirir sem minúcias, em rápido bosquejo, dos fundamentos que legitimam a moderna inter- pretação da moléstia. A fórmula geral da Pathologia Cellular tem rigorosamente resistido aos embates da onda adversa que, em grande copia, invalidando os detalhes, respeitou sempre, para immarcessivel gloria de Virchow, o grande reformador, a concepção básica sobre que a theoria repousa. As cellulas, em phase já adiantada da evolução derivam do blastoderma como, por seu turno, este, em estádio, não diremos inicial, mas anterior, procede do elemento ovular fecundado. Contra a generalidade do asserto vibram os golpes desfechados pelas mãos de Ch. Robin, de Weismann e mais recentemente de Arnold — defensores ardentes que são da theoria do blastema. Não cahem fora de ponto, antes muito a propósito, algumas palavras elucidativas da significação deste vocábulo sobre o qual quem traça despretenciosa- mente estas linhas nunca formou uma idéa precisa sinão quando o momento lhe veiu de dar mais tracto aos livros. Ch. Robin, cuja obra (1) compulsámos, procura a origem do liquido formador — blastema — em um desequilíbrio entre a actividade assimiladora e a faculdade de desassirnilação com avantajamento da primeira sobre a segunda; persistindo o desequilíbrio os princípios immediatos, seme- lhantes aos que compõe o elemento sede desses phenomenos, vão se accumulando em successivas achegas até que, insufficiente de capa- cidade para contel-os todos, a cellula permitte porejem elles atravez seus limites; occupando então os espaços intercellulares, estes princí- pios vão, em conjuncto e associados, constituir um todo organisado, liquido ou semMiquido, de vida ephemera, mais curta que a dos (1) Ch. Robin, Anat. et Physiol. Cul. 13. — 6 — elementos por elles intervallados. A theoria seduz, não ha negal-o, mas ao lado da apparencia algo encontraremos que a faça viável e aos olhos da sciencia comportavel nos dados por esta estabelecidos? Ch. Robin, que, em verdade, não se filia, no que toca á gênese blas- tematica, á mesma interpretação que lhe deram — primeiro Mirbel (1802); Turpin, Raspail, Schleiden e Sehwann depois (1838), acceita o axioma que o autor da Pathologia Cellular ergueu restringindo e precisando o de Harvey — « Omne vivum ex ovo » —mas nega, e com calor o faz, que a evolução directamente se processe sempre. Assim como a theoria de Mirbel, a despeito do apoio fallacioso da expe- riência de Onimus (1) ficou para nenhum efeito, quando á objectiva do microscópio se desvendaram as cellulas dos tecidos ósseo e con- junctivo, assim o diverticulo doutrinário de Ch. Robin, que mais não é a sua idéa, uma vez originalidade lhe falleça, perdeu no conceito scientifico quando á generalidade da concepção em vigor não escapou a renovação nas camadas profundas dos epithelios. Negamos, escreve Virchow, (2) a possibilidade de formação de uma cellula por uma sub- stancia não cellular do mesmo modo que não admittimos a formação de uma tenia pelo muco saburral, de um infusorio, de uma alga, de cryptogamo pela decomposição dos detrictos animaes ou vegetaes. L. Büchner, (3) ainda que ás idéas de Virchow faça alguma reserva, não poude conter sua penna que não escrevesse : — «as fôrmas or- gânicas não podem nascer espontaneamente, a preexistência de um ou mais indivíduos é necessária para gerar outros que a estes se assemelhem. » Hoeckel, (4) que neste ponto de doutrina, Lanessan(õ) corrobora, é pela geração espontânea (generatio sequivoca, pri- maria, heterogênea, inaequalis) plasmagonica ou autogonica; releva, porém, notar que, sobre consideral-a como hypothese, o professor de lena só a discute relativamente á phase primeira da organisação da cellula (plastidio ou elemento plástico), só a applica ás partículas (1) Cit. por Arloing, Cours d'Anatomie (iénérale, pag. 19. (2) Virchow, op. cit., pag. 24. (3) L. Büchner, Force et Matiere, 7a ed. frauc, pag. 177. (4) Hovkel, Hist. de Ia créaüon, 7a od. p;igs. 238—:>:>-2. (í») Lanessan, Le Transformisme. plasmaticas, sem núcleo e sem membrana, idênticas ás moneras, (gymnocytodios) — únicos elementos que pt ovem da geração espontânea, sem duvida porque os representantes de outras phases — lepocytodios, (com membrana, sem núcleo) gymnocytos (com núcleo, sem membrana) lepocytos (com núcleo e com membrana) delles, por via directa, des- cendem. Ramon y Cajal, (1) commentando a theoria do blastema escreve : — « segun esta hipótesis, cada espacio intercellular es una espécie de éden, donde si ripite ei milagro dei Gênesis, segun los caprichos dei principio evolutivo orgânico ». Ora, para o biologista a cellula é hoje, que já não existem Haller nem Bichat para concen- trarem nos tecidos a unidade vital, o ponto de partida, o marco inicial da vida, porque é ella que representa o elemento irreductivel do organismo; descer mais para surprehender os phenomenos vitaes no seu máximo de simplicidade é abandonar o positivo dos factos para penetrar no hypothetico delles e então opinião alguma ha que valha em absoluto. Si physiologicamente o mecanismo da proliferação cellular se perpetua pela actividade reproductora de elementos pre- existentes, sem interposição de qualquer meio que do processo par- ticipe, á feição da regra que no mundo macroscópico domina, patho- logicamente não ha appellar para phenomenos de outra ordem. Assim, concluímos, em nenhum dos departamentos orgânicos, um só elemento existe a que a noção da especificidade seja applicavel. A subordinação, a um mesmo typo geral de organisação, não soífre desfarte a menor restricção na sua soberania de grande verdade. E é precisamente por este motivo que se consolidou, firme em seus alicerces, seguro em suas bases, em que pese aos que em fogosa liça hastearam bandeira contraria, o methodo, decorrência natural das idéas triumphantes, que manda escrutar o elemento anatômico na sua intimidade para assim julgar com exactidão da phenomenologia cujo substratum elle é. * Verificado, á luz da Histologia, que os glóbulos sangüíneos gozam das prerogativas de uma cellula e que, como tal, reclamam a autonomia (l) Ramon y Cajal, op. cit. e a independência relativas que ás suas congêneres se conferem, nada de mais intuitivo que assignalar-lhes um papel a cumprir na economia animal e conseguintemente nada de mais lógico que responsabilisal-os pelas alterações mórbidas que, em grande parte, constituem o manan- cial da Hematologia pathologica e, desde já, podemos adiantar:—si é verdadeira a correlação entre a nobreza das funcções e a complexidade dos factos, por perversão e desvios dellas derivados, á cellula hematica cabem importância extraordinária e prestigio considerável. Tão extra- ordinária uma e outro tão considerável que, para a conservação do indivíduo, é noção inconteste que a sua presença se faz indispensável e de outra nem sabemos nós, a afidalgada cellula nervosa inclusive, que nesse terreno lhe ouse disputar o primaciado. Vem de molde, porém, advertir que a investidura da dignidade de elemento irreductivel (não dotamos o qualificativo com significado outro além do que a Biologia comporta) não a obteve o glóbulo hematico immediatamente após a creação da theoria cellular: por muito tempo se reluctou no reconheci- mento de seus direitos, a tal ponto postergados e com tão flagrante vio- lação da justiça que o sangue, esse tecido onde a vida palpita com ener- gia tão manifesta, foi, com o rotulo degradante de humor, collocado ao lado de meros productos de secreção (suor, urinas, lagrimas, etc.) Só depois de bem apreciado, em escrupuloso discrimen, a quota que, em importância, cabia a cada um dos elementos componentes da cellula foi que, mercê das funcções relativamente secundarias de todos menos um, se chegou a firmar o predomínio do protoplasma (Hugo von Mohl) que Huxley consagrou chamando-o: « a base physica da vida » (bioplasma). Ora, o glóbulo vermelho do sangue é, nós o sabemos, destituído assim de núcleo como de membrana e esta carência estructural, inter- pretada como facto cohibitivo da condição de unidade orgânica, demo- raria ainda de muito a verdade, si em tempo não se tivesse reconhe- cido o erro. Virchow (1) que insiste particularmente em outorgar ao núcleo a incumbência de zelar pela integridade, conservação e multi- plicação do elemento em cujo interior existe, ao mesmo tempo que no dynamismo funccional lhe nega intervenção, vêr-se-hia um pouco (I) Virchow, op. cit., pag. l>. embaraçado na applicação destas idéas aos glóbulos vermelhos, si não tivesse escripto o que se segue : « On pourrait même lui contester le nom de cellule si l'on ne savait qu'à une certame époque du développement de 1'être humain, dans les premiers móis de Ia vie intra uterine, le corpus- cle sanguin possède noj^au». Como se dá, porém, que na edade adulta — o que vale dizer a despeito da ausência de uma massa nuclear, a integridade, a conservação e a multiplicação se mantenham inalteráveis? O autor da Pathologia Cellular, ao mesmo tempo que appella para a vida ephemera dos elementos de sangue, que elle appro- xima das cellulas superficiaes da epiderme, cuja perda de núcleo pre- cede immediatamente a descamação, que é a morte, faz pesar a consi- deração de que a prescindencia de um núcleo é compensada por um mais elevado gráo de desenvolvimento. Sem embargo de nossa incom- petência e sobretudo não obstante a possibilidade de havermos falsa- mente interpretado, seja-nos permittido ponderar: — ou os glóbulos sangüíneos tem vida tão ephemera, que uma vez desapparecidos os núcleos, elles se desorganisam e também desapparecem, o que traria como conseqüência inevitável o absurdo de ausência de hematias no sangue, por isso que micrographista nenhum, que realmente o seja, ainda demonstrou, salvo casos especialissimos, a presença de um núcleo; ou os glóbulos, admittida a funcção hematopoietica de certos órgãos e dada a sua renovação constante, já são fabricados de tal modo que podem supprir, pela sua organisação extremamente aperfeiçoada, a ausência de um corpo nuclear e nesse caso, perguntamos nós, si o papel outorgado ao núcleo não soffre assim uma restricção quando applicado ao glóbulo vermelho, que sem prejuízo delle continua, entre- tanto, a ser uma cellula e tão legitima como a que melhor o seja. Kõllicker, autoridade cujos assertos na matéria desafiam as contes- tações fáceis, comquanto se tenha de emittir uma opinião acabada e decisiva, deixa que de suas palavras escriptas a propósito desta questão, resumbre a condemnação que merecem as doutrinas que systematisam em excesso.— « (1) II s'élève une question, c'est de (1) Küllicker, op. cit., pag. 12. 2 A —1896 — 10 — savoir si, peut-être, les nmtations des global es sanguins, leur formation et leur destruction, ne sont point de phénomènes dont Ia durée est beaucoup plus longue qu'on n'a coutume de radmettre et si, par conséquent, les globules sanguins, ne sont pas des éléments beaucoup plus stables qu' on ne le croit généralement. E mais adiante : « Ce fait (alludindo á destruição dos glóbulos) ne permet point de conclure à une modification incessante, s'operant à des courtes in- tervalles dans les éléments du sang ; car, bien que l'on trouve dans Ia rate de beaucoup d'animaux, une foule de corpuscules sanguins en voie de décomposition, il n'est nullement demontré que cette décom- position soit freqüente et regulière. » Ch. Robin (1) é claro quando escreve : « Le noyau des cellules peut manquer : tantôt Ia masse de Ia cellule est née seule, sans noyau, fait dont on trouve des exemples dans toutes les espèces de cellules, tantôt le noyau a existe mais il a dispam. Ces éléments n'en sont pas moins des cellules ratachées, comme varieté, à 1'espèce dont elles ont tous les caracteres. » Antes de acreditarmos em Arloing (2) devêramos contrictamente fazer o repudio das considerações que toscamente compaginamos neste capitulo ; este autor para resolver o conflicto que via imminente de travar-se entre as idéas que professa sobre a importância capital do núcleo e o facto bem averiguado de que sem este componente a vida cellular continua o seu cyclo, não vacilla de apegar-se a um pre- texto que, em verdade, tanta vez ha representado o papel de taboa de salvação, que, dessa tarefa já o esgotamento o deve ter arredado. « Existem, é exacto, cellulas sem núcleo, mas é quasi certo que ellas contêm a substancia nuclear não limitada, diffusa e portanto invisível. » Mais uma, a engrossar outras muitas, esta difficuldade, cuja remoção se atira á conta da imperfeição nos meios de exploração. A possibilidade, a certeza, melhor diremos, de que, desde sua phase inicial a hematia pôde abrir mão de uma massa nuclear, é illação que deflue da descoberta de Neumann, da existência comprovada na me- dulla óssea de grandes cellulas, por Malassez e Ranvier, estudadas e (1) Robin, op. cit., pag. 75. (2) Arloing, Cours cTAnat. Générale, pag. 16. — 11 — denominadas hematoblasticas, globuligenas, carregadas de hemoglo- bina e aptas a destacarem de sua massa, á guiza de rebentos, prolon- gamentos que depois se pediculisam, desligam-se do centro, tornam-se independentes e livres, adoptando então aspecto e fôrmas inteiramente semelhantes á fôrma e ao aspecto de um corpusculo rubro. Si o gló- bulo tem ou não uma membrana (1) que lhe circumscreva a superfície, se elle possue ou não estroma (substancia oikoide de Brücke), que desempenhe o papel de esqueleto — são questões estas secundarias de saber e elucidar, nenhum autor tendo ainda feito dellas argumento para invalidar ou corroborar a natureza cellular do glóbulo. A ana- tomia comparada do sangue tendo demonstrado que os glóbulos ver- melhos dos vertebrados, já os de sangue quente, já os de frio, possuem um núcleo que não existe em toda a grande classe dos mammiferos, seus superiores na hierarchia zoológica — e a Pathologia tendo verifi- cado que as hematias do homem podem soffrer um processo regressivo em virtude do qual a sua estructura, pelo apparecimento de uma massa nuclear, se identifica com a dos primeiros—chegaram ambas, trilhando caminho diferente, á confirmação cabal desse preceito fe- cundo que faz da ontogenia uma curta recapitulação da phylogenia (Hoeckel), da organogenia humana uma anatomia comparada transi- tória (Serres), e da anatomia geral uma anatomia comparada reduzida a um único individuo (Ranvier). Visamos com estas palavras tornar mais claro o nosso juizo sobre a maneira de comprehender o glóbulo vermelho — si não é uma cellula, como querem alguns e entre elles Rénaut (2) que o põe á conta de producção cellular endoplasmatica, superior a outros elementos egualmente fabricados pela cellula, então, a poder de que lei caprichosa essa producção, que é superior ás suas congêneres, mas que não o é em relação ao elemento que a engendrou, vem, dado um conjuncto de condições que approximam um organismo diíferenciado daquelles estádios em que a evolução se deteve nos termos inferiores da serie, a aífectar um typo histologico que, sendo expressão fiel da cellula, é entretanto a perversão estructural do (1) Negam a presença da membrana .• Schultze, llollet, Reale, Pouchet, etc. Allirmam-na lleichert, Neuinann, Duval, Ranvier, Cajal, etc. (-2) J. Rénaut. Histol. Prat., Io tom. 1893. — 12 — elemento auatomico ? Não ha cellula que se não multiplique por activi- dade própria em outras que a substituam no dynamismo orgânico — o glóbulo vermelho não o faz nas circumstancias ordinárias—não é, por conseqüência, uma cellula. A objecção comquanto procedente e posto que, a nosso ver, d'entre todas a que mais pesa, não é comtudo abso- luta ; a lei de Milue Edwards, egualmente verdadeira e na Biologia e na Sociologia, estabelecendo a correspondência numérica entre as funcções e os órgãos e ess'outra da adaptação a um determinado fim, explicam suficientemente, primeiro a razão de ser dos glóbulos, depois o grande incremento de uma de suas funcções era detrimento de todas as outras ; desapparece o indifterentismo cellular representado no sangue pelo leucocyto para, nesse mesmo tecido, surgir, altamente dife- renciado, o glóbulo vermelho, caracteristica fundamental do sangue que sem elle é lympha. Dir-se-hia que ao corpusculo rubro, concen- trando toda a sua actividade, convergindo todos os esforços de que é capaz a sua plasticidade (Rénaut) em um mesmo sentido — respiração — não sobra o tempo necessário para entreter-se com outras funcções que não tenham a nobreza desta e como a atrophia é o resultado obrigado de órgãos que não funccionam, desapparecem todos aquelles que se não exercitam na mesma funcção. Deixará por isso de ser uma cellula ? Acaso essa alteração progressiva de estructura se oppõe á noção da unidade orgânica ? Temos que não e é por isso que com Ra- mon y Cajal definimos a cellula—: «uma massa viviente, de estatura per Io general microscópica, que consta, en ciertos casos, de um solo pedazo de protoplasma estructurado, pero mas comunmente de proto- plasma, núcleo y membrana tambien estructurados»—Atido a este ponto de doutrina, todo elle das raias da Histologia geral ou par- ticular, não andariamos nós a labutar se, incidentemente, não nos tivesse tocado a attenção e Jdesfarte provocado uma apreciação que talvez traduza um erro, mas que, com certeza, antes disso, reflecte não pequeno consumo de próprios esforços. A conclusão a que vimos, amparada na autoridade dos mestres, dissipará com o brilho da verdade a obscuridade e a insubsistencia (1) Ramon y Cajal, op. cit. — 13 — que encerra esta argumentação, cujos cimentos a nossa penna não soube fazer mais fortes. Bem ou mal entendemos que a razão não nos foi dada senão para com ella ajuizarmos dos factos ; em erro ou em acerto pensamos que a ninguém é licito, em sciencia, demittir-se do dever de, tanto quanto possivel, repassar a verdade, mais se imponha ella, com o sello da apreciação pessoal. * * * Tangencialmente embora, nos abeiramos agora, que o impõe a opportunidade, da questão de funccionalismo. Cellula, como outra cellula, o glóbulo vermelho tem um papel a representar na economia; autônomo e independente, apto a operar a transformação da energia potencial que lhe vem do plasma, onde circula, em forças vivas que aos outros elementos da aggremiação orgânica vão aproveitar, o cor- pusculo rubro, para tanto, não carece, emquanto seu meio se man- tiver nas condições de acudir ás suas exigências, que, a titulo de estimulante, o systema nervoso intervenha sobre uma pretensa irrita- bilidade ; a acção nervosa não vai além das attribuições de zeladora pela integridade de composição do meio, onde as cellulas se abastecem da matéria bruta que depois elaboram. Unicamente neste caracter, de interventor indirecto, ao systema regularisador cabem as responsabi- lidades da nutrição pervertida. Fora d'ahi não ha avocar influencias estranhas. A nutrição, a faculdade de comburir ou de digerir, é essencialmente da alçada da cellula. Já de seu tempo, que longe vai, Schwann, capacitara-se do metamorphosear continuo da matéria no pequeno laboratório cellular. Antes de 1838 o termo assimilação, de longa data usado no vocabulário medico, especificado no Lexicum Medicum de Castelli (1746), não possuía a precisão do significado que hoje lhe é próprio ; traduzia elle então o conjuncto de actos pelos quaes o organismo total se apropriava das matérias derramadas pelo meio externo — nos dias que correm aponta elle os mesmos pheno- menos, com a differença, apenas, de que os localisa na imagem micros- cópica deste mesmo organismo que, assim, reduzido a sua expressão mais simples, vai haurir os materiaes alibeis em um meio que, ao — 14 — inverso do primeiro, o tem por continente. Em consulta aos interesses dos elementos anatômicos que o organismo totalisam, pela solidarie- dade que os irmana, o sangue, todo elle um conjuncto de condições que, sobre o desenvolvimento, ainda a conservação e a aptidão func- cional garante a seus tutelados, entra a deslocar-se, por oppostas. porém connexas correntes na admirável trama vascular que a natu- reza lhe assignalou ; nesta conjunctura, pesando na balança de cujo equilíbrio deriva a normalidade de nutrição — de um lado a simpli- cidade estructural das cellulas que impunemente não lhes permitte se exponham indefezas aos insultos do mundo exterior—de outro lado a complexidade de composição, a differenciação cio typo histologico que, já a chimica, já a anatomia geral, consideram no sangue, força é reconhecer neste tecido os traços que são da essência das cousas fataes, daquellas que não existindo, arrastariam para a nihilidade quanto de imprescindível lhes é subordinado e conseqüente quando existem. Cláudio Bernard tudo expendeu em uma palavra quando disse do sangue, que elle era o meio interno. A unidade biológica irreduc- tivel está para o sangue como para o mundo ambiente o organismo somático. Qual a natureza dos compromissos contrahidos e por que artes d'elles se desobriga o sangue? Correm-lhe por conta pheno- menos cujas feições varias e múltiplas, não se prejudicam com o vi- sarem um ponto commum; nem por possuírem elles expressão material diversa, precipite, se conclua d'ahi para a diversidade de objectivo. Polymorpha e variada a phenomenologia que no sangue se desenrola, entenda ella com a vehiculação do oxygenio que o arterialisa ou com o transporte do ácido carbônico que lhe empresta o titulo venoso, com os materiaes sólidos ou líquidos, que congrega em favor da assi- milação ou com os productos desassimilatorios que emunge pela assis- tência de órgãos especiaes, com a efficiencia do calor animal que o systema nervoso regularisa ou com a faculdade de acudir efficazmente, pela actividade de um de seus elementos, ao appello de dado terri- tório orgânico contra a invasão por substancias estranhas — nem por isso, antes por assim ser, ella se impõe como o mais seguro penhor — 15 — da nutrição geral. É que aqui, como alhures em Biologia, á per- feição crescente na fôrma se affecta a diíFerenciação complicada na funcção. De una e de outra noção a decorrência natural é a inde- pendência de cada indivíduo com relação ao meio em que todos vivem. Doutrinando sobre a combustão, precisando-lhe os termos, devassan- do-lhe a natureza, Lavoisier, depois de bem esteiada a concepção que pelas paginas, até então penumbrosas da Chimica, espargira jorros de luz, fel-a, soberanamente, a passo firme, pisar o terreno da Physiologia; sob o imfluxo do gênio a theoria suspendeu, por um dos seus ângulos e para todo o sempre, o véo que encortinava os phenomenos da vida e, desde então, a sciencia proclamou que a respiração nos que vivem valia bem a combustão nos que não vivem. Na ordem physica e na ordem histologica o phenomeno era um. Até ahi não tem que se lhe diga; é questão, essa da hematose, que ninguém controverte. Onde porém, o sábio não viu claro foi na loca- lisação do phenomeno e na volubilidade de sua expressão. Era, de resto, necessário que assim fosse para que o privilegio concedido ao cérebro de Cláudio Bernard pudesse valer. A absorpção do ar pelo apparelho respiratório não é a prece- dência immediata da hematose se processando nos pulmões como era do pensar de Lavoisier ; nesta zona, sem duvida a de maior nobreza de todo o apparelho, já antes de Cláudio Bernard, vários experimenta- dores o tinham verificado, sem