gjfi» 6 6 ■■■:m MEMÓRIA SOBRE A FILARIOSE ou A MOLÉSTIA PRODUZIDA POR UMA NOVA ESPÉCIE DE PARASITA CUTÂNEO DESCOBERTO POR ^rttomo José pereira da mira ^raujo Douto* em Medicina pela Faculdade da Bahia, | approvado coin distiucçao na the.se de doutoramento, niedleo adjnncto | do Hospital da Caridade (Com duas emtampas lithographadas, sendo uma original) BAHIA OI PRENSA ECONÔMICA 22 — Rua dos Algibebes — 22 1875 to»* WC 880 S586m 1875 35410390R % ............".................. y 'Ooiu NLn DS1711M7 D 5 ^% V NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NLM051719470 IÜE T 14ÜN QUE TWO WEEKS FROM LAST DATE y x* ! .) ilai[ÚB^ > j^moria %ofa% a J \ MEMÓRIA A FILARIOSE A MOLÉSTIA PRODUZIDA POR UMA NOVA ESPÉCIE DE PARASITA CUTÂNEO DESCOBERTO POR .^ncomo jcfie jjcmnt cia ^uua .fynttijo Doutor em Medicina pela Faculdade da Bahia, approvado com distincçiio na thesc de doutoramento, medico adjuncto do Hospital da Caridade (Com duas estampas lithographadas, sendo uma original) BAHIA IMPRENSA ECONÔMICA 22 ■- Rua dos Algibebos — 22 1 875 Annex Wc no SSUm A SUA MAGESTADE IMPERIAL O SENHOR om X O PEOTECTOR ID.A.S LETTRAS 0. D. C. 0 AüTOK. -5 «/Uai 0 ]| úkv, Filahlose e Filakía dermathemica—eis o assumpto d'este humilde trabalho, f rueto da observação sobre uma moléstia e um parasita cutâneos, até hoje desconhecidos na sciencia. Com o passo ainda incerto pelas espinhosas veredas da scien- cia microscópica, causará sem duvida grande admiração que nos atrevamos a apresentar investigações originaes, estudos que nos são particulares. Somos, porem, d'aquelles que entendem que é necessário con- vergir todos os esforços para o engrandecimento da medicina pátria. Dissemos engrandecimento, e muito propositalmente assim nos exprimimos — porque é apenas necessário engrandecer o edi- fício, eleval-o o mais possível, pedra a pedra, custe-nos muito embora cada uma um sacrifício ! Dissemos engrandecer, porque é quanto a nós, os moços, nos é dado : que as pedras angulares do magestoso templo, a base II granitica do grandioso monumento — essas estavam já de lia muito bem firmadas. Os Mestres tinham, em patriótico arrojo de abnegação, er- guido bem alto o brado, que repercute tão ruidoso no peito da mocidade, e ao grito de — Avante ! — soltado quasi a um tem- po das duas Faculdades, os moços, que não conhecem a descren- ça — essa pieuvre do espirito que o emmaranha e tritura — os moços, que se inspiram sempre nas sabias licções de seus pre- ceptores, cerraram logo um circulo compacto, em torno a esses astros do porvir, que começavam a acenar-lhes para a pátria suspirada do futuro; que longe, muito ao longe, lhes apontavam uma visão sublime, seductora e resplendente — a gloria \ Para nós é questão de dever, a que está restrictamente obri- gado todo brazileiro iniciado nos arcanos do luzeiro de Cós, o nacionalisar a sciencia, o engrandecer a medicina pátria. Ora, n'este trabalho era-nos permittido apresentar estudos com- III pletamente originaes, o fructo de nossas próprias observações, e, final2 » ü!l F. lacrimal (fêmea)..... 20 a 22 » » » (macho) ... 15 a 16 » 7a F. de três espinhas..... " » i (Nordmann). ... 13 » l / 8a F. lentis ) (Qescheidt) . ... j 13 i ( 4mm,30 a ' (Nordmann) . . * lmm,63 » Ora, se de 4 metros, que apresenta a Filaria de Medina, se passa ( sem contar as gradações d'esta espécie ) a 18 centímetros na Filaria do cavallo, e depois, de espécie em espécie, sempre des- cendo, até 1 millimetro e 63 centésimas millesimas * Vid. Davaine, obr. cit. pag. LXXII a LXXVI. 52 na Filaria leutis — porque razão se não poderá chegar até duas ou três décimas de millimetro na Filaria dermathemica^ Será porque não apresente ella órgãos sexuaes ? Mas isso é o que ainda se não verificou ao certo. As nossas observações, é verdade, não os conse- guiram demonstrar, mas não é sobre tão fraco esteio que se deve firmar uma conclusão de que não existam. E, demais, não se sabe que as Filarias teem a vulva muito perto da bocca ? Não se sabe também que, quanto mais descem na escala micrometrica, mais simples se tornam os aiiimaes, a ponto de irem gradualmente des- apparecendo o systema nervoso, o muscular ( sys- temas aristocráticos no pensar de um grande sábio ), e, successivamente, os vasos, os órgãos de secreção, etc, etc, sempre em proporção decrescente, até a simplificação ultima na cellula tio humilde Zoophito? Que muito é, pois, que, ao percorrer da escala, na simplificação continuada, desçam as espécies até aquella em que haja confusão de dous ori- fícios, e estes sejam a bocca e a vulva? Julgamos este ponto tão conhecido, que não nos cançaremos em amontoar exemplos. 