Faculdade de Medicina da Bahia THESE APRESENTADA À FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Em 31 de Outubro de 1904. PARA SER SUSTENTADA PELO DOUTORANDO tw Ex-Interno effectivo do Hospital Santa Izabel, ex-socio eífectivo do Grémio dos Internos dos Hospitaes da Bahia, socio do Grémio Litterario da Bahia, socio da Socità Internazionale Elleno Latina, etc. Natural do Estado do Rio Grande do Norte (Natal) AFIM DE OBTER 0 GRÁO DE DOUTOR R7VY MEDIOINH DISSERTAÇÃO Cadeira de Physiologia [si* ihMolii I siiifl PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de scieucias medicas e cirúrgicas BAHIA IMPRENSA MODERNA DE PRUDENCIO DE CARVALHO Rua São Francisco n. 29 1905 Faculdade de Medicina da Bahia Director—Dr. ALFREDO BBITTO Více-Director—Dr. ALEXANDRE E DE CASTRO CERQUEIRA Lentes catliedraticos OS DRS. MATÉRIAS QUE LECCIONAM Ia SECÇÃO J. Carneiro de Campos, Anatomia descriptiva. Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica. 2. Secção Aatonio Pacifico Pereira. . . . Histologia A.rgusto C. Vianna Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello. . . . Anatomia e Pliysiologia pathologicas 3. a Secção Manuel José de Araújo Physiologia. José Eduardo F.de Carvalho Filho. . Thêrapeutica. 4. Secção Raymundo Nina Rodrigues. . . . Medicina legal e Toxicologia. Luiz Anselmo da Fonseca Hygiene. 5a Secção B'-az Herrnenegiido do Amaral . . Pathologia cirúrgica. Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operações e apparellios Antonio Pacheco JHendes . . . Clinica cirúrgica, 1.» cadeira « Ignacio Monteiro de Almeida Gouveia . Clinica cinirgica, 2.» cadeira 6. a Secção Aurélio R. Vianna Pathologia medica. Alfredo Britto Clinicapropeneutica. Anisio Circundes de Carvalho. . . Clinica medica P* cadeira. Francisco Braulio Pereira Clinica medica 2.a cadeira 7. a Secção José Rodrigues da Costa Dorea . . Historia natural medica. A. Victoriode Araújo Falcão . . . Matéria medica, Pliarmacologia e Aite de formular. José Olympio de Azevedo .... Chímica medica. 8. ;» Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia Climerio Cardoso de Oliveira . . . Ciinica obstétrica e gyneoologica. 9. a Secção Frederico de Castro Rebello .... Clinica pediátrica '10. Secção Francisco dos Santos Pereira. . . Clinica oplitalmologica. 14. Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . Clinica dermatológica e syphMigraptuc 12. Secção J. Tíllemont Fontes Clinica psvcliiatrica e de moléstias nervosas. João E. de Castro Cerqueira ... ■ Sebastião Cardoso Hm disponibilidade OS DOUTORES José Allonso de Carvalho . . 1.' secção Gonçalo Moniz Sodré de Aragào . . . 2a > Pedro Luiz Celestino 3.a » Josiuo Correia Cotias 4.a » Antonino Baptista dos Anjos (interii:o\ . 5.a João Anierico Garcez Fróes 6.a Pedro da Luz Carrascosa e José Julio de Calasans 7.a J. Adeodato de Sou a 8.a » Alfredo Ferreira de Magalhães ... 9.a » Clodoaldo de Andrade. ..... 10. » Carlos Ferreira Santos 11. » Luiz Pinto de Carvalho (interino) ... 12. » Secretario— DR. MBNANDRO DOS REIS MEIRELLES Sub-secretario—DR. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA Lentes Substitutos Faculdacle não approva nem reprova as opiniões exaradas nas lliescs pelos seus auctores PKOLOGO Emfim, apoz longa e penosa travessia pelos de- sertos escabrosos da sciencía, ao sabor attribulante de procellosos ventos, abroquellado pela convicção inabalavel, que nos fornecem a vontade nobre e as alentadoras aspirações de moço, pude avistar, em- bora de longe, ante os meus olhos sequiosos de vidente, a promettida terra ambicionada, — alva, pura, luminosamente constellada, como a vira em sonho. Lactescente, branca, crystallisada e magestosa, fulgura no alto azul, recamado de sonhos, a con- stellação ineffavel, composta de seis miríficas es- trellas, que vibram alto, que brilham alto, que scin- tillam alto, e que eu carinhosamente, cheio da mais fervorosa crença, da mais firme confiança, ante-via quando, mar em fóra, vellas pandas ás brisas per- fumosas, entre a indifferença de uns e a má vontade de outros, seguia emballado pelos cantos suavís- simos da mocidade. Si a força soberana e eterna da vontade impere- cível, bafejada pelas mais alentadoras e risonhas esperanças e pelas mais fagueiras illusões, e a mi- raculosa fé com que, escudado no soffrimento, me IV ajoelhava ante o altar acrysolado da minha con- sciência para receber a beatífica e sacramental com- munhão da sciencia, têm algum valor, resta-me este consolo incomparável, esta convicção nobili- tante e sincera. , Dos sonhos que tão exhuberantemente germi- naram em meu espirito ainda em formação, dos que tão ufana e ardentemente alentei, no escrínio im- maculado das minhas aspirações de infancia, por entre os exorcismos de uns e as convulsões estorte- rantes de outros, que se iam, aguas abaixo, no silen- cioso rio do esquecimento, ficaste [só, firme, en- cravado profundamente, profundamente impere- cível, profundamente invulnerável, como glorioso vencedor. Sonho bom da minha mocidade, alvo, immacu- lado e puro, como as pétalas alvas, immaculadas e puras do lyrio, tu, que me custastes muitas lagrimas de saudade, muito pranto de separação inconso- lável, muitos dias attribulados de lembrança e de trabalhos e muitas noites de profunda meditação, guia-me sempre sincero e bom, pela estrada cheia de urzes da existência. Abre as tuas azas candidas como as das aves mansas, no azul tranquillo e luminoso, sobre a minha vida! Guia-me até o fim!... I\aul 1‘ernan.des. DISSERTAÇÃO 1 pliifflelegi I senlliiiemo Da physio-psychologia do sentimento O trabalho funccional do organismo animal,—seja a funcçao de nutrição, seja a funcção de relação e a da reproducção, está sob a dependencia do tecido nobre do mesmo organismo, está sob a dependencia do systema nervoso. A vida de relação e a vida de nutrição como que teem um mesmo ponto de partida, como que*con- vergem para um centro, para a realisação perfeita, harmónica, do trabalho orgânico; desde o ser o mais inferior até o homem, em que a trama nervosa é maior e mais complicada e por conseguinte maior é a actividade do mesmo systema, produzindo quan- tidades relativamente enormes de movimento actual ou potencial, o trabalho é sempre o mesmo: — o mo- vimento e a sensibilidade. De todas as funcçÕes do systema nervoso as mais importantes são as que se realisam nos centros en- cephalicos, nos centros conscientes. Ahi estão con~ catenadas as idéas, o pensamento, o sentimento, a consciência, a vontade, o instincto, a attenção, etc. 4 Tendo de escrever a physio-psychologia do senti- mento, entrarei, muito syntheticamente, no estudo de alguns pontos dos centros nervosos. O cerebro é um conjuncto de orgão? em relação com a complexidade das funcções da vida animal. A actividade cerebral manifesta-se por phenomenos de uma complexidade admiravel, de uma delicadeza quasi que indiscriptivel:—são as funcções psychicas. Sendo o sentimento um phenomeno biologico, como o é a consciência, phenomeno que se realisa nos centros nervosos superiores, temos imperiosa necessidade de bem conhecer tç>dos os elementos, que constituem a massa cerebral. « Póde-se, antes de tudo, dividir o cerebro em duas grandes partes, uma mais externa, que é o en- volucro ou a casca, e a outra mais interna, que é a base do cerebro.» (Sergi). Apóz uma seccão longitudinal observa-se um li- mite bem nitido, separando por completo estas duas partes* este limite se nos apresenta sob a forma de uma íaxa distincta de substancia branca:—é o corpo petreo. A massa nervosa que fica para fóra do corpo petreo é o córtex, a que se contém em sua cavidade é a base. Podemos ainda considerer no cerebro, como partes distinctas, o cerebello e a medulla allongada. O eminente philosopho inglez — Herbert Spencer, 5 tem demonstrado como a evolução do systema ner- voso, sob as dííferentes formas que reveste no reino animal, se conforma ás leis da evolução em geral. Está satisfactoriameníe sabido que a complexidade das funcçoes cerebraes está em relação com a com- plexidade estructural da mesma massa nervosa; por conseguinte « emquanto que o systema nervoso ru- dimentar, consistindo em um pequeno numero de filetes e de pequenos -centros, é muito esparso, seu crescimento em grandeza relativa e çm augmento de complexidade vae de par com seu crescimento em concentração, multiplicidade e variedades de con- nexÕes ». (I) Estudemos summariamente a estructura do ce- rebro. Duas especies de tecido, inteiramente diverso do das outras partes do organismo compõem o systema nervoso, as quaes se distinguem pela côr, que re- vestem : cinzenta e branca, e pela estructura intima: — cellular e filamentosa. A primeira, que é a mais superficial, compõe as camadas corticaes do cerebro, a segunda, compacta, chamada pelo prof. Meynert coròa radiante, constkue a maior parte da massa cerebral. A conformação exterior do cerebro é das mais complicadas e interessantes: ella apresenta fendas ou sisuras: — a scisura de Sylvius, dirigida obli- (I) H. Spencer. Príncipes de Psychologie— Trad. franc. 