todavia tirar as conclusões que a premissa permittia, a hematose não se pôde cumprir pelo motivo obvio e imperioso de que ao calor desenvolvido pelo acto chimico a trama pulmonar não resistiria. A' oxydação localisada e em massa cumpre portanto oppôr a oxydação generalisada e como que fragmen- tada por todo o organismo. Nesta emergência é que aos glóbulos vermelhos, pela sua substancia respiratória, cabe o papel de vehicular o oxygenio, que na ausência de um conductor, não alcançaria aquelles pontos, que são todos do organismo, em que sua presença é reclamada. De passagem pela circumscripção da rede circulatória, em cuja maior superfície fora erro vêr além do resultado da adaptação á funcção, o sangue torna-se passivo de uma modificação na sua composição chimica. O ácido carbônico cuja formação testemunha um processo de reducção, — 16 - comquanto outras vias de êxodo tenha, carece, do mesmo modo que o oxygenio, ser transportado até a superfície pulmonar para d'ahi ser exhalado; pois bem, é ainda ás expensas dos glóbulos vermelhos, que o organismo se põe em condições de satisfazer esta formal exigência da economia. Ao exame grosseiro e summario os caracteres chimicos da onda sauguinea de progresso e da de retrocesso se patenteam pela desharmonia de tom no colorido; mas este dado que habilita a descri- minar, grosso modo, entre a venosidade e a arterialidade, verdadeiro, sobretudo quando á consideração se impõe a côr carregada do sangue que regressa dos músculos cuja nutrição serviu, guardará coherencia á perquirição em qualquer outro ponto do organismo onde não haja invocar as condições de uma grande massa ou de uma agitação func- cional constante? Evidentemente não ; provam-n'o as experiências de Cláudio Bernard relativas ao assumpto. A velocidade com que o sangue percorre a trama de certos órgãos de parceria com a expulsão de gaz carbônico por intermédio de eon- ductos, outros que não os vasos, explica sufficientemente o facto de ser anatomicamente venoso um sangue que physiologicamente é ar- terial, ou quasi isso. Dissemos, linhas acima, que o glóbulo sangüíneo, vector centrifugo que era do oxygenio, centripeto se tornava quando do gaz carbônico, e disso não nos arrependemos ; somente additare- mos, sem erguer mão do livro de Cláudio Bernard, que á simples troca de oxygenio por gaz carbônico nos pulmões não parece corresponder idêntica troca de gaz carbônico por oxygenio na rede capillar; no primeiro caso, tendo o oxygenio maior affinidade para a hemoglobina do que para essa mesma substancia o gaz carbônico este facilmente se desloca, mas, por isso mesmo que assim é, terá o mesmo raciocinio applicação ao segundo caso? Não é obvio nem intuitivo, não n'o demonstra além disso a experi- mentação in vitro e no vivo que o oxygenio, em combinação com a he- moglobina jamais poderá, ser desalojado pelo ácido carbônico? Registrada essa funcção de sangue é tempo de aprecial-o por outro aspecto, certo, como estamos,de que nessas noções preliminares ninguém se abroquelará para arguir de supérfluas e desnecessárias as paginas em que as calcamos. Do metabolismo orgânico, normal e muitas vezes — 17 — pathologico, derivam productos cuja permanência no seio do elemento que os engendrou, na medida de sua aptidão dynamica, conspirariam contra a integridade delle. Prevendo a imminencia do perigo as cellulas tem recurso a lance decisivo—qual o da expulsão, dos limites de seu território, dos resíduos ameaçadores que assim vão ter ao plasma que intervalla as unidades orgânicas; este, porém, deposito que também é, de substancias cujo poder dynamogenico espera ainda opportunidade de se exercitar, recusa-se, em nome de altos interesses, a arcar com os precalços de uma hospedagem que só pôde deprecial-o aos olhos da economia. A contingência seria áspera e dolorosa si preposto a evital-a, não fosse o sangue circulando pelas ramificações ultimas do systema vascular. Mas, todos sabem que não sendo illimitada a massa total do sangue, cujo volume talvez possa, sem grande desacerto, ser orçado em 5 litros, este tecido, tão facilmente como outro qualquer, em identidade de condições ou quiçá mais que todos os outros, uma vez que o direito de adoecer é sanccionado por ess'outro de viver e que tanta a comple- xidade da vida quanta a variabilidade dos meios de morte, se deveria corromper á força do leucomainisação que acongerie das substancias residuaes nelle determinaria. Graças á contractilidade do protoplasma, sarcodio de Dujardin, o elemento histico se resguarda do poder aggressivo dos productos por elle próprio fabricados ; o sangue que os recebe e de cujo movimento elles participam, intimamente relacionados com os elementos figurados que lhe perfazem a estructura, possue na própria condição de perenne e permanente circular, os meios que lhe garantem a defeza. Não obede- cesse o liquido intravascular ao poder injectivo do órgão central, guar- dasse elle no meio do organismo a quietude da superfície de um lago e nós veríamos, abstracção feita dos demais inconvenientes para não considerarmos senão um, que a nutrição, por hypothese, ou antes, por absurdo, exeqüível, exigiria um volume colossal de sangue, por isso que, com a mesma massa,conseguintemente com deficiente armazenagem de princípios, dentro em pouco abriria fallencia.Physiologicamente, por- tanto, a circulação é aquelle meio de que a natureza lança mão para acudir ás exigências dos elementos complasmados na federação or- gânica — por um lado assegura-lhes o fornecimento de materiaes — 3 A —1896 — 18 — por outro garante-lhes a imnmnidade que os órgãos emunctorios com- pletam . O glóbulo branco do sangue, a perigrinar livremente pelo or- ganismo, ora nos vasos, sangüíneos ou lymphaticos, ora nas lacunas ca- vadas no tecido conjunctivo, desobriga-se de suas funcções, por tal fôrma que, sobre uma dellas não tomem as outras incremento ; não é por isso um elemento especialisado — egualmente apto assim a sentir, como a mover-se, nutrir-se e reproduzir-se essa cellula cuja organi- sação não obedeceu mais a uma que a outra funcção, lembra a imagem de um protozoario enxertado em organismo superior, com o qual rea- lizaria o phenomeno da symbiose. Não se infira coratudo d'ahi que a cellula lymphatica é incompatível com toda e qualquer transformação que tenda a differencial-a. As paginas, magistralmente lançadas, que Rénaut consagra ao estudo da lympha, seguindo a serie de modificações por que passa o liquido nutritivo, desde que é plasma até que chega a ser sangue, desde o organismo cellular até o homem, passando pelas phases que estes dous extremos intermedeiam, si mostram de um lado que, no decorrer do processo evolutivo, o leucocyto é sempre uma cellula lymphatica, provam por outro que, quando elementos de um organismo cuja nutrição já se não satisfaz com a simples diffusão de materiaes alibeis em um li- quido lacunar ímmovel, levando sua exigeucia ao ponto de crear órgãos propulsores e conductores, corações lymphaticos nos invertebrados su- periores, nos vertebrados coração e systema canaliforme prepostos á circulação desse liquido que desde então deixa de ser plasma para ser tecido, estas cellulas, comquanto não encarregadas de fnncções outras além das que já lhe competiam, exercitam-n'as comtudo mais fidalga- mente. Percorrendo o cyclo hemo-lymphatico, sahindo do interior dos vasos em virtude de condições que encontram sua efficiencia—ora em uma inércia arterial por paralysia dos vasos— constrictores, ora em embaraços mechanicos de qualquer natureza (1), penetrando nos espaços interorganicos onde um plasma existe para lhes garantir a integridade, caminhando pelo tecido conjunctivo em busca dos canaes lymphaticos em (1) Rénaut, op. cit., pag. S5. — 19 — cujo lumen trafegam até que, impellidos pela vis a tergo e solicitados pela vis a fronte, de novo ganhem o ponto de onde partiram, os leuco- cytos reproduzem-se por divisão directa, não sendo talvez este íacto estranho á variabilidade de núcleos que apresentam, intervém activa- mente nos phenomenos de respiração intersticial,graças ao oxygenio que se irradia dos glóbulos vermelhos, promovem a nutrição pelas granula- ções, gordurosas umas, vitellinoides outras, que Ranvier considera— as ultimas — como secretadas pelo seu protoplasma, justificando assim a denominação, que tão bem lhes cabe, de glândulas unicellulares moveis e, finalmente, pela aptidão a destacarem de sua massa prolongamentos pseudopodicos cuja emissão è regulada pela influencia do oxygenio, do calor e da velocidade com que percorrem a trama vascular, fornecem a explicação scientifica de numerosos processos, mórbidos ou normaes, que sem esta noção continuariam a desafiar a sagacidade do espirito medico. Possuindo os leucocytos todos os attributos rudimentares e essenciaes da animalidade, nãoé para extranhar que MetschinokoíF se tivesse valido delles para interpretar a immunidade nas moléstias infec- tuosas — estado que realiza no organismo humano condições oppostas áquellas que permittem a exacção da receptividade mórbida. Sem pre- ferir estas ás outras theorias que ao mesmo fim se tem proposto e que correm sob a responsabilidade de Pasteur,de Grawitz, de Bouchard e de Chauveau (1) não podemos comtudo fugir ao dever de consignar-lhes os fundamentos em um trabalho que, como este, visa firmar a impor- tância das funcções do sangue. Seres vivos, com todos os predicados da vitalidade, os microgermens infectuosos, não escapam á lei geral da strugglefor life, instituída por Darwin; fugindo a uma morte inevitável e certa pela inanição, pro- curam elles os meios de subsistência onde mais convidativo lhes pareça o pasto e o organismo, por eífeitos de variantes physiologicas ou mór- bidas, encontra-se, não raro, nas condições que os invasores procuram. Acontece, porém, que este não oíferece ás bactérias as vantagens de um terreno devoluto onde não haja perder tempo com o apurar di- reitos de posse ; nelle, delle e para elle vivem normalmente as cellulas (1) Os resultados recentemente obtidos com a serumtherapia tendem a desthronar as outras theorias em favor da de Chauveau. — 20 — e entre ellas os leucocytos, cuja organisação ameboide talha-os para a luta; estes, habitantes primitivos que são, medindo o inimigo appel- lidam-se em face da ameaça commum para o combate, de cujo desfecho dependerá, conforme a aptidão de contendor, a sobrevivência de um ou de outro (lei de Herbert Spencer). Na concurrencia vital vence quem maiores vantagens leva para a luta; si melhor apparelhados os leuco- cytos, elles vencem e a victoria é a immunidade — si mais esforçados na liça os micróbios, elles triumpham e o triuinpho é a moléstia que explode. CAPITULO II Anemia Tropical u I.Vxperience et lohservation doivent donc seules nous guider ici. Elles se trouvent sans nombre dans les fasles des médecins qui ont été philo- sophes et non dans les philosophes qui nont pas été médecins.» La Mettrie. Os indivíduos que habitam as zonas tropicaes, sejam elles naturaes destas regiões ou para ellas tenham sido encaminhados pela corrente immigratoria, reflectem, dizem os autores, nas alterações humoraes que apresentam, a nota essencialmente espoliante que aos climas quentes confere uma nosographia especial. Não padece duvida que é noção positivamente adquirida para a sciencia essa que prega a adaptação do individuo ao meio, onde elle busca os recursos para manter-se, pondo em jogo toda a energia de que é capaz ; mas si, por um lado, este é o conhecimento a que nos conduzem o estudo e a observação das relações que um a outro destes factores prendem, por outro lado, a physiologia nos levando á analyse das grandes oscillações que se operam em seus limites, por isso mesmo amplos, ensina-nos ao mesmo tempo que a influencia predominante do meio sobre o individuo vae, gradativamente, decrescendo á proporção que elle se fôr, paulati- namente, diíferenciando e de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento galgando os degráos da escala taxinomica, cuja culminância attinge quando homem. A vida latente ou a vida oscillante por que este indi- viduo, aqui considerado como abstracção, passa em phases anteriores de sua evolução, morrendo agora para resurgir mais tarde, constituem a prova palpável e inconcussa de uma subordinação completa ás cir- cumstancias externas, mercê das quaes estas alternativas se operam. — 22 — No estádio ultimo dessa série de progressivas modificações, que todas se passam em favor do individuo, o organismo se acha por ellas habilitado a enfrentar com a volubilidade das condições meso- logicas contra as quaes se insurge na medida de sua aptidão. As incoherencias do typo mesologico são corrigidas e compensadas pela instabilidade do typo physiologico e o equilíbrio se estabelece e se mantém na balança que, instável quando o typo era de condição fixa, se estabilisa agora que por instável elle se caracterisa. Ora, si dentro desse molde se passam as cousas, certo que não é incorrer em illogismo concluir, sem todavia desconhecer o cunho climático na nosographia, que, na quota da normalidade, nas raias de um perfeito estado phy- siologico, ao organismo é facultada a propriedade de funccionar, de maneira variada, sem que, nesta ou naquella situação dynamica, seja licito vislumbrar um estado pathologico. Demos agora que seja uma verdade a diminuição do coefficiente respiratório do sangue dos indi- víduos tropicaes comparados aos que não o são e indaguemos si, verificado este déficit, deva elle figurar no quadro nosologico ou, de preferencia, ser arrolado como uma variante physiologica. Considerando a hypoglobulia como devemos considerar a anemia — processo mórbido que ao clinico se depara no decurso de varias moléstias—é de fazer espécie que, continuando em vigor as mesmas coudições etiologicas e não tendo no caso applicação a doutrina da receptividade, que pre- suppõe a infecção, não venha a resentir-se de seus eífeitos a conecti- vidade de uma população em que casos rarissimos, só de um sabemos, são entretanto apontados e registrados com o rotulo de anemia tropical essencial. Si a anemia tropical é, como quer Nielly, uma alteração tão profunda do sangue que só por si sobra para explicar um apparelho symptomatico alarmante e uma successão tumultuosa de phenomenos tão graves que, permanecendo o individuo no mesmo meio, o desfecho de sua moléstia é necessariamente a morte porque, em virtude de que circumstancia feliz e ignorada, por efeito de que magnânima disposição da providencia, devemos nós, tropicaes, a dita de não sermos, á seme- lhança desse desventurado soldado em serviço na Goyana Franceza, varrido por um morbus que é inseparável do clima em que vivemos', como o eífeito é inseparável da causa e contra o qual não vale appellar — 23 — para os recursos da Hygiene, cujos preceitos não podem ser attendidos pela maioria de uma população, o proletariado, que no caso vertente seria a maior victima? A observação clinica com que o autor da Pathologia Exótica fundamenta a sua opinião, compromette altamente a realidade de um estado anêmico essencial aos climas tropicaes e tão certo disso estamos que não nos poupámos á transcripção desse curioso documento, cuja leitura feita, fica o espirito que sobre elle raciocina a conjecturar no maré magno da diagnose, aventando, para explicar a morte, hypotheses que, ainda absurdas, menos o serão que esse phantasioso diagnostico de anemia essencial dos trópicos. A his- toria clinica do doente a que nos referimos, inserta por Nielly em sua obra (1) foi tomada na Goyana Franceza por C. Camuset e, a parte pequenas modificações de redacção, é do theor seguinte : « A . . ., 2i annos. soldado de infanteria da marinha, com :! annos de re- sidência na colônia, durante os quaes serviu na guarnição de Cayenna. De temperamento (?) robusto, A... pela primeira vez baixou ao Hospital Militar em 22 de Abril de ls(>f>, sahindo curado a :■*> de Maio, de ligeiro embaraço bi- lioso. Yeriflcou-se por essa occasião que apresentava alguns symptomas de anemia nada mais, á excepção deste phenomeno sem importância, revelando de anormal ao exame. Nenhuma lesão visceral foi averiguada. Tampouco hyper- trophia do baço. Em '20 de Julho do mesmo anno torna o doente ao hospital, em estado anêmico muito avançado. Em menos de três mezes sua moléstia in- crementou-se consideravelmente e entretanto no espaço que medeiou entre a primeira alta e a segunda baixa conservou-se em estado de saúde. Queixa-se de fraqueza que progride sempre; prescrevem-se-lhe tônicos e propõe-se-lhe a repatriação; recusa e exige e.reat a 11 de Agosto, não tendo, conseguintemente, permanecido na enfermaria por espaço maior dè 15 dias. A 4 de Setembro baixa pela terceira vez ao hospital; o exame apura então os seguintes dados:—pelle amarellada, physionomia languida, mucosas descoradas, ruido de sopro intenso nos grossos vasos do pescoço, começo de ascite, oedema nas extremidades in- feriores, respiração precipitada, dyspnéa, appetite conservado, a assimilação não é perfeita, fluxo diarrhcko já antigo, nem nevralgia, nem visceralgia, palpitações cardíacas freqüentes, ausência de albumina nas urinas. O doente não aecusa dor alguma, queixa-se unicamente de excessiva fraqueza. Não obstante os meios therapeuticos empregados não melhora. A fraqueza augmenta cada vez mais e já o doente não se pôde erguer do leito onde repousa em decubito dorsal. A 18 de Outubro violenta cephalalgia; á tarde, desse mesmo dia, dor lancinante no epigastro; entra então em agonia e morre, tendo a pelle coberta de suor frio (1) Nielly, Pathologia-Exotica, 1881, pag. 600, — 24 — e viscoso. Autópsia 12 horas apoz a morte — tecidos exsangues, serosidade nos ventriculos cerebraes e no pericardio, cedema pulmonar, cerca de 4 litros de um liquido citrino colleccionado no peritoneo, trama cardíaca amollecida e como que macerada, alguns coalhos fibrinosos nas cavidades do coração. » A accusação que movemos a esta observação em que se menos- caba de preceito clinico a ponto de se lhe fugir ao commentario, dispensa-nos de fazer mais profunda a critica desde que appellemos para o facto de não se haver procedido ao exame do sangue nem se ter tentado o das fezes ; o resultado negativo dessas pesquisas, e tão somente elle, seria, no caso, a razão, peremptória e soberana, para excluir a hypothese, aliás muito provável de ankylostomiase, cujo cor- tejo symptomatico tem mais de um ponto de semelhança com o appa- relho mórbido consubstanciado neste infeliz doente ou ess'outra, menos plausível, mas ainda assim acceitavel, de infecção marem- matica. Não discutimos theoricamente nem nos preoccupa nesta aprecia- ção o desejo futil de refutar pelo prazer de discordar de opiniões por outrem expendidas; durante os dous annos em que exercemos as funcções de interno de Clinica Propedêutica não foi pequeno o numero de ankylostomiacos que tivemos occasião de observar e que agora nos habilita a pensar, cotejando os symptomas que apresentavam com os que constam da observação do Dr. Camuset, maxime com aquelles que sublinhamos, que o seu doente foi victima dessa anemia mixta, a um tempo por perda e por privação, determinada pela presença do para- sita de Dubini ou dochmius ankylostoma, como pensa o Dr. Lutz, deS. Paulo, que se o deva chamar. Estavam escriptas estas linhas, de cujo critério resahe a possi- bilidade de um erro de observação, por efeito do qual seriam indevi- damente attribuidos á anemia tropical estados mórbidos do sangue, em verdade, filiados a outras eventualidades clinicas cuja relação de de- pendência para com o clima não é immediata, nem tão pouco directa, quando a leitura de um artigo assignado pelo Sr. Edward Birch, (1) (1) The eííects of a warm climate upon the blood cannot be so easiley gauged... In attempting to form an opinion, it is diffleult to eliminate the pari played by that hlood-destroyer, malária... Repated estimations of the corpuscles have led the — 25 — nos veio em auxilio, não só mostrando que, na realidade, é grande o embaraço que se oppõe a uma apreciação insuspeita pela diffículdade de eliminar-se nos indivíduos examinados a principal fonte de destruição do sangue, a malária, (dedroyer blood) como até confes- sando que reiteradas mensurações globulares não têm, até agora, autorisado outra conclusão além da que leva a asseverar que a anemia é muito mais freqüente na índia do que na Inglaterra, comquanto este asserto esteja sujeito a uma revisão que se encarregue de separar as causas estranhas. Corre, (1) posto que á anemia tropical tenha consa- grado um capitulo de seu livro, receioso, talvez, de incorrer em erro, mantém na questão uma posição tal, nem negativa nem positiva, que fica quem o lê e consulta como si jámáis o houvera lido nem consul- tado ; é assim que este tratadista, tendo escripto que a economia, enfraquecida na sua resistência por causas complexas que derivam da acção climática, pôde chegar até a fôrma mórbida conhecida sob o nome de anemia tropical, desdiz-se, paginas adiante, quando, interro- gando-se a si próprio, sobre o valor das condições climáticas isoladas como factores efficientes da hydremia e da aglobulia que caracterisara a anemia, responde que hesita em admittil-o, ainda que por muitos não seja elle combatido. Julgamos ter dito o quantum satis para riscar do quadro nosolo- gico esta espécie de anemia de que não ha quem adoeça, uma vez que ao medico, diante de um anêmico, que o procura e consulta, é sempre possível, sem infringir as leis da Pathologia, formular um diagnostico em que não ha cogitar do conjuncto meteorológico como factor causai; todavia não pretendem estas palavras correr um véo sobre a expressão, « anemia tropical», que temos por muito própria e bem cabida, quando, longe de ser applicada a um estado particular de anemia, dilatar e ampliar a sua esphera de significação, abrangendo todas as entidades mórbidas occurrentes nos trópicos e na tabeliã das quaes a anemia occupa lugar conspicuo. writcr to no other conclusion than that anoemia is mnch more common in índia than in England, but it is impossible to eliminate numerous e\lraneous causes (Hygiene and Diseases of warm climates, Da-sidson, Edimburgh and London, 1893, pag. 13. (1) Corre, 31aladies des pays chauds, pag. 2 e 39. 