0 próprio Davaine, em referencia ás Filarias, 53 parece presentiu esta fusão quando, tratando dos caracteres geraes do gênero, diz — « quel- quefois Ia vulve est tout aupres de Ia bou- che ». * E também o mesmo autor quem, a propó- sito da Filaria do olho humano, e referindo-se á descripção de Gescheidt, diz — a vulva d'estes parasitas formava uma cloaca com o ânus. ** Eis aqui um meio que poderia solver muito bem a difficuldade, mas como este são innume- ros os exemplos. Quanto ao órgão masculino, talvez não fosse de todo fora de propósito lembrar que ha duas espécies, ou melhor, variedades de Filaria der- mathemica nas que descrevemos : umas de cauda romba e outros de cauda atilada, extremamente pontuda e transparente. N'esta ultima não se po- deria ver uma espicula terminal 9 *** Demais, ainda ninguém descreveu, que o sai- bamos, os órgãos sexuaes do Demodex folliculo- rum ****7 e nem nunca os vimos tam pouco, mas não nos consta que por isso se tenha deixado de considerar o Demodex um animal adulto, e que ao contrario o tenham feito larva de algum Acariano. 0 Obr. cit., pag. LVIII. 09 Obr. cit., pag. LXXII. os o Vid. a estampa original. oe*« yid. a estampa copiada. 54 Pedimos aos leitores que reflictam sobre o simile. Se, porem, apezar dos argumentos apresen- tados, parecer a alguém que concluimos depressa e sem critério, quando classificámos o animal de adulto, pediremos permissão para dizer, que irá também a pecha recahir sobre o sábio Davaine, que não trepidou em considerar Nematoides no estado perfeito * Filarias cujo sexo não foi visto. Com effeito, descrevendo, segundo Guyot, que também não diz que seja larva, a Filaria da conjunctiva — Filaria da orbita — ao chegar aos órgãos genitaes, substitue-os o autor por uma interrogação. Cremos, porem, que um simples ponto de interrogação não corta a difficuldade. Passemos agora á segunda hypothese : o nema- toide não passa de uma larva de certa e determi- nada Filaria ainda desconhecida. Confessamol-o sinceramente : discutimos esta hypothese por amor ao methodo positivo, que adoptámos n'este trabalho; mas para nós é re- pugnante ao espirito admittil-a. Como se deve ter deprehendido da prece- dente discussão, o que pode mover o espirito a acreditar na existência de uma larva é, simples- * Obr. cit., pag. LXII, 55 mente, a falta de órgãos sexuaes no parasita. Podem suppôr então os que quizerem admittir esta hypothese, que o animalculo, agamo ( ou sem sexo ), é apenas uma larva de uma Filaria existente no organismo, ou fora d'ellc Examinemos os dous casos. Si existe no mesmo indivíduo essa Filaria- mãe, onde reside ? Está bem visto que não po- deria ser senão na pelle, uma vez que os óvu- los lá foram encontrados, no intimo de uma papula. Mas esta supposta Filaria nunca a en- contrámos, nem vestígio pathologico de sua existência. Como, pois, admittil-a ? Fora do organismo é mais sensata a hypo- these. Sabe-se muito bem que certas espécies do gênero Gordius, onde, a principio, incluirá Lin- nêo a Filaria de Medina. passam uma parte de sua vida como parasitas no corpo de certos insectos, no estado agamo, para, depois de ahi desenvolvidos, voltarem á terra, d'onde haviam sabido, e, cohabitando, reproduzirem-se. Com a própria Filaria de Medina pareCe dar- se um facto um pouco semelhante, porquanto os embryões que nella se formam, emquanto contida no corpo do homem, são inaptos para ahi viverem e se reproduzirem, o que provam os factos de 56 ruptura de Filarias cheias de embrvões, no inte- rior do sacco que ellas occupam, ou do tumor que determinam, sem que esses