6 quamente de baixo para cima e de diante para traz; a sisura de Rolando, dirigida obliquamente de cima para baixo e de detraz para diante quasi perpendi- cular a sisura de Sylvius, e a sisura occipto-frontal, que separa o lobo occipital do lobo parietal (Til- leaux). As fendas do cerebro limitam nitidamente os lobos que são em numero de quatro: frontal, parietal, tem- poral e occipital. Cada um dos tres primeiros tem tres circumvoluçoes, o ultimo tem quatro. Além destas circumvoluçoes existem outras especiaes, col- locadas na parte interna dos hemispherios, como a circumvolução do hippocampo, o gyrus fornicatus, o lobulo fusifor me, o lobulo lingual e as sisuras cor- respondentes, emfim o bolbo olfactivo, que fica adhe- rente ao lobo frontal, sobre a face inferior do cerebro. Temos dito que a estructura do systema nervoso é cellular e filamentosa. A substancia cinzenta é formada por uma rede chamada nevroglia, que se estende da superfície a mais externa até a substancia branca, contendo em suas malhas corpúsculos, entre os quaes os corpús- culos de Deiters, molles, encerrando grânulos. Estes corpúsculos são compostos de uma maneira instável, de tal forma que são muito facilmente per- turbados. A substancia branca que é em maior quantidade, é de uma estructura uniforme, disposta em filetes 7 extrernamente delgados, bastantemente protegidos contra as causas perturbadoras externas, exceptuando em suas duas extremidades. Sendo assim a massa de constituição instável é a séde de mudanças moleculares destructivas, por con- seguinte, de desprendimento de movimento, em- quanto que a de constituição estável é a séde de mo- dificações isomeras não destructivas (Spencer). O córtex, que é a parte que nos occupa mais de perto, é formado de cinco camadas : «i,a A primeira de uma espessura de o,25millim., contém pequenas cellulas ganglionares, mais no li mite externo uma tenue camada de fibras nervosas, e emfim, um reticulo de fibrillas nervosas, muito delgadas. « 2.‘ Na segunda, cuja espessura é também de o,2Í> millim., encontram-sç cellulas de forma pyra- midal, mas pequenas. « 3.a A terceira camada, de uma espessura tríplice da segunda, contém cellulas pyramidaes maiores. « 4.8 A quarta, de 0,25 millim., é composta de cellulas redondas e raramente triangulares. « 5.8 A ultima tem cellulas fusiformes. Robin cha- mou-as—cellulas da volição.» Os typos do lobo occipital, da sisura de Sylvius, do bolbo olfactivo, do corno de Ammon e o da cir- cumvolução do hyppocampo, em sua extremidade 8 anterior, divergem quanto a uniformidade de dispo- sição e de forma de elementos, encontram-se dispo- sições diversas das camadas. (.Huguenin) Dos ganglios da base do cerebro, os mais impor- tantes são: os corpos estriados, as camadas opticas e os corpos quadrigémeos. «O corpo estriado offerece o aspecto de uma massa cinzenta, espessa e volumosa para diante, continuan do-se para traz por uma cauda allongada. Este as- pecto da face superior corresponde a forma do corpo estriado. As outras faces são entranhadas na massa cerebral. A camada optica distingue-se do corpo estriado por sua forma ovoide e também por sua cor; apresenta uma superfície inteirameníe branca, que é devida a que uma camada de fibras brancas recobre sua massa cinzenta. O corpo estriado, ao contrario, é cinzento, a sub- stancia cinzenta achando-se situada immediatamente na superfície. Exteriormente a camada optica offe- rece trez s aliencias ou trez tubérculos:—anterior, medio e posterior; este ultimo é o jvulvinar ou coxim da camada optica. Os tubérculos quadrigémeos acham-se atraz das camadas opticas e devem seu nome á sua configura- ção exterior, que apresenta quatro eminências.» (i) (l)Huguenin.—Anat. des centres nerveux. 9 <No encephalo dos mammiferos distinguem-se anatomicamente os pedúnculos cerebraes e os cere- bellos. Os primeiros estendem-se dos corpo? estriados e das camadas opticas, um de cada lado numa dire- cçao longitudinal, para convergir para traz e, depois de ter atravessado a protuberância, chegam a me- dulla allongada. Cada pedunculo cerebral é formado de duas camadas, separadas pelo logar negro, uma é a camada inferior ou fasciculada ou pyramidal, a outra a camada mediana ou superior. Os pedúnculos cerebellosos são em numero de trez pares, um superior: — processus ad testes, o segundo transverso: — processus ad pontem, o terceiro infe- rior:— processus ad medullam. Do processus trans- verso forma-se em grande parte o nó do encephalo ou a protuberância. Os pedúnculos inferiores concorrem para formar a parte posterior da medulla allongada. A base do ventrículo da medulla allongada é constituída em gran- de parte pelos cordões redondos; a parte lateral é composta sobretudo dos (i) Nós encontramos na organisação da rede nervosa plexus de fibras de substancia nervosa essencial, es- palhadas nas superfícies de recepção das sensações* (l)Lussana: Fisiologia dei oentvi mcefaUce; võl II pag. 2â 10 Estas fibras são continuas entre si, mas isoladas das fibras adjacentes. Considerando os ganglios ou centros nervosos e as fibras, — o nervo afferente passa de um plexus ner- voso a massa cinzenta d’onde parte outra fibra — o nervo efferente, que se ramifica e cujas ramificações se perdem em um musculo ou glandula. Póde-se dizer que, a unidade nervosa está com- pleta, quando um nervo centrípeto une um d’estes arcos nervosos, de que fallei acima. Estabelecida esta unidade as sensações percorrem os nervos até os centros, onde se dão processos diver- sos de mutação. As superfícies de recepção das sensações teem ins- trumentos proprios destinados a concentrar a acção dos agentes externos sobre a extremidade nervosa. Assim temos o crystallino occular, os otolithos, etc. As expansões periphericas nervosas são desprote- gidas de qualquer envolucro, contém o protoplasma nervoso e depositos da mesma matéria, porém são eminentemente instáveis. Os nervos afferentes partem da superfície de re- cepção, dirigem-se para a medulla, d’onde partem por sua vez nervos efferentes, que vão ter a essa mesma superfície. O cerebro e o cerebello, que envolvem a medulla allongada, são centros onde se unem essas conne- xÕes para formar connexÕes ainda mais variadas e 11 complicadas. O cerebro e a medulla, que pelos seus nervos afferentes recebem as impressões do mundo exterior e pelos seus nervos efferentes reagem a essas acçÕes, relacionam-se também pelo sympathico e pelo systema vaso-motor com os orgãos de excração e nutrição. Livre dos laços das systematicas doutrinas da phi- losophia antiga, pejada de abstrações metaphysicas e das especulações aprioristicas dos antigos methodos philosophicos, o espirito altanado e investigador da mocidade das escolas lança-se hoje, avido de conheci- mentos novos, ao manancial perenne, d’onde promana a luz sadia e fecunda da sciencia positiva, que tudo esclarece, elucidando luminosamente os mais intrin- cados problemas scientificos. Na modorra peccaminosa das cousas inúteis, em meio do marasmo das instituições sediças, caminhava titubeante e fraca para a tremenda debacle, que não tardaria a ser annunciada pelo clarim melodioso das reivindicações de todos os preceitos uteis, a psycho- logia espiritualista, tão engenhosamente fundada por Socrates e Platão, e recebida carinhosamente e ali- mentada pelos poderosos cerebros de Aristoteles e Descartes, cuja imaginação magnificamente appare- 12 lhada, enriquecêra-a extraordinariamente, quando, dirigida pela cerebração de homens da envergadura philosophica de Herbert Spencer, Augusto Gomte, o nosso Tobias Barreto e outros, surgio, purificada dos erros e preconceitos, a verdadeira scienciado espi- rito, que operou no mundo scientificouma revolução das mais vantajosas e salutares. E não poderiam dei- xar de enfluenciar poderosamente em todos os depar- tamentos scientifícos tão brilhantes creações, tão geniaes ensinamentos. O methodo positivo, com a luz da observação e da experiencia, espancou as trevas, aclarou com o facho das verdades os recônditos mais obscuros das mys- teriosas theorias philosophicas. A sciencia do Direito e da Moral, a Physiologia e Therapeutica experimentaes, a Psychiatria com Morei e outros, a Medicina Legal com Lombroso, Garofalo e Ferri, tomaram um grande impulso, passaram por uma transformação sadia e vigorosa e a Philo- sophia, despindo o velho manto esburacado do antigo espiritualismo cartesiano-catholico, passou por uma alomorphia brilhante cujas idéas crystallisadas no crysol do raciocinio puro, resumbram luminosa- mente das obras substanciosas dos philosophos mo- dernos, dentre os quaes se salienta na maestria do talento e do trabalho infatigável o vulto magestoso e sympathico de H. Spencer. Pensando assim colloco-me, sem pretenções a qual- 13 quer dose de competência, na fileira d’aquelles que pensam que sciencia não se faz de illusÕes e phanta- sias. Empenhado em bosquejar summariamente alguma cousa sobre o sentimento, assumpto da mais alta importância psychologica, escrevo sob a luz destas theorias, guiado por ellas, sem que me des- vie um passo. O notável e, por muitos titulos, distincto physio- logista francez Claud Bernard, divergindo dos outros physiologistas de seu tempo, que consideravam a sensibilidade como uma irritabilidade, definiu-a do seguinte modo; «é o conjuncto das modificações de qualquer natureza, determinadas no ser vivo por incitações ou, antes, é o facto no ser vivo de corres- responder por essas modificações as provocações dos excitantes ». A sensibilidade é um phenomeno vital commum a toda a animalidade, manifestando-se por diversas formas e gráos. A manifestação a mais commum da sensibilidade é o movimento. E, sendo movimento e sensibili- dade inseparáveis nos actos da vida, constituem a vida de relação dos animaes. «La première -fonction de la sensibilité, est la sensation. Nous savons generalement, de quoi nous 14 parlons en parlant de sensation: une pression, le chaud, le froid, une couleur, une saveur, nous appe- lons tout cela sensation. Jamais une de ces sensa- tions ne se produit spontanement, c’est-à-dire, sans une force exterieure qui la provoque.» (i) E assim como torna-se preciso esta força exterior para a producção da sensação, é necessário também uma força nervosa, psychê, do prof. Sergi, alma pe- culiar a todo ser vivente, que se manifesta pelos phenomenos psychicos tanto pelos nervos centraes como pelos periphericos. Ora, sendo a sensação a primeira funcção da sen- sibilidade, no dizer competente do prof. Sergi, a sen- sação é o phenomeno primitivo donde promanam, por differenciação e evolução, todos os outros phe- nomenos psychicos de ordem mais elevada. A sensação, além da intensidade, que é uma das suas propriedades, por que ella é um phenomeno complexo, possue uma qualidade e uma tonalidade, desenvolvendo-se esta ultima propriedade nas diver- sas formas do sentimento. A qualidade da sensação tem o seu desenvolvi- mento nas formas da percepção. Em apparencia tanto uma como outra propriedade da sensação não tem relação alguma entre si, a perceptividade estando em relação com o factor externo, objectivo da sensação (1) Sergi.