1 A —1896 — 26 — * * * Suscitemos agora a questão pela outra face, e vejamos si, inaccei- tavel como individualidade mórbida cabalmente constituída, a anemia globular ou antes a hypoglobulia tropical, também chamada anemia das latitudes (Feris), se impõe como variante physiologica necessária. Para alcançar este objectivo, de tamanha monta em assumpto que não nos parece ainda sufficientemente explorado, attendendo ás opiniões controvertidas que de uns e de outros tem provocado, lançámos mão dos únicos recursos capazes de, em tal emergência, decidirem com segu- rança quando ao serviço de autoridades que não tenham contra si a incompetência de quem redige estas linhas. Estes recursos são forneci- dos, ora pelo raciocinio calcado sobre as leis da Physiologia, ora pelos resultados a que chegarmos após uma serie de verificações experimen- taes em que tenham sido respeitadas todas as imposições de um rigoroso determinismo. Quando as conclusões que eludirmos pelo raciocinio depu- zerem no mesmo sentido que as illações permittidaspela experimentação então, umas ás outras servindo de contraprova, a questão, qualquer seja ella, é uma questão liquidada que a sciencia colloca ao abrigo das impugnações: quando porém, e essa é a historia de quasi todos os pontos em litígio, o espirito guiado pelos dous methodos compara as inferencias que lhe são decorrentes e as encontra divorciadas, por grande que seja o esforço intellectual para estabelecer a equação necessária, elle deve julgar-se desobrigado de ir mais longe, sem que, entretanto, o exonere essa circumstancia do dever de registrar o facto para que outros venham elucidal-o. Estas idéas têm perfeito cabimento á condição em que nos encontramos ; tendo optado por uma de duas interpretações phy- siologicas, ainda assim, não obstante a exclusão da que menos legitima se nos afigurou, seriamos pouco escrupuloso si reivindi- cássemos para a que abraçamos os foros da doutrina solida e inalte- rável. Si corapulsarmos os autores que não comprehendem a acção dos climas quentes sobre o organismo sem conseqüente anemia glo- bular, que, no seu entender, seria a nota por onde auferirj do gráo — 27 — de acclimamento, que uma sangria apressaria, como nol-o informa Sigaud, relativamente ás praticas hygienicas a que os jesuítas submettiam os noviços que lhe vinham da Europa, rapidamente concluímos que todos elles, quer se trate de Jousset..., quer se tenha mão sobre Feris, quer finalmente se recorra a Treille, médicos da marinha franceza em serviço nas colônias, se escudam em um certo numero de dados communs que se nos antolham verdadeiros, comquanto errôneas e viciosas reputemos as inferencias que estes dados lhes permittiram. O ar rarefeito dos trópicos, autorisando a deducção im- mediata de ser nessas zonas menor a quantidade de oxygenio em um dado volume de ar, a excessiva tensão de vapor d'agua que é nellas habitual e que determina uma modificação para menos na tensão do oxygenio,—taes são as bases capitães em que Feris (1) assenta a sua argumentação, taes os pontos principaes em que se estriba para legi- timar a sua anemia das latitudes como a resultante physiologica do em- baraço com que luctam os glóbulos vermelhos para armazenarem o oxy- genio necessário a sua existência. Jousset (2) e Treille, ainda que por outras palavras, valem-se dos mesmos argumentos e naturalmente adoptam a mesma conclusão—aquelle, fazendo ponto de apoio nas expe- riências daMathieu eürbain, escreve que nos trópicos deve ser menor a quantidade de oxygenio, porque o ar é mais dilatado e menos secco do que nos paizes temperados e que, conseguintemente, uma anoxhyemia se deve produzir fatalmente, pela ausência do oxygenio, como fatalmente se produz a decadência orgânica pela insufficiencia da alimentação — este, que apenas de citação conhecemos, pondera que a curva barome- trica decrescendo progressivamente de Brest a S. Luiz do Senegal, sendo a diíFerença de 13 millimetros de mercúrio e a thermometrica seguindo iterativamente marcha opposta, um europeu que d'aquelle ponto emigre para este resente-se das novas novas condições de pressão e tempera- tura a que não estava affeito e que são impedientes de uma absorpção do oxygenio tal como a exige o organismo. As pesquisas hematime- tricas emprehendidas pelo Dr. Pedro Severiano de Magalhães, (3) (1) Étude sur les cliraats equatoriaux—Ar^h. de med. naval. 1879— Feris (â) De 1'acclimatement de 1'acclimation— Jousset. (3) Gazeta Medica da Bahia, tom V., pag. 400—Dr. Pedro Severiano. — 28 — ülustrado lente desta Faculdade, com o intuito de, conforme nos informa na Gazeta Medica da Bahia, estabelecer um termo de comparação entre o sangue normal e o sangue dos beribericos, constituem as provas experimentaes de que se serviram, assim Feris, como Jousset para cor- roborarem as suas opiniões doutrinárias e theoristas. Mais de espaço veremos até que ponto estas provas podem testemunhar a veracidade da conclusão. Sentindo a necessidade de cimentar as suas idéas com o exame do sangue de indivíduos, que boa parte da sua vida, a passaram nos trópicos, Jousset reforça os resultados a que chegou o medico brazi- leiro com mais duas mensurações que, attentas as condições.defeituosas em que foram feitas, não são de natureza a edificar a opinião; uma dessas mensurações, tendo sido praticada por Hayem em um militar que ante- riormente soffrera de febres intermittentes palustres, insignificante tenha sido avaliada a cifra de glóbulos em um milímetro cúbico, nada pode provar quanto á anemia tropical, por isso que, dado o precedente da infecção maremmatica, a ella, com maior somma de razão, devemos filiar o déficit accusado pelo hematimetro—a outra, tendo sido feita em um individuo, cuja historia pregressa não nos é assignalada, si não intervém negativamente também positivamente não o deve fazer ; por- quanto, por igual se repartem as probabilidades de haver ou não este individuo, durante a sua permanência nos trópicos, contrahido moléstia capaz de explicar a lesão quantitativa de sangue. Marestang, (1) como os precitados, medico naval francez, concorda in totum com seus collegas no que diz respeito á exactidão das experiências de Mathieu e Urbain, não se oppõe á opinião geral de que nos trópicos o oxygenio é absorvido em menor quantidade nem tampouco se insurge contra o que estabelecera Paul Bert relativamente á tensão—nega, porém, e o faz amparado nesse grande principio de biologia (de que já nos occupamos na primeira parte deste capitulo) que estabelece um parallelismo perfeito entre as reac- ções do organismo e os agentes exteriores, a relação entre a anemia globular, como effeito, e o conjuncto desses phenomenos, como causa. Em critica ás modificações, com fidelidade descriptas por todos quantos estas questões tem interessado particularmente, susceptíveis (lj .Marestang, Recherches hematimetriques, Arch. Med. Naval, tom. 52-1889 — 29 — de imprimirem ao organismo de um europeu recém-chegado aos climas tropicaes uma formula dynamica caracterisada, em seus traços maiores, por uma acceleração dos movimentos respiratórios de parceria com maior rapidez com que, na unidade de tempo, a torrente sangüínea banha e fertilisa os territórios orgânicos, prenuncio fallaz, segundo o consenso geral, de saúde mais vigorosa e de mais enérgico funccionalismo, Mares- tang, antes de considerar nestes phenomenos um testimunho de accres- cida exuberância vital, interpreta, pelo contrario, a nova situação creada aos dous grandes apparelhos como a expressão real de um symp- toma mórbido que, a ser maior o gráo de expansão da atmosphera, viria confinar com a asphyxia. Por esta fôrma o autor francez a que vimos alludindo, recusa-se a sanccionar como verdadeira opinião, que faz destes signaes primeiros do acclimamento, factores de compensação e isto para não vêr nelles mais do que a manifestação doentia de um estado que só posteriormente a economia poderá e deverá reparar. Note- mos este primeiro ponto de divergência que, com ser exacto, implica necessariamente uma inversão no modo de comprehender a serie succes- siva da phenomenologia desdobrada no trabalho de adaptação e vejamos por que meios e modos consegue o organismo levar a effeito a reparação e readquirir o jogo normal de suas funcções. Si, de um lado, como de accôrdo estabelecem os autores, os movimentos respiratórios ganham inicialmente na freqüência e só ulteriormente se apresentam mais inter- vallados, comquanto em phase alguma o sejam como são habitualmente nas regiões temperadas, e si, de outro, as explorações hematimetricas, com escrúpulo admirável emprehendidas, quasi na mesma occasião, por Maurel e Marestang, á saciedade demonstram que o máximo augmento no numero de glóbulos vermelhos coincide exactamente com aquella primeira phase, isto é, com aquella phase em que o organismo, ameaçado de asphyxia, procura os meios mais adequados a removel-a, a este ultimo pareceu que não seria desrespeitar a lógica, emittir, em conclusão, um juizo, segundo o qual, uma solicitação dirigida aos órgãos da hematopoiese representaria, da parte da economia, um esforço biológico se traduzindo por excesso de glóbulos vermelhos projectados na rede vascular. A execução deste esforço compensador fazendo desappa- recer as modificações primitivas apreciadas como testemunho de maior — 30 — incremento do metabolismo orgânico, ao organismo já se não impõe a necessidade de multiplicar as suas excursões respiratórias porque da missão de apprehender o gaz respiravel -pabulum vito?— estão agora investidos elementos mais numerosos. A theoria aventada por Marestang e que ahi deixamos delineada, tal qual a lemos e entendemos, não se nos afigura tão bem architectada que não permitta vislumbrar, atravez da filigrana de sua argumen- tação, algo de capcioso e subtil ; de facto, si temos as melhores razões para acreditar que os órgãos a que estão affectos o fabrico e a destrui- ção globulares possuem ou vêm possuir nos paizes tropicaes um excesso de funcção, porque não obedecem elles ao axioma de physiologia que, em casos taes, ordena que se hypertrophiem ou que se hyperplasiem ? Si não podemos contestar que numericamente os movimentos respira- tórios se normalisam, nem tampouco negar que é menor o volume de oxygenio que se despeja pela rede pulmonar, a cada ampliação thora- cica, como admittir uma superabundancia de glóbulos sem que o nosso assentimento a este facto fira de frente ess'outro axioma, tão positivo como o primeiro,que condemna á atrophia órgãos que já não funccionam, pois que é evidente, em conjunctura como esta, que o numero de traba- lhadores não correspondendo ao trabalho que vae se effectuar ficam em disponibilidade tantos quantos forem em demasia ? O problema é intrincado e só no facto de reconhecer as difficuldades que se contra- põem á sua solução, vae afoitamente expresso o conceito pouco seguro em que temos a theoria que julgamos mais solida, bem que ainda duvidosa, mais positiva. Delia nos occuparemos dentro em pouco. Os estudos dos médicos inglezes, realizados na índia, não obstante, em mais de um ponto, diametralmente oppostos aos que fizeram os fran- cezes em suas colônias, não têm a precisão bastante- para varrer as duvidas que sobranceiam este ponto da Pathologia Indigena. As deducções de Rattray (1) contra cuja legitimidade, por muito tempo, (1) — AU authorities now admit the correctness of Rattray's deductions, that the capacity of thechest for air is considerably greater in the tropics than in tem- perate climales; and that the frequency ofrespirations is diminished. Furthermore, it has been fally established that the respiratory act as a whole, notwithstanding the contending nature of the above physiological facts, is lessene.l: «the increased — 31 — jamais autor houve que protestasse, faliam em favor de um augmento da capacidade thoracica ao lado de menor freqüência dos movimentos respiratórios como modificações physiologicas decorrentes da acção dos warm climates. Dar corpo a esta proposição ou interpretar pelo avesso o que pensam os francezes, tudo é um ; diz-se França que a capacidade espirometrica cahe nos trópicos até a cifra de 3.800 ou 3.900 cent. cub. (Jousset), mas accrescenta-se que as expansões respiratórias se incre- mentam na freqüência ; assevera-se em Inglaterra a insubsistencia desta conclusão, opinando-se exactamente pelo contrario do que elle apregoa. Este simples confronto de opiniões que se entrechocam de modo tão suggestivo, dispensa-nos de insistir por mais tempo no acciden- tado e escabroso de um terreno que pisamos a passo incerto. Todavia desse confiicto de affirmativas antinomicas se destaca uma idéa principal que, dominando uns e outros, francezes e inglezes, os irmana relativamente ao ponto que todos desejam vêr firmado como resultante final — «o conjuncto, a totalidade do acto respiratório, a somma total de energia esgotada nessa funcção, quer coincidam maior capacidade e menor freqüência, quer, inversamente, se combine excesso na freqüência com déficit na capacidade, é sempre menor nos trópicos que nos climas temperados. quantity of air and oxygen inspired in the tropirs does not make up for the dirui- nished number of respirations in supplying the same amount of air and oxygen for blood purification as in cold climates though donbtless a requisite quantity is inspired, less probably being needed there to carry in the \ital processes». The spiro- metric increase is considerable, amounting to 7 or 8 per cent. or more. Assuming that 15 cubic inches are utilised in England at each respiration and that there are seventeen respirations per minute, the total consumption will be 255 cubic inches; in a warm climate the amount used at each respiration will be lessened, say to fourteen, and this would yield a total of 231 cubic inches, that is, twenty four (or over 9 per cent.) than were required in England. But there remains yet another faclor to be taken into account — a reduction, averaging 3 1/2 or 4 per cent, has to be applied to meet the obvious facts that heated air countains less oxygen per cubic foot (air expan- ding Ii480 of its volume for each rise. of Io F.), so that the mimber 231 is diminished to 222 Ij2 or there abouts. Finally. as the amount of carbon thrown off by the lungs is any climate bears a ratio to the quantity of air inspired, it follow that the lung elimi- nation of carbon undergoes a considerable diminution in the tropics; something in excess of an ounce will, under the ordinary circumstances of either climate. repre- sent this loss ( 10 az daily being about the English standart). How are we to explain — 32 — A modificação da capacidade thoracica para o ar tendo sido, como já referimos, cotada por Jousset em menos 200 ou 100 centímetros cúbicos, é pelo Sr. EdwardsBirch calculada em 7 a 8 % a mais, de tal fôrma que, sendo na Inglaterra o volume total de ar utilisado em um minuto de 255 pollegadas cúbicas, que tal é o producto de 17 movi- mentos respiratórios, realizados no mesmo lapso de tempo, por 15 pollegadas cúbicas, que é a quanto monta o volume de ar absorvido, nos trópicos, tendo descido um dos factores a 14 e subido o outro a 16 1/2, o producto, de um pelo outro, perfaz a cifra de 231 pollegadas cúbicas, que representa, elle, producto, 9 % menos do que seria neces- sário na Inglaterra; mas não pára ahi a reducção, que um outro desconto lhe será applicado na razão de 3 1/2 a 4 %, bem attendido o facto de que o ar aquecido perde de oxygenio, em pé cúbico, tanto quanto 1/480 por cada gráoF.; conseguintemente o numero 231 deixa de interpretar a verdade que passa a se exprimir por 222 1/2 appro- ximadamente. O professor Rattray, depois de haver avaliado em cerca de uma onça a quantidade de gaz carbônico exhalado pela superfície pulmonar, o que vale dizer, depois de haver estatuido que o coefficiente com que o gaz carbônico se representa na massa gazosa restituida á atmosphera, em cada expiração, é 10 vezes menor que o mesmo coeffi- ciente nos climas temperados, se propõe a explicação desse facto que the increased capacity of the chest in the tropics, and its decline upon return to a cold climate? The idea that it is caused by the eítorts of the chest to accommodate the respiration to the lessened quantity of oxygen in a given volume of air cannot be entertained because \ve kuow that the amount of oxygen obtained is actually less. The explanation wiiich is stated in detail by Rattray' and now generally accepted, lies in the facts that the lungs countain less blood, and there fore more room is allowed for air. The capacity is really the same, it is merely a matter of the relative quantities of blood and air occupying the space at disposal, and this is regulated by the diversion of the blood to the surface or internai organs. as case may be, under the infhience of the externai temperature to which the body is suhjected. An aconi- modatory relative fmcluation, essencial to the perfect working of thecooling apparatus on the one hand, and of the respiration in the olher, is thus maintened in accordance withthe requirement of the varying climate. Rattray estimates that 23 az, represents the total withdrawal of blood form the lung under the influente of an average temperature of 80-83 l\ Krancis has reeorded the fac-t, derived from numcrous aulo- psies of Enropean bodies in índia that the lungs ore lighter than the European standart. This would now appear to be accounted for by the alteration in the relative quantities of blood and air conlained in these organs... etc. ( Edward Hirch op. cit. pag. 10 — 11). — 33 — confere aos habitantes dos climas tropicaes uma ampliação de capaci- dade pulmonar. Movido desse intuito condemna in limine a idéa de uma compensação materialisada nos esforços de accommodação perfeita do thorax, para perfilhar o critério de um outro ponto de vista, á feição do qual as cousas se esclarecem e o problema se desenreda, impondo-se como o resultado inadiável de maior zona disponivel nos pulmões ao franqueio do ar e vasia pelo êxodo do sangue que, acudindo ao estimulo do calor, delia se desloca em direcção á peripheria cuja circulação, destarte, se superactiva. A este modo de encarar a questão que as autópsias realizadas na índia por Francis reputaram veraz e positivo, nada temos a oppôr sinão que, verificado, porventura, com verdade e com rigor, não ser de todo exacta a noção decorrente do menor numero de respirações em um minuto, elle não pôde erradicar nem, sequer de leve, abalar a convicção, errônea talvez, mas em todo caso sincera, em nome da qual protestamos contra a arbitrariedade de uma inducção theorica, sophistica e casuística, que nos mimosêa com o rotulo, physiologica- mente degradante, de anêmicos. Cercado das melhores garantias (1) contra as causas de erro, de espirito desarmado, iniciamos uma serie de pesquizas conducentes a nos dispensarem as provas por onde pautaríamos a nossa conducta nesse particular, que se entende com as modificações numéricas da respiração; pois bem, do exame feito sobre uma centena de indivíduos approximadamente, todos elles in- suspeitos de moléstias e realizando todos as melhores condições physio- logicas, resulta que, entre nós pelo menos, sinão em todos os outros paizes de attributos cósmicos similares, os movimentos respiratórios perfazem na unidade de tempo, que aqui é o minuto, uma média que oscilla entre 20 e 22 excursões thoracicas. Demos, porém, que este resultado não consulte escrupulosamente a mecânica respiratória (1) A cadência respiratória alterando-se facilmente, já por effeito de impressões moraes, já em virtude de um esforço muscular, já, finalmente, por causa do trabalho digestivo, seria imprevidente quem, em busca de uma noção segura, não se acautel- lasse contra todas estas condições. Ainda mais: attenta a susceptibilidade do systema nervoso, é de boa regra evitar que o individuo que examinamos se instrua do nosso objectivo ; recorremos para este fim ao artificio usado por Potain, que consiste em simularmos o exame do pulso quando na realidade procedemos ao da respiração. 5 A — 18S6 — 34 — e concedamos-nos a generosidade de abrir mão de seu auxilio transfe- rindo para 18 a exactidão do que elle exprime; em seguida inda- guemos, pelo calculo do autor inglez, se, a despeito desta reducção, se ajustam as nossas idéas nos moldes severos da razão pura. A operação não é difficil, antes extremamente fácil, porque effectual-a agora é re- petir o que já se fez e o que já se fez foi, nem mais nem menos, do que dar a um dos factores o caracter de multiplicador, emprestar a outro o de multiplicando e do producto obtido subtrahir tantos por cento (4 %) quantos forem necessários para ajuizar da quantidade perdida em oxygenio pelo aquecimento de cada um pé cúbico. Nestas condições: 16,5 18 1320 ÍOÕ ------ 297X4 297(0 = 4 °/o. 297 —______=11,5 100 Portanto : 297 — 11,5 = 275,5; isto é: uma capacidade thoracica, que todo o desconto feito, ainda assim é superior a mesma capacidade nos climas temperados como 275 1/2 é superior a 255. O mesmo mo- tivo que nos induziu á verificação de um dos factores deveria igual- mente nos levar a indagações sobre o outro e, certo, esse seria o nosso methodo si o único apparelho, de cuja existência, entre nós, temos noticia — o espirometro de que dispõe a cadeira de Clinica Propedêutica, não estivesse, por antigo que é, na impossibilidade de nos proporcionar dados seguros. Para Analisar esta dissertação, que já vae longa, cumpre-nos declarar, comquanto em abono próprio nenhum dado experimental venha depor, que maiores sympathias nos merece a asserção de Jousset que a proposição de Rattray no que toca ao computo do volume gazoso que ingride na trama pulmonar na phase inspira- toria da respiração. Esta preferencia, que a exclusão de um dos dados permitte pela acceitação do outro, uma vez que, como em paginas anteriores ficou assignalado, não podemos conceber a situação — 35 — do organismo, em contingências varias, sem a noção immediata da compensação e que seria necessariamente admittil-a acceitar ambos modificados pelo mesmo padrão, implica imperiosamente o dever de tentarmos agora, que o favorece a occasião, acazalar o que nos dita a razão á brutal exactidão que da experiência deriva. As palavras que se vão seguir ouvimol-as do alto da cadeira de Pathologia interna quando cursávamos a 4.a serie medica — que nos perdoe o illustrado professor Dr. Azevedo Sodré si, por acaso, consubstan- ciando-as neste trabalho nem sempre respeitarmos o pensamento que então as dictou : « Nos escriptos de Jousset e não só nelles como n'aquelles que o secundaram se encontra, ao lado de outras muitas, esta idéa capital de que, no mesmo espaço de tempo, maior é a fre- qüência com que entram em acção os músculos que presidem á respi- ração de um individuo que habita os trópicos, nessa zona nato ou delia adventicio, do que a dos mesmos órgãos, empenhados na mesma funcção, em individuo que viva nos climas temperados onde mais concentrada é a atmosphera; ora, este conhecimento adquirido, não é fácil tarefa para o espirito que sobre elle medita e que delle julga a extensão, compenetrar-se de que menor quota de oxygenio, portanto deficiência de actividade das transmutações orgânicas, que sem elle se não podem processar, se compadeça com o excesso de funcção por parte dos músculos a que está commettido o mecanismo da respiração — estado de hypertensão funccional que, sendo elle próprio, effeito de maior energia das combustões, difficilmente, e só por absurdo, se o poderia interpretar como o resultado de exigua e parcimoniosa absor- pção de oxygenio. E' incongruente pensar ou dizer, desde que as queimas orgânicas, por sua exacerbação, retratam maior consumo de oxygenio, que, na porção de ar aproveitada pelo organismo, esse ele- mento figura em proporção menor. E, como a economia não se entrega ao trabalho de absorver o oxygenio sem que providencie logo no sentido de tornal-o útil e de empregal-o em proveito próprio, por isso que não seria curial admittir que ella se imponha um esforço dobrado, agora, para, mais logo, vel-o perdido, não podemos alcançar de que modo se executaria este desi- deratum se os elementos do sangue, prepostos ao papel de vehiculos do — 36 — comburente, não se multiplicassem tanto quanto o compatível com um numero tal que lhes permitta cabal execução do seu mandato phvsiolo- gico. Contra a moderna opinião de que a anemia globular dos trópicos é apenas um ponto de vista doutrinário, sem pé no mundo objectivo, se reputa argumento de grande calibre o tacto, de boa observação aliás, que traduz a differença no colorido do tegumento cutâneo entre o tropical que é, no geral, pallido e o europeo que é, de regra, corado. Dessa estofa fossem todas as demais impugnações que o tempo não nos sobraria para refutal-as. A secreção sudoral que, continua- mente quasi, poreja da pelle, já de si indica que o envolucro natural do corpo humano, á semelhança do que é a norma para os órgãos que trabalham em excesso, deve hypertrophiar-se; tanto basta para explicar densidade maior da camada que constitue o corpo mucoso de Malpighi e portanto para determinar augmento no gráo de opacidade que é predicado dessa camada pigmeutaria. E, si não é assim, por que motivo, em hypothese alguma, mais violenta seja a provocação, mais impetuosamente se faça a circulação peripherica, o negro, que o é por accumulo exagerado de pigmento, jamais poderá corar ? Não disse Rattray que o sangue abandonando os pulmões, onde ficava aberto um espaço á penetração do ar, affluia em maior massa á superfície ? Sara, depois disto, contraproducente pensar, como pensamos, que da irrigação sangüínea mais copiosa se possa concluir por uma depo- sição maior de granulações pigmentarias sob a influencia de um sol dardejante como é o sol dos trópicos ? Eis o que resta provar. — 37 — Hematimetria normal Now what I want, is—facts Boz. Antes que nos occupassem as inferencias que o progredir maravi- lhoso da technica tem colhido com adextrada mão no campo feracis- simo da Hematologia, talvez fosse mais acertado que nos detivesse o estudo critico e expositivo dos diversos apparelhos com que, desde a época de Andral até a actual, representada na França por Hayem e seus discípulos, na Allemanha por Ehrlich, a imaginação engenhosa dos hematologos tem successivamente engrossado o pecúlio da sciencia experimental. Não o faremos, porém, que para esse trabalho não é se- melhante empreza. Deixando á margem os nomes de Dumas e Prevost, autores de um processo (1) cujo critério repousava na chimica e cuja opportunidade as sangrias, estão abusivamente empregadas como meio therapeutico, cabalmente justificavam ; relembrando o de Piorry, o primeiro a quem a idéa acudiu de contar os elementos figurados do sangue; citando o de Vierordt, que de realisal-a, cinco annos escoados, teve a prioridade ; rememorando os de Welcker e Cramer—aquellepor ter simplificado o dispositivo do mestre, este por ter tornado mais praticavel o methodo com o emprego dos tubos capillares de volume conhecido ; assignalando a brilhante phalange contemporânea em que formam Potain, Malassez e Hayem de um lado, de outro Bizzozero, Thoma e Zeiss, contentemo-nos com syndicar das applicações que, nas zonas tropicaes e, com particularidade, no nosso Paiz, se ha feito de tão variada technica no ponto de vista da numeração globular. Não obstante a pressa com que vamos de ferir o assumpto por esta face, é mister que primeiro abramos uma passagem, antes vedeta que estrada, que até lá nos conduza ; esta preliminar é funcção que racional- mente decorre da necessidade de amparar uma proposição final com o prestigio da comparação, que não a autorisaria, se viesse a fallecer. (l) Andral etGavarret, op. cit, pag. 3. — 38 — D'ahi o inquirirmos prévia e rapidamente das médias estatuídas na Europa no intuito de confrontal-as com as obtidas pelos que têm experimentado nos trópicos. Alguns dentre os autores, cujos nomes compõem a resenha que se vai seguir, não tendo referido o resultado de suas experiências a um único numero, mas simplesmente traçado as linhas extremas, minima e máxima, dentro das quaes a verdade oscilla, nos pareceu de toda conveniência uniformisar, pela deducção da média que ellas permittem, os dados que nos vão habilitar a synthetisar em um só termo todas as cifras que entram na organisação da serie : Glóbulos verm. por m3 t 1. — Vierordt (4.180.000 a 5.551.000)=....... 4.865.500 (1K 2.—Welcker................................. 4.600.000 f 3.—Cramer.................................. 4.726.000 4.—Hayem.................................. 5.000.000 / 5. —Touassier (5.000.000 a 6.00<). 000)=...... 5.500.000 I 6. —Grancher (5.000.000 a 6.000.000)=...... 5.500.000 1 7. —Patrijeon (5.000.000 a 6.000.000)=...... 5.500.000 Wj 8.—Duperié................................. 5.100.000 I 9.—Cadet................................... 5.100.000 \ 10. —Malassez................................ 4.000.000 11.—A. Gilbert (3)............................ 5.000.000 12. — J. Rénaut (4) (4.000.000 a 5.500.000)=.. . 4.750.000 13.—Bizzozero (5)............................. 5.000.000 14. —Labadie-Lagrave (6) (4.000.000 a 5.500.000)= 4.750.000 Média total......... 4.956.535 Leucocytos por m 3 1.—Hayem.................................. 6.000 2. —Labadie-Lagrave.......................... 8.000 3. —Malassez................................ ,s, 000 4.—Rénaut.................................. 8 000 Média total......... 7.500 (1) Citação de Hayem, op. cit., pag. 166. (2) Citados Maurel, Arch. deMed. Nav. tomo 12, pag. 401. (3) A. Gilbert, Pathol. du sang. Traité de med. cíarcot, Bouchard et Brissaud tomo II, pag. 476. (4) J. Rénaut, op. cit., pag. 139. (5) Bizzozero, Microscop. clinique, trad. Firket—1888, pag. 120. [6) Labadie-Lagrave, Traité des maladies du sang, pag. 42. — 39 — De posse destes dous números (4.956.535 glóbulos vermelhos e 7.500 leucocytos para cada millimetro cúbico de sangue) indaguemos das relações que elles entretêm com os que foram encontrados nos climas quentes. 1) Pesquisas de Maurel Os exames hematimetricos feitos porMaurel na Guadeloupe estão distribuídos em varias séries de accôrdo com o tempo decorrido após a chegada dos colonos. 1.a Serie — (10 dias após a chegada) : Hematimetria 1............. 4.950.000 » H............. 4.770.000 » HI............. 4.836.000 » IV............. 4.836.000 » V............. 5.146.000 » VI.............. 5.006.500 » VII............. 5.316.500 Média.... 4.916.971. 4?.a Serie — (obtida entre 5 e 14 mezes após) : Hematimetria VIII............. 5.456.000 » IX............. 6.045.000 » X............. 5.177.000 » XI............. 5.232.000 » XII............. 4.975.000 XIII............. 5.456.000 XIV............. 5.82S.000 Média..... 5.452.000. 3." Serie — (5 a 15 annos após): Hematimetria XV............. 4.278.000 > XVI............. 5.387.000 » XVII............. 4.727.000 » XVffl............. 5.456.000 Média..... 4.962.000. Quem comparar entre si as três médias resultantes destas 18 observações hematimetricas, 7 das quaes constituem a primeira serie, — 40 — 7 a segunda e as 4 restantes a terceira conclue : a) que dias depois de terem posto pé em terra os indivíduos possuíam um sangue que nume- ricamente tanto valia quanto o que tinham antes de partir ; b) que esse sangue, mezes depois, se apresentava com maior quota globular; c) que, volvidos annos, desapparecia o excesso de glóbulos vermelhos e o coeffi- ciente normal se restabelecia. Onde pois a hypoglobulia ? Poder-se-ha todavia objectar que estes resultados, fornecidos pelo sangue de indi- víduos que grande parte de sua vida passaram no continente europeu, não sejam tão incisivos quanto deveriam ser para deixar de pé a in- terrogativa que ahi fica, por isso que a acção tonificante, que primeiro se fez sentir, dos climas temperados, obrou sobre o organismo destes indivíduos á maneira de uma vaccina contra cujos eífeitos salutares e immunissantes nada poderão os novos factores cósmicos. Rasteira e frouxa esta objecção que, por complacente, imaginámos possível não compensa o trabalho de critica. —Appellemos para o facto, que elle ahi vem, pela bocca de Maurel, cathegorico e firme, dizer que, dos experi- mentos sobre os creoulos brancos uma média se apurou— «5,188,500 > — bastante expressiva para mostrar que não vamos caminho errado. 2) Pesquisas de Marestang Faliam estas no mesmo sentido, posto que outro tenha sido o scenario da experimentação. Ignorando, a completa insciencia, os es- tudos de seu collega que, de pouco, se lhe antecipara no assumpto e portanto insuspeito de se haver deixado suggestionar por elles, hypo- these esta que, pela circumstancia de pertencerem ambos á mesma cor- poração, poderia, talvez, pesar como uma accusação de parcialidade, Marestang, approveitando a viagem da fragata Thetis que de Lorient suspendera ferro a 19 de Outubro de 1888 em direcção á Nouméa, em cujas águas fundeou a 5 de Fevereiro do anno seguinte, tomou a peito verificar até que ponto merecia fé a opinião que corria, acoroçoada pelo proselytismo, sob a responsabilidade de Jousset. Vem a peilo, para maior realce de suas pesquisas, a trans- cripção deste período cautelloso em que o medico da Thetis, navio que por 3 mezes e meio roteára sobre os mares, consigna a isenção — 41 — de animo com que procedeu. « Cette hypoglobulie et cette anoxyhemie seraient-elles réelles, comme nous le croyons nous même, avec tous les auteurs que nous venons de citer, au moment ou nous avons com- mencé nos recherches, qiCil faudratt bien convenir que leur existence est proclamée un peu à Ia légère et aurait besoin d'être plus scien- tifiquement étublie.» Para bordo tinham ido, na véspera da partida, vários soldados bretões, de 20 a 22 annos, sobre os quaes a acção dos trópicos se ia exercer pela primeira vez, durante dous mezes e meio desta longa travessia ; como não estivessem affeitos á vida rude do marinheiro, o experimentador, que essa precaução recommenda, dei- xou que alguns dias se passassem antes de tirar o partido que, prodi- gamente, as circumstancias lhe offereciam. Todas as condições (idade, profissão, alimentação, etc.) persistindo as mesmas, só uma era intei- ramente estranha a estes indivíduos —o clima— conseguintemente as modificações que a analyse foi revelando á proporção que se praticavam os exames de sangue não podiam, em boa razão, ser attribuidas a outro factor. A primeira pesquisa hematimetrica, realisada nos primeiros dias de Novembro, quando a temperatura era de 19°, 1 e a pressão atmosphe- rica de 766,7 encontrou em 18 indivíduos uma média igual a 5.546.000 e tanto de hemoglobina quanto 12,14 por 100. A segunda, 15 dias mais tarde, quando a temperatura era de 21° e a pressão de 761,2, verificou nos mesmos 18 indivíduos a média de 5,518,000 sobre 11,91 por 100 de hemoglobina; na mesma occasião examinados mais 13 indivíduos foi tirada uma média de 5.625.000 sobre 12,10 por 100 de hemoglobina. Dahi por diante os exames praticaram-se regularmente, com 15 dias de intervallo, permittindo os seguintes resultados : 3a Pesquisa (Temperatura, 27 — Pressão, 760) = 5.999.000. Hemoglobina == 12,32 p. 100. 4a Pesquisa (Temperatura, 26,0 — Pressão, 760,8) = 5.K46.000. Hemoglobina = 12,82 p. 100. 5a Pesquisa (Temperatura, 27,7 — Pressão, 753,3) = 5.927.000. Hemoglobina »s 13,7. 6a Pesquisa (Temperatura, 26,9 — Pressão. 757,8) A numeração não foi feita Hemoglobina = 13,42. 7a Pesquisa (Temperatura, 28,5 — Pressão, 758) — 6.20S.000. Hemoglobina es 14,42 p. 100. G A — 1896 — 42 — D'ahi se concilie que o máximo de glóbulos em um millimetro cúbico, bem como a maior quota em hemoglobina, coincidiu exacta- ctamente com o apogeu da curva thermometrica e com uma pressão relativamente baixa. Abramos agora espaço ao quadro organisado de accôrdo com as variações globulares accusadas por cada individuo em particular. NO COMEÇO DA NS. TRAVESSIA NO FIM LUCRO PERDA 1 5.118.000 6.480.000 1.362.000 2 5.800.000 6.520.000 720.000 — 3 5.3*0.000 5.800.000 420.000 — 4 5.200. <100 5.300.000 100.000 — 0 5.880.000 6.120.000 240.000 —. 0 5.9Ü0.U00 6.440.000 540.000 — t 6.000.Ü0U 6.USO.000 80.000 — 8 4.775.000 6.2so.000 1.505.000 _ 9 5.448.000 6.400.000 952.000 _ 10 4.800.000 6.800.0 ;0 2.000.000 _ 11 5.500.000 6.2OD.00O 900.000 _ 12 6.400.000 6.520.000 120.000 _ 13 5.200.uoo 6.000.000 800.000 _ 14 4.980.00Ü 5.280.000 300.000 _ 15 6.000.000 6.948.000 5.880.000 6-72o.000 120 000 16 228.000 Em 14 (87,5 por 100) o numero augmentou; em 2 (12,5 por 100) o numero diminuiu; quanto á hemoglobina em 12 (75%) a relação augmentou, em 3 (18,85 %) soffreu ligeira reducção, em 1 (6,5 % ) não se alterou. 3) Pesquisas do Dr. Pedro Severiano de Magalhães (1) Dizer dos estudos de um mestre, justamente acatado assim pelo seu saber como pela probidade com que sella quanto lhe transluz da mente, é tarefa melindrosa a que desejáramos nos esquivar, si (1) Dr. Pedro severiano, Notas Micrographicas, Gazela Medica da Bahia, 1881. — 43 — procedendo ao inquérito, embora incompleto, dos dados experímentaes com vista a este ponto, não nos trouxesse o dever á árdua contingência de nenhum omittir de quantos soubéssemos. Fugindo a este preceito indeclinável — ou porque se nos entibiasse o animo ante julgamento menos lisongeiro, na hypothese de condemnar, — ou porque nos fal- tasse a coragem para aífrontar sentença de maior porte, na hypothese de approvar, o certo é que, ao pautarmos por ahi a nossa conducta, se levantaria prompta a accusação, mais dolorosa, de havermos crimino- samente desdenhado das cousas pátrias. Nestes termos invocamos tole- rância para a apreciação, a que, sem deslustre nem desdouro para nome tão reputado, resignadamente nos iinpuzemos. Sob a rubrica Notas Micro gr aphicas, o Dr. Pedro Severiano communicou aos leitores da Gazeta Medica da Bahia, 15 annos atraz, que das pesquisas que em- prehendera, já sabemos com que objectivo, chegara a conclusão de que, entre nós, o numero de glóbulos vermelhos por millimetro cúbico de sangue podia ser cotado entre 2.400,000 e 2.800,000, não obstante ter encontrado em alguns 1.358,000 e 1.821,800. Estes dados, reunidos aquelles que obteve o Dr. Pacifico Pereira, depõem a favor da anemia globular physiologica. Será porém este depoimento tão absoluto que valha um veredictum ? Não o cremos. Pedimos venia para advertir que a condição essencial, primeira na successão de todas as outras indispensáveis a quem se abeirar da matéria, pela sua aresta experimental, é esta que se refere á uniformidade de requesitos da parte dos indivíduos sobre os quaes vae versar a experiência; ora, quem lê o Dr. Pedro Severiano, comquanto saiba que os indivíduos examinados se julgavam sãos, por occasião de se lhes perquirir do sangue, fica na ignorância completa acerca da edade que então possuíam, da raça e do sexo a que pertenciam, da profissão que exerciam, da alimentação que habitualmente usavam, do conforto de que dispunham, do tempo decorrido após a digestão e sobretudo da possibilidade de terem alguns dentre elles, pouco antes, soffrido qualquer moléstia grave — dessas cujas desordens desafiam por prazo dilatado as forças repara- doras do organismo e sobre cujos traços a economia não corre para _ 44 — logo uma esponja. Demais disso não basta que o individuo se diga são para que immediatamente se afaste a idéa de moléstia; haja vista ao facto, neste particular bastante instructivo, que occorreu no decurso dos nossos exames: — entremos que generosamente nos concederam uma gotta de seu sangue, collegas quasi todos, um encontramos em que a numeração globular apenas revelou 3.500,000; estranhando este resultado que, até então, não obtiveramos tão baixo, verificámos, após insistentes indagações, que, de ha muito, era este moço portador de cancros venereos que tinham apparecido alguns dias depois de haver cessado um derradeiro corrimento blennorrhagico. Estamos convencidos de que o Dr. Pedro Severiano, para quem o microscópio não tem segredos, rigorosamente observaria todas as minúcias de technica, si, adstricto particularmente ao assumpto, não se tivesse delle accidentalmente occupado no encalço de outras deduc- ções. O honrado professor, sobre não haver levado em conta todas as condições que enumeramos, nada egualmente nos diz sobre as precauções que tomou relativamente á eventualidade de erro nas diversas phases da operação hematimetrica em si mesma. Opportunamente mostraremos quaes as garantias de que o ob- servador se deverá cercar para fugir a uma conclusão falsa, e pela relevância dellas melhor se julgará dos inconvenientes promanados de sua inobservância. 4) Pesquisas do Dr. Josias de Andrade (1) Em these inaugural, defendida em 1892, perante a Academia de Medicina da Bahia, o Dr. Josias de Andrade, apoiado em 150 obser- vações hematimetricas, colhidas quasi todas no centro de seu estado natal, conclue que deva ser computada, em 4.000,000 de glóbulos, a média, por millimetro cúbico de sangue, para os habitantes dos paizes tropicaes. Esta cifra, superior de mais de um milhão, ás estipuladas pelo Dr. Pedro Severiano, ainda que consideravelmente accrescida, é todavia inferior de 500,000 aquella que Hayem e seus discípulos adoptaram como minima. (1) Josias de Andrade, Theseinaug., Bahia, 1892. — 45 — Contra estes estudos que sobre os nossos têm a vantagem do numero e que como os nossos, seguiram á risca os preceitos de Maurel, nenhuma impugnação, valha a verdade, se nos depara senão esta que resahe da circumstancia de terem contribuído para a sobredita média 88 componentes que, tirados de indivíduos de cor (64 mestiços e 24 negros) nos quaes o autor verificara sempre diferença para menos na quota globular, traduzem antes, pelo menos assim nos quer parecer, que a influencia meteorológica ess'outra que se vincula á raça - a ethnologica. 5) Pesquisas do autor — (Technica — Glóbulos vermelhos) A' exemplo do que domina como praxe em todo o trabalho experi- mental, em breve exposição, daremos conta dos meios sobre que tivemos mão no decorrer das nossas explorações e do modo pelo qual entraram elles em jogo. Descripção do apparelho.— Ao hematimetro de Malassez deveríamos dar preferencia por ser o que, ao par de relativa precisão, permitte maior rapidez, não só na operação de contagem como no cal- culo que se lhe segue para referir o numero achado no volume medido pelo instrumental, áquelle que deverá existir em um millimetro cúbico de sangue; não obstante esta vantagem, para nós, que escrevemos a prazo curto, preciosíssima, não foi este o apparelho que manejámos Forçado a prescindirmos delle pela impossibilidade de termol-o ao nosso dispor, se impunha, na emergência, que, recorrendo ao de Hayem- Nachet, de que possue a cadeira de Clinica Propedêutica um bom especimen, imprimissemos-lhe uma modificação qualquer que, visando attenuar-lhe a morosidade, mais se compadecesse com a escassez do tempo. De passagem ponderamos que esta modificação de technica usual de modo nenhum, como se verá, facilita o erro. Do hematimetro de Hayem-Nachet, sendo, sem contestação o dispositivo destinado a medir o volume do sangue e do serum, antes da intervenção do micros- cópio, aquelle que mais dilatados minutos exigia era exactamente para ahi que se nos devia convergir a attenção e foi o que fizemos:— substituindo as duas pipettas destinadas, uma só ao sangue, ao serum — 46 — a outra, pelo tubo de Potain (melangeur Potain), que de um só golpe titula a diluição sangüínea, servimo-nos na realidade, de um processo mixto em que, sem ofensa á disciplina instrumental, figuram de um lado um dos accessorios dos apparelhos de Malassez e de Thoma Zeiss e de outro peças componentes do hematimetro em questão. O melan- geur Potain (Fig.l), como ninguém ha que ignore, é constituido por um tubo de vidro,capillarmente calibrado, tendo uma das extremidades, a que mergulha na gotta de sangue, afilada e a outra, á que se continua Fig. 1. um tubo de borracha, a pequena distancia de uma dilatação em fôrma de ampolla em cujo interior está collocado, movendo-se livremente, um disco de vidro, de dimensões exíguas, graças ao qual a mistura que nesse reservatório se armazena por aspiração, attinge o máximo gráo de homogeneidade. A capacidade total, da ampolla e do tubo, está para a da porção deste, comprehendida entre um traço assignalado pelo algarismo 1 e a extremidade ponteaguda, na razão de 100:1; para a da porção do tubo comprehendida entre o traço assignalado pelo algarismo 2 e a mesma extremidade na razão de 200:1, etc, etc. ; pelo que, quando quizermos o sangue diluído ao centésimo, aspiramol-o até o traço 1 e fazendo o mesmo ao serum trazemol-o ao nível de uma linha gravada na porção a cavalleiro sobre a ampolla. Variando o volume de sangue, de accôrdo com os outros pontos de aferição e conservando no mesmo pé o do serum, podemos obter diluições cada vez mais fracas. Quanto ao apparelho, propriamente de contagem, se compõe elle : aj—De uma peça de óptica (Fig.2), tendo gravado na porção que inferiormente a termina, um quadrado cujos lados medem 3 millimetros e cuja área está dividida em 16 outros que nelle se contêm e na outra, que esta encima, no mesmo plano vertical, um systema de lentes — 47 — convergentes, por tal fôrma dispostas, que a imagem do quadrado, perceptível no ponto O, não meça mais de 1/5 de millimetro de lado. b)—De uma placa de cobre perfurada no centro para permittir o encaixe, em rosca, da peça supramencionada (C. Fig. 2). Reunidos em um só corpo são estas duas peças collocadas sobre a platinado micros- cópio, competindo ao observador precaver-se, neste tempo, contra a interposição de quaesquer corpos, ainda poeiras, que, entre os dous planos horisontaes, a um delles, o superior, porque é movei, alteraria o nivelamento e conseguintemente favoreceria o accumulo de glóbulos em um dos pontos da preparação com prejuízo dos outros. c) — De uma cellula hematimetrica — formada por uma perda de substancia de configuração circular, de 1/5 de altura e 1 cent. de diâmetro, aberta no centro de uma lamina de vidro —(A. Fig. 3). d)—De uma laminula trabalhada de modo a accusar em qualquer ponto de sua superfície a mesma espessura. (B. Fig. 3). Deposta sobre a cellula esta laminula fecha um espaço circular no qual se colloca a 48 gotta da diluição que, sahindo da extremidade afilada do melangeur, vae ser approveitada. Melhor que toda descripção a Fig. n. 4 dá uma idéa do conjuncto deste apparelho. Fig. 4. Processo. —Depois de convenientemente lavada a polpa de um dos dedos, geralmente a do indicador, tomávamos do acupunctor, cuja extremidade, a um tempo perfurante e cortante, fôra previamente re- gulada por meio de um mechanismo simples e com este instrumento apropriado picávamos de leve o dedo sobre o qual sempre nos acau- tellàmos de exercer uma expressão demasiado forte para alterar os elementos do sangue, ahi, segundo o dizer dos autores, venoso. Renun- ciando a primeira gotta immediataraente outra surgia da ferida puncti- forme ; entrementes recorríamos ao tubo de Potain que, verticalmente collocado em relação á gotta, sugava-a até o instante era que o nivel superior da pequena columna sangüínea confrontasse o traço 1 (as nossas diluições foram sempre feitas ao centésimo). Recommenda Maurel que, para maior facilidade de execução, ultrapasse o sangue no tubo capillar o ponto escolhido como afferente e que após se o faça regredir até elle por pequenas e repetidas oscillações; o excedente, a proporção que for sahindo, vae, paripassu sendo retirado, por meio de um pedaço de linho, da extremidade inferior a que adhere. Certo de que, descontinuando a columna de sangue não havia de permeio nenhuma bolha de ar, o que por vez-s acontece, levávamos a extremidade do tubo ao serum depositado em um cahx de reacção e aspiravamol-o de envolta com o sangue até que a mistura viesse tocar o traço superior á ampolla (101) na — 49 — qual, por movimentos rápidos transmittidos pela mão, o disco de vidro entrava em acção. O serum a que demos preferencia e que só em um caso, —no de hyperinose — tem contraindicação é o serum que, assim, formula Hayem, sob a denominação do liquido A : Água distillada...................... 