FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA «tp r r TC» ©i ic" i| Mia^lÉc APRESENTADA Á faniaiie ir itoitii Ca fatia Em 30 de Outubro de 1909 PARA SER DEFENDIDA POR Constando oMaztins ampaio Interno effectivo do Hospital Santa Izabet, auxiliar da clinica ophtatmologica do Dr. Ribeiro dos Santos NATURAL DO ESTADO DA BAHIA (Porto-Seguro) Filho legitimo do Coroúel Jessé Martins Sampaio e D. Jovelina Gonçalves Sampaio AFIM DE OBTER 0 GRÁO DE DOUTOR EM MEDICINA DISSERTAÇÃO (CAQEIRA DE CLINICA OPHTALMOLOGICA) Siniroio ocular ia demencia precoce e ia paralytica proposiçOes Tres sobre cada uma das cadeiras do curse das sciencias medico-cirurgicas BAHIA Typ. BfVHI/iHfl, DE CmcmWATO Melchiade» 25 — Rua do Arsenal de Marinha — 25 1909 FACULDADE DE MEDICIHA DA BAHIA Director—Dr. Augusto Cesar Vianna Vice-Director—Dr. Manoel José de Araújo LENTES CATHEDRATICOS Os Drs. Matérias que leccionam 1. Secção - Josè Carneiro de Campos Anatomia descriptiva Carlos Freitas Anatomia medico-eirurgica 2. Secção Antonio Pacifico Pereira Histologia Augusto Cesar Vianna Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello Anatomia e Physiologia pathologicai 3. Secção Manoel José de Araújo Physiologia José Eduardo Freire de Carvalho Filho. Therapeutiea 4. Secção Luiz Anselmo da Fonseea Hygiene Josino Correia Cotias Medicina legal e Toxicologia 5. Secção Antonino Baptista dos Anjos Pathologia cirúrgica Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operações e appaielhos Antonio Pacheco Mendes Clinica cirúrgica-1.- cadeira Braz Hermenegildo de Amaral . . . Clinica cirúrgica—2.- cadeira 6. Secção Aurélio Rodrigues Vianna ....'. Pathologia medica João Américo Garcez Fróes Clinica propedêutica Anisio Circundes de Carvalho . . . Clinica medica—1.- cadeira Francisco Braulio Pereira Clinica medica—2.- cadeira 7. Secção Antonio Victorio de Araújo Falcão . . Matéria medica, Pharmacologia e Arte de formular José Rodrigues da Costa Dorea . • . Historia natural medica José Olympio de Azevedo Chimica medica 8. Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia Qimerio Cardoso de Oliveira .... Clinica obstétrica e gynecologica 9. Secção Frederieo de Castro Rebello . . . Clinica pediátrica io." Secção Francisco dos Santos Pereira .... Clinica opthalmologica 11.1 Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . . Clinica sypliiligraphica e dermatológica 12.* Secção Luiz Pinto de Carvalho ...... Clinica psvchiatrica e de moléstias jiervosas Joio Evangelista de Castro Cerqueira . ) t. .. ....... Sebastião Cardoso ........ j Km Os Drs.: José Affonso de Carvalho . 1- Sec. Gonçalo Moniz S. de Aragão 2- „ Julio Sérgio Palma.... „ „ Pedro Luiz Celestino ... 3- „ Oscar Freire de Carvalho . 4- „ Caio O* CL de Moura ... 5' „ . . - - fi- „ LENTES SUBSTITUTOS Os Drs. Pedro da Luz Carrascosa. . 7- See. Josè Júlio de Calasans . . „ „ José Adeodato de Souza . . 8- „ Alfredo F. de Magalhães . 9- „ Clodoaldo de Andrade . . 10’ „ Albino A. da Silva Leitão . XI- „ Mario de C. da Silva Leal . 12- „ Secretario—Dr. Menandro dos Reis Meireli.es Sub-Secretario—Dr Matheus Vaz df. Oliveira A Faculdade não approva nem reprova as opiniões exaradas nas theses pelas *eas auctores. CAPITULO I A pouco e pouco a treva desce sobre o seu cerebro. A ardência equatorial do sol da sua intelli- gencia se deixa' substituir lentamente pela algi- dez mortífera dos gelos polares. Impotente, assiste o desfilar precipite das im- pressões accumuladas em sua esphera affectiva e moral. As affecções escoam-se por entre as primeiras brechas feitas no edifício do seu intellecto. A attenção, a primeira a soffrer o contacto desta hibernação mortal, se vae dispersando em mil sentidos, emprestando á ideação uns tons pesados de crepúsculo onde a custo se dese- nham os traços indecisos de suas ultimas ima- gens e impressões. Dissonâncias continuas vêm quebrar o con- certo primitivo das emoções que adormecem e se apagam. O indifjerentismo chumba-se ás suas têmpo- ras e vasa-lhe nas artérias a gélida fusão que lhe entorpece a alma. 2 A memória se desestratifica no pó das reminis- cências que se vão diluindo a mais e mais. A flor da intelligencia se estiola, e á propor- ção que do velludo de suas pétalas se despede o brilho de suas cores, o perfume se evola como o fumo de uma chimera devastada pelo incêndio do real. Assediados por todos os lados pela marcha voraz da enchente que se avoluma, estados ele- mentares de consciência se dissociam e scindem, impossibilitando a coordenação suprema da von- tade que o abandona, obrigando-o, por uma lei fatal de regressão, á volta ao mundo das impul- sões. (Ribot). Cedendo ao peso de uma derrocada que não ha conter, a personalidade se fragmenta, como ao contacto dos primeiros soes da primavera, a neve que coroa os cerros e as montanhas. E nessa despersonalisação constante, não é raro de vêr-se todas as gradações de uma pro- funda alteração cenesthesica, desde o desdobra- mento até a negação com incoordenação final. A consciência, cujos últimos lampejos ainda lhe deixavam perceber a' marcha triumphal da sua decadência,—ma pauvre cervelle est bien malade; elle me jouera unvilain tour(i) não tarda a tomar caminho para essa retirada funesta; seus últimos raios apenas conseguem despedir (i) Masselon—La dem. prec. pg. 27. 3 algumas centelhas, raríssimas, no ce'o obum- brado da inconsciência. No rápido evoluir dessa desaggregação psy- chica, as crystallisações finaes que ainda esca- pam ao processo de isolamento gradual das cel- lulas cerebraes, entram por vezes em vibrações desordenadas, povoando-lhe a mente de con- cepções delirantes variadíssimas, como o baço tremeluzir que precede sempre a agonia de um grande foco de luz. Sobre o cadaver da consciência ergue-se o auto- matismo, ultimo marco plantado á margem da via-sacra da demencia. E chegado á «curva extrema do caminho ex- tremo», amenos que a vida intellectual se recom- ponha, reerguendo, pedra por pedra,, o edifício que ruira ao choque de tantos embates, o de- mente, para quem a vida importaria tanto quanto a morte, vae mergulhando a pouco e pouco na treva espessa de uma noite sem fim. ♦ *• Eis esboçado em traços muito largos o perfil do demente tal qual o reduzem as duas moléstias cujas manifestações oculares nos propuzemos estudar. Mas, se é commum o accordo, por parte dos psychiatras, em reconhecerna demencia paraly- 4 tica todos os caracteres de uma entidade mór- bida definida,, cuja evolução, atravez ~de uma symptomatologia mais ou menos constante, ter- mina sempre pela demencia; o desaccordo é evi- dente em se tratando da demencia precoce, ponto 'duvidoso da psychiatria moderna, em torno do qual muito se tem debatido ultirna- mente, nos desacertos mais contradictorios, os espiritos mais esclarecidos, no afan assaz lou- vável de firmar bem os traços ainda meio apa- gados da moléstia em questão. Desde que Bayle, em 1822, destacou do bloco confuso das demencias descriptas ate' então e, estatuário primoroso, talhou, a golpes de genio, as linhas firmes da sua demencia paralytica, a verdade se foi fazendo em torno desta ajfecção, até que hoje, depois de uma serie considerável de observações e experiencias, que valem uma epoca, ella surge autonoma, com sua symptoma- tologia própria, sua etiologia mais ou menos firmada, suas lesões anatomo-pathologicas ca- racteristicas. Não nos satisfaz de modo algum a maneira empirica de se estabelecer a nosographia das de- mencias, fazendo-a repousar sobre meros cara- cteres clinicos, relegando para plano muito secundário as alterações anatomo-pathologicas, únicas capazes de fornecerem os meios indispen- sáveis a uma verdadpira classificação. 5 E se nesse particular ponto de vista, ainda se não pode precisar bem o substrato orgânico das demencias, tal lacuna deve ser levada em conta da defiéiencia dos nossos meios de pesquiza. Não ha negar que as ultimas descobertas* de Gajal, Golgi, Nissl e tantos outros, alargando o campo das observações e aprofundando mais o poder analysador, approximam, cada vez mais, a epoca em que se poderá dizer com Pierret: não pode haver demencias sem lesões materiaes do córtex. Nem esse elemento poderosissimo falta á de- mência paralytica para tornar completo o seu quadro clinico. Já verificados por Bayle—arachnite chronica, meningite chronica—as lesões anatomo-patholo- gicas macro e microscópicas são hoje eloquen- tissimas, e como se tal não bastasse, ahi está o cyto-diagnostico como prova ultima, a justificar semelhante sancção. De facto, o exame do liquido cephalo-rachidi- ano revela abundancia de lymphocitos mono e polynucleares, lymphocitose aliás commum a toda irritação meningea, ligada a uma alteração organica dos centros nervosos. Com elementos tão seguros de diagnostico a paralysia geral se impõe ao espirito do clinico, ao qual será muito facil acompanhal-a em toda sua evolução até a terminação demencial. 6 Contrastando sobremodo com uma individua- lisaçáo tão perfeita, a demencia precoce se nos- apresenta por assim dizer ainda inculta, trazendo* nas dobras dos atavios com que a riqueza de tan- tas concepções procura mascaral-a, os germens de outras tantas incógnitas ainda a resolver, pro- blema lançado á sabia investigação dos psychia- tras coevos e futuros. Taíea serie de theorias a entrechocarem-se em torno desse mesmo thema, que por muito de- batido, não deixa entretanto de se conservar ainda muito obscuro, que se pode bem dizer que a psychiaíria actuat passa por um periodo de1 agitações semelhante ao que marcou o appareci- mento da paralysia gerat no vasto quadro me- sotogico das moléstias mentaes. Foi Morei (1857) quem primeiro descreveu sob* o nome de demencia precoce uma psychose tenda por causa a degenerescencia hereditária, coin- cidindo com a puberdade,, e de existência intel- lectual muito limitada. ET bem verdade que já antes dette, Pinei e Es- quirol tinham dado a descrever estados demen- ciaes que não obstante participarem da demen- cia organica e da paralysia geral, ainda assim deixavam transparecer alguns caracteres da psy- chose que estudamos; mas para ettes a puber- dade podia determinar indifferentemente qual- quer das affecções acima citadas. 