—Psychologie physiologique, cap. IV pag 16. 15 e o sentimento não tendo relação alguma com o mundo exterior; mas, este modo de pensar é uma pura abstracção, e, realmente, um sentimento não se apresenta como simples tonalidade, mas vem sempre acompanhado de um certo grão de perceptividade, dous estados naturalmente inseparáveis, e que, so- mente para as facilidades de um estudo analytico, podemos considerar isoladamente. O mundo exterior influindo de uma maneira clari- vidente e imperiosa para a producção do pheno- meno interno, e sendo uma força exterior ao orga- nismo vivo, que agindo sobre elle, por diversas formas e sob diversas condições, contribue para a producção das differentes formas do sentimento, podemos definil-o, com o prof. Sergi, da seguinte maneira: «O sentimento é o resultado de um conflicto de duas forças, uma exterior e outra interior, a primeira comprehendida nas forças naturaes externas, a se- gunda no organismo vivo. N’este conflicto ha uma victoria que póde ser do lado da força externa ou, ao contrario, do do organismo, que está sob a influencia d’esta força externa; na quéda e na victoria estão duas formas difterentes e oppostas do sentimento; chamam-se ordinariamente prazer e dor.» Muitas são as hypotheses sobre a natureza do sen- timento. 16 Exponhamos as que avultam pela importância, a primeira, que teve o seu predomínio da epocha que vae de Aristoles a Kant, pensa que o sentimento é uma aífecção immediata d’alma, produzida pela sensação. Esta hypothese perdeu do seu valor desde que o concepto alma não pode ser mais concebido tal como elles concebiam, e, como bem diz o prof. Ribot, « a nossa experiencia nada nos diz do prazer e da dôr d'alma; ella não nos faz conhecer senão estados de nossa consciência; é como uma affecção immediata de nossa consciência que percebemos nosso sentimento.» A segunda que se faz representar por Herbart e sua escola, diz que os sentimentos não são estados elementares, mas sim resultam de uma relação re- ciproca entre as idéas e as sensações. Para esta Es- cola o sentimento de dor é o antagonismo reciproco das idéas e o sentimento do prazer o contrario. Esta theoria, diz o prof. Ribot, encontra uma grande difficuldade: é que ella não explica a forma a mais simples do sentimento, a que acompanha a sensa- ção. A terceira hypothese, que é sustentada porWundt, considera o sentimento como o complemento sub- jectivo das sensações e como o resultado de uma actividade interna:—a apercepção.» (i) /I) Ribot — Etucles de Psychologie allemã. 17 Esta é a que melhor satisfaz, elucidando de uma maneira relativamente exacta a natureza do pheno- meno. O prazer e a dôr são os dous estados fundamen- taes do sentimento; o sentimento, que é um pheno- meno biologico, na expressão de Ribot, constitue a parte affectiva da sensação. Ha, além disto, variantes d'esses dous estados da manifestação do sentimento, variantes que muitas vezes tiram os seus caracteres da qualidade da sen- sação. Sendo o prazer e a dôr duas formas oppostas do sentimento, suppÕem um terceiro estado intercalar ou medio, que é o estado de indifferença para o prof. Sergi, ou estado de excitação, segundo Bain. Epicuro e seus discipulos, na sua escola sensua- lista, não admittiam esta terceira forma do senti- mento; entretanto reconheciam entre os dous esta- dos extremos um estado de privação da dôr, em que para elles consistia o maior prazer. E o que vem a ser este estado especial da ces- sação da dôr, que o mestre philosopho materialista considerava como o goso supremo, senão o estado de indifferença de que falíamos, verdadeiro equili- brio psychico, equilíbrio tão physiologicamente in- stável que as próprias correntes nervosas, que o con- stituem, podem quebralo? Elle não é simplesmente a cessação da dôr; é uma 18 forma intercalar, que medeia os dous extremos, con- stituindo com estes uma das formas da manifestação do sentimento. O celebre philosopho Bain, modificando muito ligeira mente e mui proficientemente a theoria de Hamilton, que diz, que «.oprazer é uma reflexão do espontâneo e livre de uma faculdade, cuja acçãonos é revelada pela consciência, ea dor uma refle- xão do exercido forçado desta faculdade no que ê consciente propriamente dito e no que é puramente physicoy), define dor e prazer da seguinte maneira: « os estados agradaveis ligam-se a um crescimento e os estados dolorosos a uma diminuição da acção de qualquer funcção vital ou de todas as funcções vi- taes.» (i) Stuart Mill rejeita por completo a theoria de Hamilton eo professor Dumont, de Paris, sem que o guie a luz da verdade, trilhando um terreno ver- dadeiramente falso e illusorio, critica severamente as expressões de Bain, dizendo que a definição do preclaro mestre chega a significar o contrario do que se passa, parecendo-lhe que Bain colloca o prazer justamente onde existem fadiga e dôr, pois que o augmento das funcções deve acarretar comsigo uma despeza e uma diminuição de força e reciprocamente. Mas engana-se o philosopho quando talvez queira (1) Bain. Les sens et 1’Intelligence. 19 inocular no organismo, por intermédio da excitação, uma energia externa, o que não está na maneira de pensar de Bain. O preclaro mestre inglez Herbert Spencer, consi- derando o prazer n’um meio termo, collocado entre as dôres negativas da inacção ou desejos e as dores positivas produzidas pelo exercido da actividade, afasta-se quasi que por completo dos outros philo- sophos. E’ assim que elle diz: — «Geralmente fal- lando, o prazer acompanha as actividades medias, quando estas actividades são de natureza a se achar em excesso ou em falta; e, quando ellas não são de natureza a ser excessivas, o prazer cresce como a actividade, salvo quando esta é constante ou involuntária.» (i) Não somente as funcçoes vitaes, como também a lei da evolução das raças, estão a provar constante, mente que as dòres são os correlactivos das acçÕes prejudiciaes ao organismo, assim como os prazeres são o resultado das acçÕes, que concorrem para o seu bem estar, a tal ponto que os animaes deixariam de existir se não nascessem n’estas condições; e d’ahi se poderá bem concluir que tanto melhor é a adaptação das raças ao meio, quanto em maior numero forem as acçÕes que concorrer para o seu bem-estar, ou (1) H. Spencer.—Princípios cie Psijcliologia—Traiá. do francez. 20 maiores forem os meios de resistência d’essas mesmas raças as acçÕes prejudiciaes ou dôres. E’ a lei da adatapçao que surge necessariamente e que se impõe. Mas existe, muito especialmente em certas raças incultas e supersticiosas de preferencia, uma confuzão extraordinária, uma certa contradicção tresloucada no modo de comprehender estes estados do espirito. «Na raça humana, diz o prof. H. Spencer, houve e haverá por muito tempo ainda um desarranjo pro- fundo e complexo das connexoes naturaes entre os prazeres e as actividades aproveitáveis e entre as dôres e os actos nocNeis, desarranjo que obscurece de tal forma essas connexoes naturaes, que por vezes as connexôes oppostas parecem predominar. E a crença formulada que se encontra commummente que as acçÕes desagradaveis sao aproveitáveis e as acçÕes agradaveis nocivas, foi eé ainda professada por muitas religiões, que apresentam a adoração dos homens um ser que sesuppunha encolerisado contra aquelles que procuram seu prazer e propicio aos que se inflingem mortificações gratuitas ou mesmo tor- turas voluntárias.» (1) (1) H. Spencer —Princípios de Psychologia. Trad. do franc. 21 Estudemos agora as phases e a relatividade do sen- timento. Chamamos phases do sentimento as modificações que commummente se manifestam nas suas trez for- mas fundamentaes. Assim, muitas sensações que, a principio, eram desagradaveis ao organismo, dolorosas mesmo, podem passar ao estado de indifferença ou descer até ao estado de prazer, da mesma forma que uma sen- sação de prazer póde se tornar indifferente pelo habito. O fumo de tabaco, por exemplo, é um caso bem frisante de uma sensação desagradavel que passa a ser agradavel com o habito. A principio observam-se os phenomenos de uma intoxicação aguda: nauseas, vomitos, empallecimento, mal-estar, perturbações geraes finalmente, mas de- pois, com o habito, torna-se deleitavel aos que o uzam. A vista do oceano, a perspectiva verdejante e luminosa de um campo florido em manhã de pri- mavera, que pela primeira vez nos deleitaria o espi- rito, deixar-nos-hão, depois de vistas por diversas vezes, no estado de indifferença. O canto jovial e variado de um passaro que, uma vez, deparamos em meio do caminho nos impres- siona agradavelmente, mas se o ouvirmos todos os dias não mais nos impressionará. 