200 grammos Chlorureto de sódio puro............ 1 » Sulphato de sódio puro.............. 5 » Bichlornreto de mercúrio............ 0,50 centigrammos Satisfeitos estes requesitos deslocávamos, pelo desequilíbrio de pressão conseqüente á expiração no tubo de borracha, a porção liquida contida no reservatório arapollar, obrigando-a a procurar sahida pela extremidade inferior; desprezávamos as primeiras gottas que o aban- donavam e, approveitando a sexta ou a sétima depunhamol-a sobre a cellula destinada a recebel-ae, cautellosamente, evitando a intromissão de importuna bolha de ar, deixávamos que sobre ella cahisse a laminula. Nenhum exame fizemos em que nos poupássemos o cuidado de ser essa gotta menor do que as que a precederam e não poucas vezes fomos obri- gado a pacientemente recomeçar esta phase de operação até alcançar este resultado. Talvez seja esse o único inconveniente do tubo de Potain funccionando com o apparelho de Hayem-Nachet. Não obstante, ao cabo de algumas tentativas, conseguíamos sempre obter uma gotta de volume reduzido a ponto de permittir que, entre suas bordas e o perí- metro da cellula, intervallasse um espaço vasio, sem o qual, o liquido, espraiando-se viria ter ao plano de juncção da laminula com a lamina e por ahi se escaparia tornando impossível a contagem pelas correntes que logo se estabeleceriam. Adaptada a laminula, com um fragmento de papel de filtro corríamos todos os pontos que a supportavam, de modo a permittir á saliva de que previamente fora embebido que se insinuasse por toda a superfície de contacto e assim impedisse a entrada do ar—episódio muito para temer. Lamina, laminula, placa de cobre e apparelho de óptica (fig. 4) formam então um só todo sobre o qual desce a objectiva do microscópio. (1) (1) Ao microscópio de Leitz—objectiva 7eocular 3—devemos todas as numerações feitas. 7 A —1896 — 50 — Nestas condições a contagem, depois de alguns minutos, necessários para que se acamassem todos os glóbulos vermelhos, não offerecia grande diffículdade: — contávamos os glóbulos contidos em cada um dos quadrados de cada uma fileira, como meios considerávamos os que cavalgavam as linhas de separação, totalisavamos depois o resultado com as sommas obtidas em cada serie de 4 pequenos qua- drados e em seguida multiplicavamol-o por 12,500—numero esse que resulta de 100 x 125— o primeiro factor representando o titulo de diluição (l°/0) e o segundo indicando à referencia a um millimetro cúbico (1/5 X 1/5 x 1/5=^). A exemplo de Maurel contámos em seis grandes quadrados imaginando o campo de preparação dividido em quatro partes iguaes por duas linhas perpendiculares interseccionando-se ao meio; no sentido de cada uma dessas linhas examinávamos os três quadrados que se lhe dispunham ao longo, tirávamos a média das duas series de três, uma representando a direcção horizontal, outra a vertical, sommavamos as duas médias parciaes, dividíamos o total por dous e desfarte possuíamos a média definitiva de seis quadrados. Embora muito simples esse manuseio leva ao erro quem não obedecer a uns tantos preceitos que se propõem a evital-o:—1.° Uma vez feita a picada e rejeitada a primeira gotta que brota deve-se sem perda de tempo approveitar a segunda para impedir que o serum, dando- se á evaporação, condense a parte que fica sobre a superfície digital. — 2.° Pela pipeta, depois de cada exame, deve-se fazer passar primeiramente uma solução de potassa que dissolve, quando existem, os coalhos microscópicos e depois álcool e ether que acarretam, caso se tenham deposto os crystaes salinos provenien- tes do serum artificial. — 3.° Se a proporção em um dos seus pontos accusar á observação maior densidade de que em outros, o experimentador deve abster-se da contagem e recomeçar a ope- ração.—4.° Não se podendo evitar o que a peripheria da gotta seja mais pobre em hematias deve-se, por isso, proceder á numeração de modo que não entrem em conta os elementos marginaes.— 5.° Con- tados todos os glóbulos contidos em um quadrado deve-se, para repetir a mesma operação em um outro, deslocar a lamina de — 51 — modo que os glóbulos, que eram vistos em uma das linhas extremas, passem a occupar a sua parallela. Sem esta precaução corre-se o risco de contar duas vezes a mesma hematia. Glóbulos Brancos. — Utilisando-nos das pipettas que acompa- nham o hematimetro de Hayem-Nachet, — com a de Potain não podíamos obter a diluição no gráo que desejávamos — mediamos em uma dellas 4 millimetros cubicos do serum de Thoma, de Hei- delberg, assim dosado: Ácido acetico puro....... 1 grm. Água distillada........... 300 grm. Em seguida, do pequeno recipiente em que a mistura se torna homogênea, graças á agitação com uma colherinha de vidro adequada a esse fim, transportávamos uma gotta á cellula hematimetrica obser- vando os mesmos cuidados que nos mereceu a numeração dos glóbulos vermelhos. Maurel cujas diluições, com serum de natureza diversa, foram tituladas a 1/248, suppondo o campo dividido por duas linhas perpendiculares que se cruzavam no centro, contava 30 quadrados no sentido de cada uma dellas—60 ao todo—e depois deduzia a média dividindo o numero total dos leucocytos pelo numero dos quadrados. Segundo este autor está sujeita ao erro toda média que provem da contagem em menos de 60 quadrados; como porém este erro se prende á escassez relativa de glóbulos brancos no sangue, julgámos que 30 quadrados nos bastassem, uma vez que em lugar da diluição a 1/248 empregássemos uma a 1/124. Supponhamos que contando os leucocytos em 30 quadrados tenhamos encontrado um total de 12. A média será íf=0,4. O numero total será : 124 (1)X 125=15,500X0,4=6,200 (1) 500 millimetros cubicos menos 4, que pertencem cá molhagcm, igualam 496 que, divididos por 4, se reduzem a 124. — 52 Chromometria Ainda que muito digam Hayem (1) e Bizzozero (2) em favor—o primeiro de seu chromometro—o segundo do apparelho que denominou chromocytometro, pensamos que nenhum dos dous pôde clinicamente competir com o hemometro de Fleischl (fig. 5), que os excede em sim- plicidade e rapidez e que por esses attributos ao lado do hemoglobino- metro de Gowers, mereceu a preferencia de Eichorst, (3) o professor de Zurich. Este apparelho, que repousa sobre os mesmos princípios colori- metricos que são a base de seus congêneres, affectando no conjuncto da forma grande semelhança com um microscópio simples, dosa a hemo- globina pela comparação entre uma solução aquosa da matéria corante do sangue e um prisma de vidro, corado pela purpura de Cassius e encaixado em uma corrediça metallica ao longo da qual deslisa, para a direita ou para a esquerda, conforme em um ou em outro sentido girar o parafuso. Parallelamente disposta ao prisma vê-se uma escala cujas graduações extremas— O e 100 - devem normalmente coincidir com os pontos de maior ou menor espessura do disco. Sobre a placa horison- tal existem dons orifícios, um circular, no centro, que recebe um vaso, fechado na parte inferior por um fundo transparente (de vidro) e dividido em duas ametades, -rigorosamente iguaes, por um septo metallico que tanto tem de altura quanto o vaso que divide ; outro, elliptico, na margem que olha para o experimentador, permittindo a leitura da escala cujas graduações lhe cortam successivamente a luz. Eis como procedemos : Feita a picada tocávamos a gotta de sangue que brotava da superfície digital com a pipetta automática que, quando perfeita- mente secca, immediatamente se enchia. Para que o sangue não adherisse á parede externa, o que, concentrando o gráo da solução nos conduziria a um resultado exaggerado, collocavamos a pipetta verticalmente á gotta de sangue, de modo que apenas a tangenciasse (1) Hayem, op. cit., pag. 43. (2) Bizzozero, op.cit., pag. 121. 3) Eichorst, Diagnostic Medicai, pag. 518. — 53 — sem mergulhar nella. Por essa fôrma medida a quantidade de sangue transferiamol-a para um dos compartimentos do vaso — o que repousa sobre o segmento vasio — previamente cheio d'agua até o 1/4 de sua altura; desembaraçada a pipetta completávamos com água a capacidade dessa metade do vaso e na outra derramávamos a quanti- dade sufficiente desse liquido para enchel-a. Em seguida com o conta-gottas annexo ao apparelho, fazíamos com que o nivel superior dos dous líquidos coincidisse perfeitamente Hemoraetro de Fleischl. com o nivel das bordas dos compartimentos, de modo a formarem ambos um só plano horisontal. Assim preparado, o apparelho estava prompto para funccionar; os raios luminosos despedidos por uma — 54 — vela ou por uma lâmpada a óleo. por isso que a luz solar aqui não convém, sendo refíectidos pelo espelho de papel branco orientado na melhor posição possível, mostravam-nos logo a desigualdade entre as cores dos líquidos contidos nas duas ametades. Era então que, torcendo o parafuso, fazíamos o disco corado progredir ou regredir sob o compartimento que só água continha até que não fosse mais dado notar algo de differença no tom chromogeno. Neste momento liamos o numero indicado na escala cujo ponto básico é 100. Si esse numero era 40, si 70, si 80, etc. entendíamos que o sangue que o forneceu possuía de hemoglobina 40 °/0, 70 %» 80 % etc- * * * Consignando aquias nossas conclusões, nem pretendemos que sejam absolutas, nem tampouco que escapem ás contestações a que sempre abrem margem as difficuldades que enredam o passo a quem, como nós, avança, caminho da experiência, sem que de vezes outras o tenha pal- milhado. Mal dissimulamos, dando-lhes corpo nestas paginas, o desejo de que se nos abram os olhos a erros, por ventura, despercebidos. Estas conclusões são: 1 .a A anemia globular physiologica essencial dos climas quentes, não existe, por isso que a cifra de 4,846,025 glóbulos vermelhos, média am- parada em 20 hematimetrias, por cada millimetro cúbico de sangue, não a fundamenta experimentalmente. 2.* A* luz da argumentarão physiologica, a theoria da anemia va- cilla em seus alicerces. Desde que, a consensu uno, se admitte que nas zonas tropicaes os movimentos respiratórios se multiplicam e que portanto senão mais vigorosa a oxydação da matéria, esta reacção orgânica se traduz por maior somma de calor transformavel em força mecânica ; — também por esse lado não é inacceitavel a theoria. •5.a O coeficiente respiratório do sangue de um tropical rivalisa com o dí um europeu, a merecer credito a média de 80 a Sõ °/0 de hemoglobina. 4.* O numero de glóbulos brancos nos trópicos — (0 a 7000) não vae de encontro ao que foi estabelecido na Europa. Exame n. I. — Z___24 annos, estudante, natural da Capital Federal, donde nunca sahiu e onde nunca adoeceu. Constituição forte. 30 32 30 30 122 24 30 30 37 121 ■>2 31 35 34 122 32 27 32 31 122 4S7 IV 2ii 30 29 26 in |! |oS 22 07 21 98 26 30 24 26 106 2S 26 27 28 109 424 HEMATIAS II III 31 26 25 32 114 24 29 27 27 107 29 2(5 25 27 107 21 i 31 26 27 110 31 22 26 32 111 29 30 31 31 121 • K> 34 32 31 130 31 2G 2S 29 114 4(5-2 452 VI 26 29 25 34 114 25 35 25 35 120 ,4 24 31 29 los 2S °5 29 32 114 456 M 31 25 32 124 19 33 26 22 100 27 25 2rt 27 107 25 24 24 25 9S 429 Média dos três primeiros quadrados.............. 467 Média dos três últimos quadrados................ 436 Média das médias............................... 451 Numero total dos glóbulos...................... 5.637.500 5 — o 5 = 1 5 = q 5 = 2 5 = 2 5 = 4 30 = 14 GLÓBULOS BRANCOS Media........... Total............ Relação globular 0.47 7.2S5 — 56 — Exame n. 2. — Z .. .. 25 annos, estudante, natural do Estado do Ceará. Constituição forte. Eeside na capital ba mais de 5 annos, sem nunca ter adoecido. u m 28 29 18 28 103 25 26 20 25 96 28 22 21 30 101 20 21 33 26 100 18 25 29 26 98 29 26 22 27 104 29 28 27 32 116 28 26 28 26 108 27 27 25 22 101 24 19 2S 26 97 21 26 19 24 90 23 23 20 21 87 416 392 393 IV VI 31 25 23 25 104 24 24 29 27 104 26 31 24 26 107 27 28 30 28 113 27 24 32 32 115 27 26 27 25 105 20 33 29 29 111 30 31 28 29 118 26 28 26 23 103 — — -- — —- —■ — -— —- —. — — 18 27 27 30 102 31 25 31 25 112 28 30 24 25 107 430 449 422 Média dos trcs primeiros quadrados............. 4oú ■ » » » últimos » ............. 434 » das médias.............................. 417 Numero total.................................. 5.212.500 5 — 4 5 = 0 5 = 2 5 = 0 5 = 3 5 = 1 30 = 10 GLÓBULOS BRANCOS Média........... Numero total___ Relação globular. 0.33 5.115 1:1019 — 57 — Exame n. 3. — Z... 24 annos, estudante, constituição forte, natural do Estado de S. Paulo, de onde sahiu aos 12 annos para esta Capital. Nenhuma moléstia grave. HEMATIAS II III 20 22 25 28 95 20 29 28 24 101 25 28 2 0 20 93 25 25 25 26 101 18 23 27 25 93 28 25 29 27 109 26 23 23 25 97 20 25 22 21 88 29 24 20 27 100 25 -- 20 27 24 96 18 21 25 19 83 26 20 21 27 94 389 365 396 IV VI 22 24 25 23 94 27 31 20 27 105 20 29 22 18 89 20 24 21 20 85 29 19 17 26 91 27 20 25 19 91 22 20 24 26 92 23 26 19 22 90 23 18 16 29 86 oo 22 27 °2 93 24 21 21 22 88 23 20 20 28 91 364 374 357 Média dos três primeiros quadrados.. 383 » dos » últimos > 365 » das médias................. 374 Numero total 4.675.000 5 — 2 5 = 1 5 = 0 5 = 2 5 = 1 5 = 2 30 = 8 GLÓBULOS BRANCOS Média.......................... 0.27 Numero total................... 3.185 Relação globular................ 1:1467 A —1896 — 58 — Exame n. 4. — Z___, 20 annos, estudante, constituição forte, natural do Estado do Pará, d'onde sahiu em 1894 com destino a esta Capital. Nenhuma moléstia grave. HEMATIAS I II m 25 24 27 100 26 22 27 106 21 34 20 102 23 21 21 90 398 IV 19 20 24 25 88 25 26 24 29 104 25 22 25 27 99 24 30 27 25 106 397 24 20 25 26 95 20 24 22 22 88 23 25 22 22 92 27 26 20 28 101 376 V 27 25 30 24 106 28 26 2S 29 111 28 21 25 26 110 25 30 26 27 108 435 22 27 30 21 100 .— ■— ■— ■— 25 31 22 29 107 -— — — — 25 28 24 26 103 .— — — — 25 27 27 28 107 417 VI 23 21 33 25 ------1 102 34 22 25 26 107 25 22 33 31 111 28 24 23 30 105 425 Média dos três primeiros quadrados.............. 397 » » » últimos » .............. 419 » das médias.............................. 403 Numero total.................................. 5.037.500 GLÓBULOS BRANCOS 5 .— 3 5 — 2 5 = 0 5 = 3 5 = 0 5 = 3 30 11 Média........... Numero total___ Relação globular. 0.37 5.735 1:857 — 59 — Exame n. 5. — Z......, constituição regular, 37 annos, estudante, natural do Estado do Espirito Santo. Reside nesta Capital ha 22 annos sem nunca ter soffrido moléstia grave. HEMATIAS I II III 25 20 22 •'3 90 19 24 23 25 91 32 24 25- 30 111 20 20 19 16 < .> 367 19 27 26 25 97 21 22 24 •);5 90 26 25 21 15 S7 25 26 26 24 101 375 29 29 24 28 25 26 25 28 2(5 21 23 28 30 23 18 28 110 99 90 112 411 IV V VI 23 27 25 25 100 24 25 20 20 89 21 26 28 25 100 27 26 29 21 103 392 19 20 19 23 81 19 25 23 21 88 23 23 22 27 95 26 26 23 25 100 364 --- 2!) 25 27 26 107 20 31 28 25 104 21 21 21 25 ss 24 27 27 27 105 404 Média dos três primeiros quadrados 384 \ » » » últimos » 38(5 ' Numero total 4.812.500 » das médias.................. 385 ; GLÓBULOS BRANCOS Média.................... 0.43 Numero total............. 6.865 Relação globular.......... 1:701 5 = 1 5 = 0 : 5 = 2 5 = 2 5 = 5 5 = 3 ! 30 = 13 — 60 — Exame n. 6 — Z... 23 annos, estudante, morador na cidade do Rio de Janeiro de onde é fllho. Nunca soffreu moléstia grave. Constituição regular. 17 15 17 20 69 14 21 20 20 75 11 14 is 13 56 15 14 19 15 63 263 HEMATIAS II 9 15 18 13 55 9 13 15 16 53 11 10 12 10 43 15 14 17 14 60 211 III 14 15 18 22 69 18 17 18 18 71 18 19 27 19 83 14 18 15 24 71 294 14 12 16 13 55 20 20 24 12 76 18 20 24 18 80 18 27 24 is 87 298 13 18 13 20 64 14 14 17 15 60 11 8 16 19 54 16 15 16 13 60 238 15 19 14 14 62 14 15 12 12 53 15 21 17 17 70 25 11 16 16 68 253 Média dos três primeiros quadrados.. 256 \ » » » últimos » 263/ Numero total 3.237.500 » das médias.................. 259 5 — 2 5 = 2 5 = 0 5 = 1 5 = 3 5 = 0 30 = 8 GLÓBULOS BRANCOS Média................. 0.26 Numero total.......... 4030 Relação globular....... 1:803 — 61 — Exame n. 7 —Z... 19 annos, estudante, natural do Pará de onde sahiu aos 17 annos. Constituição regular. Em fins de 1S93 teve gonorrhéa que per- sistiu 4 mezes. Actualmente cancros molles. HEMAT1AS II III 18 14 16 18 66 !n 17 16 22 6!» 18 17 19 15 69 22 19 17 15 73 277 16 9 16 14 55 18 18 16 14 66 n; 19 19 18 72 16 15 14 18 63 256 16 21 18 18 73 21 20 16 18 75 18 18 15 17 68 18 18 17 16 69 285 VI 21 15 15 22 73 17 18 17 17 69 17 18 20 o 76 i17 18 12 20 67 19 16 17 15 67 16 21 21 19 77 21 20 16 15 72 i 18 14 20 16 68 19 20 16 20 75 18 22 21 2(1 81 17 13 13 19 62 15 21 19 22 80 293 j 266 308 Média dos três primeiros quadrados.. 272 ) » » » últimos » 289 > Numero total 3.500.000 » das médias................... 280 ) 5 — o 5 = 5 5 = 1 5 = 3 5 = 3 5 = 2 30 = 17 GLÓBULOS BRANCOS Média................. 0.56 Numero total......... 8.6I-0 Relação globular...... 1:403 — 62 — Exame n. 8 —Z... estudante, 23 annos. Natural de Sergipe de onde sahiu, ha 14 annos, para esta Capital. De cinco annos a esta parte nenhuma moléstia grave. HEMATIAS II III 17 20 22 20 79 21 15 19 22 77 18 18 19 26 81 17 20 24 16 77 20 21 22 24 87 32 22 20 25 99 — — —- — — — — — — —- — — 22 25 25 20 92 20 20 21 26 87 25 18 23 24 90 — — — — — — — — — -- — — 23 22 24 27 96 18 20 24 22 84 21 19 14 21 75 344 335 345 IV VI 25 18 22 22 87 26 24 27 18 95 30 30 22 23 105 28 26 31 23 108 395 28 24 21 28 101 30 27 18 25 100 28 23 29 26 106 26 24 22 24 96 403 28 28 24 29 109 19 17 22 24 82 27 21 22 23 93 20 17 23 21 81 365 Média dos três primeiros quadrados 341\ » 387 } Numero total 4.550.000 » » » últimos » das médias..... 364 5 _ 4 5 = 3 5 = 4 5 = 0 5 = 1 5 = 1 30 = 13 GLÓBULOS BRANCOS Média................... 0.43 Numero total............ 6.665 Relação globular........ 1:682 Hemoglobina = 80 (do apparelho de Fleischl) — 63 — Exame n. 9. — Z___estudante, 18 annos, natural de S. Paulo. N'esta ca- pital ha 13 annos. Nenhuma moléstia grave. Constituição regular HEMATIAS II 23 25 20 24 92 18 25 16 22 81 20 21 25 24 90 18 19 20 17 74 337 III 15 20 23 27 85 23 22 :?0 25 100 28 20 18 23 89 28 28 26 24 106 31 28 20 24 103 26 32 20 26 104 22 24 27 25 98 23 27 19 27 96 24 23 18 27 92 17 25 20 19 81 21 26 23 20 90 23 26 19 22 90 370 389 375 VI 22 20 27 20 89 22 21 23 21 87 20 26 23 17 8(5 20 31 16 17 84 22 25 19 24 90 24 25 23 22 94 22 29 24 24 99 28 19 25 24 96 364 361 Média dos três primeiros quadrados............... 378 » » três últimos » ............... 354 » das médias............................... 366 Numero total .................................. 4.575.000 GLÓBULOS BRANCOS Média......................... 0.43 Total.......................... 6.665 Relação globular.............. 1 :(5s6 Hemoglobina 75 do apparelho de Fleischl. 5 — 2 5 = 1 5 = 4 5 = o • ) 5 = 2 5 = 1 30 = 13 — 64 — Exame n. 10. — Z .. .. Individuo de constituição robusta. 25 annos, natural desta Capital. De 5 annos a esta parte nenhuma moléstia grave. HEMATIAS II III 30 26 20 23 99 18 24 26 24 92 25 24 25 26 100 l — — — — — — ■— — — — __ __ 28 20 18 22 88 28 28 25 20 101 29 23 22 25 99 — — — — -— -— -— ■— — — __ .__ 25 23 24 19 91 30 27 26 22 105 28 28 30 30 116 — — ■— — — — — — __ .__ .__ __ 25 24 24 19 92 17 25 28 24 94 21 28 24 21 94 370 392 409 IV V VI 22 25 24 31 102 25 28 20 24 97 19 23 22 90 86 — — — — — — — __ __ __ 25 25 24 23 97 18 27 27 23 95 23 16 21 19 79 — -- — —■ — — — — __ __. __ 20 .20 21 22 83 22 18 25 27 92 21 21 21 18 81 i — — — — — — — — __. __ __ 2í> 24 20 22 92 24 29 27 25 105 20 13 18 22 73 374 1 1 389 319 Média dos três primeiros quadrados............. 390 » » » últimos » ............. 36q » das médias........................... 37- Numero total...........................[[[[''' 4.687.000 5 — 4 5 = 0 5 = 3 5 = 2 5 = 1 5 = 2 30 = " GLÓBULOS BRANCOS Média........... Numero total___ Relação globular. 0.4 6.200 1:755 Hemoglobina=70 a 75 do apparelho de Fleischl. — 65 — Exame n. II. — Z___ estudante, constituição regular, 24 annos, natural do Maranhão. Ha seis annos mora nesta Capital. Nenhuma mo- léstia grave. HEMATIAS I II lli 19 23 22 29 93 27 28 27 24 106 23 31 22 23 99 22 27 31 20 100 32 18 28 23 101 23 26 23 24 96 31 26 24 23 104 26 27 21 27 101 27 16 29 22 94 26 27 20 17 90 28 18 25 23 94 25 16 25 27 93 387 402 382 IV V VI 25 24 27 23 99 21 26 12 27 86 27 22 25 21 95 24 26 24 19 93 16 27 21 23 87 20 16 25 26 87 27 20 34 27 108 33 34 27 23 117 26 22 23 23 94 23 26 25 25 99 28 27 24 20 99 23 25 20 20 88 399 389 364 Média dos três primeiros quadrados. » » » últimos » » das médias.................. ........ 390 ........ 384 ........ 387 Numero total.................................. 4.837.500 5 — 2 5 = 3 5 = 2 5 = 3 5 = 1 5 = 1 30 = 12 GLÓBULOS BRANCOS Média........... Numero total.... Relação globular. 0.4 6.200 1:780 Hemoglobina : 75 a 80 do apparelho de Fleischl. N. B.— Os resultados de duas contagens, com intervallo de um mez, coinci- diram na mesma cifra. 9 A -1896. — 66 — Exame n. 12. — Z___estudante, constituição regular, 26 annos, natural da Capital Federal. Nenhuma moléstia grave de cinco annos a esta parte. HEMATIAS I II III 21 26 31 25 103 28 21 23 19 91 26 22 18 25 91 28 26 23 22 99 27 20 24 21 92 24 24 30 27 105 22 24 25 20 91 32 29 27 28 116 31 28 23 23 105 24 35 25 22 106 29 27 25 19 100 28 31 24 20 103 399 399 404 VI 27 22 19 20 88 27 27 25 19 98 30 21 25 28 104 —- -— — ■— -— — •— — — — -— — 23 27 26 29 105 24 27 17 18 86 25 23 30 22 100 -— — — — ■— — — -- — — .— — 18 27 32 20 97 24 24 24 22 94 22 27 24 19 92 — — -— — -- — — — .— — -— _— 25 22 21 25 93 30 26 21 23 100 19 20 24 26 89 383 378 385 Média dos três primeiros quadrados......:........ 400 » » três últimos » .............. 332 » das médias............................... 391 Numero total .................................. 4, §87 500 5=2 5=2 5=3 5=2 5=0 5=5 30 = 14 GLÓBULOS BRANCOS Média........... Total............ Relação globular. 0.46 6.975 1:700 Hemoglobina : 85 do apparelho de Fleischl. — 67 — Exame n. 13 — Z... constituição forte, natural de S. Paulo. Ha quatro annos que chegou a esta Capital. Nenhuma moléstia grave. 24 annos. 27 26 29 23 105 30 28 27 26 111 26 27 27 30 110 37 28 22 24 111 437 HEMATIAS II 33 30 33 29 125 31 32 28 29 120 31 34 36 36 137 32 27 29 26 114 496 III 30 33 30 28 121 26 16 23 25 90 29 26 31 31 117 28 28 30 29 115 31 27 22 25 105 37 30 31 29 127 26 35 27 28 116 28 36 31 25 120 35 28 34 31 128 29 26 25 20 100 30 26 26 21 103 21 35 24 19 99 452 418 471 VI 30 30 32 27 119 30 34 34 25 123 34 32 29 23 118 31 28 28 28 115 475 Média dos três primeiros quadrados.............. 447 » » » últimos » .............. 469 » das médias.............................. 458 Numero total.................................. 