7 Com Morei termina a serie de psychiatras francezes que se occuparam da demencia pre- coce no seu periodo embryonario. E’ incontestável que o primeiro a imprimir um cunho verdadeiramente scientifico á moléstia de Kroepelin foi Kalbaum em 1863, com a descripção de sua hebephrenia, moléstia mental da puber- dade, caminhando rapidamente para a demencia. Ampliando a concepção de seu mestre, Hoecker completou o quadro clinico da hebephrenia, sa- lientando-lhe as alternativas de mania e melan- cholia. Cabe ao mesmo Kalbaum a gloria de ter dado a conhecer, primeiro, uma outra psychose, a ca- tatonia, cujas perturbações psychomatoras logo firmou, traçando-lhe desde então o cyclo evolu- tivo até a demencia. Bem se vê que Kalbaum descreveu como afjc- cções distinctas aquillo que mais tarde devia ser considerado formas de uma mesma entidade mórbida. Não foram bem recebidas as creações de Kal- baum; correntes de critica nascidas na Allema- nha com Kraft-Ebing, Schule e outros, na França com Magnan e Morei, principalmente, impedi- ram-nas de crear estabilidade, obrigando-as a uma hibernação temporária. Cessadas as primeiras investidas, uma nova corrente de idéas se veio formando em torno da 8 hebephrenia e dacatatonia, e já Finck, em i8Sò>- falia da grande analogia que as approxima, em- bora as afaste sob o ponto de vista do prognos- tico. Estudos posteriores de diversos autores, entre os quaes Darasskiewisz e Maichline, não deixam mais duvida sobre a existência de uma cate- goria de «alienados cuja affecção termina sem- pre por uma demencia rapida e precoce». Na Allemanha, Pick e Aschaffenburg vão mais longe, e descrevem com a denominação de de- mencia precoce uma psychose infectuosa da qual faz parte a hebephrenia, como caracter constante e invariável. Doutrinavam assim os psychiatras de então, quando, em 1893, Kroepelin, reformando por completo as bases da psychiatria actual, faz co- nhecida sua concepção originalissima, a cuja luz a demencia precoce se offerece á analyse sob a feição moderna que lhe creou sua synthese ge- nial. Com o concurso valiosissimo de sua observa- ção admiravel, o sabio professor de Heidelberg não tardou em reconhecer que em vários esta- dos morbidos apparentemente differentes, duas circumstanciasoccorriam frequentemente: um re- mate demenciat e uma coincidência do appare- cimento da moléstia com a epoca da puberdade. Facil lhe foi então reunir sob uma mesma ru- 9 brica estados á primeira vista tão differentes, pelo menos sob o ponto de vista clinico, como sejam a catatonia e a hebephrenia de Kalbaum, a maior parte dos casos de confusão mental dos auctores francezes, os delyrios polymorphos dos degenerados, o conjuncto proteiforme das di- versas paranoias; e attendendo ao prognostico idêntico em todos esses casos, formou a sua de- mência precoce com as tres formas em que a di- vidiu: hebephrenica ou maniaca, catatonica ou estúpida e paranoide ou delirante. Tal foi a primeira descripção feita por Kroe- pelin em sua edição de 1893. Lançada assim com tanta ousadia, a concepção de Kroepelin não tardou em ser presa da critica do mundo psychiatrico, a cujo cadinho ainda está hoje submettida, e do qual, parece, sahirá um dia triumphante, senão com a originalidade primitiva, pelo menos com pequenas modifica- ções que pouco lhe alterarão a essencia. São tantas as objecções oppostas á doutrina acima exposta, que uma grande difficuldade se antepõe ao espirito de quem procura orientar-se na apreciação de todas ellas. Essas objecções dizem respeito ao conjuncto e ás particularidades da moléstia. Na França, apezar dos grandes esforços de Deny, Roy, Serieux e Masselon, os primeiros a introduzirem em seu paiz as idéas do sabio alie- 10 mão, tem sido muito difficil a acclimatação da demencia precoce, como se em sciencia também influísse aquelle mesmo sentimento de odio mal contido que em política tem trazido esses dois paizes em desharmonias constantes que a boa diplomacia mal sabe disfarçar. Pouco diremos sobre as observações feitas á denominação da moléstia de Kroepelin. A Parant e a Dide poder-se-á responder que o nome de demencia precoce já vem de Morei esó serve para designar «de um modo provisorio» (2) a moléstia em questão. Quanto á precocidade, tres hypotheses se po- dem apresentar: ou a demencia é precoce no sentido grammatical da palavra, e isto constitue a regra geral; ou se manifesta depois dos 25 an- nos e por evoluir muito rapidamente ainda tem direito a tal designação; ou finalmente pode appa- recer em idade mais avançada e, ainda assim, parece que uma demencia que aos 45 annos tem anniquilado as faculdades intellectuaes, facto aliás raríssimo, «não deixa por isso de ser precoce». (3) Em torno do termo demencia a mesma serie de commentarios se ergue, originários de inter- pretações diversas dadas a essa palavra. Os au- ctores francezes chamam demencia, a perda total (2) Weygandt—Manuel de psych. pag. 3-]3. (3) Dormngaes Carneiro. Dem. precoce pag. iô 11 e irremediável das faculdades intellectuaes, sem possibilidade de volta, ao passo que no conceito kroepeliano, basta o desapparecimento dos senti- mentos affectivos e o abaixamento, por menor que seja, do nivei intellectual para que se in- stitua a demencia. O primeiro protesto lançado pelos médicos francezes contra a doutrina de Kroepelin, con- sistiu em affirmarem que os doentes incluidos por este professor em sua descoberta não são mais do que degenerados cahidos em demencia, dei- xando de ser a demencia precoce uma nova en- tidade mórbida, uma psychose accidentat, para ser, na phrase de Morei, uma psychose consti- tucional, secundaria ás vesanias. Convém notar o sentido metaphysico empres- tado pela escola franceza ao termo degeneres- cencia que, definido por Magnan como uma «falta de equilíbrio das faculdades moraes e in- tellectuaes», toma as proporções de um amplo surrão onde cabe á vontade quasi a totalidade do genero humano. E1 incontestável o papel da degenerescencia, ou antes da herança, para empregarmos um termo mais scientifico, na genese da demencia precoce; o proprio Kroepelin a faz entrar em 70°/0 dos casos, mas como causa secundaria, incapaz de por si só determinar o apparecimento do mal, se uma causa accidentat, infecção ou 12 intoxicação, se não encarregar desse ultimo tra balho. Se alguns psychiatras acceitam as idéas de Kroepelin em sua integridade, a grande maioria procura interpretar da melhor forma a synthese allemã, dando em resultado uma variedade quasi infinita de conciliações mais ou menos approxi- madas. Convém, entretanto, pol-o á salvaguarda con- tra uma grande serie de interpretações falsas de sua verdadeira concepção, cujo desenvolvimento philosophico não consiste em «identificar typos differentes, mas tirar leis de analogia e patholo- gia geral existentes entre elles, nem permitte o desapparecimento de certas distincções que de bom grado muitos têm tentado fazer, apoian- do-se na auctoridade do seu nome». Foi preciso que Deny, no Congresso de Pau, restringisse ou antes abolisse como impróprias as demencias vesanicas, fazendo-as incluir no quadro clinico da demencia precoce, para que esquecessem um pouco o velho conceito de poder a demencia terminar as vesanias. Ainda assim, innumeros psychiatras da guarda nobre da escola franceza não puderam abafar os pruridos de revolta que os acommettiam por verem ferida de tão perto, no que tem de mais nobre, a sua antiga doutrina, que bem podemos chamar metaphysica. 13 PaTant, (4) um dos mais ardorosos, lança mão de todos os argumentos, alguns dos quaes bem pueris, em desespero de uma causa que não pode resistir aos múltiplos ataques que de todos -os lados se lhe antepõem, E’ assim que procurando reviver as demencias -vesanicas, invoca como caracter anti-scientifico da demencia precoce a falta de lesões anatomo- pathologicas caracterisíicas, chegando mesmo a affirmar a inexistência de alterações do neuro- nio e sim um esgottamento— Tenta tirar á demencia toda a importância -que lhe dá Kroepelin, allegando poder muitas vezes a moléstia terminar pela cura, sem haver portanto demencia, e subordina esta a todos os phenomenos secundários outros por cuja auto- nomia se bate. Ora, as lesões anatomo-pathologicas, já en- trevistas naquelle tempo, são hoje reconhecidas por todos; e quanto á terminação pela cura, facto admittido por Kroepelin, (i3 p. 100) convém sub- metter tanto optimismo a uma observação fu- tura do doente, a qual muitas vezes revelará se- não remissões, pelo menos profunda modifica- ção no caracter do indivíduo que nunca mais voltará ao coefficiente anterior normal de perfe- ctibilidade. Finalmente aquelle auctor repelle por absurda (4) Vicíor Paraní—An, med. psych. 1905, n. 2, pag. 229. 14 a possibilidade de uma tão grande diversidade de efeitos sob a acção de uma mesma causa mór- bida, e termina dizendo que taes são as tendên- cias invasoras da theoria de Kroepelin que não1 virá longe o tempo em que se possa resumir a ires o numero considerado hoje tão vasto das moléstias menta.es: uma demencia precoce, uma intermediária e outra senil. O illustre psychiatra francez esquece que em psychiatria a idéa do prognostico é a predomi- nante e que por isso não repugnará tanto ao es- pirito admittir como variedades de uma mesma moléstia os casos, á primeira vista tão differen- tes, de catatonia, agitação, confusão, depressão-, uma vez que todos elles cahem dentro de um prazo rnais ou menos longo, na mais absoluta demencia. Passando agora ás formas da demencia pre- coce, taes como as descreve Kroepelin, vemos a mesma duvida dominar o espirito dos escripto- res e aqui é a forma paranoide a que maiores difficuldades traz á questão. E' sabido que, a principio, Kroepelin, restrin- gindo, ao contrario dos outros auctores allemães e dos italianos, o campo da paranoia, delia ex- cluiu todos os estados delirantes e allucinatorios chronicos que, longe de guardarem a linha de coherencia e a systematisação que caracterisam a loucura systematisada, cahem em demencia 15 depois de um tempo variavel, para com elles constituir a sua variedade paranoide. Foi o ponto principal da questão. Os creadores e con- servadores dos diversos typos de delirio poly- morpho dos degenerados não puderam se habi- tuar á idéa de verem com outro rotulo o que constituía a sua legitima creação. Dahi todo o esforço para scindirem a obra de Krcepelin afim de salvar a sua doutrina degene- rativa, á qual filiavam todos esses delirios. Mesmo entre os que reconhecem a autonomia da demencia precoce os desaccordos não cessam. Dupré só admitte a forma hebephreno-cata- tonica, ás vezes curável, do que discorda Ballet, para quem a forma paranoide tem mais direito á classificação pela identidade dos casos deliran- tes e maior tendencia á demencia. Emfim Toulouse vae mesmo ao ponto de per- guntar se a demencia vesanica existe realmente, achando que os casos considerados como de- mencia, depois de passarem por um periodo delirante, não lhe parecem condemnados a um enfraquecimento progressivo das faculdades in- tellectuaes. Reconhecem esses auctores na variedade pa- ranoide uma tendencia avassaladora a tudo in- vadir, tornando illimitados os domínios da de- mencia precoce. Ora, quando, em uma edição ulterior de sua 16 obra, Kroepelin, dilatando ainda maís os limi- tes desta moléstia, exclue ainda da paranoia os casos de delirio chronico systematisadov, de que o de Magnan é o typo, e forma para elles a classe dos delírios systematisados phantasticos, a dis- sidência ainda mais se accendeu, mesmo entre os que, a principio, admittiam suas idéas por inteiro. Por parte dos auctores francezes parece á pri- meira vista justificável tal discordância. Cus- tava-lhes muito ver desapparecida para sempre da nosographia moderna aquella bellissima pa- gina da velha psychiatria franceza a que Magnan., immortalisando-se, tinha emprestado tanto bri- tho; secundado de perto por Falret, Lasegue e tantos outros. Entretanto já Dide (5) explicava a divergência das escolas de Magnan e de Kroepelin pela ma- neira differente de encararem esta questão: Kroepelin, collocando-se sob o ponto de vista objectivo só attendeu á evolução e á terminação da moléstia; Magnan, mais subjectivo, ligou-se á etiologia. Os proprios propugnadores das idéas kroepe- lianas parecem participar desta divergência. Deny, Roy e Masselon, querendo apparentar uniformidade de vistas com o sabio allemão, pouco se occupam da variedade paranoide, che- (5) Dide—Revue neurologíque, igo5. 