22 O sentimento do pudor é bem caracteristico n’este ponto de vista, especialmente na mulher. A principio elle surge doloroso, depois, com o habito, desapparece, substituindo-o o estado de indif- ferença. A passagem de um sentimento extremo a outro é gradual e demorada, isto é, vae-se de uma dôr extrema ao prazer supremo gradativamente, pas- sando pela linha neutra, isto é, pelo estado de indif- ferença. Os sentimentos não são uniformes e invariáveis; elles variam muito de um individuo a outro e no mesmo individuo conforme o tempo e a occasião. D’ahi a relatividade do sentimento, que é maior do que a de outro qualquer phenomeno psychico. Póde-se muito bem dizer que os sentimentos va- riam conforme a edade, a profissão, a educação, o desenvolvimento intellectual, o tempo, o habito, as condições de saúde e de moléstia e diversas outras circumstancias accidentaes. Os sentimentos relativos ao pudor, muito desen- volvidos nas pessoas educadas, são como que atro- phiados nas meretrizes e libertinos, pelos quaes as palavras as mais grosseiras e indecorosas são pro- nunciadas com indifferentismo e as vezes com satis- fação, emquanto que mal poderiam ser ouvidas com disgosto e indignação,' fazendo subir o rubor á face, 23 pelas pessoas portadoras de uma moral apurada, de uma educação esmerada. O sentimento do pudor, sendo um sentimento ar- tificial, como quasi todos os sentimentos sociaes, que teem attingido um alto gráo de representação não se manifesta na edade infantil. Urna creança apresenta-se núa em plena multidão, sem que soffra o menor constrangimento. Mas a creança o vae desenvolvendo proporcionalmente, in- sensivelmente, mais cedo ou mais tarde, em relação com o meio em que vive. Os sentimentos de ternura são mais facilmente excitados na mulher que no homem, devido a consti- tuição e os hábitos d’aquella; os homens de consti- tuição debil e nervosa, os affectivos, são como as mulheres, ternos e impressionáveis, emquantoque, nos fortes, a superioridade ou o esforço que fazem para se mostrar superiores, os torna pouco ternos. A compaixão é bem desenvolvida na edade ma- dura; na edade infantil ella permanece adormecida, em geral. Sabe-se o quanto soffrem das creanças os animaes que são mais fracos ou não podem oppor uma certa resistência na luta; os cegos e aleijados que constantemente são alvos de risos, pedradas e apupadas. 24 Ha creanças, porem, que se compadecem facil- mente, que se mostram commovidas ante os quadros penosos do mundo. Uma occasiao presenciei, uma creança de quatro annos apenas cahir em syncope ante as agonias de uma ave domestica, que se debatia nas garras de um gato. A relatividade manifesta-se também em grande proporção nos sentimentos estheticos, que são pecu- liares ás pessoas de um certo cultivo intellectual. Um tal esciiptor é lido com satisfação e elogiado com uma boa meia duzia de apparatosos adjectivos por um litterato, em quanto que outro litteram não en- contra o menor sabor em suas obras, que são criti- cadas como más. D’ahi a divergência das escolas litterarias: — a escola symbolica, o naturalismo, o realismo, o parnasianismo e queijandos em ismo. O symbolismo nebuloso e vago do poeta Yerlaine ou do portuguez Antonio Nobre, o melancólico de Bau- delaire ou o trágico de Edgar Põe, é acceito com prazer por uns, emquanto que outros os acham doentio e insípido. Da mesma forma o realismo crú de E. Zola. As obras dos escriptores russos Merejko- wisk e Leon Tolstoe tiveram grande acceitação pelos intellectuaes, mas também tiveram os seus críticos. Para não irmos muito longe, temos entre nós o poeta Cruz e Sousa e Raul Pompeia com o seu sym- boiismo a Yerlaine, Olavo Bilac, Raymundo Correia 25 e Luiz Murat, com o seu lyrismo a Gauthier, Aloízio Azevedo e Machado de Assis no romance naturalista e o nosso primoroso Coelho Netto com o seu estylo a Daudet, que todos tiveram e teem os seus adeptos e cri ticos enragés. Nas enscenaçÕes de dramas e comedias, etc., obser- va-se perfeitamente este contraste, esta relatividade na manifestação do sentimento esthetico. O preclaro mestre H. Spencer diz, no capitulo — Os sentimentos, de sua obra — Princípios de Psyetio- logia : «Se todos os phenomenos mentaes são in- cidentes da correspondência entre o organismo e seu meio, e se esta correspondência passa insensivel- mente das formas as mais baixas ás formas as mais altas, segue-se, á priori, que nenhuma ordem de sentimentos póde ser completamente desprendida dos outros phenomenos de consciência ». Está claro, consequentemente que, na circumcisa expressão do grande philosopho, os sentimentos se concatenam, se relacionam, se desenvolvem conjun- ctamente, se encadeiam por assim dizer ascencio- nalmente, inalteravelmente, no campo de producção e de manifestação. Tanto uns como outros estados de consciência, os estados emocionaes e os estados 26 psychicos intellectuaes ligam-se de tal forma, que a sua dissolução é impossível. Assim a emoção que se sente e o conhecimento que se tem de uma melodia, e a emoção que se experimenta e o conhecimento que se tem de um bello som, que seja unico, são inextricável mente inseparáveis. «Os simples estados de consciência podem ser divididos em estados vindos do centro ou emoções e estados vindo da peripheria ou sensações. As sen- sações podem se subdividir em dous grupos: — epi- periphericas e endo-periphericas, conforme são pro- duzidas por uma acçao exterior ou interior ao corpo. Em opposição a esta classe de estados de consciên- cia primários ou reaes, assim divididos e subdivi- didos, é preciso collocar a classe complementar dos estados de consciência secundários ou ideaes, divi- didos e subdivididos da mesma maneira » (Spencer). Todos esses phenomenos de consciência constituem o que se chama espirito e os elementos que compõem mais de perto o espirito são os estados de consciên- cia e as cognições ou as relações entre os estados de consciência. Sendo dito isto, que serve de base ao estudo que se segue, estudaremos a intensidade dos sentimentos. 27 A intensidade do sentimento depende das excita- ções produzidas por um estimulo exterior, antes que se transformem em idéas; assim as excitações produ- zidas sobre a retina, sobre o tympano, sobre a mu- cosa buccal, etc.; e, como as sensações, a intensi- dade do sentimento, n’estas condições, é propor- cional a excitação produzida nas extremidades ner- vosas. Mas esta intensidade depende também das condições da força psychica, da psychê do indivíduo, e, facto que é preciso notar, a proporção que existe entre as primeiras não existe entre as segundas, nas quaes pode acontecer que uma excitação minima produza um sentimento intenso. «Uma expressão que renova uma idéa é como uma scentelha numa matéria explosiva», diz muito bem o prof. Sergi. De facto, quando nos achamos ausente de uma pessoa que nos é cara, o nome, uma palavra, qualquer objecto, que nos relembra esta pessoa, nos produz um sentimento intenso de sau- dade, um pronunciado desejo de ver, de gozar da presença desta mesma pessoa. \ força nervosa inte- rior, n’este caso, acha-se num estado analogo ao que os mechanicos chamam energia virtual ou força de collocação. A energia da polvora dentro de um canhão ou da dynamite é uma energia virtual ou uma força de collocação. O mesmo se dá com alguns 28 sentimentos, qae teem esta especie de força de collocação ou energia virtual. O nosso espirito colloca-se, por circumstancias an- teriores, em condições taes, que uma idéa, que se acha em estado de excitação vibra ao menor esti- mulo, produzindo um sentimento intenso. Este es- timulo pode ser a recordação de uma pessoa ou cousa sympathica, ou de uma pessoa ou cousa antipathica. Desde que a dôr e o prazer teem uma intensidade, se poderia avaliar essa mesma intensidade pelas ma- nifestações exteriores, pelo sorriso ou pelos movi- mentos de alegria do rosto, ou pelas lagrimas ou aspecto melancólico da face do indivíduo, que apre- senta estes sentimentos. Mas, isto varia immensa- mente, dependendo do temperamento, do habito ou da educação do indivíduo, o que faz com que uma pequena dôr ou um pequeno prazer modifique com- pletamente ou um grande sentimento nada altere a physionomia do indivíduo. A avaliação pelo proprio indivíduo, que se acha possuído de qualquer de um desses sentimentos, é toda relativa. Estas differenças na manifestação dos sentimentos não são somente individuaes, mas se estendem á classes sociaes, á raças inteiras. A exteriorisação dos sentimentos se manifesta ou pelas lagrimas, pelo sorriso, pelo rubor da face, pelo abaixamento da cabeça sobre o peito, pelo en- rugamento dossupercilios, pelo abandono dos lábios, 29 pela erecção dos cabellos, ou pelo riso e pelos gritos de dôr ou de cólera. A origem de todas essas expressões do sentimento, que, graças á theoria da evolução, tem sido bem elucidada por profundos observadores como Darwin e H. Spencer, tem sua explicação em factos da vida de nossos antepassados. E’ assim que este ultimo philosopho explica o franzimento dos supercilios da seguinte forma: As raças primitivas, por occasião dos combates empregavam esforços, para evitar os raios solares, que feriam directamente os seus olhos, franzindo os supercilios, como se poderia fazer com a mão para augmentar a visão. Mas como este mo- vimento juntou-se a idéa desagradavel da luta, ficou como um signal de aversão, como um preparativo para a luta. Da mesma forma explica H. Spencer a palpitação e a parada do coração dependendo do nervo vago, a dilatação das narinas na cólera, e outras manifes- tações emocionaes. A manifestação está sob a dependencia da lei da diffusão das excitações, que pode ser grande ou cir- cumscripta. Esta póde ser directa ou indirecta con- forme tenha sido produzida por um motivo ou sem motivo. A lei da diffusão foi formulada por Bain da se- guinte forma: « Conforme uma impressão é acom- 30 panhada de sensações, as correntes excitadas diffun- dem-se livremente atravez o cerebro, provocando uma agitação geral dos orgãos do movimento e inte- ressando também as vísceras.» (i) Herbert Spencer enunciou-a da seguinte ma- neira : «Todo sentimento peripherico ou central, sensação ou emoção, é o simultâneo de um abalo nervoso, e é o resultado de uma descarga nervosa, a qual tem no corpo um effeito especial e um effeito geral.» (2) Este effeito geral, diz o prof. H. Spencer, é o re- sultado da onda nervosa, que se derrama da peri- pheria para os centros, reflectindo-se d’ahi sobre as vísceras e musculos voluntários e involuntários; o effeito especial localisa-se em uma parte do systema nervoso, correspondendo a uma parte do corpo. A lei da diffusão surge nitidamente nas expressões do sentimento (Sergi), ou na linguagem das emo- ções como diz o prof. H. Spencer. No phenomeno da diffusão os musculos voluntários e involuntários, os orgãos de secreção e o systema vascular são postos em actividade sob a forma de mo- vimentos reflexos. Assim como o sentimento tem uma intensidade apresenta também uma duração que varia conforme (1) Bam— Les Emotions et la Voloyité. (2) H. Spencer — Príncipes de Psychologie. 