embryões cresçam ou se reproduzam. Procurando um exemplo mais comesinho, e que é de todos nós conhecido, veremos que, no Pullex penetrans ou Bicho de pé, só a fêmea é parasita do homem ou dos animaes, e isso quando fecun- dada. A inclusão no indivíduo estranho tem por fim permittir-lhe o desenvolvimento dos embrvões, os quaes sahem depois, para se fecandareni fora, e penetrarem de novo unicamente as fêmeas. Será, pois, uni facto semelhante ao dos Gor- dios o que se dá com este nematoide ? Não se o pode admittir, uma vez que foram, junto ao parasita, descobertos os seus óvulos. Este único argumento basta para destruir a hy- pothese. Por emquanto, pois, ficaremos acreditando que as Filarias dermathemicas são animaes adultos, e uma nova espécie a incluir no gênero Filaria. Esta idéa, porem, que por emquanto sustenta- mos, nada tem de systematica, nem impedirá que continuemos a procurar um outro animalculo, de que possam se considerar estes como larvas. N'um trabalho d'esta ordem havia necessidade 57 de definir bem as idéas que tivéssemos no momento sobre cada facto, mas, em sciencia, a idéa abra- çada hoje com enthusiasmo pode muito bem rolar amanhã no pó do esquecimento, uma vez que surja outra melhor, ou mais approximada da verdade. É, porem, já occasião de passarmos á terceira parte d'este capitulo, ou á justificação do qualifi- cativo— dermathemica — addicionado ao termo genérico — Filaria, — com que denominámos o nosso parasita. Quando tratámos de procurar um nome, que designasse a espécie nova, surgio-nos logo á mente a idéa de qualifical-a de modo que ficasse em condições de exprimir qualquer cousa do que se passasse de mais importante no facto mórbido, que essa mesma espécie de Filaria determina sobre a pelle. Ora, como se verá da descripção da moléstia, esse facto mais importante é, inquestionavelmente, a papula que ella determina. Mas essa papula, que jamais se abscéda ou suppura, isto é, que jamais se converte em pústula, é resultado de um aceu- mulo de sangue no próprio tecido da clerma, de uma congestão limitada da pelle, nos pontos ele- vados, congestão local esta que reconhece por causa a irritação que determina o parasita. 58 Ora, como se sabe, a congestão para a pelle é conhecida na sciencia pela palavra dermathemia ou dermohcmia, de dous radicaes gregos, derma, pelle, o aima, sangue ; logo, entendemos que poderíamos exprimir bem o caracter principal da acção da Filaria sobre a pelle denominando-a dermathemica. Havia, alem d'isso, a vantagem de evitar um neologismo, o que é sempre da maior importância em uma sciencia, como a medicina, onde a tech- nologia é tão extensa. CAPITULO III FILARIOSE Neste capitulo occupar-nos-hemos com a Fi- lariose, ou a moléstia que determina sobre a pelle a Filaria dermathemica. Antes, porem, da descripção minuciosa d'esta affecção cutânea, seja-nos permittido apresentar as razões que nos levaram a denominal-a Fila- riose. Haverá, em medicina, uma regra certa e deter- minada, que guie os passos do medico ou do pa- thologista, quando uma nova entidade mórbida se apresenta, reclamando foros de acceitação no grande quadro nosologico ? E quando essa moléstia for uma verdadeira affecção parasitaria, em que convenha indicar 60 juntamente o nome do animalculo ou vegetal parasita que a produz V Regra geralmente acceita e lógica, não n'a co- nhecemos por ora na sciencia, o que não admira, quando de leve se reflecte na confusão, em que se acham immersos ainda os primeiros conheci- mentos sobre esses organismos inferiores, tão engenhosamente designados por Hseckel — orga- nismos sem órgãos, referindo-se aos monera e aos amoeba. Se, realmente, em relação ás b.tcteries, bacteri- dies, vibriões e microzymas não está completo o estudo, como querer a luz em questões especu- lativas, qu^ só podem e só devem ser alumiadas pelos raios emanados do campo da observação e da experiência ? ! Não pensemos, pois, em regra definitiva, lógica, philosophica mesmo, que sirva para todos os casos, e em que achem elles cabal e peremptória ada- ptação. De um sem numero de circumstancias tem nas- cido, e continuará