17 gancto até o ultimo, influenciado por seu mestre Serieux, a qualificar de delirante a forma hebe- phrenica. Rognesde Fursac não quer manter tal linha de conducta, e na edição muito recente do seu manual, ainda vem francamente separado, numa descripção á parte, o delirio chronico de Ma- gnan, ao qual dá uma autonomia que diz justi- ficável pelo seu apparecimento numa epoca em que é rara a dernencia precoce, por uma syste- matisação perfeita e evolução regular pouco fre- quentes atli, e pela raridade ou mesmo falta de dernencia terminal. Nessa mesma serie de argumentos abundam Serieux e Seglas, sendo que este ultimo também não admitte a forma paranoide. Entre nós parece que se reflecte tal maneira de sentir, pois ultimamente no Hospicio Nacio- nal de Alienados procede-se a uma classificação á parte da dernencia paranoide. Uma verdade inconteste resalta: a difficul- dade assim em se traçar bem os limites da de- mência precoce em si, como differenciar as di- versas formas umas das outras, as quaes por muito se combinarem e mascararem, têm dado logar a novas modificações na primitiva classi- ficação de Kroepelin. E’ assim que alguns auctores, como Trõmmer na Allemanha, Serieux, Masselon e outros na 18 França, admittem uma forma simples ou heboi- dophrenica caracterisada por uma demencia cTemblée. Outros, como Monod, reconhecem uma forma frusta, rnais uma ampliação da or- bita da nova psychose. O nosso distincto compatriota Dr. Astregesilo descreve ainda a forma cahotica em que a nota predominante é a confusão mental. Semelhante facto já tinha sido notado pelo emerito psychiatra francez Regis, auctor de uma theoria que, por sua originalidade, merece ser descripta. O illustre professor de Bordeaux distingue entre os dementes precoces de Kroepelin dois typos bem differentes. No primeiro faz incluir os individuos tarados hereditariamente em que, a vida intellectuab, depois de uma existência ephe- mera, pára e declina. Este typo, merecedor ver- dadeiramente do nome de demencia precoce, comprehende um certo numero de casos das tres formas de Kroepelin, e é uma psychose consti- tucional. O segundo typo comprehende os casos com ou sem predisposição, começando por um accesso de confusão mental aguda, toxica ou infectuosa, terminando muitas vezes pela cura. Regis considera esses últimos casos acciden- taes, constituindo uma phase chronica da con- fusão mental. 19 Como se vê, despreza este auctor a grande ín- coherencia das idéas, nunca igualada na de» meneia precoce, e o ar interrogador e interes- sado dos dòentes contrastando com tal incohe- rencia, como elementos capazes de estabelece- rem um diagnostico diferencial. Além disso não nos parece própria eása qua- lificação de chronica para a confusão mental. No ponto de vista da etiologia, é que as opi- niões correntes parecem mais se congregarem, pois se ha ainda alguém que, como Gillert Bal- let, defenda a origem constitucional, allegando a falta de base anatómica,, e perguntando se é possivel apontar para a demencia precoce um factor occasional tão frequente como a syphilis para a paralysia geral, a maior parte dos neura- logistas se inclinam a admittir uma origem acci- dental, embora falte o mecanismo verdadeiro do processo. Lesões anatomo-pathotogicas constantes são hoje bem conhecidas na demencia precoce. Augmento das cellutas da nevroglia, atrophia e diminuição das pequenas cellutas pyramidaes (Klippel), ou mesmo das cellutas corticaes em geral e das da protuberância, do bolbo e da me- dulla (Gonzalés); a impregnação por leococytos das cellulas do córtex, tudo isso falia eloquen- temente em favor de um processo geral atacando todo o organismo com predomínio do cerebro> 20 maxime quando taes lesões são acompanhadas de symptomas physicos outros, como modifica- ção da curva leucocytaria, erythemas diversos, etc., revelações de verdadeira intoxicação de que a demencia precoce parece ser a consequência ultima. Tal noção não tinha escapado a Kroepelin; mas este sabio attribuia á puberdade o principal fa- ctor etiologico da demencia precoce, attendendo naturalmente ás relações desta moléstia com aquetla idade, com as perturbações inenstruaes e o estado puerperal, e inclinava-se a crer numa intoxicação de origem sexual. Mas, experiencias de Dide, em que esteauctor examinou os ovários e os testiculos de doentes mortos desta mesma moléstia, deixaram-lhe ver que a spermatogenese era normal no homem e a ovulação na mulher. Impressionado por outro lado pelas lesões con- stantes do figado e pelas perturbações digestivas consistindo em embaraços gástricos febris e en- terite chronica, que muitas vezes abrem a scena na demencia precoce, accidentes facilmente com- batidos pela desinfecção do tubo digestivo, Dide foi levado a crear a theoria da auto-intoxicação de origem intestinal. Seja como for, a da intoxicação é hoje a theo- ria commumente acceita para explicar a demen- cia precoce. 21 Ora, são muito frequentes, quasi constantes, as perturbações oculares em todas as intoxica- ções endógenas ou exógenas. Todos conhecem a importância destas mes- mas perturbações oculares no diagnostico detaes intoxicações, e como os últimos inimigos da de- mência precoce não cessam de lhe pôr em des- taque a falta de signaes physicos, falta que pode,, de certa forma, ajudal-os na campanha contra a moléstia de Kroepelin, propuzemo-nos, inspi- rados na obra de Blim, estudar minuciosamente as suas manifestações oculares, convencido de que dahi possa a sciencia auferir alguns dados para a analyse mais criteriosa da so- berba do sabio allemão que, ninguém pode di- zel-o, será definitiva. Quanto á paralysia geral, são tão conhecidas as suas revelações pelas perturbações oculares, que até bem pouco tempo bastava fallar em des- igualdade pupillar para pensar- se nesta psychose. Dada a universalidade do assumpto não nos preoccupará tanto o seu estudo quanto o pri- meiro, capitulo da semeiologia mental, ainda por fazer. Não podemos calar entretanto o grande pezar que nos acommette por vermos que uma serie in- superável de obstáculos se oppõem aos esforços de quem se entrega a semelhantes estudos, pois, entre nós, o unico estabelecimento para aliena- 22 dos carece de tantas reformas materiaes e hygí- enicas, que para etle uma camara escura seria um luxo supérfluo. Ainda assim só temos palavras de reconheci- mento ao vivo interesse empenhado pelo seu prestimoso medico director Dr. Pedro Guima- rães em nos facultar todos os meios possiveis para vencermos semelhantes difficuldades. CAPITULO II Facil será a quem conhecer bem as relações estreitas existentes entre o globo ocular, o nervo optico e o cerebro, ajuizar da grande repercus- são que as perturbações cerebraes têm sobre o orgão da visão. Embryologicamente o nervo optico se desen- volve ás custas da vesicula cerebral anterior, e mais tarde, depois de attingir por transforma- ções successivas uma constituição definitiva, fica sendo um verdadeiro prolongamento da sub- stancia cerebral, com direito a alguma coisa mais do que um simples nervo peripherico. Sua estructura histológica vem ainda confir- mar essa noção: o que differencia as fibras dos centros nervosos das dos nervos periphericos é a ausência, nas primeiras, da bainha de Schwann. Taes se nos apresentam as fibras do nervo optico, embora possuam uma ligeira bainha de myelina. Dada essa dependencia manisfesta do nervo optico para com o systema nervoso central, é obvio que em muitos casos pathologicos as per- 24 turbações deste se reflictam directamente sobre aquelle. Além disso, outros laços anatómicos commu- nicando o orgão visual á massa encephalica po- dem fazer com que lesões varias cerebraes e medullares se exteriorisem por meio de cara- cteres physicos impressos sobre o apparelho da visão. As duas orbitas, sede exclusiva desse appa- relho, cbmmunicam-se directamente com o crà- neo pelo buraco optico e pela fenda sphenoi- dal; é justamente por esses orifícios que vão ter aos olhos não só os. vasos, como também todos os nervos motores, sensitivos e trophicos. Não param ahi as relações de continuidade: o nervo optico é cercado por tres bainhas, con- tinuação das que envolvem o cerebro: dura ma- ter, pia-mater e arachnoide. No longo trajecto intra e extracraneano dessas membranas até a papilla, os Espaços arachnoi- diano e sub-arachnoidiano se continuam por tal forma, que uma injecção feita atravez de um ponto qualquer do cerebro ou do canal rachidi- ano nesses espaços, chega até a porção corres- pondente ao nervo optico, attingindo a parte posterior do ponto de penetração desse nervo no olho. Isso importa dizer que o exame ophtalmos- copio revelará, mais que nenhum outro, todas 25 as filigranas de diagnostico ’ das perturbações inflammatorias e circulatórias dos centros ner- vosos e de suas meninges. A parte talvez ruais importante do diagnos- tico das affecções do systema nervoso pelas manifestações oculares, refere-se á innervação do globo ocular. Dos doze pares de nervos craneanos, cinco influem poderosamente na gymnastica ocular. Dentre estes, o motor ocular commum, o pathe- tico e o motor ocular externo, por terem sob a sua dependencia a innervação dos musculos extrinsecos do olho, quando lesados, determi- nam uma incoordenação nos movimentos syner- gicos do globo ocular. Ainda o motor ocular commum, innervando o sphincter iriano e o musculo ciliar, por sua lesão, perturbará o funccionamento dos diversos refle- xos do iris. O V.