31 a qualidade da sensação ou conforme sua unifor- midade. Da dor e do prazer o que parece mais longo é a dòr; o prazer parece sempre muito.curto, fugaz. Isto é devido a duas causas : —subjectiva e objectiva. A dor sendo um sentimento de não adaptação ao organismo apresenta-se uniforme, invariável, o que não se dá com o prazer que se apresenta variavel e adaptavel ao organismo, grande parte confundindo-se com sentimentos outros, fazendo com que desappa- reça e surja o estado de indifferença, além do que no phenomeno dôry ha o elemento objectivo, que a produz e ha o elemento subjectivo ou a luta, o de- sejo irresistível, que se trava na consciência com o fim de livrar-se delia. Este elemento subjectivo existe também no prazer, mas, ao contrario do que se dá com a dor, a luta que se trava e que é o desejo de persistir no prazer é sempre de menor esforço, sempre menor. O elemento objectivo no prazer é m complexo, pois' ha variedade, adaptação e passagem ao estado de indifferença; o tempo conseguinte- mente do prazer parece sempre mais curto e torna-se na realidade. Ambos os sentimentos deixam traços mais ou menos profundos no organismo. Os da dòr caracte- risam-se melhor; são sempre mais profundos e mais persistentes que os do prazer. A memória abrange o tempo, mas, em geral, como a dor deixa 32 vestígios indeleveis, mais profundos e a luta que se trava na consciência para livrar-se delia sendo maior que a do prazer, que é o contrario, é ella sempre mais longa melhor relembrada na memória. « Um prazer reproduzido é para nós muito mais fugitivo que um prazer real, mas a memória de uma dor é ainda proporcional á dôr original. » «O sentimento segue, em geral, na reproducção as mesmas leis que os outros estados psychicos ; elle associa-se por conseguinte nas mesmas circumstancias e nas mesmas condições ». Antes de entrarmos no estudo da classificação dos sentimentos, estudemos a sua origem e desenvolvi- mento, isto é, sua hereditariedade e evolução. Lançando um olhar retrospectivo pelas civilisações que se teem amontoado de século á século, desde as epochas primitivas até os nossos dias e comparando-as ás civilisações hodiernas, nós vemos que as raças teem passado por modificações completas, por trans- formações radicaes, com uma tendencia pronunciada para a perfectibilidade. Esta não poderá surgir re- pentinamente. O aperfeiçoamento individual e o das especies se tem dado gradativamente e, admittido que se vá effectuando este desenvolvimento no mundo physico, não poderíamos convir que as manifestações psv- chicas tivessem sempre se apresentado como se apresentam hoje nas diversas raças civilisadas. 33 A evolução psychica acompanha a evolução phy- sica. Mas não sendo admissível que esta evolução se tenha operado no periodo de uma vida individual, e sim de raça a raça, desde o estado mais infimo de condições puramente physicas até ás formas as mais elevadas, segue-se que ella se tem transmittido e se conserva por hereditariedade. Por consequência, hereditariedade e evolução são inseparáveis nos factos psychicos, como nos outros factos orgânicos, « representando a primeira a con- servação e a segunda o progresso, que são os pontos culminantes da civilisação humana, como são também da vida especifica e individual de todos os seres or- gânicos. » (i) O modo da evolução psychica como o da heredi- tariedade psychica não differem, em geral, da here- ditariedade e evolução organicas, o que quer dizer que nós temos evolução e hereditariedade de estru- ctura e de funcção. Existe o desenvolvimento estructural, morpholo- gico, da mesma forma que ha evolução funccional. A complexidade da funcção é correlativa, e nós já o dissemos mais de uma vez, da complexidade da estructura. Sendo as funcçóes psychicas peculiares a estru- (1 ) H. Spencer — Princípios de Biolagiu. — Irad. do francez. 34 ctura cerebral, centro consciente, séde dos pheno- menos conscientes, como a vontade, o sentimento, etc., segue-se que se herdando a estructura nervosa cerebral, herda-se, por via de regra, a disposição ao sentimento, que se irá aperfeiçoando a medida que se for desenvolvendo a massa nervosa. Os senti- mentos ahi se enfeixam, ahi se desenvolvem, disper- tados pelas diversas circumstancias exteriores, uma excitação qualquer, que os faz vibrar e natural- mente se manifestam de uma maneira normal, salvo em certos estados idyosincrasicos ou em certas predisposições mórbidas, mas sempre se transmit- tindo por hereditariedade. « Si o desenvolvimento psychico, diz o prof. Sergi, fosse todo inteiro comprehendido n’um indivíduo, em cada indivíduo deveria recomeçar uma nova evo- lução, a qual não poderia ultrapassar em extensão a de outro qualquer indivíduo anterior. Aconteceria neste caso que, em lugar de evolução haveria uma parada, a evolução não sahindo dos limites da vida individual. Isto é contrario aos factos. » (i) « Se fosse possível, diz o eminente pensador Littré, transportar com suas idéas os homens das gerações passadas para o tempo presente, elles sentiriam mal estar e não se conformariam com o nosso regimen mental.» (2) (1) Sergi. — Evolution et hereditarité des sentiments. (2) E. Littré.—Fragmentos de Philosophia positiva, pag. 15. 35 Logo, está sufficientemênte esclarecido que, o des- envolvimento orgânico e psychico náo se póde effe- ctuar no pequeno periodo de uma vida individual, mas de geração em geração. Não existe intervallo, porém continuidade e esta continuidade se opéra por duas formas : pela geração ou reproducção da es- pecie e pela palavra, instrumento de tradição e temos assim — hereditariedade e evolução. Classifiquemol-os: Muitas são as classificações estabelecidas pelos observadores para os sentimentos. Assim temos a seguinte que parece a mais natural: « i.° Sentimentos de caracter puramente physico (localisados); 2.0 Sentimentos de caracter puramente psycho- physico (que se relacionam ás qualidades sensacio- naes); 3.° Sentimentos de caracter puramente psychico (sem nenhum elemento sensacional, pelo menos em apparencia). » A primeira classe comprehendendo as sensações especificas, organicas ou geraes, suscitadas na peri- pheria; — as dores e os prazeres. A segunda comprehende os sentimentos em que entram elementos dos da primeira classe associados aos elementos mentaes. A terceira classe comprehende os sentimentos 36 cujas causas estimulantes são puros elementos ideaes, emancipados c separados das excitações periphericas, por conseguinte puros estados de consciência. A bella cíassificaçã® do prof. H. Spencer, com ser uma classificação simples e racionai é muito vanta- josa. Elíe classifica os sentimentos em ego-altruis- ticos e altruisticos e sentimentos estheticos. A esta boa classificação corresponde a que divide os sentimentos em indiviàuaes, individuo-sociaes e sentimentos sociaes, com uma classe a parte dos sentimentos estheticos. Pode-se ainda classificar os sentimentos em peri- phericos e centraes, coriespondendo os primeiros aos sentimentos reaes ou sensações propriamente ditas, e os segundos aos sentimentos ideaes ou, o que os philosophos inglezes chamam emoções. O sentimento esthetico é de todos os sentimentos ideaes, o que mais se relaciona com as sensações objectivas, que concorrem para as excitações cen- traes e associação. D’ahi collocarem-n’o na segunda classe da primeira classificação que apresentei, isto é dos sentimentos psycho-physicos. A difficuldade de uma classificação está na mis- tura dos elementos dos sentimentos. Os sentimentos individuaes são sentimentos egoisticos, mas os sen- timentos sociaes não excluem em parte a idéa de egoismo ou de interesse. Assim pois entre a classe dos sentimentos individuaes e dos sentimentos so- 37 ciaes, collocamos a dos sentimentos individuo-so- ciaes; finalmente vem uma classe a parte — a dos sentimentos estheticos, que se distanciam dos outros pelos elementos especiaes que os compõem. E’ esta a classificação que achamos mais de accordo com as modernas theorias, classificação que se acha assim pouco mais ou menos expendida no magnifico tratado de physio-psychologia do prof. italiano Sergi. Sentimentos individuaes O primeiro e o mais importante sentimento in- dividual é o sentimento de conservação, não só porque repousa sobre uma base natural — o prin- cipio proprio de conservação, como também porque d’elle derivam quasi todos os sentimentos indivi- duaes. Em sua seguida veem os sentimentos do temor, o de propriedade e o de liberdade, que todos são variantes ou dependencias d’elle. A dôr e o prazer são os elementos básicos d’onde emana o sentimento de conservação. Mas, para que esta se dê é preciso que haja sensibilidade e movi- mento, isto é, nervo e musculo ou elemento sen- sivel e elemento contractil: um estabelecendo o meio de protecção ao ser, o outro assegurando-a. 38 Os animaes inferiores, que náo teem systerm nervoso, possuem uma sensibilidade especial, poi meio da qual reagem ao estimulo, e os movimentos effectuados correspondem aos movimentos reflexos dos animaes superiores, isto é, ás reacções mo- trizes inconscientes, involuntárias, que se produzem nestes, quando o estimulo náo attingio a consciência. Porém o sentimento de conservação não é consti- tuído unicamente pela reacção contra a dôr ou pela inclinação ao prazer; elle se compoe também de elementos que se associam nos centros psychicos, e esta associação tem logar primeiramente entre o objecto productor de sensações dolorosas ou agra- daveis e as próprias sensações. « Pela reacção motora reflectida no primeiro momento, adquire-se uma experiencia que, conforme a presença ou a ausência do objecto, nos permitte saber que temos ou não a sensação dolorosa ou agradavel. » ( i ) O sentimento de conservação não é um sentimento innato como querem alguns observadores, mas adquire-se pela experiencia; não que esta acquisição se realise no curto espaço de uma vida individual, mas sim pelo phenomeno da hereditariedade, desen- volvendo-se na especie. * L/association etablie entre sensatkms et perce- ptions, ou mouvements ou idées de mouvements, (i) Sergi — Psychologie physiologique. Trad. do francez. 