por muito tempo a originar-se, a technologia da sciencia das moléstias, e os animal- culos parasitários, causadores d'affecções especiaes, bem como os vegetaes de igual jaez. irão, a capri- cho, recebendo a imposição dos descobridores, ou 61 a denominação, quasi sempre absurda e inconse- qüente, que lhes assigna o povo. Na technologia medica, porem, é muita vez o parasita que dá o nome á moléstia, que elle produz e determina. E assim que, genericamente fallando, se empre- ga a palavra Helminthiase para indicar as mo- léstias causadas por entozoarios ; que Verminose indica a affecção produzida pelos vermes intes- tinaes, etc. Ultimamente, com a descoberta, por Hilton, da Trichina spiralis, cuja descripção se deve a Owen, entenderam de chamar á moléstia por estes ento- zoarios produzida — Trichinose. Deixando-nos, pois, levar pela analogia, propo- mos a palavra Filariose para designar a moléstia produzida pela Filaria dermathemica. Parece-nos que, com estas duas denominações, temos por assim dizer apontado os dous mais in- teressantes factos da moléstia. Com effeito, pela só denominação Filariose, fi- car-se-ha logo sabendo que se trata de uma mo- léstia produzida por urna Filaria, e o qualifica- tivo dermathemica, d'esta ultima, fará immedia- tamente concluir-se que o facto mórbido capital v uma congestão da derma. D'este modo julgamos ter justificado a denomi- 62 nação, que propuzemos para a dermatose estudada. Dito isto passemos á descripção da moléstia. Pathogenia — A pathogenia da Filariose é de intuitiva e facil explicação, uma vez bem compre- hendida a natureza do animalculo que a produz. Estudaremos o facto desde o seu começo, e pro- curaremos, o mais naturalmente possível, acompa- nhar a marcha da moléstia. Começaremos por demonstrar que o óvulo ou o animalculo penetram pela pelle. Em seguida ex- plicaremos a producção da papula, resultante de sua intromissão e estada na espessura da derma, e terminaremos explicando o modo por que se trans- mitte e generalisa o mal. Segundo as nossas medidas, tem o animalculo 0mm,25 a 0mm,35 de comprimento, sobre 0mm,006 a 0mm,009 de largura. O óvulo mede em seu maior diâmetro 0mm,03. Vejamos se existem, normalmente, na pelle, aberturas, que admittam a passagem de elemen- tos ou animalculos das dimensões supracitadas. Existem na superficie da epiderme, dando com- municação para a derma, duas ordens de orifícios: os das glândulas sudoriparas, c os dos folliculos pillosos e glândulas sebaceas. Muito propositalmente confundimos os orifícios das glândulas sebaceas com aquelles por onde 63 passam os pellos, porque, ou as glândulas seba- ceas, muito reduzidas de volume, se abrem nos folliculos pillosos, desembocando então na epi- derme pelo orificio d'estes, o que é mais commum, ou o inverso se dá, e é um pequeno pello que pe- netra pelo orificio de uma glândula sebacea, então muito desenvolvida, até encaixar-se em unia das anfractuosidades, que formam o fundo d'esse gê- nero de glândulas. Assim, pois, aos grandes pellos se addicionam pequenas glândulas sebaceas, e ás grandes glân- dulas sebaceas se addicionam pequenos pellos. Exceptuando raros pontos da pelle, como o bordo livre dos lábios, o mamillo, etc, pode-se dizer — que a cada pello correspondem pequenas glândulas sebaceas, e a cada glândula sebacea vo- lumosa corresponde um pello. Isto tem por fim apenas demonstrar, que é o mesmo o orificio dos folliculos pillosos e o de excre- ção dessas glândulas, na superfície da epiderme. Admittido isto, vejamos as dimensões d'estes orifícios. Nas glândulas sudoriparas mais pequenas, o ori- ficio externo do canal excretor é de 0mm,009 a 0,mm022 (Kõlliker) *, ou de 0mm,015, na media, (Fort) **. Nas glândulas volumosas é de 0mm,100 ° Elem. de hist. hum., trad. franc. por Marc Sée, 1868, pag. 185. °» Trat. de hist., 1873, pag 715. 