5.725.000 5 _ 3 5 = 2 5 = 3 5 = 3 5 = 2 5 = 3 30 = 16 GLÓBULOS BRANCOS 0.53 8.215 Relação globular...... 1:696 — 68 — Exame n. 14 — Z... constituição regular, estudante, 25 annos, natural do Rio de Janeiro. Nunca soffreu moléstia grave. 25 27 24 27 103 23 22 16 20 81 27 32 20 29 108 31 24 21 28 104 396 HEMAT1AS II 31 30 25 29 115 28 22 24 25 99 31 27 26 20 104 17 27 23 16 83 401 III 25 24 30 26 105 26 35 32 32 125 34 31 29 38 132 27 32 33 30 122 484 VI 22 30 30 32 114 26 32 23 33 114 28 31 20 29 108 26 24 24 27 101 27 34 23 31 115 33 28 28 21 110 24 27 28 26 105 23 22 29 27 101 31 29 27 34 121 30 24 32 28 114 28 27 26 27 108 30 28 30 34 122 434 438 461 Média dos três primeiros quadrados............ 427 » » » últimos » ............. 444 » das médias.............................. 435 Numero total................................... 5.437.500 5 _ 2 5 = 1 5 = 2 5 = 5 5 = 3 5 = 3 30 = 16 GLÓBULOS BRANCOS Média............ Numero total___ Relação globular. 0.53 8.215 1:662 Hemoglobina : 80 do apparelho de Fleischl. — 69 — Exame n. 15 — Z... 19 annos, estudante, natural de S. Paulo. Residente nesta Capital ha 10 annos. Nunca soffreu moléstia grave. 28 28 23 24 103 ,25 26 23 23 97 25 18 29 22 94 21 28 24 16 89 383 H EMATIAS II 29 28 28 26 28 24 26 27 21 28 27 24 26 28 29 24 104 108 110 101 423 III 18 26 26 29 99 28 30 34 30 112 27 27 32 26 112 24 29 23 28 104 427 25 27 SS 32 117 29 27 30 26 112 25 26 28 36 115 22 26 30 23 101 445 35 19 29 30 113 24 27 21 29 101 27 29 28 29 113 18 27 26 22 93 420 22 31 27 26 106 25 25 26 23 99 20 26 24 19 89 33 31 28 30 122 416 Média dos três primeiros quadrados............. 411 » » » últimos » ............. 127 » das médias............................. 419 Numero total.................................. 5.237.500 5 _ 3 5 = 0 5 = 4 5 = 9 5 = 3 5 = 3 30 = 15 GLÓBULOS BRANCOS Média.......... Numero total___ Relação globular, 0.5 7.750 1:675 Hemoglobina: 90 do apparelho de Fleischl. — 70 — Exame n. 16. — Z......,22 annos, estudante, natural da Capital. Constituição forte. Nunca soffreu moléstia grave. HEMATIAS II III 29 27 16 29 25 26 20 18 23 19 24 23 26 30 26 27 103 102 86 97 28 28 24 29 23 31 26 30 26 25 17 25 27 29 29 29 104 113 96 113 426 23 28 25 30 31 21 25 23 24 28 21 25 26 25 17 26 104 102 88 104 388 398 IV VI Média dos três primeiros quadrados............. 404 » » » últimos » ............. 394 » das médias............................... 399 Numero total................................... 4.987.500 5= 3 5= 4 5=2 5=2 5=0 5=3 30 = 14 GLÓBULOS BRANCOS Média........... Numero total.. .. Relação globular. 0.46 7.130 1:099 Hemoglobina : 95 do apparelho de Fleischl. 26 24 25 24 25 25 25 22 26 23 24 19 29 20 27 23 106 92 101 88 23 28 34 19 30 30 20 27 27 18 23 25 23 20 26 26 103 96 103 97 399 24 18 24 19 29 28 20 26 25 30 28 24 31 26 22 23 109 102 94 92 387 397 — 71 — Exame n. 17. — Z... 20 annos, natural de S. Paulo. Residente nesta Capital. Nenhuma moléstia grave. Constituição forte. HEMATIAS II III 27 24 20 27 98 24 24 24 18 90 24 23 25 21 93 23 24 18 27 92 27 24 16 25 92 19 25 23 26 93 22 19 14 24 79 25 23 24 32 104 30 19 20 23 92 18 25 16 24 83 24 24 24 22 94 23 23 26 23 95 352 380 373 IV VI 29 22 19 19 89 22 21 22 19 84 27 25 23 23 98 25 27 27 26 105 29 22 21 26 98 22 22 25 22 91 21 28 28 22 99 24 25 22 25 96 31 26 29 23 109 18 28 28 16 90 18 20 26 20 84 21 29 27 20 97 383 362 395 Média dos três primeiros quadrados............. 368 » » » últimos > ............. 380 » das médias.............................. 374 Numero total.................................. 4.675.000 5 = 1 5=2 5=3 5=4 5=2 5 = 1 30 = 13 GLÓBULOS BRANCOS Média........... Numero total___ Relação globular. 0.43 6.665 1:701 Hemoglobina: 70 do apparelho de Fleischl. — 72 — Exame n. 18. — Z___, 20 annos, natural de S. Paulo. Constituição re- gular. Reside na Capital. Nunca soffreu moléstia grave. IV HEMATIAS II III 16 21 16 19 72 21 21 12 18 72 33 31 27 23 114 —. — — — — — -— — — — — — 23 21 12 13 69 23 20 16 18 77 30 23 24 18 95 — — _— —. — — — — — — — — 16 14 20 18 68 21 25 16 26 88 27 21 24 27 102 __ — — — -— — — — — — — — 18 12 17 16 63 22 21 18 25 86 30 23 27 28 108 272 323 419 VI 20 21 21 21 83 21 14 15 22 72 23 16 19 15 73 27 17 20 21 85 23 21 19 19 82 21 15 14 15 65 25 34 25 24 108 17 18 24 22 81 24 21 22 26 93 29 23 24 26 102 23 13 20 15 71 24 24 23 22 93 378 306 324 Média dos três primeiros quadrados.............. 337 » » » últimos » .............. 336 » das médias.............................. 337 Numero total.................................. 4.212.500 5 — 2 5 = 1 5 = 3 5 = 3 5 = 0 5 = 3 30 = 12 GLÓBULOS BRANCOS Média........... Numero total___ Relação globular. 0.4 6.200 1:679 Hemoglobina: 65 do apparelho de Fleischl. — 73 — Exame n. 19.— Z___, estudante, constituição robusta. Natural de Per- nambuco , 23 annos, — Reside na Capital — De cinco annos a esta parte nenhuma moléstia grave. HEMATIAS II IV Média dos três primeiros quadrados. » » » últimos » » das médias................. Numero total..................... 5 _ 3 5 = 2 5 = 5 5 = 2 5 = 5 5 = 30 = 20 III 26 26 27 24 103 28 30 23 30 111 27 29 3>2 28 116 23 27 29 29 108 32 28 29 28 117 24 26 32 24 106 22 26 29 28 105 31 35 30 27 123, 27 27 26 29 109 25 25 27 27 104 25 26 27 31 109 34 28 27 21 110 420 460 441 27 25 26 24 102 25 24 28 21 98 32 29 26 30 117 30 27 20 20 97 30 23 27 25 105 28 26 30 22 106 30 24 21 29 104 : 28 26 29 26 109 28 33 31 33 125 —. .— -- — — — — — -— — ■— — 28 22 22 22 94 32 27 33 25 117 21 24 37 34 116 397 429 4(54 GLÓBULOS BRANCOS Média........... Numero total.... Relação globulai'. 440 430 435 5.437.500 0.66 9.300 1:584 Hemoglobina: 90 do apparelho de Fleischl, — 74 — Exame n. 20. — Z... estudante, 22 annos, natural de S. Paulo. Constituição forte. Morador nesta Capital. Nenhuma moléstia grave. HEMATIAS II III 27 30 23 30 110 36 32 27 26 121 33 34 26 29 122 — — — — •— — — ■— •— — -— 23 36 24 22 105 39 40 28 32 139 34 32 38 27 131 29 23 27 35 114 31 28 30 32 121 37 26 32 27 122 26 31 28 27 112 30 30 32 35 127 34 23 25 27 109 441 508 484 IV V VI 41 30 34 36 141 41 28 36 28 133 34 33 31 34 132 35 33 34 32 134 37 32 28 30 137 32 28 24 27 111 32 35 35 32 134 30 33 42 35 140 32 26 34 29 121 36 38 36 34 144 l 33 36 36 37 142 30 26 31 30 117 553 552 481 Média dos três primeiros quadrados............. 477 » » » últimos » ............. 528 » das médias.............................. 502 Numero total.................................. 6.275.000 5 — 0 5 = 5 5 = 4 5 = 3 5 = 4 5 = 4 30 = 20 GLÓBULOS BRANCOS Média.......... Numero total... Relação globular 0.66 10.450 1:600 Hemoglobina: 90 do apparelho de Fleischl. CAPITULO III Pathologia do sangue Os estudos de hematologia passaram por uma transformação ra- dical após o baque da escola de Broussais ; a therapeutica de então, legitimada pelos fundamentos do physiologismo, se não curava muito da saúde dos doentes em que se exercitava, offerecia aos hematologos, a troco talvez de seus desastres, as melhores condições de êxito nas investigações que emprehendiam e nas experiências que realisavam sob o critério exclusivo da chimica. Apeada de sua culminância, a doutrina arrastou na queda o regimen das phlebotomias e este, alluin- do-se, levou comsigo as esperanças com que, por esse lado, a experi- mentação acenava aos observadores. As noções adquiridas até ahi, quasi todas derivadas dos caracteres do coagulo sangüíneo nas diffe- rentes moléstias, maxime nas phlegmasicas, em que a crusta phlo- gistica de Polli apparecia como o resultado da lentidão que a fibrina punha em concretar-se (brady-fibrina) marcavam á hematologia limi- tes tão estreitos e tão escassas deducções lhe permittiam que descrer da efficacia de sua intervenção, em matéria de diagnose e de pro- gnose, não seria, de todo ponto, desacertado. E, dessa efficacia, descreu Cláudio Bernard quando escrevia que, isoladamente, as varia- ções do sangue não podiam caracterisar certas aífecções e do futuro de estudos taes vaticinou em falso quando dizia a seus discípulos que, só quando mais apparelhada fosse a chimica, poderiam elles derramar luz sobre os problemas da pathologia. Hoje em dia, se vivesse ainda, o notável physiologista rectificaria a sua opinião, por isso que, sobre serem positivas as indicações clinicas — 76 — hauridas no exame do sangue, a ponto de, em múltiplas eventuali- dades, decidirem do diagnostico, os processos chimicos não concorreram nem têm concorrido, para este resultado, com a menor parcella de seu auxilio. Os meios de analyse, actualmente preferidos e geralmente adoptados, ao mesmo tempo que consultam os interesses do enfermo, exigindo delle uma quantidade de sangue, cuja perda, mais melindrosa seja a occurrencia em que se encontrar o organismo, é sempre nulla em seus eífeitos, são sufficientemente precisos para dizer do sangue, seja no ponto de vista physico ou histologico, seja no bacteriológico e até no chimico. O professor Hayem, consagrando um capitulo de seu livro ás moléstias cujo diagnostico pôde ser formulado, na prescinden- cia de outros dados, unicamente pelas modificações que o microscópio desvenda no sangue, nos faz sentir o extraordinário partido que da semeiologia desse tecido tiraria o clinico que delia se occupasse com alguma attenção. Casos occorrem, de facto, em que a hematologia, tanto quanto, em variadas hypotheses, a thermometria e a urologia clinicas o fazem, habilita o pratico a um juizo seguro pela especiali- dade dos dados advindos de sua applicação ; talvez até que com maior competência. Por ventura a natureza das pyrexias suetudinarias das moléstias eruptivas, o typo polymorpho e omnimodo da febre nas múl- tiplas expressões da infecção maremmatica, rivalisam em exactidão, no que approveita ao diagnostico, com o typo e a natureza que affectam e com as relações que,entre si, guardam os elementos do sangue na leucocythemia ou, na sobredita infecção, com a presença do plasmodio e das granulações pigmentarias ? Por acaso os princípios, mineraes, orgânicos ou biológicos, que a analyse das urinas encontra nas molés- tias, quer dystrophicas, quer inflammatorias; se avantajam, em deduc- ções clinicas, á caracterisação do sangue, já quanto á predominância das lesões globulares—tal o caso da chlorose—já quanto ao incremento do valor globular—tal o caso da anemia perniciosa progressiva? Ainda mais : quaes, perguntamos, os signaes ou symptomas que, de prompto, podem vir em soccorro do medico cujo espirito vacilla na distincção entre as lesões cardíacas consecutivas ao mal de Bright e certas cardiopathias não valvulares ? Este problema, que é de todos os dias, se nos afigura hoje, senão resolvido, pelo menos muito mais — 77 — claro em seus termos ; empenhando-se em dar-lhe solução, á luz da hematologia, o Dr. Lionnet (1), estribado em 32 casos, conclue que a densidade do sangue constitue, nesta questão, um dado de inesti- mável valor, por isso que, muito approxímada da normal (1059,4) nos cardiopathas, se apresenta entretanto nos brighticos sensivel- mente diminuída (1051,4). Força nos é, todavia, confessar que a intervenção da hematologia se restringe a um pequeno numero de occurrencias mórbidas e que as suas attribuições, muito embora as reputemos de grande extensibilidade, grande sobretudo quando reflec- timos sobre o papel que o sangue representa na nutrição geral e meditamos sobre as relações que, graças ao apparelho vascular, entre- têm com todos os pontos de economia, não são, ainda hoje, tão amplas que possam abranger no circulo de sua ingerência clinica todas as moléstias que a pathologia estuda. * * D'ahi a agitar-se a questão de saber como adoece o sangue e de dichotomisarem-se as suas alterações em protopathicas e deuteropa- thicas. não se interpõe grande distancia. Somente é empreza esta, que sobreexcede as nossas forças. No debater esse ponto de doutrina, a incoherencia dos autores é o maior óbice que nos detém o passo no apurar-lhes a súmmula de opiniões. Indisputavelmente, por isso que é, também, do organismo salutar meio de expurgo, o sangue, roto o equilíbrio metabolico. pela perversão anterior dos órgãos que nelle se desafogam de seus productos, vem a soffrer secundariamente ; todas as anemias symptomaticas que retratam o estado d'esse tecido, no evolver das moléstias agudas ou chronicas, cujo ponto de partida não se encontra na zona em que se exerce a jurisdicção do apparelho da hematopoiese, não podem ser consideradas senão como deuteropathi- camente constituídas. De facto, assim devemos classificar as alterações que se proces- sam no tecido circulante consecutivamente á installação da tuber- culose, da syphilis, das nephrites, das dyspepsias, da dysenteria, (1) Lionnet, De Ia üenailé du sang, tliesc de Paris, 1892. — 78 — etc, etc. Como, porém, sanar a diffículdade relativamente ao outro termo da diferenciação? Si procurarmos fazel-o, tendo em vista tão somente, o sangue, o problema se nos apresentará, de todo em todo, iusoluvel — dada a estreita connexão, hoje bem estabelecida, entre este tecido de um lado e os órgãos hematopoieticos de outro, só arbi- trariamente chegaríamos a circumscrever a ura dos factores aquillo que não pôde existir em um, que se não faça immediatamente sentir no outro. E' possível que, no ponto de vista meramente especulativo, se possa, de tal moléstia, dizer que, primitivamente constituída no sangue, ulteriormente se estendera aos órgãos inseparáveis delle, ou, de tal outra, que primeira nesses órgãos, fora secundaria no sangue. Mas, sobre ser especulativa esta noção, sem conseqüências inime- diatas e úteis, não é ella, sobretudo inconcebível quando se reflecte que, em qualquer das duas hypotheses,'a moléstia não seria só do sangue, nem só dos órgãos que lhe são correlatos, senão por um lapso de tempo cuja medida não ha apparelho que noa dê e cuja apreciação, por ventura possível, seria de resultado negativo na tríplice signi- ficação do diagnostico, do prognostico e da therapeutica? Evidentemente que sim. Fora dahi—isto é — fora do apparelho formado pelo congraça- mento physiologico do sangue com os órgãos que presidem á funcção hematopoietica, não vemos lugar para o discrime das alterações do sangue em idiopathicas e deuteropathicas, resalva feita, daquellas dentre as toxemias, moléstias artificiaes, que, podendo agir in loco, não dependem senão de duas condições :— a causa vulnerante e o tecido vulnerável. A explanar aqui estas idéas, que, sem analysar, Hayem apenas entremostra na sua obra, moveu-nos o espirito de tolerância, mercê do qual, tanto o exclusivismo de Virchow (1), para quem não ha dyscrasias que possuam no sangue seu ponto de origem, quanto o argumento dos antigos doutrinários humoristas, que presuppunham a causa inicial das moléstias dyscrasicas no próprio ubi de sua enscenação, se harmonisam em concessões reciprocas. (1) Virchow, op., cit. pags. 159 a 193. — 79 — Nas próprias moléstias em que as alterações da crase sangüínea têm lugar como phenomenos secundários, mais como causas de desordens subsequentes do que como effeitos de lesões preexistentes, deverão ellas valer aos olhos do clinico. Exemplifiquemos com a ankylosto- miase :— ahi respondem pelo déficit globular a assimilação imperfeita ao nivel da superfície intestinal e as hemorrhagias que, punctiformes algumas vezes, quando adstrictas á mucosa, revestem, em outras, o caracter de verdadeiras enterorrhagias. A tanto vae a acção do para- sita ; nessa determinação pathologica, expressa pela olygocythemia, esgota elle talvez, por assim dizer, a sua capacidade morbigenica. As grandes perturbações que se seguem, compromettendo todo o pro- cesso da nutrição geral, espoliando o organismo inteiro - e capite ad calcem — e promovendo, como é licito presumir, degenerescencia gor- durosa, quando não, morte, pela paralysia dos centros nervosos, não se ligam immediatamente ao dochmius, como factor pathogenico, mas á lesão globular que, aqui, representa o principal papel pela parcimônia com que o oxygenio é recebido pelos tecidos. No evolverdas moléstias que, á feição desta, se caracterisam symptomaticamente pela anemia, uma vez que, qualquer a sua procedência, possua ella sempre o mesmo substrato anatomo-pathologico, pouca conta faz ao clinico, preoc- cupado em soldar os elos da cadeia mórbida, em concatenar os sym- ptomas e ajuizar da sua gravidade progressiva, remontar á causa primeira a despeito de cuja remoção opportuna, por vezes, não raras, o estado cachetisante se vae incrementando até a completa liquidação do organismo. Quizemos dizer com estas palavras que a hypoglobulia, sendo aliás funcção obrigada do parasita de Dubini, não é entretanto, dado que possa especialisar a causa, por isso que, si é curial pensar que da acção desse parasita derivam os signaes denunciativos de uma anemia, mal avisado andaria quem, desses signaes, que são o apanágio de todos os estados cachetisantes, pretendesse deduzir a natureza do agente etiologico. Ora, si assim é ; si contrastando com a unidade no effeito existe a variedade na causa, porque não admittir, em casos taes, que maior é a influencia daquelle no desdobrar de todos os epi- sódios e accidentes interiores, do que o papel desta nas mutações posteriores do drama mórbido ? — 80 — * * Demonstrado o valor semeiologico do sangue e estabelecida a distincção entre o que, idiopathicamente lhe pertence e o que, só deu- teropathicaraente o affecta, passemos a considerar a leucocythemia, que á sua discussão nos leva uma curiosa observação, tomada sob a direcção do Sr. Dr. Francisco Fajardo, em doente de sua clinica particular. Esta observação, que publicamos em seguida, versa sobre um caso, ao que nos parece bastante raro e de capital interesse para que, pretextando não dizer elle com a natureza do ponto deste trabalho, fugíssemos ao dever de commental-o : A. F. Gr. (fig. 6), 26 annos, solteiro, brazileiro, branco, morador emltaperuna, Preguezia da Lage do Muriahé, Estado do Rio. Interrogado, o doente declarou que, vae para dois annos approximadamente, fora victima de uma infecção palustre, á qual attribúe o seu estado actual. Esta infecção, muito commum na localidade em que residia, manifestava-se por meio de accessos febris que, affectando o typo intermittente quotidiano simples, succediam- se, uns após outros, com grande regularidade, precedidos sempre de calefrios e acompanhados de copiosa sudação, apparecendo invariavelmente ás 11 horas da manhã e desapparecendo ao cahir da tarde para reapparecerem com a mesma pontualidade, pela manhã seguinte. Além da febre havia mais: dôr localisada nas regiões occupadas pelo baço e pelo fígado, sensação incommoda de peso no flanco esquerdo, constipação de ventre, sede intensa, grande inappetencia, obnubilações, palpitações cardiacas, fogachos na face e cephalalgias violentas e reiteradas coincidindo, a mór parte das vezes, com o paroxysmo febril. O conjuncto desses symptomas creou ao doente uma situação precária e melindrosa e a tenacidade da moléstia, que, rebelde a toda medicação, de dia para dia se aggravava, por isso que, havia já seis mezes que evolvia, sem deter-se na sua marcha, compelliu-o a experimentar a mudança de clima como recurso extremo. Com essa intenção emprehendeu o paciente uma pequena viagem em janeiro de 1894. Os effeitos salutares d'esta medida não se fizeram esperar ; a febre, ao cabo de alguns dias, desapparecia de todo, o appetite voltava e as funcções intestinaes se restabele- ciam. Tudo indicava rápidas melhoras quando, em março desse anno, sobreveiu violentíssima enterorrhagia que, persistindo por espaço de 5 dias, deixou ao cessar, como signal de sua passagem por um organismo em via de convalescença, desor- dens taes que, tanto perdera de quanto, em saúde, ganhara o enfermo. De então para cá começou o baço a augmentar rápida e desmesuradamente em peso e em volume, obrigando o doente a contrafazer a sua posição, durante a marcha, pela CÍ.TYP.DO BRA2IL-1NVALID0S93.WO ■ Fig. 6 A. F. O. Leucemia lienal. — 81 — inclinação do tronco para o lado opposto áquelle em que taes proporções assumira o tumor que se tornava perceptível, ainda quando coberto pelas vestes. Entretanto, não mais reapparecera a febre. Era este o estado de A. F. G. quando o vimos pela primeira vez. Estado actual-— Grande descoramento das conjunctivas, pallidez marmórea por todo o tegumento cutâneo, língua explanada e larga com impressão dos dentes e coberta de inducto saburroso, impossibilidade de manter-se de pé por mais de 10 minutos, pulso molle, depressivel e freqüente, accusando 96 batimentos por minuto, tibialgia, enterorrhagia e hematuria, espaçadas e pouco abundantes, offegancia respiratória que se accentuava com o exercício da voz; nos pulmões nada de anor- mal revelam a escuta e a percussão; no coração, cuja ponta fere a caixa thoracica na altura do 3U intercosto esquerdo, nota-se um sopro mesosystolico, superficial, doce e aspirativo, sem área de propagação definida, provavelmente de natureza cardio-pulmonar. O fígado, cuja borda superior attinge o 5o espaço intercostal, desce até 4 centímetros abaixo da orla costal, medindo, no sentido da linha mamillar, 14 centimetros. Os rins funccionam regularmente ; apenas pudemos, pelo reactivo de Heller, provocar a formação do annel de uro-hematina ; os reagentes silenciam quanto á albumina e á glycose. Os gânglios lymphaticos da axilla, das regiões crural e inguinal, da região supra-clavicular e os do pescoço, se apresentam um tanto engorgitados, justificando-se, dest' arte, a presença no sangue, dos glóbulos brancos da primeira categoria. BaÇO-— Esse órgão, de todos o mais lesado, merece que nos demoremos um pouco em descrevel-o; conforme indica a figura, feita de accôrdo com uma photo- graphia do doente, mandada tirar pelo Dr. Fajardo, o baço, que foi rigorosamente percutido, guardando o enfermo posição intermediária entre o decubito dorsal e o lateral direito, o braço esquerdo repousando sobre a cabeça, estende-se desde um ponto situado pouco abaixo da ponta do coração até a arcada de Poupart, trans- pondo a linha alva abdominal e invadindo uma grande zona do hypochondrio direito. De seus diâmetros o maior mede 40 centimetros e o menor 29. A' apalpação verifica-se que não ha accidentes de superfície e que as bordas do tumor se apre- sentam espessas e arredondadas. Não se nota attricto de espécie alguma, nem pela ausculta é audivel o sopro esplenico. Os movimentos diaphragmaticos reali- sados com as respirações profundas communicam-se ao tumor recalcando-o para a parte inferior durante a phase inspiratoria e fazendo-o tornar á posição primi- tiva na expiratoria. Exame do Sangue- — Preparação a fresco — Poucas hematias— quasi todas de um amarello claro, tendo a parte central esbranquiçada. Parte se reúne para formar as pilhas que, sendo pequenas, determinam vastos espaços plasmaticos — parte existe disseminada pelo campo da preparação. A desigualdade de dimensões fere a attenção. Os leucocytos, em geral muito maiores que os glóbulos vermelhos, se apresentam em numero tal que rivalisam com elles. O núcleo, de fôrmas varias, se offerece á observação desde que com o parafuso micrometrico, variemos a situação 11 A—1896 — 82 — do tubo do microscópio. Pigmento melanico ; provavelmente ligado á infecção palus- tre que precedeu a actual moléstia. Glóbulos brancos de granulações refringentes e muito brilhantes. Hematimetria— Hematias........................ 