° par determinará, por irritação ou destru- ição de suas fibras, phenomenos dolorosos e traphicos. Emfim a paralysia do orbicular das palpebras todos attribuem a um hypofunccionamento do VII.0 par. Por outro lado, o. grande sympathico, por in- termédio do seu centro cilio-espinhal, preside ao phenomeno da dilatação pupillar ou mydri- asis; dahi se conclue que sua irritação ou para- 26 lysia pode dar logar a phenomenos reflexos oppostos. Attendendo a que,, desde seus núcleos de ori- gem á sua distribuição terminal, esses nervos po- dem soffrer uma lesão na sua integridade, o que acarretará uma perturbação na dynamica ocular interna e externa, pode-se concluir da im- portância dessas perturbações no diagnostico de semelhantes lesões, se bem que muitas vezes seja difficillimo, ajudado somente por ésses meios, fazer-se a localisação exacta de uma alteração na estructura de qualquer desses nervos. Para o lado do nervo optico, o mesmo se ob- serva. Depois da decussação parcial das fibras opticas no chiasma, as vias opticas chegam pe- las fitas opticas, ao corpo geniculado externo e ao putvinar, e attingem, depois de passarem pe- las radiações de Gratiolet, os lábios da scisura calcarina, centro cortical da visão. Em vista de uma superfície de contacto tão extensa com o cerebro, pode-se dizer que bem raras são as lesões cerebraes que não attingem as vias opticas. Os trabalhos de Fr. Franck faliam bem alto de um centro medultar para os movimentos da pupitla, e como são muito communs em neuro- pathologia as lesões da medulla no curso de varias affecções, claro se torna que, ainda nesses casos, é valiosissimo o concurso dos signaes ocu- 27 lares para a interpretação de um syndromo ate então confuso. Firmadas assim as ligações estreitas existen- tes entre o systema nervoso cerebro-espinhal e o apparelho da visão; demonstradas pallidamente a frequência e a importância das perturbações oculares, pelas quaes se revela um grande nu- mero de lesões do apparelho nervoso central, seja-nos licito fazer algumas applicações ás duas moléstias que vimos estudando debaixo deste ponto de vista. Não é muito recente o estudo das manifesta- ções oculares da paralysia geral. Se bem que tenham escapado á argúcia de Bayle, não passaram despercebidas a Georget e a Parchape, os primeiros a faltarem em desigual- dade pupittar nesta moléstia, sem lhe attribui- rem entretanto grande importância. Baillarger foi o primeiro a dar um valor dia- gnostico tão grande á desigualdade pupittar que etle proprio não poude conter o espanto por não ver os seus predecessores se occuparem delia. Desde então as observações se succederam, até que hoje são bem conhecidas taes perturba- ções, um tanto decahidas, é verdade, da grande importância que lhes attribuiram a principio. Esclarecida como está actualmente a anatomia pathologica da demencia paralytica, o conheci- mento do mechanismo dos signaes oculares pró- prios a etta torna-se menos obscuro. 28 Lesões de meningo-encephalite diffusa, alte- ração profunda das cellulas da camada cortical, degenerescência cinzenta, focos de amolleci- mento e de hemorrhagia, compromettimento pos- sivel dos núcleos cinzentos do bolbo e da medulla, com sclerose combinada dos cordões antero-la- íeraes e posteriores, tudo isso são dados que muito podem encaminhar o espirito, na explica- ção da producção desses phenomenos. Antes de começarmos o estudo das diversas perturbações oculares da demencia paralytica, peza-nos dizer que fomos obrigado a fazer um simples estudo comparativo do muito que se lem escripto até hoje sobre o assumpto, na impossi- bilidade em que nos vimos de reunir algumas observações que viessem enriquecer nosso hu- millimo trabalho. Tal falha, imperdoável para alguns, se justi- ficará pela falta absoluta de casos de demencia paralytica no serviço clinico do hospital e pela ""profunda desordem e carência absoluta de me- íhodo na classificação dos doentes do asylo S. João de Deus, verdadeiro labyrintho para os ini- ciandos nadificillima pratica psychiatrica. Tendo em vista a methodisação do nosso tra- balho, estudaremos em primeiro logar as per- turbações motoras do olho e as cie suas mem- branas superficiaes, cornea e iris; em segundo nos occuparemos do exame do fundo do olho. 29 O orbicular das palpebras, se bem que não per- tença ao grupo dos musculos proprios do olho, merece um momento deattenção, pela constância de seu compromettimento no processo morbido da moléstia em questão. Além dos tremores caracteristicos que lhe são communs, pode-se verificar um verdadeiro ble- pharospasmo, devido provavelmente a uma le- são assestada no VIIo par. Muito mais frequentes são os casos de ble- pharoptosis, isolados ou acompanhados de pa- ralysia do motor ocular commum. Quando esses casos de ptosis são associados a amblyopias únicas ou lateraes, constituem mui- tas vezes signaes precoces de paralysia geral, precedendo-a alguns mezes ou mesmo annos. Nystagmos no sentido dos diversos eixos do globo ocular têm sido apontados, ainda que ra- ra mente. Nem sempre a ophtalmoplegia se installa de- finitivamente; as ha fugaces., reveladas unica- mente por Uma amaurose passageira. Outras ve- zes é uma diplopia inconstante ou um strabismo rápido, consecutivos a um ictus precoce, o único signal revelador de alterações da musculatura do olho. Ao lado dessas, notam-se ophtalmoplegias persistentes, completas ou incompletas. 30 O Dr. A Marie cita em sua these um caso de ophtalmoplegia completa em um doente que arv tes de ser acommettido de demencia paralytica, soffreu de paralysia do motor ocular commum, de origem syphilitica. Esse doente, por um esforço supremo de von- tade, conseguia fazer desapparecer momentanea- mente um strabismo externo do olho esquerdo. Fournier acha que esses casos de strabismo corrigíveis peta vontade são devidos antes a uma paresia do que a uma paralysia propriamente dita. São essas ophtalmoptegias limitadas a um só par as mais frequentes; entretanto pode acon- tecer que o motor ocular commum, o pathetico eo motor ocular externo sejam lesados conco- mitantemente e nesse caso é a ophtalmoplegia total que se installa, caracterisada pela itnmo- bilidade e projecção do globo ocular para a frente. A amblyopia acompanha muito frequente- mente essas ophtalmoptegias, o que faz pensar como Magnan, que «ha uma solidariedade fun- ccional e pathotogica entre os nervos motores do olho e o nervo da sensibilidade especial; quando não são lesados ao mesmo tempo, a sclerose de um desses nervos pode fazer prever a alteração próxima dos outros». No" grande grupo das paralysias dos nervos 31 •da motilidade ocular, as do IIIo par occupam o primeiro logar em frequência. As do I Vo e VIo pa- res são muito mais raras. Essas ophtalmoplegias podem ser a revelação de uma lesão qualquer em um dos pontos da innervação motora. O effeito clinico pode ser idêntico nos casos, aliás bem distinctos, de alteração peripherica e nuclear de um mesmo nervo, e é muito frequente ver-se essas duas especies de lesões coincidindo no mesmo tronco nervoso. Deixando o estudo das ophtalmoplegias inter- nas para quando nos occuparmos das pertur- bações do iris, digamos alguma coisa das lesões da cornea. Esta membrana que parece estar a salvo da consequência das alterações organicas da para- lysia geral, é frequentemente compromettida em sua integridade, muitas vezes por lesões irre- paráveis. E1 bem verdade que na maior parte dos casos, taes lesões são a consequência de moléstias in- íercorrentes, entre as quaes avulta o trachoma. O que é notável, porém, é a facilidade com que a cornea se perturba e degenera, dando lo- gar, ás vezes, a verdadeiras perfurações com en- cravamento do iriSj staphyloma, leucoma adhe- rente, etc. Além disso, são bem conhecidas as keralites 32 neuro-paralyticas, muito frequentes rta,demencía paralytica. Procedendo-se á autopsia de doentes falleci- dos com essas perturbações, têm sido encontra- das scleroses do nervo optico se propagando ao' chiasma, ás fitas opticas, até se perderem além dos corpos genicuíados, verdadeiras nevrites ascendentes, analogas ás encontradas nos ampu- tados. Pode ser invocada também como causa destas perturbações, uma lesão qualquer compromet- tendo a raiz trophica do trigemeo, tal como se tem obtido experimentalmente. Como já dissemos algures, quem incorporou a desigualdade pupillar ao corpo da symptoma- tologia da paralysia geral foi Georget; Baillar- ger, porém, foi quem invocou para ella uma im- portância capital. O facto principal que domina o estudo das per- turbações pupillares, é a divergência manifesta entre os auctores no resultado de suas observações. E’ impossivel tirar-se uma media das altera- ções mais communs, pois o numero obtido varia entre os extremos mais distantes. Taes divergências devem ser attribuidas a fac- tores vários, quaes «a difjerença dos diversos co- efficientes de observações pessoaes, a technica empregada por cada observador e, principal- mente, a phase differente da moléstia em que se 33 apresentam os doentes para o exame da pupil- la». (6) Para que uma perturbação pupillar se installe é necessário que a pupilla divirja por sua forma, diâmetro ou reacções de uma pupilta normal. E’ impossivel determinar com segurança o dia- metro de uma pupilla normal: para isso seriam precisas condições perfeitamente iguaes de luz e accommodação. Os auctores accordam numa media de 2mmi/2 a 3mm.i/2 para os indivíduos sãos.' Independentemente das condições de luz, o diâmetro pupillar varia com a idade. A mydriasis é própria á infancia; a myosis caracterisa a ve- lhice. Toda a mydriasis excedendo os 5o annos seria o prenuncio de moléstia do cerebro (Moe- bins). A forma normal da pupilla é circular, mesmo quando muito dilatada. Os principaes reflexos pupillares são univer- salmente conhecidos com o nome de reflexo á luz, e á accommodação e convergência. Para se observar o reflexo á luz, basta appro- ximar-se de um dos olhos uma luz um pouco forte; as duas pupillas que, sob uma fraca luz, se achavam dilatadas, contrahem-se embora o outro olho se conserve na sombra; a reacção do olho illuminado chama-se directa; a do segundo, consensual. (6) Mignot — These de Paris pg. 47. 