39 constitue un état de conscience qui, dans ía repeti- tioa et dans la reproduction, a laissé une trace orga- nique dans les modifications nerveuses concomi- tantes. Ces modifications nerveuses hereditaires con- stituent la base de la memoire organique, qui est le resultat de 1’expérience de rindividuetdel’espèce.» (i) Nas linhas de íerro os animaes fogem rapida- mente ao apito loílginquo ou ao ruido de movimen- tação das rodas da machina de um trem em marcha. Basta a simples presença de um couro de tigre ou de outro qualquer animal feroz, que nunca tenha apparecido n’uma cidade, para que os animaes do- mestiços debatam-se e tentem fugir, demonstrando um grande terror. O professor Sergi citando o exem- plo de animaes domésticos na África, tentarem fugir, revellando grande medo, ao rugido do leão, diz: — « Ce n’est certainement pas par suite de leur experience propre, mais par suite de celle de leurs ancêtres qui avaient eprouvé les funestes effects de la presence du lion. > Elle cita outro exemplo, que vem a pello transcrever aqui:—< Beaucoup de voyageurs recontent que, lorsquhls approchaient d’iles desertes habitées seulement par des animaux, les oiseauxne fuyaient pas leur présence, mais qu’ils venaient à eux comme vers des êtres inoífensifs. Mais quand on les eut poursuivis et chassés, soit pour se (1) Sergi — Psychologie physiologique. 40 procurer de la nourriture, soit dans un but scienti- fique, ils acquirent une tendance opposée. Ces íles ayant été visitées par d’autres voyageurs une se- conde fois, on trouva que les oiseaux y fuyaient la presence de l’homme; ce n’étaint pourtant par les mêmes oiseaux, raais leurs descendants. » (Sergi) Assim pois fica bem patente a minha asserção, que o sentimento de que me occupo não é um senti- mento innato mas adquirido pela experiencia. Este sentimento é muito aguçado nos animaes; mais desenvolvido mesmo que nos homens, forne- cendo estes maior numero de victimas em desastres. O temor. — Após o sentimento de conservação, vem o sentimento do temor, que diriva da previsão do perigo. Este sentimento que, a principio, é bem definido, torna-se logo em um estado de consciência menos definido, mais vago, que póde surgir inde- pendente da presença do que póde ser perigoso, as vezes pelo que é novo, por percepções vagas, indis- criptiveis, as trevas, por exemplo, um sonho máo, um pesadello, um ruido inesperado, a presença de animaes inoffensivos, de insectos, etc. O temor, que no estado normal manifesta-se de uma maneira re- gular, comedida, exagera-se em certos estados patho- logicos do systema nervoso, com predilecção para certos animaes, para certos objectos, como se observa nos degenerados hereditários, constituindo um dos 41 syndromas episódicos, tão bem descriptos por Ma- gnan. Este estado póde também constituir uma especie de temperamento medroso, cujas causas exteriores principaes são: a experiencia de damnos soffridos inexperadamente, a narração de perigos aos quaes outras pessoas teem sido expostas. O temor derivando de uma complicação de estados conscientes, de uma associação de diversos elementos, é um sentimento complexo e não simples, elementar, como o queria acreditar o philosopho Bain, que o collocava ao lado do amor e do odio. ( i ) O temor dos mysterios e do invisivel como um poder superior é muito desenvolvido nas raças infe- riores ou selvagens, que veem no reiampago, no trovão, no raio, etc., um ser superior, ora benigno, ora revoltado contra elles, devido aos damnos cau- sados por esses mesmos phenomenosnaturaes, contra os quaes, pelo atraso em que vivem, não possuem os meios de defesa. Sentimento de propriedade — Com o sentimento de conservação surge o sentimento de propriedade, que, se não é uma variante, pelo menos tem as mais intimas relações com elle. A necessidade que temos de nutrição e de abrigo faz nascer predominante, im- (1) Bain— Les Emotions et la Vonlonté, pags. 70-152. Tra.d. fria*. 42 perioso, o sentimento de propriedade. Adôrda fome faz o animal procurar sua preza, como também a idéia do praser sentido pela satisfação da necessi- dade. Estabelece-se uma verdadeira associação entre o obejecto da nutrição, o prazer produzido pelo sentido do gosto e a dor sentida antes da satisfação da ne- cessidade. O que se observa com a fome se dá com relação a sêde. A presença d’agua para o indivíduo que tem sede, faz surgir intensamente a dor produzida pela precisão do organismo, dor que se transforma em prazer pela satisfação desta precisão. A necessidade de abrigo, do vestir, do ornar-se são outros tantos estímulos, que desenvolvem o sentimento de propriedade. Este sentimento que a principio é uma necessidade immediata do ser vivo, tendo as mais intimas relações com a conservação, pela evolução que se opéra e pelo apparecimento de novas excitações em consequência das civilisaçÕes das raças, vae além da precisão e da utilidade imme- /— diatas, e passa a um praser mais amplo, á commo- didade e ao luxo. O prof. H. Spencer tratando deste sentimento diz: — «O acto da possessão torna-se um acto agradavel porque produz uma excitação parcial de todos os prazeres passados que não são mais fáceis de relem- brar Jndividualmente, mas cuja massa forma uma 43 emoção vaga, volumosa, emoção que se torna um sentimento propriamente dito, pois que se tornou re-representativa. E’ quasi inútil ajuntar que com o progresso da civilisação se attingio um maior poder de re-representacão. » (i) Sentimento de liberdade — Um dos mais bellos sentimentos individuaes é o sentimento de liber- dade. A liberdade é o fim que visam as intelligentes instituições políticas bem dirigidas, o ideal dos povos cultos. O poder que tem o indivíduo de se servir, sem impedimentos, dos seus membros e dos seus sen- tidos, associou-se a toda especie de prazer. Dos mo- vimentos corporaes, que são a forma primitiva da manifestação desse sentimento, elle se estende a todas as operações mentaes, ás volições, etc. «O impedimento ás diversas acçÕes produz pena; o exercício, sem obstáculos, da actividade causa prazer.» ( Spencer) As raças primitivas, os povos nómades por exemplo, levam uma vida a mais livre possível, numa com- pleta peregrinação, o que não se dá nos povos civili- sados, que devem respeitar certas leis sociaes, res- tringindo em certos e determinados limites a sua (1) H. Spencer — Princípios de Psychologie, — trad. franc., pg. 328. 44 acção. Si, por um lado, devido ao estado de civili- sação, o homem restringe em certos limites o exer- cício corporal, adquire maior liberdade nas operações intellectuaes, se não são obstados por preconceitos 9 que por ventura védem de qualquer modo a ma- nifestação do pensamento. Assim é que, quanto mais civilisado é um povo, maior é a liberdade de pensar. Impedir o exercício dos membros pelos ferros equivale a uma grande punição. Isto se observa muito bem nos animaes, o cão, por exemplo, que manifesta enorme alegria quando se o solta da cor- rente. Ha ainda um outro sentimento individual, bas- tantemente conhecido, porém mal comprehendido : — é o sentimento do amor-proprio, que, elevado a um certo gráo, toma o nome de orgulho. Sentimentos indivíduo-sooiaes O preclaro philosopho inglez H. Spencer, em seus Princípios de Psychologia, diz que « as causas principaes que teem contribuído para a aggregaçáo social são em numero de tres e podem ser condu- zidas a tres sortes de relações : — a, entre os mem- bros da especie; b, entre o macho e a femea, rela- ções sexuaes; c, entre paes e filhos, relações da pa- rentesco. 45 As necessidades e as vicissitudes porque passou o homem primitivo, na vida errante que levava, iso- lado, na infatigável struggle forlife, fizeram germinar em seu cerebro, ainda inculto, a idóa de procurar um meio de minorar essas mesmas necessidades. A união, o trabalho mutuo, a vida social emfim, im- pôz-se, não só para que mais facil se lhe tornassem os meios de subsistência, como também para se de- defenderem contra o inimigo. D’ahi o nascimento dos pequenos grupos primitivos, que depois se foram desenvolvendo, attingindo hoje em dia, por todos os continentes, os estados sociaes modernos, que a civilisação tem banhado como uma caudal de luz, dando maior expansão e tornando mais confor- tável a vida humana. As causas que concorrem para a união existente entre os indivíduos são as relações sexuaes em pri- meiro logar, depois os laços de parentesco e em se- guida a defesa. Desde que ha bem-estar protecção franca contra os perigos e contra os inimigos, por conseguinte adaptação perfeita as condições de existência social, elles não se separam mais, embora cessem outras necessidades e vivem continuamente em sociedade e em familia. D’ahi os grandes pezares pela separação ou pelo fallecimento de um dos membros da familia ou da sociedade. A reproducção sendo um meio de conservação da 46 especie, concorre ingentemente para a formação da sociedade. Ella dá origem ao admiravel sentimento do amor, que tem por fim a perpetuidade da especie, cujas excitações são tão energicas quanto as da fome e da sede e cuja satisfação é mais agradavel que