1:106:250 — Glóbulos brancos................. 589:000 — Relação globular................. 1:1.9, seja —1:2 — Hemometria..................... 30 °'o Exame a secCO. (Fig. 7-8—9—10) Objectiva deimmersão 1/12. Ocular 2- Tubo do microscópio a 15 millimetros. Microscópio—Zeiss. As preparações, feitas em grande numero, antes de coradas pelos reactivos, cujas fórmulas abaixo indicamos, soffreram durante 2—4 horas, em estufa de ar secco, a acção do calor elevado a 120°: Hematoxil. ácida. Eosina crystallisada............. 0,5 Hematoxylina................... 2,0 Álcool absoluto..........] Água distillada..........> ana. 100 cc. Ácido acetico glacial.....) Alumen.................... excesso Mistura neutrophila. Orange g. sol. aq. cone.......] Fuchina ácida a 20 °/°, ale___ Verde de methyla sol. aq.conc. Álcool absoluto............... 125 co. 75 cc. Dahlia Solução cone. dahlia............. 50 cc. Ácido acetico glacial............. 10 cc. Água filtrada................... 10 cc. Antes de entrarmos no commentario desta observação abramos espaço aos dous casos que as figuras 11 e 12 retratam. Ambos elles, como o precedente, pertencem ao Dr. Francisco Fajardo. Publi- cando-os, não obedecemos ao objectivo de discutir a malária, moléstia sobre a qual não possuímos estudos especiaes, mas á opportunidade de, ainda uma vez, salientar o valor da histologia do sangue em matéria de diagnostico. A nota dominante no conjuneto mórbido offerecido por um e outro destes doentes é, incontestavelmente, a esplenomegalia, phenomeno igualmente capital na historia do nosso primeiro caso. A analyse hematologica, mostrando que, destes três casos, um se ligava á leucocythemia ao passo que os outros dous, FlG. 7. Hematoxylina ácida.— Microscópio Zeiss, Object imm. 1/12 0c. 3. Tubo do microscópio a 15 millm. A.— Hematias coradas em roseo vivo apresentando a parte central descorada. B.— Hematias nucleadas. O núcleo, tincto em escuro, é excêntrico em relação ao glóbulo que o contém e per- feitamente regular no contorno. C.— Grande leucocyto raononuclear. Forma de tran- sição de Ehrlich. Nos dous pólos do núcleo quasi sy- metricos, percebem-se dous pontos claros que denun- ciam outros tantos nucleolos. D.— (no quadrante superior). Leucocyto cujo núcleo corado em verde, com nuance para o roxo, se apre- senta fragmentado. Os dous fragmentos encurvando-se, como se o espaço globular fora pequeno para contel-os em outra posição, se oppõem pelas respectivas con- cavidades. E.— Pequeno leucocyto. Lymphocyto de Virchow. Lym- phocyto da 1» categoria de Ehrlich. O espaço annular, que fica entre a peripheria do núcleo e a peripheria do glóbulo, constitue uma orla muito frouxa. Fig. 8. Dahlia —Microscópio Zeiss. Object. imm. 1/12. Oc. 3. Tubo a 15 millm. A.— Hematias coradas em violete com a concavidade ligeiramente esbranquiçada. B.— Hematia egualmente corada em violete apresen- tando um núcleo excêntrico e regular, intensamente corado. C— Grande cellula basophila contendo pequenas gra- nulações que se disseminam sem regularidade pela sua massa. 0 núcleo não é perfeitamente visível. Ehrlich distingue estes elementos pela lettra $. D.— Lymphocyto contendo um grande núcleo es- pherico em derredor do qual se dispõe o protoplasma, de apparencia hyalina. E.— Grande cellula basophila apresentando um núcleo em U, cercado de granulações que existem em maior copia no protoplasma globular. Fig. 9. Mistura neutrophila.— Microscópio Zeiss. Object. imm. ] 1/12 0c. 3. Tubo 15 millm. A — Hematias coradas em alaranjado com a cavidade central esbatida. B.— Hematias uniformemente coradas apresentando um núcleo, em verde intenso, excêntrico e regular de contorno. C.— Leucocyto mononuclear, neutrophilo, contendo um núcleo levemente esverdinhado e cheio de pequenas e grandes granulações. Corresponde aos elementos £ de Ehrlich. D.— Grande cellula mononuclear, núcleo esverdinhado e abundantes granulações miúdas, mais densas na peri- pheria. E.— Leucocyto polynuclear, sem granulações. Núcleos corados em verde. Fig. 10. Eosina e azul de methyleno, microscópio Zeiss. Object imm. 1/12. Oc. 3. Tubo 15 millm. A.— Hematias coradas pela eosina. B.— Leucocyto eosinophilo (o — de Ehrlich) apresen- tando um núcleo em S, corado pelo azul de methy- leno. Abundantes granulações eosinophilas de varias dimensões. Fig. 10, MYH.DOBRAZIL-INVAUOOS93, RIO — 83 — embora muito semelhantes a elle, se deviam referir unicamente á malária, favorece um confronto dos mais uteis e eloqüentes que jamais presenciamos. E' verdade que fica aberta a qualquer destes dous doen- tes, á feição do primeiro, a possibilidade de leucemisarem-se com o evolver do tempo e a marcha progressiva da moléstia ; não é, entre- tanto, menos verdade que, sobre ser ainda muito imperfeita a noção medica acerca dessa aptidão da malária a metamorphosear-se em leucocythemia e inexplicável o porquê de uma tal transformação, nas circumstancias em que nos collocamos, o problema actual, qual o de discernir de prompto entre hypotheses appareutemente similares, não pôde ceder a conjecturas sobre factos de possível e duvidosa realisação em épocas mais ou menos remotas e longínquas. Eis resumidamente os dous casos : Humberto Marrosini (fig. 11), branco, solteiro, 19 annos—italiano, morador em Queimados. Baixou ao Hospital em 29 de Maio de 1895 indo occupar um dos leitos da enfermaria a cargo do professor Nuno de Andrade. Os accessos febris repe- tiam-se diariamente entre as 4 e as 6 horas da tarde. Viajava o doente a bordo do vapor «Vilna» quando, já em águas brazileiras, entre Pernambuco e Santos, expe- rimentou os primeiros effeitos da infecção palustre. O baço e o flgado, dolorosos á pressão. Áquelle, percutido segundo as regras da Propedêutica, apresenta o maior diâmetro medindo 30 centimetros e o menor (o maior no sentido transversal) me- dindo 30 centimetros. O exame do sangue, a fresco, nenhuma indicação forneceu quanto ás alterações de numero de leucocytos ; a secco, a preparação, corada com eosina e azul de methylene, offerecia á observação um ou outro especimen dos corpos em crescente de Laveran—O doente teve alta, sentindo-se melhor, no dia 5 de Junho do mesmo anno. Luiz Cearense(üg. 12), pardo, 15 annos ; roceiro, morador na Barra do Pirahy. Baixou ao Hospital, dando entrada para a enfermaria de Clinica Propedêutica, em 28 de Maio de 1895. Pediu e obteve alta em 5 de Julho do mesmo anno. O baço, muito doloroso á pressão, media no maior diâmetro 35 cm e no menor 27. O figado, na altura da linha mamillar, media 15 cm. O exame, a fresco, do sangue revelou, ao lado de algumas alterações de fôrma, attinentes aos glóbulos vermelhos, a presença de pigmento melanico. No campo da preparação eram raros os glóbulos brancos; microcytemia. Fechado o parenthesis, retomemos o assumpto no ponto em que o deixámos; precisamente áquelle em que o commentar a observação era o desideratum que se nos impunha. — 84 — Seria eífectivamente um caso de esplenomegalia o que tinha- mos diante dos olhos? A apalpação e a percussão, escrupulosamente praticadas, tendo demonstrado a existência de um tumor resistente, movei, de superficie egual, retratando a fôrma do baço na parede que limita externamente o hypochondrio esquerdo ; a inspecção tendo verificado que esse tumor era solidário com os movimentos diaphragmaticos; a experiência clinica, por seu lado, ensinando que, 90 vezes sobre 100, os tumores que se alojam no hypo- chondrio esquerdo são de natureza lienal, excluíam as hypotheses, cabíveis no caso — de peritonite enkystada, porque os tumores do peritoneo são, via de regra, líquidos, molles e de contornos irre- gulares — de um fecaloma, porque os accumulos de fezes no tubo intestinal, além de não se denunciarem por volume tão considerável, são facilmente diagnosticaveis pelos recursos offerecidos pelo toque rectal, pela historia do doente, pelas variações de som, ora mate, ora tympânico, conforme superficial ou profunda fôr a percussão —de um tumor do rim ou da cápsula suprarenal porque, comquanto possa um neoplasma que se inicie nestes pontos, assumir dimensões agi- gantadas, elle, tendendo sempre a oceupar os pontos mais declives, difficilmente participaria dos movimentos do diaphragma — de um kysto do lobulo esquerdo do figado, porque, se o fosse, o delineamento não seria o mesmo que nos revelou a percussão e outros seriam os signaes advindos da exploração do órgão. Não basta entretanto reconhecer que um tumor pertence a um certo órgão para que a luz se faça sobre a questão; é mister ir mais longe e, no caso occurrente, ir mais longe é estabelecer a referencia da esplenomegalia a uma dentre as muitas causas que a motivam, a uma dentre as varias moléstias, em cujo decurso esta lesão in- tercorre. Qual seria, portanto, a melhor conducta a seguir, a orien- tação mais segura a tomar, ante a possibilidade de tratar-se, na espécie, do epithelioma primitivo de Gaucher ou esplenomegalia primitiva de Debove, do cancro esplenico, do kysto hydatico, de um processo lymphadenico aleucemico que se tenha limitado ao baço, da adenia de Trousseau ou moléstia de Hodgkin ou pseudoleucemia de Wunderlich,da degenerescencia amyloide, do phlegmão peri-esplenico, Fig. 11 B^#(^wr -.,11 ■ Fig. 12 47 4249 88 — 85 — das hypertrophias lienaes, vinculadas ás moléstias infectuosas e consti- tucionaes e, finalmente, da leucocythemia ? Recorrer aos dados clínicos puramente? Temos que não, por isso que, si algumas das eventualidades mórbidas figuradas podem, por este meio, valer como verdades irrefutáveis, outras muitas, como hypotheses, se apresentariam eternamente, si deseerrando-lhe os véos, não as transformasse o exame do sangue na mais firme e solida certeza. Era, conseguintemente, para a hematologia que devíamos appellar e, foi isso o que fizemos; todavia, aqui consignamos que, dentre a symptomatologia referida, três phenomenos se destacam que, por terem sido sempre, ou quasi sempre, assígnalados pelos autores que estudaram a leucocythemia, nos levaram a presuppôr que era esta a moléstia de que soaria o doente; estes phenomenos, objecti- vados pelas hemorrhagias, pelo engorgitamento parcial dos gânglios e pelas dores osteocopas, coincidindo com gráo extremo de anemia e augmento de volume do baço, autorisaram, clinicamente, a presum- pção que o exame do sangue, posteriormente, sanccionou do modo o mais expressivo. E porque, em razão desse exame, se avigorou em nós a convicção de que o diagnostico de leucemia se ajustava ao caso? Mais: porque leucemia lienal? Cabe aqui, como resposta a ambas estas interroga ti vas, pequena digressão atravez o assumpto. Foi em 1845 que Virchow, primeiro que todos, estudando o sangue de indivíduos cuja moléstia se trahia pelo desenvolvimento insólito do tecido adenoide, fosse elle ganglionar ou esplenico, tão demudada encontrara a physionomia histologica e tão outro o aspecto physico do tecido liquido que, por essas anomalias, viva- mente impressionado, deu-lhe o nome de sangue branco (weisses Blut) (1). De passagem advertimos que, talvez, a Bennett, autor inglez de grande nomeada, coubesse a prioridade desta descoberta, si, ao tempo em que fez seus estudos, não se tivesse deixado dominar pela impressão do primeiro momento, á feição desse medico (2) que, presente a uma au- tópsia praticada por Virchow em cadáver leucemico, exclamara, ao (1) Traité de Médecine de Charcot. Bouchard et Brissaud, tom. II. pag. 526. (2) Virchow, op. cit., pag. 195. . — 86 — serem abertas as cavidades ventrículares do coração que armazenavam um liquido opalescente e puriforme —: « Ah! é um abcesso». De facto, o investigador inglez, interpretando mal os factos que lhe cahiam na esphera da observação, referindo-os erradamente á eventualidade de um processo suppurativo e, portanto, conferindo á espécie nosologica, de que é questão, caracter pyohemico, tanto se distanciava da ver- dade que não lhe valeu, nesse terreno, o ter precedido, de algumas semanas, a Virchow para que, a elle antes que a este, se outorgasse o previlegio desta descoberta que franqueou os domínios da patho- logia, subordinada ao titulo de leucemia ou leucocythemia. A ultima destas denominações, sem duvida alguma, mais que a primeira, obra de Virchow, precisa e rigorosa, é feitura de Bennett que, por ventura, bem cedo arrependido da opinião irreflectida que d'antes emittira, testemunhava, pouco depois, neste vocábulo, o seu apoio e a sua adhesão á sabia interpretação allemã que, hoje ainda corre, qual doutrina irrefragavel, como a concebera seu autor, á parte um ou outro additivo que com o tempo se lhe tem apposto. Hematologicamente considerada, esta interpretação diz da leuco- cythemia que, moléstia do apparelho hematopoietico, se caracterisa ella por desusada superabundancia de glóbulos brancos, simulando verda- deiro albinismo do sangue, a par de sensível decrescimento no numero dos glóbulos vermelhos. Desusada superabundancia-dissemos e redize- mos agora, por isso que, a não ser assim qualificado o exaggero de leucocytos, correríamos o risco de confundil-o com a multiplicação desses elementos em circumstancias que, bem possam ser pathologicas, são entretanto, na generalidade dos casos, perfeitamente physiologicas. Alludimos á leucocytose, que, no dizer de Trousseau, (l) retrata um estado essencialmente passageiro, provocado por condições não persistentes e, de todo o ponto, insufficiente para caracterisar a leu- cocythemia, como insufficientes são, por si, na caracterisação da dia- betes, a glycemia e a glycosuria, ou, na hypothese do mal de Bright, a albuminuria isolada. Magnus Huss (2) citado por Jaksch, estabelece (1) Trousseau, Clinique médicale de 1'Hotel üieu, tom III., pag. 595. (2) Jaksch, Diagnostic des Maladies internes, trad. franc, pag. Iti. — 87 — como limite, entre a leucocytose a leucocythemia, a relação de um gló- bulo branco para vinte vermelhos — em outros termos : sempre que esta proporção tender a nivelar o numero dos elementos globulares, brancos e vermelhos, é a leucocythemia que ella indica ; quando, pelo contra- rio, tender a ampliar-se, pela reducção de um de seus termos e com- comittante exacerbação do outro, é a leucocytose que ella denuncia. Semelhante critério de discriminação não oíferece a menor garantia de êxito, não só porque se tem registrado, por mais de uma vez, casos da moléstia Virchow era que a relação globular é de 1:30 e até de 1:50 como, principalmente, porque, suppostaa intercorrencia, aliás muito possível, da leucocytose em um organismo minado pela cachexia, o que realisa um estado em que os dous termos da equação se approximam, elle levaria o clinico, justamente pelo mais precioso dos meios de inves- tigação, a diagnosticar leucocythemia quando, em verdade, tal diag- nose não se amoldaria ás condições do enfermo. Foi, certamente, attendendo a esta consideração que Hayem, (1) condemnando as relações, estatuio, a titulo de caracter differencial, o numero de 70:000 leucocytos como a minima compatível com a dyscra- sia leucocythemica, sendo para notar que, ainda assim, esta cifra não exclúe totalmente dyscrasias de outra natureza como, v. g., a cance- rosa. Na Allemanha Virchow, Schreiber, Gottlieb, Mosler, Welcker, etc, em França Isambert, Robin, Malassez, Rénaut e outros muitos encontraram as proporções de 1:1—1:2—2:1—2:3—1:3—3:2—1:4 —1:5 e até 1:50. No nosso doente a proporção é de 1:2 e o numero total de leucocytos sobe a 589.000—dados estes que evidenciam desor- dens profundíssimas, irremediáveis talvez, da crase sangüínea. Não se restringe, felizmente ás oscillações numéricas a especifica- ção hematica da leucocythemia, que nas alterações qualitativas do sangue vae ella auferir os elementos básicos de sua autonomia nosolo- gica; aquillo que quantitativamente, seria, algumas vezes, raras, valha a verdade, imprudente e perigoso de affirmar-se, fica qualitativamente valendo como certeza absoluta, peremptória e inilludivel, sobre a qual (1) Hayem, op. cit. pag. 854. — 88 — não ha, que triumphem, argumentos de contradicta. E' a Ehrlich (1) que devemos tal apuro de analyse microscópica applicada ao sangue. Este autor, experimentando as modificações que soffriam as granulações pro- toplasmaticas dos glóbulos brancos, sob a influencia de princípios coran- tes de reacção vária (neutra, básica ou ácida) reconheceu para logo que, ao lado de leucocytos infiltrados de hemoglobina e prenhes de granulos gordurosos, outros havia, por cuja substancia fundamental eram susceptíveis de serem discriminados em neutrophilos, basophilos e eosinophilos. Destes os primeiros são elementos normaes, pois que existem, em grande cifra, sobrepujando os dous últimos, em condições physiologicas. Pois bem; precisamente o inverso disso é o que se observa na leuco- cythemia, onde mais abundam os eosinophilos que os basophilos e estes mais que os neutrophilos. A referencia destes dados ao sangue do nosso doente assegurou o diagnostico, afastando do caso a hypothese, que imaginámos,da coincidência de uma leucocytose; porquanto, nesta even- tualidade, as cousas se passariam como na normalidade se processam. E' verdade que, não sendo a leucocytose um estado permanente, durável e persistente, mas simplesmente um episódio, ephemero e contingente, para se concluir pela leucocythemia bastava que, em reiteradas pes- quisas, ficasse demonstrada a constância no desequilíbrio das proporções globulares, por excesso de leucocytos ; mas semelhante recurso, de alta monta no ajuizar-se da marcha da moléstia, perde de valor, realçando o methodo de Ehrlich, quando não é possível, como não foi no nosso caso, multiplicar e repetir as analyses. Agora que está dirimida a questão quanto ao gênero, esclare- çamol-a quanto á espécie: Porque lienal ? Não ficou Virchow em estabelecer no sangue o substrato ana- tomo-pathologico da moléstia, que foi além, dichotomisando-a patho- genicamente em duas fôrmas, clássicas hoje, a ganglionar e a esplenica ou lienal, conforme sobreexcedessem no processo lymphadenico as alte- rações dos gânglios lymphaticos ás do baço ou as deste órgão sobre as (1) Elirlich-Mikroskopische Teclinik zum Gebrauchbei mediciuiscben und pato- logisch — auatomiscbeu Untersudiungen—4a ed., Berlim, 1889. — 89 — do systema ganglionar. « Nas fôrmas lienaes, diz o egrégio professor de Berlim, (1) encontram-se geralmente no sangue cellulas volumosas, raramente uninucleadas, bastas vezes polynucleadas, que guardam analogia muito estreita com os elementos da trama esplenica; nas fôrmas francamente lymphaticas as cellulas são pequenas (lymphocytos de Virchow), o núcleo relativamente volumoso, excepcionalmente ir- regular de contorno e a membrana tão aconchegada a elle que, com diificuldade, se distingue um espaço intermediário. Vem de molde assignalar aqui que, muito ao inverso da noção a inferir do manuseio dos livros francezes, de modo algum pretendera Virchow que cada uma dessas fôrmas, nesta ou naquella variante estructural de glóbulos brancos, possuísse a sua caracterisação única, privativa e exclusiva; o que elle pensou, disse e escreveu foi exacta- mente aquillo que hoje a sciencia franceza pensa, diz e escreve de segunda mão, isto é, que a predominância de uma destas variedades e não a existência isolada de uma dellas é a condição que autorisa a julgar da procedência lienal ou ganglionar da moléstia. Eis porque não hesitamos, no caso concreto, muito embora nas preparações a secco tenhamos observado alguns lymphocytos, ligados á hyperplasia dos grupos ganglionares mencionados, em firmar o diagnostico de leucocythemia lienal. A fôrma mixta, aquella em que a lymphadenia leucemica tanto de lymphatica tem quanto de esplenica, se esboça no sangue pela equivalência numérica, toda relativa, de ambas as variedades de glóbulos brancos. Hayem, (2) mantendo no seu livro a divisão proposta por Vir- chow, e, por outro lado, renunciando admittir a classificação de Max Schultze, segundo a qual os leucocytos se distribuem em quatro grupos differentes, descreve estes elementos em três categorias principaes : a primeira, representada por pequenos elementos, globulinos de Robin, privados de movimentos amiboides e dotados de um núcleo tão desen- volvido que o protoplasma se reduz a uma tênue camada disposta em derredor delle; a segunda constituída por cellulas maiores, de (1) Virchow, op. cit., pag. 197-198. (2) Hayem, op. cit., pags. 104 e 855. 