34 O reflexo á accommodação é examinado do seguinte modo: manda-se o individuo fitar um objecto situado ao longe; a pupilla se dilata; se se approximar o objecto, a convergência augmenta, o crystallino é obrigado a se accom- modar cada vez mais, e a pupilla se contrae. Além desses reflexos, ultimamente têm sido descriptos outros. Piltz observou que a pupilla se contrae ao fechamento das palpebras, ainda que contra esse movimento se opponha uma certa resistência. Todas as vezes que se excita por qualquer meio uma parte do corpo a pupilla se dilata. Uma inspiração profunda ou expiração prolongada são acompanhadas de dilatação pupiltar. Ha ainda os reflexos psychicos, sob a depen- dencia da vontade, de que nos não occuparemos por não terem applicação ás moléstias que nos occupam a attenção. Todas as perturbações relativas não só á forma e ao diâmetro, como também a todos esses reflexos, podem ser encontradas na para- lysia geral, mas dominando-as todas, destaca-se a desigualdade pupillar. Baillager, procurando explical-a, achava que a pupilla mais dilatada era a lesada* e corres- pondia ao hemispherio mais attingido. .. Austin e Duchemin eram de opinião que todas as vezes que ha delirio com depressão, a pupilla 35 direita é compromettida; em caso de excitação, resente-se, pelo contrario, a esquerda. Se as duas pupillas compartilham do processo, o delirio é alternativamente alegre e triste. Ao lado dessas interpretações erróneas, faltas da menor base scientifica, encontram-se outras, modernas, que procuram filiar a desigualdade a alterações materiaes no systema de innervação da pupilla. Billod recusa a lesão do nervo optico e da retina como incapazes de explicar essa alteração e a attribue a uma lesão do motor ocular commum. Voisin, a elle se contrapondo, explica a des- igualdade pupillar por uma alteração do sym- pathico. Mobeche, auctor de uma bella estatística onde em 93 doentes encontrou 57 casos de desigualdade pupillar, explicáveis por alterações quer do sympathico, quer do motor ocular commum, foi o primeiro a notar que as diversas phases da moléstia muito concorriam para a variabilidade dos diâmetros pupillares. Desde esse tempo até hoje todos os auctores que se têm occupado do assumpto reconhecem a frequência da anisocoria na paralysia geral. Basta consultaras principaes estatisticas exis- tentes sobre o assumpto para nos convencermos dessa verdade. 36 A porcentagem varia de 26 a 80 % pelas razões já apresentadas em outra parte deste trabalho. Siemerling numa observação de 3o 10 doentes encontrou a desigualdade em 26 °/0 dos casos. Kaes apresenta uma estatística de 1333 casos na qual figura a anisocoria em 62,7 °/0 dos paralyticos. A. Marie examinou 184 doentes, entre os quaes encontrou 116 portadores do mesmo symptoma. Para este auctor a desigualdade seria própria do inicio da moléstia. Ultimamente o Dr. Mignot accusa em sua estatística uma porcentagem de 63,63 % para os casos de desigualdade pupillar na demencia paralytica. Apezar da discordância dos resultados no sentido de dar á desigualdade pupillar uma porcentagem determinada, sua frequência é reco- nhecida por todos, bastante para invalidar a opinião de quem, como Dagonet e Siemerling, nega o seu valor no diagnostico da paralysia geral. Reconhecemos uma variedade de desigualda de physiologica, constante ou transitória, attribuida por uns á asymetria facial e considerada por outros como um estygma de degenerescencia, mas em todo caso caracterisada pela norma- lidade dos reflexos pupillares, apezar da diffe- rença do diâmetro das pupillas. 37 Nos casos de demencia paralytica em que se observa a anisocoria, esta é de causa organica: toda lesão directa ou indirecta de um dos arcos reflexos da constricção ou dilatação, attingindo só um lado ou desigualmente os dois, produzirá tal perturbação. Distinguem-se assim desigualdades de causas diversas: intra-ocular, intra-orbitaria, intra- craneana, intra-rachidiana e finalmente ligadas á lesão do sympathico cervical. A pupilla pode apresentar-se deformada em vários sentidos: triangular, oval ou então cir- cular, mas tendo um arco de circulo substituído por sua corda, etc. Piltz, (7) num estudo completo sobre essas irregularidades pupillares, dividiu-as em tres grupos: irregularidades temporárias, produzidas peta mobilidade desigual de certas partes da pupilla; perturbações na posição da pupilla em sua totalidade; irregularidades permanentes. Este auctor colloca-se ao lado de Joffroy e Schvameck quando diz que a desigualdade pupillar tem, como essas outras irregularidades, um valor quasi tão grande para o diagnostico da paralysia geral quanto o signal de Argyll-Rober- tson para o tabes. Piltz completouo seu estudo com experiencias, fazendo passar uma corrente induzida pelo (7) Piltz. Neurol. Certtralbl.—1903. 38 gangíio ciliar e pelos nervos ciliares longos e curtos, com o que obteve experimentalmente todas as variedades de modificações pupillares observadas na demencia paralytica. Um papel importante é representado pelas synechias, consequência de irites antigas ou recentes, na producção dessas deformidades; reservamo-nos, porém, para tratar mais tarde deste assumpto, O diâmetro das pupiltas nos casos de para- lysia geral varia em extremo. Ainda aqui os auctores estão longe de um accordo na apreciação dos casos de contracçãa e dilatação. Molbeche e A, Marie dão á mydriasís a mai- oria dos casos; Kaes, Doutrebente e Vincent encontraram a myosis maior numero de vezes. E’ sobre as dimensões da pupilla que parecem mais influir as phases alternantes e evolutivas da moléstia. Já Robin assignalava que a constricção das pupillas era um signal de forma grave e de marcha mais rapida da moléstia. Marie é de opinião que os casos de myosis correspondem ás formas congestivas da moléstia, com excitação maniaca; a mydriasis, pelo contrario, coincide com as formas depressivas e torpidas. Será mais scientifico classificar essas pertur- bações como casos de myosis ou mydriasis para- 39 lytica ou spasmodica, ligadas a lesões das vias -centrípeta e centrífuga de contracção ou dilata- ção, ou a phenomenos de irritação do córtex com repercussão sobre os centros nervosos, caracte- risticos da paralysia geral. São muito frequentes na demencia paralytica as diversas perturbações dos reflexos pupillares. A immobilidade pupillar já é de verificação não muito recente. Thomsen em 1885 observou a ausência dos reflexos pupillares na metade dos doentes exa- minados. Mais tarde Siemerling confirmou esta noção, e, depreciando a desigualdade pupillar, dá toda importância á immobilidade. Sua esta- tística é de 70 7o- Para este auctor tal signal pode figurar nos precedentes do doente, com 10 annos de antece- dência á moléstia. Ultimamente, Reichardt (8) observou um caso de paralysia geral em que o unico signal espi- nhal era a ausência dos reflexos pupillares, e poude, pela autopsia, verificar que toda a lesão consistia numa degeneração da zona intermediá- ria de Bechterrew (virgula de Schultze). O reflexo á luz tem sido encontrado anormal com frequência, na proporção de 26 a 90 7o- O Dr. Mignot encontrou-o alterado em todos os doentes observados, (22) sendo em 17 abolido e em 5 simplesmente alterado. (-8) Reichardt. Archiv. p, Psych—1904. 40 Quasi sempre essas perturbações são bilate- raes. A iridoplegia á tuz pode ser de ordem organica ou funccional. No primeiro caso estão incluídas, as alterações das vias sympathica, medullar, ne- vritica e encephalica das fibras p-upillares, A’ segunda ordem pertencem os casos de into- xicação, como a paralysia geral, a se admittir a genese syphilitica da moléstia. A alteração do reflexo á accommodação obser- va-se menos frequente; entretanto Marandon de Montyel (9) quer attribuir-lhe grande valor dia- gnostico, affirmando encontrar-se elle abolido ou enfraquecido nos dois primeiros períodos da moléstia, sendo o seu exagero proprio ás formas iniciaes e expansivas. Considerado por algum tempo como exclusivo ao tabes, o signal de Argyll-Robertson tem sido descripto em outras affecções do systema ner- voso, e entre estas a paralysia geral. Assim o provam as observações de Bali (2 casos) e Mignot ( 5 casos). A interpretação desse signal tem sido consi- derada muito difficil. Grasset admitte duas hy- potheses: uma lesão attingindo todas as fibras pupillares do motor ocular commum, o que permitte ao sympathico agir sósinho, e esta acção do sympathico na accommodação foi pro- (g) M. de Montyel—Revue de psychiatrie, 1905. 41 vada por Morat e Doyon; ou a lesão interessa somente o centro sphincteriano da pupilla, e nesse caso ha conservação da acuidade visual, mas o reflexo á luz se não poderá fazer por des- truição do seu centro, podendo o sphincter do iris receber fibras directamente do córtex. O reflexo de Piltz, salvo engano, ainda não foi observado; mas Westphal(io) adverte que este signal pode influir no diagnostico precoce do tabes e da paralysia geral, e faz delle uma reve- lação da perda do reflexo luminoso, porque quando este é bastante forte dissimula a contra- cção que caracterisa aquelle. Deixamos intencionalmente para o fim a men- ção de algumas perturbações do iris ligadas a irites. São synechias anteriores e posteriores, occlusão pupillar, phenomenos glaucomatosos, observados em alguns paralyticos geraes. Em certos casos pode-se subordinar taes irites a outras causas que não a syphilis., mas em ou- tros a filiação é insophismavel, confirmada até pelo tratamento especifico. Esta noção vem de certo modo embaraçar os propugnadores da theoria syphilitica da paraly- sia geral, pois ser-lhes-á muito difficil conciliar o apparecimento de uma manifestação parasy- philitica, como é a moléstia em si, precedendo (io) Westphal. Neurol. Centralbt. igo3. 