a das necessidades do estomago e, em geral, da nu- trição. E’ verdade que, sendo necessária a existência, como funcção physiologica, não o é tanto quanto a da nutrição ; mas, não é menos verdade que a sua falta, nos indivíduos normaes, organicamente per- feitos, bem conformados, póde produzir a debili- dade de funcçoes outras, cujas consequências são perturbações serias. E da mesma forma que as necessidades da nu- trição impellem o homem aactividade, a necessidade da reproducção, fazendo-se sentir na edade adulta, levam-no a uma actividade analoga. A primeira união sexual póde ser momentânea, mas póde tornar-se durável e permanente, especial- mente entre as raças civilisadas. Observa-se esta união durável até entre os animaes, nos passaros, por exemplo, de que alguns constroem o seu ninho e vivem em união perfeita pela primavera, e outros levam toda a vida sem que se separem. Nas raças primitivas a união é quasi sempre tem- porária, o que não se dá nas raças civilisadas. Não é somente a satisfação d’essa necessidade gica, que impelle o homem a união sexual, mas 47 como o verdadeiro meio de protecção aos filhos, que por muito tempo necessitam dos cuidados paternaes. D’ahi o nascimento do sentimento de parentesco ou a relação existente entre paes e filhos. E este sentimento de parentesco concorre, ainda que indi- rectamente, cada vez mais, para a maior intensi- dade do amor sexual. Digamos, de passagem, alguma cousa sobre este sentimento. Podemos distinguir o amor physico, commum a toda serie animal e as formas superiores do amor, peculiares ao homem, decorrendo estas d’aquelle ao qual vem se ajuntar novos elementos. «Os seus factores principaes são a principio os estímulos da reproducção e em seguida o sentido do toque junto a temperatura, além do prazer do abraço, como o quer Bain. A conformação distincta dos dous sexos, escreve o grande psychologo, aug menta o attractivo que elles sentem um para o outro. A analyse d’este effeito é muito delicada e nos conduz á questão da belleza pessoal, tanto quanto modifi- cada de um sexo a outro. Eu queria suppor, diz elle, o que é muito provável no conjuncto, que a belleza pessoal se relaciona: i.° á qualidades e apparencias que augmentam a expressão favoravel ou do bem- querer, e 2.° — a qualidades e apparencias que sug- gerem o abraço attractivo. » ( i) (1) Bam — Les Emotions et la Volonté, pag. 131. Trad. frane. 48 Assumpto muito controverso, encontra sua expli- cação na theoria da evolução. Herbert Spencer, com a argúcia de profundo psychologo, faz uma analyse muito delicada do problema, que fica resolvido. Es- tuda os elementos assaz complexos que entram na composição do sentimento do amor. Encontra em primeiro logar a affecção. Este elemento, diz elle, podendo existir entre pessoas do mesmo sexo deve ser encarado em si como um sentimento indepen- dente, mas que attinja sua mais alta actividade entre amantes. Em segundo logar elle colloca a admiração. Este elemento póde ser excitado pelas perfeições physicas do ser amado, como também pelas quali- dades intellectuaes e moraes. Em terceiro logar vem o amor de approvação e a estima de si e finalmente o prazer da conquista, que se assemelha muito ao precedente e tem intimas relações com o sentimento de propriedade. O fim a que visa o amor, que é a. conservação da especie, fal-o um sentimento interessado, mesmo nos gráos os mais elevados da paixão. Mas elle não é exclusivamente interesseiro; elle visa também o amor social, a amisade com a ternura, que desperta no sexo forte a fraqueza do outro sexo, qualidades outras de caracter meramente moral e outros elementos independentes das relações sexuaes. Nfisto consiste a sua elevação e belleza. «Com todos esses elementos unidos a belleza 49 pessoal do sexo, o amor sexual torna-se idéal e a affecçao conjugal se perpetua e se consolida ». ( i ) A mulher seduz o homem não só pelas formas es- theticas, pela plastica do seu corpo, como também e muito especialmente, pela generosidade e belleza dos seus sentimentos, pela virtude, pela compaixão, pela resignação moral, pela doçura e harmonia do seu todo. Si isto que constitue a belleza moral da mulher não existisse, as excitações physicas seriam insuffi- cientes para consolidar a família e o amor conjugal. Ha um amor proprio aos jovens timidos e retidos por educação e por habito, que em sua manifestação parece completamente independente de qualquer estimulo physico:—é o amor chamado platonico, por comparação com a pura idéalidade platónica. Mas verdadeiramente existem excitações vagas, indefi- nidas que, juntando-se a outras, que dimanam obje- ctivamente de qualidades e de bellezas estheticas da mulher, são causas de uma attracção particular, que faz desapparecer ou obscurecer a excitação sexual. E’ que o prazer sexual não tem sido ainda experimen- tado. Estas relações, isto é, a união individual, a união conjugal e a união de parentesco, que constituem a base da vida social, podem se acompanhar de outras [1) Sergi — Psgclwlogie phgsiologique. Trad. franc. 50 relações accessorias, que promanam das condições de existência particulares a cada raça e a cada indi- víduo. Assim é que temos o sentimento de sjmpa- thia e o de antipathia, o odio, a inveja, a ambição, a # aversão, a cólera, o resentimento, a vingança, o des- prego, etc., que todos são sentimentos individuo- sociaes. Estes sentimentos, que em sua manifestação primitiva são bruscos, impectuosos, modificam-se pela educação e pela civilisação. Sentimentos sociaes Os sentimentos sociaes são sentimentos exclusi- vamente desinteressados. Elles excluem por com- pleto a idéa de egoísmo : — sao os sentimentos al- truisticos de H. Spencer. O homem civilisado nasce com o instincto de so- ciabilidade que lhe transmittem os seus predeces- sores e sendo os sentimentos moraes a base das so- ciedades, segue-se que elle traz em si estes senti- mentos pelo mesmo phenomeno de hereditariedade. Os sentimentos sociaes teem a mesma origem, emanam da mesma fonte dos individuo-sociaes, ao contrario do que pensam alguns philosophos. Mas estes sentimentos sociaes desde que não são primi- tivos, desde que se desenvolvem com a civilisação, desde que se compõem de elementos associados, 51 sendo a principio idênticos aos sentimentos indivi- duo-sociaes, e que unicamente por um desenvolvi- mento ulterior perdem o factor egoista, só podem emanar da mesma fonte. Spencer já havia dito que «todo sentimento al- truísta tem necessidade de um sentimento egoista correspondente como um factor indispensável». Gonseguintemente o sentimento social é a prin- cipio individuo-social, tomando depois a forma pura- mente social pelo desenvolvimento deste factor. Para Garofalo, o grande jurisconsulto italiano, os sentimentos sociaes, sem os quaes não póde haver adaptação ao meio social, são: — a piedade e a pro- bidade. Este ponto é de avultada importância em Medicina Legal. A falta desses dous sentimentos ca- racterisa para o grande mestre e sua escola, o crimi- noso nato, a tendencia inherente ao indivíduo para o acto criminoso, sem a manifestação d’esse pheno- meno interno — o remorso. Nos elevados sentimentos sociaes — o amor da patria e o amor do proximo, em que o indivíduo sa- crifica a sua própria vida em pról da sociedade ou de outrem, não obstante o grande desinteresse, a acçao altruísta que predomina, ha o elemento egoista, que se manifesta pela satisfação pessoal que o indi- víduo experimenta, quer esta satisfação se exterio- rise ou se produza interiormente, subjectivamente. O conjuncto de elementos, que constituem o senti. 52 mento de generosidade, se manifesta pela mesma forma: a principio ella é intermittente e fraca, vae se condensando e se achrysolando a pouco e pouco, attingindo por transições graduaes um gráo superior em que ella se torna representativa, perdendo quasi que por completo o elemento egoista — pelo desen- volvimento das sympathias sociaes. Assim quanto mais civilisado for o meio, mais altruistas são os sentimentos de generosidade. O sentimento de piedade, este elevado sentimento humano, sem o qual, conforme a abalisada opinião de Garofalo, não póde haver adaptação do indivíduo a sociedade é um sentimento que se desenvolve a par dos bons sentimentos, que constituem as quali- dades virtuosas da pessoa. « Elle toma um desenvolvimento considerável, diz o prof. H. Spencer, tanto quanto o permitte a di- minuição das actividades depvedadòras ». Alem d’estes sentimentos, que são simples, ha os sentimentos altruistas de forma mais complexa: — o sentimento da justiça e o da misetdcordia. O sentimento do justo, que a principio é itidivi- duo-social, torna-se depois exclusivamente social. E’ assim que elle toma a sua origem na luta da exis- tência pela conservação individual, e de par com o desenvolvimento intellectual e civilisador das racas 53 elle perde completamente o elemento egoísta e tor- na-se altamente re-representativo. Elle tende para o fim utilitário e nobre do inte- resse tao sympathico a esphera de acção dos outros, pelo merecimento. O sentimento de misericórdia—« é o estado de consciência no qual a execução de um acto pelo sen- timento da justiça provocado é impedido pela pie- dade que lhe faz equilíbrio, por uma representação do soífrimento, que é preciso infligir». ( i ) E’ um completo antagonismo que se manifesta entre dous sentimentos altruístas, estabelecendo-se as vezes uma exhitação incommoda em sua execução. Aqui levantamos mão de nossa these inaugural, sem que tenhamos todavia satisfeito o nosso desejo, que era estudar a — Ethio-pathogenia do sentimento morbido, apoz as necessárias observações para que nos surgisse um trabalho de alguma utilidade pra- tica ; mas circumstancias de tal ordem poderosas collocaram-nos na contingência de, desviando-nos do assumpto, que havíamos escolhido, abordarmos um terreno quasi que puramente theorico. (1) H. Spencer — Príncipes de psychologie, trad. franc pag. 331. 