12 A—1896 — 90 — protoplasma finalmente granuloso e abundante, limitando, ora um núcleo j único, ora núcleos múltiplos; a terceira, finalmente, formada por glóbulos das mesmas dimensões que os precedentes, podendo igualmente possuir um ou mais de um núcleo, porém distinguindo-se delles por grossas granulações refringentes e brilhantes que se disseminam pela massa protoplasmatica. Os movimentos amiboides são apreciados, quer em uma, quer em outra destas ultimas variedades. Discípulo de Hayem, o Sr. A. Gilbert, (1) em longo estudo sobre a pathologia do sangue, corrobora a opinião do mestre no que diz respeito á diversidade morphologica das cellulas brancas da corrente circulatória; aos três typos estructuraes, preexistentes no sangue nor- mal, por isso que elles não são o apanágio da leucocythemia, cujas fôrmas unicamente determinam de conformidade com o predomínio deste ou daquelle, accrescenta este autor outros em que o critério diíferencial é dado pelas dimensões : uns, pelo exiguo dos diâmetros, lembram um caso de nanismo (6 u); outros de proporções agigantadas (15 a 20 u) possuem na escassez da substancia chromatica e na inércia motora, particularidade sobre a qual já Neumann e Lõwit haviam in- sistido, os dados complementares de sua caracterisação histologica e funccional. Ouçamos, em remate, Rénaut (2), que fica mal esquecel-o em matéria de cytologia ; o preclaro professor, para quem o polymor- phismo dos glóbulos brancos é funcção immediata da multiplicação no sangue destes elementos que, nascendo, crescendo e diiferenciando-se, passam por estádios diíferentes do mesmo curso biológico, para quem cada uma das phases de evolução globular tem a sua correspondente no liquido nutritivo dos animaes inferiores, seja este o sangue dos batracios, seja a hemolympha dos crustáceos decapodes, para quem as granulações eosinophilas de Ehrlich representam, no homem, longe de se approximarem da hemoglobina (porque não nas dissolve a água como dissolve esta) as granulações vitellinoides inclusas na substancia básica das cellulas lymphaticas da lagosta e do camarão—o preclaro professor, dizíamos, admitte também que, no homem, principalmente (1) A. Gilbert, Dic. deméd. de Coarcot-Bouchard oi Brissaud, pag. 532, tom. II. (2) lléuaut, op. cit., pags. 60, 61 e 75. — 91 — quando o sangue soffre um processo involutivo e retrogrado, por effeito do qual se lymphatisa e se albinisa, como é o processo leucemico, se possam encontrar cora mais nitidez três variedades principaes de leucocytos assim descriminados: 1a—Glóbulos hyalinos e transparentes; 2a—glóbulos com granu- lações gordurosas; 3a—glóbulos com granulações vitellinoides. Por ahi se verifica que Rénaut tem mais em conta o facto da ausência, da pre- sença e da natureza das granulações do que a característica tirada da aptidão dos movimentos amiboides e do modo de ser do núcleo, cuja fôrma independe da configuração do glóbulo. A divergência vae além: si confrontarmos esta classificação com a de Hayem, não poderemos fugir de reconhecer a identidade de dous dentre os grupos que compõem uma e outra; os elementos de que consta o primeiro grupo de uma são os próprios de que consta, em outra, o grupo homologo, os que consti- tuem o terceiro grupo de Rénaut são os mesmos que constituem o grupo correspondente de Hayem; é isto o que nos suggere a comparação e é, ao mesmo tempo, isto o que nos põe em embaraços para explicar, dado que seja verdadeira a homologia, como, dizendo Hayem que só exis- tem movimentos amiboides nos glóbulos que encerram granulações, diga, de seu lado, Rénaut que desses movimentos só gozam aquelles que se distinguem por completa agranulia. Para mais cabal intelligencia do assumpto transcrevemos o texto em que este autor resume o seu modo de pensar: «En soumettant une préparation de sang leucemique à Vaction combinêe de Voxygène et de Ia chaleur, on démontre aisément qu'entre + 32° et + 41° les globules blancs hyalins jouissent de mouvements amiboi- des actifs. Au contraire, les globules differenciés, chargés de granula- tions vitellinoides ou graisseuses ne poussent pas de pseudopodes (pag. 76). Assignalado este desaccordo, que mais profundo não pôde ser, sem procurarmos resolvel-o, porque não somos curial na ma- téria, continuemos neste estudo reatando o fio da discussão no ponto em quealludimos ás formas da leucocythemia. A's duas modalidades, lienal e ganglionar, veio mais tarde se juntar uma terceira—a myelo- genica. Neumann que primeiro a estudou, a subordina a uma prolife- ração nas areolas do tecido ósseo esponjoso ou nas grandes cavidades — 92 — do tecido compacto, de cellulas arredondadas, não análogas, porém inteiramente idênticas aos elementos leucocyticos embryonarios. Na sua opinião a leucocythemia myelogenica, cujas lesões se obje- ctivam na hypergenese de taes elementos com prejuízo das cellulas gordurosas, que degeneram, e cujas alterações se traduzem macrosco- picamente por mudança de côr da medulla óssea, seria de todas as fôr- mas a mais commum ; entretanto, não tem sido possível, a despeito de numerosos trabalhos, caracterisal-a hematologicamente e os autores que têm escripto a respeito são unanimes em admittir que, na grande maioria dos casos, ella existe de parceria com as outras fôrmas. As dores osteocopas de que se queixava A. F. G., talvez se pudessem, sem grande desacerto, referir á participação da medulla óssea no pro- cesso lymphadenico. Muito longe nos levaria o dissertar sobre todas as fôrmas que se têm descripto ; ficamos nas principaes, que são as três enun- ciadas e, apenas de passagem, tocamos na intestinal, cujo substrato anatômico, conforme mostraram Behier e Rendu, reside nos folli- culos fechados e nas placas de Peyer, e na cutânea pela qual, se- gundo observações de Philippart, Nachter e Kaposi, respondem alterações lymphodermicas. A presença de hematias nucleadas, por nós averiguada em mais de uma preparação, é um phenomeno constante na leucocythemia e, sobretudo, signal de inapreciavel valor, assim para elaboração do diagnostico como para precisar a sede capital da lesão. «Je suis disposé à admettre que Ia présence des globules rouges à noyau dans le sang est un des caracteres constants de Ia leucocythemie splénique, parvenue à une certaine phase évolutive. En tout cas cest Ia seule malaãie ou Von en trouve longtemps, avant que Vanémie soit ex- treme, Ia seule aussi ou Vonpuisse en rencontrer d'unemanière sou- tênue et en quantité un peu notable. (1) A ãpparição destas hematias, indicativa de um estado de fetalisação sangüínea, é considerada como signal de alta significação prognostica, sombria e infausta até, por isso que, neste caso, retratam sempre uma tentativa frustrada da economia (l) Hayem, op. cit., pag. 857. — 93 — e um esforço supremo, tentado em vão pelo organismo, no sentido de prover á insufflciencia da hematopoiese, pervertida e estíolada em seu mechanismo intimo. No seio do glóbulo vermelho o núcleo guarda uma posição excêntrica, é rigorosamente circular ou ovalar, regular- mente granuloso, ordinariamente único e sempre privado de nucleolos — estes caracteres dão-lhe feição tão especial e physionomia tão pró- pria que, de confundir o elemento que o contém com os glóbulos brancos hemoglobiniferos, se tem o experimentador mais bisonho. Reconheceu-se, logo após Virchow, que nem sempre as alterações leucocythemicas eram a resultante obrigada das obstrucções visceraes e da hyperplasia ganglionar, ainda que fosse a cachexia o termo de taes desordens na esphera da nutrição. Esta noção implicava uma diferenciação. Trousseau, (1) em França, colligindo sob a rubrica de adenia, todos aquelles casos, antes delle estudados por Hodgkin, em que as lesões da rede lymphatica, generalisadas ou restrictas, se pro- cessavam de principio a fim determinando ou não hyperplasia esplenica ou hepatica, sem que fosse possível descobrir no sangue indícios leu- cemicos, creára uma moléstia inteiramente independente da leucocy- themia. Na Allemanha Wunderlich (2), considerando que tanto a adenia, que elle chama pseudo-leucemia, como a leucocythemia ver- dadeira, se podem afferir pelo mesmo padrão clinico, diverge profun- damente do professor de Paris, estabelecendo que uma destas molés- tias, a adenia, não era mais do que a primeira phase da outra; que ambas se filiavam ao mesmo processo adenopathico em que, por uma circumstancia accessoria, procedente da não proliferação do tecido conjunctivo intersticial, podia acontecer que os glóbulos brancos não affluissem á corrente circulatória na proporção necessária para orga- nisarem o substrato hematologico da leucocythemia. Comquanto, (1) Trousseau, op. cit. capit. adenie, pags. 609—635. (2 Wunderlich, Pseudoleukoemie, Hodgking's krankheit oder multiple Lympha- denome ohne Leukoernie. __ 94 — até os dias que correm, não se tenha, ao certo, podido descobrir a razão pela qual tal individuo enferma e fallece de adenia sem que o processo repercuta no sangue, nem sorpreheuder o motivo pelo qual tal outro adoece e morre de leucocythemia sem que previamente as adenopathias existissem isoladas, a opinião geral é favorável a Wun- derlich, abrangendo sob a denominação genérica de lymphadenia, ambas estas manifestações, de idêntico sub-solo mórbido, semelhantes nos caracteres anatomo-patliologicos, nas exteriorisações symptoma- ticas, no cunho de malignidade e até no parallelismo das fôrmas pelas quaes se traduzem — ao lado das lymphadenias aleucemicas, gan- glionar, óssea, cutânea e intestinal se registram lymphadenias leuce- micas com a mesma preferencia de localisação. Diversas hypotheses se ha aventado para explicar a natureza da moléstia e o porque da apparente independência no modo de manifes- tar-se, mas, nesse ponto, tudo é duvida e obscuridade. « Dizer que a lymphadenia é uma moléstia em que ha tendência á hyperplasia dos gânglios e dos órgãos hematopoieticos (1) é simples- mente construir uma phrase, relatar o facto grosseiramente, pela rama, porque nessa fórmula, nem ao menos, se cogita de discernir entre a adenia e a leucemia. Também, pretender elucidar a questão fazendo intervir a doutrina bacteriana, é dar mostras de leviano enthusiasmo pela etiologia ani- mada ; « a multiplicidade das espécies microbianas incriminadas, sup- pondo-se real o seu papel nosogenico, não autorisaria a considerar a lymphadenia como uma neoplasia infectuosa, especifica, como é a tu- berculose, senão a admittil-a como uma lesão commum e um processo banal. » (2) Além disso esta theoria tem contra si o facto de tentativas, mal succediclas de inoculação e as suspeitas de que os estaphylococcos, aureus ou albus e os differentes bacillos encontrados por vários obser- vadores, não só o tenham sido em casos duvidosos como, nos casos ver- dadeiros, a infecção se tenha dado depois de installado o processo. Si estivesse hoje claramente averiguado que os glóbulos vermelhos (1) Labadie-Lagrave—.Maladies du Sang—pag. 377. (2) A. Gilbert, loc. cit., pag. 526. — 95 — derivam exclusivamente dos brancos, talvez se pudesse, com grande fundamento, encontrar nesta noção o elo de affinidade entre as duas grandes divisões da lymphadenia, porquanto haveria então lugar para conjecturar-se que,nullificada a aptidão da metamorphose globular, as lesões leucemicas se succederiam ás alterações primitivamente adenicas pela sobrecarga de leucocytos. Poder-se-hia, da mesma fôrma, suppôr que a ausência de glóbulos brancos em excesso na adenia fosse a conseqüência de modificações tão radicaes e tão completas que os conductores lymphaticos não mais dessem vasão aos lymphocytos que, desfarte, não teriam por onde despejar-se no sangue. Labadie-Lagrave objecta a esta hypothese que, em muitos casos, de lymphadenia aleucemica confirmada, os vasos lymphaticos, longe de se apresentarem reduzidos no calibre, apresentavam-se, pelo contrario, amplamente dilatados. Bard (2) é autor de uma theoria tão original quão interessante; no seu pensar, a leucocythemia é uma moléstia de natureza cancerosa em que a inicia- tiva do processo cabe exclusivamente aos glóbulos brancos, que se multiplicam por conta própria, e em que as hypertrophias visceraes são phenomenos secundários devidos á enorme dilatação da rede ca- pillar prenhe de leucocytos ; a particularidade histologica, única no seu gênero, de ser o sangue um tecido liquido, impede que a neoplasia se conforme em tumor, mas isso em nada contraria o caracter neoplasico visto como, em condições physiologicas ou pathologicas,os tecidos não podem senão produzir elementos da mesma natureza. Esta opinião que outorga ao protoplasma das cellulas lymphaticas actividades e aptidões mórbidas realisadas em condições ainda impenetráveis e mysteriosas, engendrando uma auto-intoxicação por elementos cellulares não patho- genicos no estado normal, a ser verdadeira, daria razão a Trousseau, 1 or isso que a independência e a autonomia da adenias se firmariam. Firme e coherente em suas idéas Bard symbolisa em uma proposição toda a sua theoria, « a leucocytose está para a leucocythemia como a inflammação hyerplasica para o tumor dos tecidos sólidos. » (1) Labadie-Lagrave—op. cit., pag. 378. (2) L. Bard.— Précis dAnat. Pathol., 1889, pag. 376. — 96 — Ankylostomiase. —Moléstia parasitaria, a ankylostomiase se complica desde logo de grande diminuição no numero dos glóbulos vermelhos (olygocythemia). Talvez á precocidade com que a anemia senhoreia a scena mórbida e ao incremento que vae ganhando, mais ou menos rapidamente, até denunciar-se por um estado de profundo desangramento, não seja indiferente a sede preferida pelo dochmius para praticar a symbiose,—-sede onde, em seu auge, se processa a assi- millação das substancias alimentares. Implantados, por uma de suas ex- tremidades, em toda a extensão da mucosa do intestino delgado, da qual pendem, por vezes, em quantidade inimaginável, marchetando-a, aqui e alli, de manchas características das hemorrhagias punctiformes, os parasitas de Dubini encontram terreno propicio ao exercício de sua aptidão pathogenica que, encetada, engendra para logo uma moléstia cuja symptomalogia é das mais expressivas. Não obstante o aspecto particularissimo da lingua, tão valorisado por Torres Homem, as perversões do appetite e a natureza da profissão, dados estes cuja importância clinica tantas vezes verificamos, jamais deixamos, antes da analyse hematologica, de ir procurar nas fezes, provocadas por um purgativo salino, administrado de véspera, o documento authentifi- cador do diagnostico, e isso no intuito de resguardar as conclusões, que reconhecemos serem de pouco interesse e até nenhum alcance, de accusações erguidas contra o seu determinismo. Não nos illudimos acerca dos estudos que fizemos sobre o sangue dos ankylostomiacos ;— as observações que publicámos em seguida, sobre serem era numero deficiente, não autorisam, por incompletas, a inferencia de dados ou de caracteres hematologicos que digam dessa anemia, tão commum no nosso paiz e ainda tão por estudar, o mesmo que, de outras dyscrasias, dizem alterações especiaes descobertas após demoradas e trabalhosas investigações de experimentadores notáveis. OBSERVAÇÃO I.— José C. de Carvalho, 38 annos, oleiro, morador em Ja- carépaguá. Baixou ao Hospital no dia 21 do Maio, indo occupar o leito n. 31 da enfermaria de Clinica Propedêutica. Grande descoramento de todo o tegumento externo. Lingua branca, explanada, guardando a impressão dos dentes. Dôr, á pressão, no ponto correspondente ao umbigo. Pigado : 15 cent. ao nivel da linha mamillar, B. S. no 4° espaço, B. I. a 4 cent. abaixo da orla costal. — 97 — Baço-normal. Coração — Ponta no 5o espaço, a primeira bulha integra, á segunda um pouco estridente ; á ausculta percebe-se um sopro supra-mucronico que occorre na mesosystole. Frêmito nas veias do pescoço. Óvulos de ankylostoma nas fezes. O doente nega que coma terra ou outra qualquer substancia não alimentar. Exame do Sangue-— Preparação a fresco: Empilhamento normal, apenas são menores as columnas de hematias e maiores os espaços plasmaticos. Variadas modificações de fôrma devidas, talvez, ao traumatismo que tenham soffrido os glóbulos vermelhos por isso. que na maior parte delles, é possível distinguir-se a concavidade central. Chlorocytoso accentuada. Equivalência nas dimensões. Os glóbulos brancos predominantes se apresentam com o protoplasma hyalino e são pouco maiores que os vermelhos; outros, mais escassos, ferem a attenção pelo poder reiringente de granulações inclusas no protoplasma. 2.a Hematimetria.— Dia 4 de Junho — Glóbulos vermelhos___ 812.500 — Glóbulos brancos...... 3.100 — Relação globular..... 1.262 Hemoglobina..... 10 % Thyniol pelo methodo de Lutz — Tônicos e ferruginosos. 2.a Hematimetria.— Dia 15 de Junho — Glóbulos vermelhos... 1,200,000 — Glóbulos brancos..... 2.N00 — Relação globular...... 1.428 A dosagem de homoglobina não poude ser feita. 3.a Hematimetria.—Dia 10 de Julho — Glóbulos vermelhos... 1,200,000 — Glóbulos brancos..... 2.800 — Relação globular..... 1.857 Hemoglobina......... 40 % Sentindo-se melhor o doente pediu e obteve alta no dia 15 de Julho. OBSERVAÇÃO II- Manoel José Latada, branco,solteiro, 27 annos, portuguez, morador na Aldeia Campista. Baixou ao Hospital no dia 15 de Agosto, indo oecupar o leito n. 4 da enfermaria de Clinica Propedêutica — Frouxidão dos músculos da face, anemia pronunciada, lingua coberta de tênue camada de saburra alvadia, larga e sulcada nos bordos. Diarrhéa. Dor, á pressão, no hypochondrio esquerdo. Figado : 11 cent. na linha mamillar. Baço : 10 cent. Nada de positivo quanto á geophagia. Presença de óvulos do dochmius ankylostoma nas fezes. Exame a freSCO-— Sangue muito fluido e extraordinariamente viscoso. As hematias se empilham como enormalmente, mas adherem com tal energia umas ás outras, que a pressão exercida sobre a lamina com o cabo de uma agulha não consegue dispersal-as. Poikylocytose accidental. Os chlorocytos predominam. 13 A —1896 — 98 — Glóbulos brancos muito escassos; alguns se particularisam pelas granulações brilhantes. Ia Hematimetria.— Dia 20 de Agosto—Glóbulos vermelhos. 1,987,500 — Glóbulos brancos... 3.200 — Relação globular... 1:621 Hemoglobina...... 30 % Dolearina e ferro de Peckolt. 2.* Hematimetria.—Dia 10 de Setembro — Glóbulos vermelhos. 1,929,000 — Glóbulos brancos... 3.000 — Relação globular... 3:64(J Hemoglobina...... 30 °/° 3.a Hematimetria.—Dia 30 de Setembro — Glóbulos vermelhos. 1,816,000 — Glóbulos brancos... 3,500 — Relação globular... 1,518 Hemoglobina....... 2* % OBSERVAÇÃO III. — Domingos Marques, branco, 32 annos, trabalhador rural, morador em SanfAnna de Macacú, recolheu-se ao Hospital, sendo recebido na enfermaria de Clinica Propedêutica, onde occupa o leito n. 30, em 28 de Agosto do anno corrente. O quadro symptomatico deste doente se desenha com as mesmas cores que o dos precedentes; cumpre-nos apenas assignalar como particularidade de maior relevo, que, por occasião de baixar o enfermo ao hospital, o diagnostico formulado fora o de uma infecção malarica. Este diagnostico se baseava então no augmento de volume do figado e do baço (16 e 14 centimetros), na febre que se manifestara com o typo duplo-terção e, mais do que nesses signaes, no exame do sangue em pre- parações corados pela eosina e pelo azul de methyleno, preparação em que o illus- trado mestre, Dr. Pedro de Almeida Magalhães, encontrou os corpos em crescente de Laveran. Algum tempo após a entrada do doente notámos, examinando-o mais detidamente, que ao lado da cor terrosa da pelle denunciativa da cachexia pa- lustre (a febre tinha desapparecido completamente) se verificavam o facies e o aspecto da lingua se caracterisando pelos mesmos traços com que se esboçara na ankylostomiase. Esta circumstancia suggeriu-nos a hypothese, que procuramos comprovar, de ser o mesmo organismo trabalhado por duas moléstias differentes, o exame microscópico das fezes corroborou cabalmente as nossas suspeitas de- monstrando a existência de óvulos do dechmius ankylostoma em extraordinária quantidade. Exame do Sangue.—Dia 15 de Setembro — Preparação a fresco : — Empilha- mento normal. Grandes intervallos plasmaticos em que nada um ou outro leucocyto. Adherencia enérgica entre as hematias que se soldam. Pigmento melanico. — 99 — Poikilocytose e chlorocytose notável. O sangue se mostra tão depreciado na cor que a sua mistura com o serum Hayem, no melangeur Potain é perfeitamente translúcida. 2.a Hematimetria.—Dia 15 de Setembro—Glóbulos vermelhos. 920.340 —Glóbulos brancos... 4.000 —Relação globular... 1.230 Hemoglobina....... 20 % Thymol pelo methodo de Lutz—Xarope de citrato de ferro ammoniacal. 2.a Hematimetria.—I ia30 de Setembro—Glóbulos vermelhos. 1.202.500 —Glóbulos brancos... 6.000 —Relação globular... 1.200 Hemoglobina....... 25 % O doente continua em tratamento. (1) OBSERVAÇÃO IV.—Lucas Teixeira, preto, 30 annos, trabalhador rural, morador em Campo Grande, recolheu-se ao Hospital no dia 12 de Setembro de 18ÍJ6- Leito n. 20. Enfermaria de Clinica Propedêutica. Vae para mez e meio que se iniciou a moléstia. A fadiga que o accommettia sempre que andava, as palpitações violentas do coração e a falta de ar obrigaram o doente a valer-se do hospital. Lingua larga, espandida o branca. Evacuações diffíceis. Appetite não pervertido. Sopro anêmico no coração. Pulso molle, regular e espaçado. Pressão arterial muito baixa. No 2o intereosto esquerdo nota-se um vestigio de desdobramento da 2a bulha, no fim da ins e começo da expiração, a ponta do coração fere a caixa thoraxica no 5o espaço intercostal esquerdo, a 11 cent. da linha média do esterno.Figado, 17 cent. (B. S. 4° esp.—B. I. 4 cent. abaixo da orla costal). Baço 12 centimetros. Óvulos de ankylostoma nas fezes. Exame do Sangue-—Preparação a fresco.—Dia 13 de Setembro—Empilha- niento normal. Estado muriforme das hematias. Poucos leucocytos. Desigualdade notável no diâmetro dos glóbulos vermelhos. As hematias, na sua grande maioria, possuem a cavidade central descorada; a hemoglobina se limita quasi que á peripheria. É grande a resistência que os gló- bulos empilhados oppõem á acção da pressão exercida sobre a laminula com o intuito de separal-os. l.a Hematimetria— Dia 13 de Setembro— Glóbulos vermelhos: 1,950.000 — Glóbulos brancos... 7.000 — Relação globular... 1:278 Hemoglobina....... 60 °/o Thymol—Tônicos e ferruginosos. (1) Pediu e obteve alta a 3 de No\embro. — 100 — 2.a Hematimetria—Dia, 2S de Setembro — Glóbulos vermelhos : 2,500.000 — Glóbulos brancos... 10:000 — Relação globular... 1:250 Hemoglobina....... 60 % O doente, apezar de grandes melhoras, continua ainda em tratamento. (1) OBSERVAÇÃO V • —João Jasoscki, branco, 36 annos, polaco, morador em Porto-Alegre onde adoeceu. Baixou ao Hospital no dia 20 de Setembro occupando o leito n. 2 da enfermaria de Clinica Propedêutica. Frouxidão dos músculos da face—Anemia accentuada de todo o tegumento externo. Lingua suja e larga. Diarrhéa—Sensação constante de vacuidade no estô- mago. Não ha perversão do appetite nem dôr na zona correspondente ao duo- denum. No coração sopro mesosystolico, doce e superficial. Frêmito nas veias do pescoço. Óvulos de ankylostoma nas fezes. Exame de sangue—Preparação a fresco. Os glóbulos se empilham com grande poder adhesivo e se apresentam com as alterações communs a todas as anemias chronicas. Chlorocytose—Nos espaços plasmaticos nadam algumas hematias que permanecem isoladas. Alguns leucocytos de granulações refringentes. Ia Hematimetria—Dia 21 de Setembro— Glóbulos vermelhos 962:500 — Glóbulos brancos... 6:200 — Relação globular... 1:155 Hemoglobina....... 22°/0 2.*- Hematimetria—Dia 3 de Outubro—Glóbulos vermelhos. 920:000 — Glóbulos brancos___ 7:000 — Relação globular... 1:131 A hemoglobina não foi dosada. 3.a Hematimetria—Dia 15de Outubro—Glóbulos vermelhos. 800:000 — Glóbulos brancos... 6:500 — Relação globular___ 1:124 Hemoglobina....... 15 % O doente, cujas peioras são progressivas, ainda guarda o leito. (1) Pediu e obteve alta a 1 de Novembro. Conclusões I. A olygocythemia, na ankylostomiase, pôde descer a menos de 1.000:000 de glóbulos sem que, entretanto, déficit tão extraordinário tenha por conseqüência fatal, em todos os casos, a morte (1) II. Comquanto os glóbulos brancos tenham sido encontrados, ora em maior, ora em menor numero, a relação globular é um pouco mais estreita que normalmente. III. O coefficiente respiratório, expresso pela quota de hemoglo- bina, decresce proporcionalmente aos progressos da hypoglobulia. IV. A ankylostomiase pôde evolver de parceria com a malária. V. O poder adhesivo das hematias parece ser mais enérgico que nas condições normaes. VI. As alterações de fôrma devem ser attribuida.s aos accidentes traumáticos que soífrem os glóbulos vermelhos sempre que o exame a fresco fôr feito, por observador inexperiente, na prescindencia do determinismo aconselhado por Hayem. As conclusões que o Dr. Josias de Andrade inferiu de seus es- tudos faliam no mesmo sentido que as nossas. São ellas : l.a « Na hypoemia, a perda, em glóbulos vermelhos é considerá- vel, chegando abaixo de 1.000:000» 2.a « Contrariamente aos glóbulos vermelhos ha hyperglobulia de leucocytos»—N. B. Não foi precisamente isso o que verificamos. 3.a « A dyschromatemia (2) accompanha a hypoglobulia das hematias. » (1) Em um menino, victima de ankylostomiase, queem Junho de 1895, entrara para o Hospital o Dr. Pedro de Almeida Magalhães e o autor deste trabalho encontraram, alguns dias antes da morte, a cifra infima de 600,000 hematias. (2) Denominação creada pelo Dr. Anizio Circundes, lente de pathologia medicada Faculdade da Bahia, para significar a diminuição da hemoglobina. (Josias de An- drade—op. cit. ) HEMATOLOGIA TROPICAL ENSAIO CLINICO PELO \ / Dr. Miguel Pereira (ex-interno do professor Francisco de Castro) -=^»©C^te- LIBIIAUY | SUR3EC!SG£!\í.riAi."S ü! RCt! APf\17!900 LAEMMERT & C—Editores Rio de Janeiro — S. Paulo — Recife 1897 rw *•;* , ^ ••".* *—£ <, ■ Aí «s; %>■ 7 u>^: W*&* NLM DD14G7ba E NLM001407622