64 a Omm,150 (Fort) *. Davaine **, sem especificar o tamanho das glândulas, e referindo-se a cilas em geral, diz, que a larva da Filaria (de Medina), tendo de diâmetro em espessura 0mm,01, pode sem duvida introduzir-se no conducto excretor de uma glândula sudoripara, cujo calibre é de 0mm,01, e provavelmente mais considerável nos paizes quentes. Vê-se, pois, que, ainda pelo orificio das glan dulas mais pequenas, cuja media é 0mm,l5 (Fort), pode passar um animalculo cujo diâmetro não ex- cede de 0m,006 a 0mm,009. Aclmittido mesmo que todos os orifícios medissem o minimo do diâmetro das pequenas glândulas 0mm,009 (Kolliker), ainda- assim era possível a entrada do animal. Cumpre agora observar que estamos tomando o minimo do diâmetro das menores glândulas. E preciso não esquecer que existem orificios, os das grandes glândulas, de 0mm,100 a 0mm,150 (Fort). Em relação ao óvulo, o diâmetro transverso, comquanto maior que o do animalculo, não po- derá nunca exceder de 0mm,015, media do ori- ficio das pequenas glândulas, se mesmo a tanto chegar ; e quando assim fosse, nunca attingiria as 0 Ibid. 00 Trat. dos entozoarios, 1870, pag. 711. 65 Omm,100 ou 0mm,150 do orificio das maiores glândulas. Quanto ao orificio dos folliculos pillosos, sabe- se. que é possível por elles a entrada do parasita, ou a intromissão do óvulo : « Um pello da perna, diz Davaine *, tem oito centésimas de millime- tro de diâmetro, mais ou menos, e acha-se im- plantado no folliculo bastante frouxamente, para que o embryão da Filaria (de Medina, que tem, segundo o mesmo autor, Omm,75 de comprido, sobre 0mm,01 de largo ) possa introduzir-se, sem difficul- dade, entre a bainha e a raiz. » Ora uma Filaria dermathemica tem menos de (T^Ol de diâmetro ( 0mm,006 a 0mm,009 ). Eis, pois, segundo o nosso modo de ver, como penetra o animalculo na pelle. Ahi chegado, produz elle immediatamente os effeitos de um corpo estranho entranhado na derma : irrita-a. A conseqüência natural e forçada d'esta irri- tação e uma dermatite, com ou sem exsudação sub-epidermica ( vesicula ou papula ) , e produ- zindo sempre notável endurecimento peripherico, no ponto cm que reside o parasita, foco cTonde parte a irritação. Eis como entendemos a producção da papula, que caracterisa a dermatose. 0 Loc. cit. 66 Produzida esta congestão para a pelle, esta hy- ptremia cutânea, facto capital na caracterisação da moléstia, e que valeu ao animalculo a denomi- nação que lhe demos de Filaria dermathemica, ou parasita que produz dermathemia, isto é, con- gestão para a pelle; produzido este phenomeno, iamos dizendo, pode-se considerar como comple- tamente desenvolvida, em plena phase de adian- tamento, a moléstia que estudamos. E isto da maior importância em bem determi- nar-se, porquanto, é sem duvida alguma o ca- racter papidoso, ou simplesmente congestivo da affecção, o que a caracterisa, e estabelece-lhe a dif- ferença para com outras affecções de pelle, onde este facto se não dá. Depois de produzida a papula, fica estacionario o mal. Não ha irritação bastante para dar em re- sultado pús ; a suppuraç.ão não é da essência da Filariose. Pode complical-a, mas será um epiphe. nomeno, ou melhor, o resultado immediato da irritação e dilaceramento, pelas unhas, da papula inicial. Resta-nos agora dizer que a ruptura, com ex- tra vasação sangüínea, de uma ou muitas papulas, derramando e espalhando, ipso facto, sobre a pelle e as roupas, óvulos e animalculos, explica satis- factoriamente a generalisação da moléstia a todos os pontos da superfície cutânea. 67 Aqui, como na sarna, na mentagra, na tinha favosa e tonsurante, etc, etc, é o mesmo o pro- cesso da contagiosidade. O derrame de um sem numero de óvulos rei-'1 cama onde descança o doente, pelas roupas em que se envolvo, pelos .novéis e utensílios de que usa — eis a causa da generalisação da Filariose. Parece-nos que estais linhas devem já ter adian- tada alguma cousa sobre a pathogenia da molés- tia, e nutrimos esperanças de aprofundar mais tarde estes estudos, quando maior numero de casos se nos offerecerem á observação. Quanto á Etiologia, inútil é insistir sobre este ponto : que a causa determinante da Filariose é a Filaria dermathemica. Submetter tal assumpto á discussão seria o mesmo que duvidar de que o Acarus ou Sarcoptes scabiei seja a causa produ- ctora da sarna, o Demodex folliculorum do rouget, nos