54 Encarando o assumpto profundamente bello que ligeiramente deslindamos, num ponto de vista geral, concatenamos algumas idéas mais ao alcance do tempo que dispúnhamos, que ao nosso trabalho de base apenas serviriam e resumimos em synthese o que nos surgia ao correr da penna. O tempo de que dispuzemos para a confecção de tal trabalho não podia ter sido mais reduzido, attento outras muitas occupaçÕes em esphera inteiramente diversa a que nos viamos obrigados. E’ acobertados por justificativas taes que o apre- sentamos á apreciação competente dos nossos illus- trados mestres, dos quaes confiamos na generosi- dade e complacência, que saberão relevar as faltas e senões que certamente hão de encontrar. PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESCRIPTIVA I — A massa nervosa contida na caixa craneana compoe-se do cerebro propriamente dito, do mesen- cephalo, do systema peduncular e do cerebello. II —O cerebro, que se compõe dos hemispherios, dos corpos estriados e dos feixes interhemisphericos, é o orgão da intelligencia, dos instinctos e da von- tade. III — O cerebello tem por funcção a innervação do sentido muscular. HISTOLOGIA I— A casca cerebral é formada de substancia cin- zenta ou cellular. II — Esta substancia é mantida por uma rêde, que se dirige da peripheria e vae até a substancia branca ou filamentosa. III—Esta rede, que encerra cellulas próprias, chama-se nevroglia. ANATOMIA MEDICO-CIRURG1CA I — O cerebro é formado por dous hemispherios, reunidos pelo corpo petreo. II— Das tres faces que apresenta cada hemispherio, a face externa tem trez grandes sisuras. 58 III— X de Silvlus, dirigida obliquamente de baixo para cima e de deante para traz. A de Rolando, di- rigida obliquamente de cima para baixo e de detraz para deante e a sisura occipito-parietal, separando o lobo parietal do occipital. BACTERIOLOGIA I — O streptococcus é o germen responsável pela erysipela. II— Elle é teputado também como productor da febre puerperal. III — Encontra-se em grande quantidade nc puz dos abcessos quentes. ANATOMIA E PHYSIOLOG1A PATHOLOGIGAS I — A cachexia cancerosa é a intoxicação do orga- nismo pelos productos sépticos dos tumores ma- lignos. II — D’estes o peior é o carcinoma. III — Distingue-se dos outros pelo stroma e cel- iulas próprias. PHYSIOLOGIA I — Os estados subjectivos acompanham-se quasi sempre de manifestações objectivas. II — Estas manifestações objectivas são visiveis, sobretudo no que concerne ao systema da muscula- tura estriada. III—Elias são as mais das vezes representadas 59 pelas modificações da physionomia e da attitude geral do corpo, que traduzem a linguagem das emo- ções. THE RA PE UTI CA I—O chloral é um agente therapeutico da ordem dos calmantes e dos somniferos. II — Conforme a maioria dos autores elle produz o somno acarretando um affluxo maior de sangue para o cerebro. III—Como calmante elle tem emprego nas mani- festações tetanicas e como somnifero nas insomnias por anemia cerebral. jjHYGIENE I—O conhecimento da psychologia infantil é a pri- meira necessidade para o hygienista que se occupa da ttygiene escolar. II — O íraco poder de attenção de que dispõe a creança deve ser a primeira preoccupação na divisão do trabalho e do repouso. III—Obtem-se o máximo de trabalho util, variando frequentemente as matérias de estudo e estabele- cendo intervallos de repouso tanto mais numerosos quanto mais nova fôr a creança. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I—Grandes sao os laços existentes entre o epilé- ptico, o louco moral e o criminoso nato. 60 II—A frequência da loucura entre os criminosos affirma-se dia a dia e cada vez mais daramente. III — A forma a mais commum da manifestação da loucura entre os criminosos é o delirio das pri- sões. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I — Os grandes traumatismos acompanham-se sempre do choque traumático. II— Elle manifesta-se por symptomas que de- nunciam a queda do coração e a exaltação nerrosa. III— Levantar o coração pela cafeina ou outro to- nico cardíaco e calmar a excitação pelos calmantes devem ser os primeiros cuidados. OPERAÇÕES E APPARELPIOS I—Trepanação é a operação que consiste em cortar uma parte de um osso, conservando as partes molles circumvizinhas. II — Em geral a trepanação é feita nos ossos do craneo. III — O instrumento com que se a pratica cha- ma-se trépano. CLINICA CIRÚRGICA (i.n Cadeira) I— Um dos incidentes que pode preoccupar o ci- rurgião após uma operação é a psychose-post-ope- r ator ia. II — Ella manifesta-se por um delirio, que se apre- 61 senta sob duas formas bem distinctas : pela excitação, que póde ir até a loucura, pela depressão ou lype- mania. III — A herança mórbida, a febre typhoide, o al- coolismo, a senilidade, os proprios anesthesicos e o traumatismo são as causas da psychose-post-ope?'a- toria. CLINICA CIRÚRGICA (2.* cadeira) I— Hemorrhoidas são tumores varicosos, que se desenvolvem no systema venoso ano-rectal. II— Os meios empregados para o exame das he- morrhoidas internas sao o toque digital e o espe- culum anal. III —O melhor tratamento empregado é a re- secçao da mucosa rectal pelo processo de White- head. PATHOLOGIA MEDICA I— O somnabulismo é um estado de torpor intel- lectual em que ha conservação da actividade mus- cular. II— Ao somnambulo que é um autonomo, póde- se suscitar, suggerir qualquer acto que se o quer ver realisar. III — Póde-se assim provocar á vontade allu- cinações, íllusões, perturbações da memória e deter- minar por suggestão paralysias e contracturas. 62 CLINICA PROPEDÊUTICA I— Podemos encontrar pela auscultação, ruidos de sopro na região precordial, sem cómtudo haver lesão do coração. II— Estes ruidos são chamados sopros anorganicos, cardio-pulmonares ou extra-cardiacos de Potain. III— A theoria mais satisfactoria para explicar sua producção é a de Potain: — Produzem-se com a as- piração rapida e localisada na lamina pulmonar, que fica por diante do coração, sob a influencia da re- tracção exagerada deste orgão no momento da systole. CLINICA MEDICA (2.a Cadeira) I-—A nevropathia cerebro-cardiaca caracterisa-se por vertigens, insomnia, pesadellos, photopsia, pal- pitações, etc. II — Ella distingue-se da, irritação espinhal e da nevralgia geral, pela dor disseminada a quasi toda superfície do corpo, que se manifesta Testa e pela rachialgia, que é o symptoma dominante n’aquella. III — A sua duração varia de alguns mezes a di- versos annos. CLINICA MEDICA ( i.“ Cadeira) I— O tratamento da hysteria comprehende o tra- tamento psychico e o externo. II — O primeiro comprehende o isolamento e o hypnotismo. 63 TII — O segundo: a hydrotherapia, a electrothe- rapia e a kinesitherapia ou a gymnastica e a mas- sagem. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I— Nas associações medicamentosas podemos ob- servar a incompatibilidade e o antagonismo. II— Ha incompatibilidade quando da associação resultar uma modificação chimica reciproca. IiI — Ha antagonismo quando os effeitos obti dos forem physiologicamente oppostos. HISTORIA NATURAL MEDICA I— -A belladona é uma planta vivace de 5o c. m. a i metro de altura, que nasce nos terrenos calcareos, ensombrados. II— As suas folhas, ovaes e acuminadas, são verde s e grandes e teem um sabor amargo e nauseoso. 111 — As flores são solitárias, de longo pediculo; teem uma corolla tubulosa, campanulada, de uma cor purpuro-violacea. CHIMICA MEDICA 1—Os etheres teem a mesma constituição chimica dos saes. II — Elles representam ácidos cujo hydrogeneo é substituído por um radical de álcool. III— Os radicaes de álcool derivam dos carburetos por perda de um ou mais átomos de hydrogeneo. 64 OBSTETRÍCIA I— Da mais alta importância é a influencia exer- cida pela hygiene em obstetrícia. II — Uma rigorosa asepsia torna-se indispensável durante o trabalho do parto. III—A febre puerperal é uma complicação muito frequente devida a sua falta. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I— Um dos signaes mais importantes para o dia- gnostico da gravidez é a suppressão do fluxo cata- menial. II— Entretanto este signal não é de um valor se- meiologico absoluto, variando conforme as circuin- stancias em que se produz. III — As emoções moraes e as novas excitações, ♦ occasionadas na esphera genital pelo casamento, podem acarretar a suspensão da menstruação. CLINICA PEDIÁTRICA I— A polyomielite infantil é muito commurn nas crèanças de i a 2 annos de edade. II— Começa por um periodo agudo e paralytico e termina por um periodo chronico e atrophico. III— As correntes faradicas e galvanicas são o seu tratamento o mais racional. 65 CLINICA. OPHTALMOLOGICA I — Na hysteria podemos encontrar perturbações oculares as mais diversas. II — A amblyopia, que se caracterisa por pertur- bações sensitivas e da musculatura interior do olho, é uma delias. III—Ella póde ser mono ou binocular. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPLIILIGRAPHICA I— A syphilis é uma infecçáo que se inicia em geral pelo cancro duro. II— A invasão do organismo se faz commummente pelos lymphaticos. III — A excisão mesma do cancro não inhibe as manifestações consequentes. CLINICA PSYCR1ATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I— Trez são os estados em que se póde apresentar o hypnotismo : a lethargia, a catalepsia e o som- nambulismo. II— No estado de lethargia o paciente apresenta o aspeito exterior de um indivíduo profundamente adormecido: os olhos são fechados, os musculos na resolução completa, o braço quando levantado cahe inerte. III— No estado de catalepsia os olhos são abertos, os membros são contracturados, mas conservam a posição que lhes damos. Visto. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, 37 de Outubro de 1004. 0 Secretario Dr. Menandro dos Reis Meirelies.