42 simples manifestações secundarias, como são as irites. O exame do fundo do olho presta serviços relevantisssimos no diagnostico da paralysia gerai. Mas aqui é necessário o observador precaver- se contra a pratica, aliás corrente, de se tomar commummente diversos aspectos anormaes, po- rém physiologicos, dapapilla, por alterações pa- ihologicas. A papilla pode normalmente apresentar con- tornos foscos, uma coloração avermelhada, seme- lhando hyperemia ou, ao contrario, um ligeiro descoramento, simulando atrophia. Uthrofjf, por ter verificado que esses aspectos atypicos são muito frequentes na paralysia geral, faz dellesum signal de valor na symptomatologia desta afjecção. Quanto ás alterações propriamente ditas, sua verificação é frequente nas proporções mais di- versas. Allbult no exame de 53 paralyticos geraes só encontrou 5 casos normaes. Tebaldiem 20 casos, apenas observou uma papilla physiologica. Ultimamente as estatisticas dão uma porcen- tagem muito menor ás alterações do fundo do olho: 10 % para Jelin; 6 p. 100 para Siemerling; 2 % para Klam. 43 Bailet e Jacqs não encontraram perturbação papillar nos 37 casos examinados por elles. Deixa de ser absoluta a precisão de taes por- centagens, e isto pelo facto da impossibilidade de serem feitos os exames no mesmo periodo da moléstia. E1 no começo do mal que habitualmente são observados os doentes que constituem as esta- tísticas acima referidas. Na ultima phase, o exame ophtalmoscopico torna-se impossivel pelas perturbações mentaes que apresentam os doentes, passando portanto despercebidas as frequentes alterações que fatal- mente devem acompanhar as lesões de encepha- lite diffusa. A atrophia do nervoopticoédeobservaçãorara, provavelmente pelo motivo acima exposto. Quan- do é observada, deixa de ser completa, e apre- senta o mesmo aspecto da atrophia dos tabeticos. Casos raríssimos de atrophia completa com excavação central têm sido observados. O processo de descoramento começa pelo lado temporal, e em muitos casos fica limitado a elle. Ao contrario do tabes, a cegueira se implanta lentamente, permittindo aos doentes queixarem- se de turvação no olhar, sensação de nevoeiro, etc., quando o estado mental o permitte. As perturbações funccionaes não correspon- dem ao descoramento da papilla; este pode ser 44 pronunciado e o campo visual estar intacto. O inverso também se observa. A retina também é compromettida na demên- cia paralytica. A vascularisação sofjfre alterações diversas. A parede dos vasos é muitas vezes lesada, deixando verão exame ophtalmoscopico uma orla branca. Outras vezes são dilatações venosas e verdadei- ras hemorrhagias cobrindo todo o campo da retina e estendendo-se á papilla. Embora raras, alterações dachoroide têm sido apresentadas: atrophias choroidianas, manchas pigmentares, sclerochoroidite posterior. Os auctores inclinam-se a ligar essas altera- ções á syphilis, de que a própria paralysia geral é um accidente mais remoto. Seja como for, um facto resalta da observa- ção de todo dia: as lesões oculares retrocedem ou param com a melhora do estado geral; a uma aggravação da moléstia corresponde uma mar- cha progressiva das perturbações oculares. CAPITULO III Resistindo ás nortadas impetuosas do venda- val de uma critica de tres longos lustros, a demencia precoce alista-se hoje ás fileiras da nosographia mental, preenchendo desfarte um claro que de muito tempo vinha embaraçando a comprehensão de innumeros phenomenos, enca- rados até então sob os aspectos mais diversos. Adormecidos os echos dos últimos protestos, abafados os clangores das armas empenhadas nas derradeiras refregas, surge a creação bellis- sima de Kroepelin, esbatida sobre um fundo po- lychromo deapotheose, illuminado pelos últimos tons da nova aurora que o seu genio inimitável fez surgir das sombras da psychiatria. Esboçada por mão de mestre sobre a tela, não tardaram os retoques de muitos obreiros para maior firmeza dos seus traços, até que actual- mente a nova psychose não se pode furtar á des- cripção pela falta de symptomas bem firmados. Entre estes avultam os signaes physicos, hoje bem estudados e de importância capital para a caracterisação da moléstia de Kroepelin. Convencidos de que sómente do concurso de 46 taes symptomas somáticos depende a confirma- ção da autonomia da demencia precoce, vários sábios se têm entregado ultimamente á sua eluci- dação; por isso é que, animados pelo esplen- dido exito de taes investigações e ajudados pelo pouco que ha escripto sobre o assumpto, emprehendemos o estudo das perturbações ocu- lares da mesma moléstia, contribuindo com a nossa observação para o enriquecimento, pelo menos em numero, das estatísticas effectuadas neste sentido. Não queremos dar, é bem verdade, á demencia precoce a participação exclusiva desses pois já deixamos assignalada, paginas atraz, sua importância na paratysia geral; apenas pomos em destaque este syndromo tão frequente no grupo das intoxicações onde incluimos a entidade mór- bida que estudamos, como é a tendencia actual dos que a explicam por uma intoxicação de ori- gem genital (Kroepelin), gastro-intestinal (Dide) ou pluriglandular anonyma (Austregesilo ). Julgamos dispensável justificar o numero assaz resumido de nossas observações, tendo por uni- versalmen.te conhecida a falta de assistência regular aos alienados entre nós, o que faz com que tal pobreza represente o resultado oneroso de ingentes esforços. Já vem de longe a observação dos phenomenos oculares das diversas psychoses. 47 Dentre estas a paralysia geral occupou por muito tempo, como deixamos visto, o primeiro togar; mas não tardou o tempo em que passou por julgado que outras affecções pudessem re- velar-se por taes manifestações. Dagonet, o primeiro a generalisal-as, chegou mesmo a dizerque «as perturbações da motilidade do iris e a desigualdade pupillar se observam tanto nas pessoas de integridade mental como nos alienados. Entretanto para a alienação men- tal a observação reconhece algumas particulari- dades dignas de nota. Este symptoma pode se encontrar em todas as formas da loucura, e não deve ser considerado como um signal absoluta- mente desfavorável». Desappareceu deste modo o conceito de ser a desigualdade pupillar o symptoma pathognomico de paralysia geral. Datando de i8q3 o apparecimento da demencia precoce, é claro que só desta data em deante é que se lhe filiaram certas perturbações oculares, muito constantes para prenderem logo a attenção dos observadores. Cumpre notar, porém, que antes da descoberta de Kroepelin; Siemerling, Moeli eoutros já tinham assignalado a existência de taes perturbações em grande numero de casos, que descriptos até então como demencia organica, demencia syphi- litica, etc., são hoje legitimamente representados pela nova descoberta. 48 Era natural que fosse o seucreador o primeirc? a estudar os phenomenos oculares existentes na demencia precoce. De facto, a Kroepelin cabe a iniciativa da veri- ficação da dilatação pupillar na maioria dos casos de sua moléstia. Piltz secundou-o, observando na forma cata- tónica a mydriasis e a anisocoria. Mignot, no seu estudo completo sobre as per- turbações pupillares nos alienados, verificou a dilatação pupillar ou mydriasis como signal mais constante, vindo em seguida as alterações e mes- mo o desapparecimento dos reflexos á luz e á accommodação. Este auctor insiste sobre a instabilidade des- tes signaes, consistindo tal variabilidade a nota caracteristica da demencia precoce. Bumke, que observou doentes das tres formas da demencia precoce, conclue que a dilatação pu- pitlar é o phenomeno mais frequente ( ioo °/» nas suas estatísticas). E’ com o maior prazer que apresentamos linhas abaixo o resultado de estudos brazileiros, feitos no Hospício de Alienados pelos Drs. Chardinal e G. Guimarães. Emprestando um brilho extra- nho ao nosso humilde trabalho, as observações de nossos distinctos compatriotas representam uma contribuição importantíssima á elucidação deste capitulo ainda obscuro e, oxalá, possam servir de estimulo a ulteriores pesquizas. , 49 Estes illustres auctores encontraram em 114 homens e 2 mulheres atacados das diversas formas de demencia precoce as perturbações seguintes: 21 casos de abolição do reflexo á luz e 7 de simples diminuição; em dois doentes havia falta de reacção á convergência e accommo- dação; Argyll-Robertson foi encontrado 18 vezes; finalmente, 4 casos de anisocoria tempo- rária foram encontrados. Não foi observada alteração alguma na forma das pupillas. O dia- metro destas parece não ter occupado a sua attenção. Serieux e Masselon dão uma proporção maior á diminuição dos reflexos á luz e á accomtno- dação, sem apontar um só caso em que tal perturbação termine pelo desapparecimento. Deny, depois de fazer algumas considerações idênticas, termina firmando a frequência da mydriasis (76,9 °/0) contrastando com a raridade dos casos de myosis e de desigualdade pupillar permanente. Georges Blin publicou ultimamente um livro sobre as perturbações oculares da demencia precoce. Além de estudal-as criteriosamente em 87 observações, o auctor as compara ás pertur- bações idênticas das diversas infecções e into- xicações endógenas e exógenas, mostrando-se um partidário fervoroso da theoria de Dide, 50 cujo transumpto já expuzemos em outra parte deste trabalho. Para melhor resultado de seus estudos e procurando acautelar-se contra os dados contra- dictores das outras estatísticas, examinou seus doentes muitas vezes, no prazo assaz longo de dois annos, o que de certa forma põe o producto das suas observações num nivel mais avantajado ao de todas as outras. Das perturbações pupittares, a anisocoria e a mydriasis occupam a mesma proporção (7 °/0 como signal persistente e 3 °/0 como temporário). A myosis, na sua opinião, é um symptoma raríssimo, pois só a encontrou duas vezes com caracter persistente e seis alternativamente. Estudando as perturbações dos reflexos pupil- lares, o auctor dividiu os seus doentes em tres grupos: no primeiro incluiu todos os que apresentavam enfraquecimento ou abolição dos dois reflexos á luz e á accommodação; o segundo é constituído pelos casos de dissociação dos reflexos. contraria ao Argyll, isto é, diminuição ou abolição do reflexo á accommodação com conservação da reacção á luz; o terceiro abrange os casos legítimos de Argyll. O enfraquecimento ou a abolição dos dois reflexos só foi encontrado em 7 doentes, sendo somente em 3 constante. O mesmo se poderá dizer com a dissociação 51 contraria ao Argyll; entretanto Blin notou-a um pouco mais frequente (16,09 %)• Quanto ao Argyll verdadeiro, o auctor dá-lhe uma importância principal, tal como tio tabes. Além de encontrar este signal na proporção de 13,84 %» Blin chama a attenção para a sua persistência, facto constante. Dos casos observados, alguns, na maior parte, se instituiram desde o começo; noutros a perda do reflexo á luz foi precedida de uma diminuição deste mesmo reflexo, e, finalmente, houve casos em que o auctor poude observar em exames successivos uma completa gradação entre o olho normal (primeiro exame) e a manifestação franca do signal de Argyll. Completa as observações de Blin o exame das perturbações papiltares. Essas podem-se resumir a tres: congestão, anemia e alternativa de congestão e anemia da papilla. Entre ellas avulta em ordem de frequência e persistência a congestão. Dos 87 doentes, 9 tinham-n’a persistente e 28 passageira. A anemia da papilla deve ser menos frequente porque