cães, o Tricophyton tonsurans da tinha tonsu- rante e da mentagra, o Achorion Schoenleinii da tinha favosa., etc, etc Antes, porem, de terminar o capitulo dedicado á pathogenia da Filariose, seja-nos licito discutir uma questão importante, e que talvez não achasse em outra parte mais adequado logar, que este em que se trata tantas vezes do óvulo da Filaria dermathemica. HcS A propósito d'esses óvulos cumpre, realmente, notar, que não existe desproporção entre as suas dimensões e as do parasita, comquanto, á primeira vista, assim pareça. Fazemos esta observação com referencia aquel- les que julgarem poder-se talvez attribuir os óvulos observados e descriptos, no capitulo ante- rior, a um outro parasita, attenta tal desproporção. Para demonstral-o argumentaremos por analo- gia, comparando com o que se dá com o Sarcopto da sarna. Ora, segundo as expressões de Moquin-Tan- don, os ovos ( do Sarcopto da sarna ) são enormes, compara 'os com o volume do parasita-mãe; apre- sentam, na occasião da postura, pelo menos o terço do comprimento do animal. * Com effeito, as dimensões do sarcopto feminino são, segundo diversos autores, as que abaixo transcrevemos : UOSIRRIMENTO LARGURA Littré e Robin.......... 0mm,30 a 0ram,37 0mm,22 a 0mm,26 Moquin-Tandon......... 0mm,33 O^õ Ç4 de millimetro K* de millimetro (.lervais e Van-Beueden . . r (jmm 33 \ / Qmm 55 \ ( de millimetro ,Y de millimetro lIa*ly............... | ( 0mm,33) (0mm,25) Niemoyer co .......... 0u,m,33 0mra,2õ 0 Moquin-Tandon — Éléments de Zòologie Médicale — Parif, 18G0, pag. 389. 00 Vid. as seguintes obras : Littré etllobin, Dictionnaire de Médecine, Paris, 1873, pag. 1379. — Moquin-Tandon, Éléments í-ItJ Ora, como se vê, a medida destes diversos au- tores é, por assim dizer, idêntica, porque, a excep- tuar Littré e Robin, que dão, no seu Diccionario, 0mm,37 de comprimento, e 0mm,2G de largura, no máximo, os outros todos dão 0mm,33, em com- primento, e 0m»,25, em largura. Ora, deve-se notar que a differença é apenas de 0^,04 em comprimento, e de 0mM,01, em largura. Vejamos agora as dimensões do óvulo, para depois demonstrarmos, por algarismos, o que acima dissemos e corroborámos com a grande autoridade de Moquin-Tandon. Eis as dimensões do óvulo do Sarcoptes scabiei: COMPRIMENTO LARGURA Littré e llobin........ 0mm 15 0mm 09 Moquin-Tandon........ 0mm 2 0mm 1 Gervais e Van-Beneden.. ....... Hardy.....•.......... 0^,168 0mm,114 Niemeyer * ........... Vê-se d'aqui que o óvulo tem, reduzindo as dimensões dos diversos autores citados a mille- simas de millimetro, para facilitar a comparação, de Zoologie Médicale, Paris, 1860, pag. 28G. — Gervais e Van- Beneden, Zoologie Médicale, Paris, 1859, pag. 464. — Hardy, Xouveau Dictionnaire de Médecine et de Chirurgie pratiques, tom. XV, Paris, 1872, pag. 570. — Niemeyer, Traité de Patho- logie Interne, trad. franc, Paris, 1869, pag. 563. 0 Vid. Littré et Robin, obr. cit., pag. 1380. — Moquin-Tan- don, obr. cit., pag. 289 — Hardy, obr. cit., pag. 571. 70 de 0mM,150 ( Littré e Robin) a 0mm,168 ( Hardy ) ou 0mm,2u0 ( Moquin-Tandon, em comprimen- to ), e 0mm,090 (Littré e Robin) a 0mm,100 ( Mo- quin-Tandon) ou 0mm,114 (Hardy), em largura. Pois bem, ainda admittindo que d'estes autores tenha apenas razão o que dá os menores algaris- mos, ou ümm,150, em comprimento, e 0mm,090, em largura, ainda assim, se verá que existe, como acima dissemol-o, notável desproporção entre a fêmea do parasita e seu óvulo, o que passamos a demonstrar. Para esse fim sigamos um processo inteira- mente opposto ao que acabámos de adoptar para o óvulo, e tomemos apenas como verdadeiros os algarismos mais elevados, d'entre os acima apre- sentados. Serão esses os de Littré e Robin, que dão 0mm,370, de comprimento, e 0mm,260, de lar- gura, ao parasita (reduzindo aindaamillesimas de millimetro ). Note-se bem que, para destruir pela raiz toda a objecção, sirvimo-nos, em relação aos óvulos, das dimensões mais exíguas, ao passo que, em relação ao parasita-mâe, apresentámos as maiores. Mais simplesmente, suppomos, na comparação que vamos fazer, o mais pequeno óvulo em re- lação