só foi encontrada em 7 doentes; em 1 5 era passageira. Os casos de alternativa de congestão e anemia são em numero de 5 somente na estatistica de Blin, o que lhes dá uma proporção de 5, 74 */*• 52 Para Dide e Assicot, a dissociação contraria ao Argylléa manifestação mais constante na de- mência precoce. A perda ou diminuição do re- flexo á luz é menos frequente e o Argyll raris- simo. Ao lado destas perturbações descriptas por muitos outros auctores citam eltes a existência de uma perturbação do reflexo á luz, consistindo em uma diminuição ou abolição passageira do reflexo á luz, com conservação do reflexo á accommodação. Não se trata absolutamente, dizem os dois au- ctores, do signal de Argyll-Robertson que é um symptoma fixo e permanente. Quanto ás lesões do fundo do olho as obser- vações de Dide e Assicot são quasi idênticas ás de Blin, insitindo, porém, os primeiros sobre uma dilatação venosa com diminuição do calibre das artérias, nos casos de congestão. A anemia foi encontrada muitas vezes limitada ao lado temporal da papilla. Num mesmo doente encontraram a principio uma congestão venosa clara e, num segundo exame o aspecto descorado e cinzento da papilla. O signalde Westphal-Piltz é commum de ver-se na demencia precoce. E’ de notar também a concordância que ha muitas vezes entre as perturbações intellectuaes e as modificações de pupilla. Rognes de Fursac 53 ■cita o caso de uma catatonica em período de stupor, na qual a intensidade deste se media pelo gráo de mydriasis; uma vez desapparecido, as pupillas retomavam as dimensões normaes. Até aqui as observações estão longe de apre- sentarem o mesmo resultado; muito ao contrario, os dados obtidos variam ao extremo, podendo na demencia precoce serem encontradas todas as variantes das diversas perturbações oculares. Ultimamente, porém, os médicos americanos H. Tyson e Pierce Clark procuram congregar o producto de suas pesquizas em torno de um grupo limitado de alterações, a que eltes chamam de syndromo ocular da demencia precoce. Feitas algumas considerações sobre a patho- genia, e neste ponto mais estes dois auctores dão também como causa da demencia precoce uma auto-intoxicação provavelmente de origem gas- tro intestinal, entram em apreciações sobre a obra de Blin, na qual notam um silencio lamentá- vel sobre as condições dos vasos sanguíneos nestas perturbações e a falta do exame detido dos symptomas coincidentes num mesmo olho para delles formar um syndromo ocular para esta moléstia. O numero dos casos observados é de 115. O exame do fundo do olho occupou muito mais a attenção destes dois auctores que dividi- ram os resultados colhidos em tres grupos: 54 1. Congestão da papitla acompanhada de- edema; veias dilatadas e escuras; artérias levemente contrahidas; tudo isso em gráo muito variavel e constituindo um estado pouco adeantado de perinevrite do nervo optico- 2. Congestão da porção nasal da papilla, com pallidez da parte temporal; veias dilatadas, arté- rias contrahidas. 3. Anemia da papilla com veias pouco dilata- das, tortuosas e artérias contrahidas, constitu- indo a atrophia parcial do nervo optico. No ponto de vista etiologico, um lugar á parte é separado para os casos de uso frequente do tabaco e do álcool. Nestes casos affirmam os auctores serem muito frequentes os scotomas centraes. Impressionados pelo rápido compromettimento das veias no processo de alteração do fundo do olho, concluem da natureza primitivamente vas- cular da toxina responsável pela demencia pre- coce. Occupando-se das mudanças observadas na pupilla, acharam-nas bem significativas e inva- riáveis. A media das pupillas era de 4 m. m. de dia- metro. As reacções á luz e accommodação eram activas em 71 casos e lentas em 14. O reflexo sensorial pupillar mostrava-se ligei- ramente positivo em 6 casos e negativo em 49. 55 O signal de Westphal-Pittz foi encontrado apenas em 23 casos. A sensibilidade cornea estava diminuída em 69 casos. O campo visual poude ser examinado em 81 doentes, revelando um estreitamento concêntrico para todas as cores. E’ a essas mudanças todas, mais ou menos con- stantes, das formas normaes da papilla, campo visual, pupilla e sensibilidade da cornea que os illustres médicos americanos dão o nome de syndromo ocular da demencia precoce. Reconhecem que qualquer desses phenomenos isolado pode ser encontrado em muitas outras affecções mentaes, mas assim reunidos, guar- dando essa relação estreita, somente na demencia precoce é possível observal-os. Para elles a significação clinica deste syndro- mo é importante não só sob o ponto de vista do diagnostico, (differenciação dos diversos casos de loucura maniaco-depressiva, neurasthenia, hysteria, etc.), e do prognostico, (uma aggravação dos symptomas oculares correspondendo a uma marcha rapida da moléstia,) como da pathogenia. «The syndrom is a distinct contribution to the theory that dementia precox is an autotoxic disease, and the poison is primiarily vascular, AVhich finally induces neuronic degeneration. It points to a toxin of some sort, which is either a 56 metabolic defect in the tíssues oiy what seem$ more probable, that the poison is generated irt the tiver or in the gastrointestinal tract itself». Fazendo agora applicação de tudo o que obser- vámos pessoalmente em alguns dementes precoces do Asylo S. João de Deos, longe de obtermos um grupo constante de alterações communs a todos os casos, modificações varias se apresentaram diversamente reunidas em cada caso. Verdade é que um certo numero de phenome- nos prende a attenção já pela sua frequência, já pela epoca do seu apparecimento. Assim, em 8 observações, tantas quantas nos foipossivel fazer,, a mydriasis só faltava em uma. Das diversas reacções pupillares, umas foram encontradas normaes, outras finalmente abolidas, mas desses estados nenhum, por sua frequência, se torna caracteristico. O signal de Argyll-Robertson, a que Blin liga tanta importância, só foi observado por nós uma vez; o mesmo se deu com a dissociação contraria ao Argyll. O reflexo por excitação peripherica estava abolido em todos os doentes examinados. A myosis só estava ligada a um caso de agita- ção catatonica, isso devido talvez a este proprio estado maniaco em que sempre encontramos o doente. Não foi por nós observada nenhuma alteração 57 da cornea nem na musculatura extrínseca do olho; entretanto estes últimos devem ser frequen- tes, devido ao processo anatomo-pathologico já bem conhecido na demencia precoce. Das alterações do fundo do olho encontrámos 3 casos de hyperemia, 2 de anemia da papilla e finalmente um em que a hyperemia era limitada á porção nasal da papilla. Parece resultar das nossas observações que a congestão é própria aos primeiros tempos da moléstia, bem como ás formas maníacas, sendo a anemia o resultado de um processo mais antigo, caminhando para a atrophia completa. Em um dos doentes observados encontrámos atrophia completa do nervo optico. * 'A crer no que dizia o doente, essa atrophia tinha sido anteriorao apparecimento da moléstia. Quando o interrogavaihos sobre a percepção lu- minosa, disse-nos que para as necessidades da terra elle utilisava o olho normal, ao passo que á noite, quando se communicava com os astros, entrava em acção o outro olho, com o qual não conseguia ver durante o dia. Era nossa intenção fazermos um quadro clinico completo acompanhado do exame do campo vi- sual, fazendo os nossos doentes passarem pelo perímetro. A principio tolheu-nos os passos a falta do material necessário; mas sanada esta difficuldade, nossos esforços foram impotentes 58 contra o negativismo de uns e a inattenção dos outros, o que falsearia todo o resultado. OBSERVAÇÃO I C. J. U. 23 annos, solteiro, estudante. Paes tuberculosos; teve um tio que morreu louco. Tempo de moléstia—um anno. O doente, que era um rapaz intelligente e applicado, começou a mostrar perturbações do caractere da vontade; tornou-se indiferente, esquecendo até a familia. Depois vieram as phases de excitação e depressão, até que hoje está em completa demencia. Demencia precoce hebephrenica. Exame ocular—xMydriasis. As pupillas reagem bem á luz, mas não reagem á accommodação. Nenhuma alteração para o lado da cornea, nem perturbação motora. Ao exame ophtalmoscopico as papitlas mostraram-se uniformemente hype- remiadas. Um segundo exame confirmou in-totum o primeiro. OBSERVAÇÃO II T. M. R. parda, 16 annos, serviço domestico, entrou para o Hospital Santa Lzabel em 27 de Julho do corrente anno. Pae atcoolista. Tem um tio que soffre de ataques. Regrada aos i5 annos. Actualmente desregrada ha cerca de 59 tres mezes. Estado de mutismo absoluto; indi- fferente, recusa os alimentos. Demencia precoce heboidophrenica. Exame ocular—Mydriasis. A pupillaesquerda reage bem á luz e á accommodação; a direita tem os reflexos um pouco -diminuidos. Signal de Plitz negativo. Papillas muito hype- remiadas. OBSERVAÇÃO III F. P. M. entrou para o asylo em i.° de Janeiro de 1905, pardo, casado, 49 annos. Demencia precoce paranoide; delirios com tendencia á systematisação. Exame ocular—Immobilidade pupillar no olho esquerdo. Reflexos diminuidos á direita. Reflexo por excitação peripherica nuRo; signal de Plitz positivo. Exame ophtalmoscopico : papilla es- querda completamente atrophiada; na direita a atrophia começa a se accentuar. Veias calibrosas e tortuosas; artérias retrahidas. OBSERVAÇÃO IV Ernesto, preto, 35 annos, entrou para o Asylo em i 3 de Julho de igo5. E1 um dos trabalhadores do estabelecimento, tanto quanto o permitte a marcha de sua affecção. Demencia precoce hebephrenica. 