com o mais volumoso parasita. Pois bem, ainda n'estas circumstancias, que 71 são talvez a excepção da regra, vê-se que um parasita de 0mm,370, em comprimento, e 0mm,250, em largura, põe um ovo deOmm,150, em compri- mento, sobre 0mm,090, em largura, ou de muito mais de um terço do comprimento, e de um pou- quinho mais de um terço de largura ( 0,006). Simplificando ainda mais, e desprezando o pe- queno excesso que ha em favor do óvulo, pode- remos dizer, que o óvulo do Sarcopto da sarna é, não só. em comprimento, mas também em largura, do tamanho de um terço do animal donde provem! Vê-se, eonseguintemente, quão acertado é o cal- culo de Moquin-Tandon, que acima transcrevemos. Tudo isto, que talvez tenha parecido extraor- dinariamente prolixo, é da maior utilidade, dire- mos mesmo, da maior necessidade, uma vez que st torna prec demonstrar, com um exemplo conhecido, que não ha desproporção entre o óvulo por nós observado e o parasita ao qual o attri- buimos. Devemos, porem, fazer agora observar, que não é em relação ao comprimento do óvulo c do ani- malculo, por nós estudado, que receiamos descu- bra quem quer que seja a menor desproporção —o que se poderia aliás dizer do sarcopto da sarna — mas sim em relação aos diâmetros transversos. 72 Com effeito, o diâmetro de um óvulo da Filaria dermathemica mede 0mm,030, em comprimento, e 0mm,010, em largura. O animalculo apresenta por sua vez 0mm,250 a 0mm,350, em comprimento, e 0mm,006 a 0mm,009, em largura. Em primeiro ! -gar, sabe-se que as Filarias (re- ferimo-nos a todo o gênero) são elásticas, e, em segundo, deve-se notar que o sarcopto da sarna, por uma vulva de 0mm,085 (Littré e Robin), põe um óvulo de 0mm,150 de comprimento e (r^OM de largura (segundo o mesmo autor). Quanto á elasticidade da Filaria dermathemica, parece-nos que nos dá todo o direito a admittil-a, e bem notável, a multiplicidade de movimentos do parasita, quasi simultâneos, e em todas as direcções. Sem muita elasticidade o animalculo não se po- deria, inquestionavelmente, contorcer tão viva- mente, e nem tampouco dobrar-se sobre si mesmo com a presteza e agilidade quesempre observamos. Procurando um outro exemplo de desproporção entre o óvulo e o parasita, citaremos o Demodex folliculorum, que muitas vezes temos examinado, e do qual diz também Moquin-Tandon, que seus óvulos são enormes, relativamente ao tamanho do animal, opinião esta que o autor attribue, accci- tando-a, a Lanquetin. 73 No estudo do parasitismo mórbido ha ainda muitos pontos a esclarecer, e, certo, os da ovulo- gia e germinação não se podem considerar os mais sabidos. Todo o estudo, pois, sobre um tal objecto é sem duvida da maior utilidade, e indis- pensável até para a elucidação de importantes questões, que affectam ao mesmo tempo á zoolo- gia e á medicina. Isto basta para explicar a prolixidade com que nos houvemos em relação a este assumpto. Symptomatologia — Descripta a Filaria, pro- ductora da moléstia, e estudada a sua pathogenia, cumpre que, a largos traços, esforcemo-nos por apresentar um quadro synoptico d'esta doença, tão incommoda, se bem que em seu prognostico pareça ser da maior benignidade. O primeiro symptoma é a apparição de uma vesicula, de uma papula ou de uma vesico-pa- pula bem caracterisadas. A vesicula, que, como se sabe, consiste em uma pequena elevação da epiderme, ou antes, da ca- mada cornea ou inerte da epiderme — porque o corpo de Malpighi nada tem que vêr com o phe- nomeno do descollamento — e interposição de um liquido citrino ou soroso, mas nunca sangui- nolento ou puriforme, é uma das fôrmas do 10 74 apparecimento da moléstia. Outras vezes, porem, uma pequena saliência cutânea, nunca superior em dimensões a uma ervilha, e produzida pela infiltração congestiva da derma, é o primeiro signal da dermatose. E a fôrma simplesmente papulosa. Outras vezes ha a confusão das duas varieda- des : sobre uma papula bem caracterisada assenta uma vesicula de liquido transparente Existem, pois, três fôrmas da moléstia: a vesi- culosa, a papulosa e a vesico-papidosa, que nos parece a mais commum. Acompanha inevitavelmente esta