60 Exame ocular — Reflexo á luz? normal. As pu- pillas reagem mal á accommodação. Phenomeno de Westphal-Piltz negativo. Ausência de reacção á excitação peripherica. Anemia pouco accen- tuada das com dilatação venosa e ischemia arterial. OBSERVAÇÃO V Albana, parda, 25 annos presumiveis, acha-se recolhida a uma das cellas ou casas fortes, no estado de estupor catatonico. Oppõe se com toda a resistência ás excitações vindas do exterior; d’ahi difficuldade do exame ocular. As pupillas reagem á accommodação, mas não reagem á luz, o que constitue o signal de Argyll-Robertson. O signal de Piltz foi encontrado. Ausência de reflexo á excitação peripherica. Exame ophtal- moscopico impossível. OBSERVAÇÃO VI M. A. R. S. branco, solteiro., negociante, é um dos pensionistas do Asylo. Em algumas visitas que fizemos a este estabelecimento encon- tramos sempre o doente preso de violenta crise de agitação catatonica. Demencia precoce catatonica. Exame ocular—Myosis. Reacção normal á luz e á accommodação. Signal Westphal-Piltz 61 positivo. As pupillas reagem bem á excitação peripherica. Pupillas bastante hyperemiadas. Taes foram os resultados a que chegamos nas nossas observações, minuscula pedra destinada ú consolidação do edifício da demencia precoce. Se um dia, proximo ou remoto, a palavra acatada da sciencia sanccionar a ordem de idéas que vimos defendendo, a gloria de termos con- corrido para esse resultado será totalmente abafada pela alegria de vermos desapparecida para sempre uma incógnita, cuja presença nos arraiaes da psychiatria não se coaduna com o estado actual dos conhecimentos humanos. PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESCRIPTIVA I — O iris é o segmento mais anterior da túnica vascular do olho. II —Collocado para deante do crystallino, de forma regularmente circular e circumscrevendo um orifício em seu centro, representa exacta- mente um destes diaphragmas empregados nos instrumentos de optica. III—Por sua musculatura e innervação o iris pode dilatar-se ou contrahir-se sob a acção de excitações exteriores e de causas pathologicas. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I—A loja posterior da orbita, collocada para traz e para os lados do globo ocular, eStá nor- malmente cheia de tecido gorduroso e contem orgãos importantes. II — Esses orgãos são os musculos do olho, a artéria e veias ophtalmicas e os nervos do olho. III — Na demencia paralytica qualquer dos musculos extrínsecos do olho pode ser paraly- sado, dando logar ás diversas ophtalmoplegias, frequentes naquella moléstia. 64 HISTOLOGIA I — No irís dão-se a descrever cinco camadas: o epithelio anterior, a basal anterior, o tecido proprio do iris, a basal posterior e o epithelio posterior. II — Destas a mais importante é a constituida pelo tecido proprio do iris. III—Deste tecido fazem parte fibras lisas que dispostas em torno da pupilta, constituem o mus- culo sphincter da pupilta. BACTERIOLOGIA I — E’ incontestavet o papel dos microorganis- mos na genese das conjunctivites. II —Dentre elles os mais importantes são o bacillo de Weecks, o diptobacitlo de Morax e o gonococus de Neisser. III—Estes germens agem por simples acção de presença; não precisam de traumatismo predis- ponente para determinar a conjunctivite. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I — Pelo modo especial de se -inflammar o iris distinguem-se tres classes geraes de irites: simples ou plastica, serosa e parenchymatosa. II — A irite simples é caracterisada pela for- mação desum exsudato que pode ter localisações diversas. 65 III — Quando este exsudato occupa o campo pupillar pode, por sua grande formação, dar logar a uma occlusão total da pupilla. PHYSIOLOGIA I — Chama-se accommodação a propriedade que possue o apparelho dioptrico do ólho de modificar seu poder refringente, de modo que os objectos collocados a distancias diversas do olho possam sempre formar uma imagem nitida sobre a retina. II—A accommodação é effectuada por modi- ficações nos raios de curvatura do crystallino. III — O musculo ciliar é que preside a esses movimentos do crystallino. THERAPEUTICA I —As injecções constituem o meio therapeu- tico mais prompto e efficas em certos casos mór- bidos. II — Dentre os diversos methodos de injecção, o sub-conjunctival é de uso frequente em thera- peutica ocular. III—Certos casos rebeldes de iridocyclite ce- dem immediatamente a uma injecção sub-con- junctival de oxycyanureto de mercúrio. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I — Os traumatismos oculares têm uma impor- tância capital sob o ponto de vista-medico-legal. 66 II — Um traumatismo interessando qualquer das membranas do olho pode comprometter se- riamente a visão, determinando, ás vezes, a ce- gueira. III — Isto é muito frequente, principalmente nas officinas de metallurgia. HYGIENE I — A falta de applicação das medidas hygie- nicas nas escolas primarias é uma das causas etiologicas mais communs da myopia. II—Nos casos de myopia hereditária é que a hygiene escolar deve ser mais severa. III — A luz solar é a preferida para a illumina- ção dos aposentos destinados aos exercicios de escripta; além disso é necessário que ella seja em abundancia. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I — A osteo-periostite da orbita pode se dividir em aguda e chronica. II — A primeira forma reconhece por causa um fóco visinho de infecção interessando as fossas nasaes ou os seios maxillar e frontal. III—A forma chronica é quasi sempre de ori- gem syphilitica ou tuberculosa. OPERAÇÕES E APPARELHOS í — A iridectomia é a operação que tem por fim fazer uma excisão mais ou menos extensa do iris. 67 II — Segundo os fins a que se propõe, a iride- ctomia pode se dividir em antiphlogistica, anti- glaucomatosa e optica. III —A iridectomia optica deixa sempre como resultado uma pupilla artificial. CLINICA CIRÚRGICA ( I .a CADEIRA) I — A estrabotomia é a operação indicada no desvio do olho ou estrabismo. II — Esta operação consiste em seccionar o tendão bulbar de um ou de dois musculos extrín- secos do olho. III — A estrabotomia fica assim reduzida a uma verdadeira tenotomia a céo aberto. CLINICA CIRÚRGICA ( 2.a CADEIRA) I — Quando o desvio do olho não excede de 4 millimetros a simples tenotomia basta. II — Nos casos de maiores desvios, porém, é preciso combinal-a com outras manobras. III — Usa-se geralmente nestes últimos casos o avançamento ou prorrhaphia do tendão do mus- culo antagonista. PATHOLOGIA MEDICA e I—Discutem ainda os auctores sobre a natu- reza do processo rhenal nos casos de nephrite. II —Ao passo que os pluralistas, firmados nos caracteres do rim, descrevem as formas diffe- 68 rentes de nephrite parenchymatosa e intersticial, os unicistas consideram-nas phases evolutivas de um mesmo processo. III — As lesões oculares são de uma importân- cia capital no diagnostic odo mal de Bright, prin- cipalmente quando coincide a ausência da albu- minúria. CLINICA PROPEDÊUTICA I — E indispensável o exame dos reflexos pu- pillares nos casos de tabes dorsualis. II — A perturbação dessa natureza mais fre- quente nessa affecção é a dissociação dos refle- xos á luz e á accommodação, com permanência deste e desapparecimento daquelle. III — Esta dissociação, conhecida geralmente sob o nome de signal de Argyll-Robertson, pode prec-eder muitas vezes a ataxia locomotora. CLINICA MEDICA ( I .* CADEIRA ) I— Um dos problemas mais difficeis que se apresentam ao clinico é o diagnostico da tuber- culose pulmonar no seu periodo inicial. II— Os benefícios que se poderia tirar desse diagnostico precoce, são incalculáveis sob o ponto de vista therapeutico e prophylactico. III— A ophtatmo-reacção de Calmette póde prestar serviços relevantes nestes casos, ainda 69 que em torno desta questão se agitem commen tarios pró e contra. CLINICA MEDICA (2.a CADEIRA) I— Infelizmente não é de todo innocuo o emprego dessa reacção. II— Além de phenomenos inflammatorios agu- dos, póde deixar em consequência lesões serias da conjunctiva e da cornea, como tivemos occa- sião de observar num doente da enfermaria S. Vicente. III— Uma complicação mais grave, felizmente rara, é a tuberculose ocular. HISTORIA NATURAL MEDICA I— A aíropos bellcidona é uma planta da famí- lia das solanaceas, de emprego muito frequente em medicina. II— Delia se extrae um alcaloide, a atropina, cujas propriedades mydriaticas são bem conhe- cidas. III— Devido a essa propriedade o seu uso em therapeutica ocular é corrente, principalmente nos casos de irite syphilitica com synechia. CHIMICA MEDICA I—O bichlorureto de mercúrio (Hgbl 2) é um corpo chimico solido, crystallisado em agulhas 70 prismáticas, pouco solúvel tvagua, muita na álcool e tem por peso especifico 5.32. II— Sua solução n’agua póde-se obter sol> vários titutos, sendo o mais empregado a de i p. iooo. III— Em chimíca ophtatmotogica so se em- prega essa solução nos casos de ccmjunetivite purulenta intensa. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOCIA E ARTE DE FORMULAR I— Dá-se o nome de cotlyrios ao conjuncto de medicamentos que se applicam sobre a mucosa ocular. II— Os collyrtos podem se apresentar sob quatro estados: liquidos, pastosos, seccos e gazozos. III— Os collyrios liquidas são os mais em- pregados e têm ordinariamente por vehiculo a agua distilíada ou o hydrolato de rosas. OBSTETRÍCIA I— A mulher gravida e mesmo depois do parto, durante a lactação, pode estar sujeita a intoxi- cações e infecções diversas, dando logar ao apparecimento de psychoses. II— Essas psychoses, conhecidas geralmente sob a denominação de psychoses puerperaes, distinguem-se em psychoseda prenhez, psychose 71 puerperal propriamente dita e da lactação, conforme a epoca do seu apparecimento. III—Todas ellas podem se revelar por mani- festações oculares, das quaes a mais commum é. a mydriasis. CLINICA OBSTRETICA E GYNECOLOGICA I— Um dos primeiros cuidados que se deve ■dispensar ao recem-nato é lavar-lhe os olhos com uma solução de acido borico a 4 °/0, II— Este cuidado é tanto mais necessário, ■quanto ç commum de ver-se parturientes acco- mettidas de blenorrhagia. III— Só assim se poderá prevenir a ophtalmia purulenta dos recem-nascidos, de consequências ás vezes funestas. CLINICA PEDIÁTRICA I— A heredo-syphilis póde se manifestar nos primeiros annos da vida. II— Para o seu diagnostico muito concorre a triade symptomatica de Hutchinson. III— Para o lado da cornea sua lesão mais frequente é a keratite intersticial. CLINICA GPHTALMOLOGICA I— Aexcavação da pupilla póde ser physiolo- gica, glaucomatosa ou trophica. II— A excavação physiologica distingue-se das outras pelo simples exame parallaxico. 72 III—As duas ultimas caracterisam-se pela disposição da rede vascular: em torno da pu- pilla na glaucomatosa, e partindo do centro na trophica. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPH I LI GRAPH I CA I— As manifestações da syphitis dividetn-se em primitiva, secundaria e terciaria. II— A manifestação primitiva é constituida pelo syphiloma inicial. III— Dentre as manifestações secundarias mais frequentes, nota-se a irite syphilitica que não resiste ao tratamento especifico. CLINIÇA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I— As perturbações mentaes devidas a alte- rações organicas do cerebro, reflectem-se fre- quentemente sobre o nervo optico. II— Na demencia precoce o nervo optico está quasi sempre alterado por anemia ou congestão- III— Algumas vezes a congestão é limitada á parte nasal ou temporal da pupilla. cdud- ==SdeleÍaua da 3daca/= dade de da 3$aÂta, 9 JY; de (' aladíe de /M9. O SECRETARIO ddJ= çadcnant/la dvô- çddetd odwàedeá.