erupção, e é o que primeiro conduz á sua descobeita, um vivo prurido, que obriga o paciente a satisfazel-o em continente, despedaçando a vesicula, ou ex- foliando a epiderme que reveste a papula. Cessa então por um instante a coceira, para voltar depois com maior intensidade ; e isto continua-se por muitos dias, se não attinge mesmo mezes de incommoda duração. Ha uma particularidade muito singular nesta dermatose, que cumpre referir. O prurido, cuja vehemencia é, como já ficou dito, de uma inten- sidade verdadeiramente insupportavel, torna-se ou mostra-se mais vivo e irresistível quando o indi- víduo muda de vestidos. 75 E assim que, ao entrar para um banho, ao mudar de fato, ao metter-se na cama, em suinma, toda a vez que o doente levanta do corpo a porção da vestimenta, que mais immediata- mente se lhe acha sobreposta, é, acto continuo, atacado de um prurido atroz, que o leva a ex- foliar as papulas, a dilaceral-as mesmo, até ver- terem sangue. A mais pequena papula, situada onde quer que seja, dá logo signal de sua existência, for- çando o paciente a reconhecel-a antes pela incommoda sensação experimentada, que por suas próprias dimensões. A's vezes trata-se de um ligeiro ponto, apenas perceptível, mas que, não obstante, incommoda a ponto de exasperar o paciente. É n'estas occasiões que o indivíduo reconhece, que a extensão do mal é realmente maior do que a principio suppozera ; e isso verifica-o elle pela multiplicidade de pontos, que são immedia- tomente atacados de insupportavel coceira. A um tempo todas as papulas, como se inci- tadas por um só motor, entram a incommodar o pa- ciente, que lastima não posssuir mais mãos para acudir a tantos pontos diversamente situados. Qual será a causa d'este phenomeno particular, tão accentuado e tão freqüente ? 76 Não o sabemos com certeza, mas acode-nos á idéa uma explicação, que, se não passa de uma hypothese, pode-se comtudo affinnar que parece bem fundamentada. Como se sabe, é o calor, e o calor humido, uma das circumstancias indispensáveis para a manu- tenção da vida em toda essa longa e variada serie de nematoides parasitas. A ninguém é desconhe- cida a importância cfeste elemento na producção das fermentações pútridas, e todos sabem que notável papel ahi representam os animalculos in- fusorios. Já se vê, pois, que também á Filaria microscó- pica, de que nos occupamos, é necessário ou indis- pensável o calor. Ora, despidas as vestes, a súbita impressão do ar, principalmente á noute, em que desce geral- mente a temperatura de alguns gráos, se trans- mitte até os nematoides, que se agitam vivamente, executando os mais expeditos e multiplicados movimentos. Esta passagem da quietação ou modorra, em que dantes se achavam, graças ao calor, que de todos os lados os cercava, ás multiplicadas voltas e accelerados movimentos, deve necessariamente manifestar-se por um symptoma qual o que real- mente apresenta o paciente. Comprehende-se 77 facilmente, com effeito, que estes movimentos devem trazer, como conseqüência, a irritação das radiculas, ou filetes nervosos, que se destribuem na pelle ; d'onde o prurido insupportavel. Não queremos com isto dizer, que só á noute se manifeste o phenomeno, ou ao despir da roupa, mas apenas que são essas as occasiões em que mais se accentua o symptoma. Continuemos, porem, a descripção dos pheno- menos observados, em relação a cada papula de per si. Quebrada a vesicula ou exfoliada a papula, nem por isso cessa o prurido, que persegue por toda a parte o portador da Filaria dermathemica ; e, por vezes repetidas, vê-se este irresistivelmente for- çado a arrancar a crosta vermelha e secca, que cobre a ferida, resultante do dilaceramento an- terior. Se o paciente se contenta com eliminar a crosta e limpar ligeiramente a superficie sangrante, quasi invariavelmente não desenraiza o mal, e, no dia seguinte, terá de repetir o mesmo processo, que continuará por muito tempo. Se, porem, logo ao arrancar a pequena crosta, com a unha ou a lamina de um canivete, raspar cuidadosamente o fundo da ferida, limpando-a e lavando-a em seguida, então com certeza debella-