TlãcKãdoC^MoTC ^n Wi4 FACULDADE DE MEDICINA4 DO RIO DE JANEIRO DO USO E ABUSO DO TABACO THESE INAUGURAL DO ml ggkssam M. V flacAãdo CoíMQ. C DISSERTAÇÃO SUENCÍAS MÉDICAS DO USO E ABUS0_D0_TAaAO0 Secçào aceessoria. — l*as Solanueeas virosas e suas preparações Secção chirurgica. — Vícios de conformação da bacia e suas indicaçües Seeção medica. — Diagnostico diflereneial entre as moléstias cutâneas de origem syphililíca e não syphilitica THESE APHESEXTADA A FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO EM 2» IÍE SEPTEMBRO DE -I^^3 E PERANTE A MF.SMA SFSTENTAUA KM '21 r»E DEZEMBRO DF. 1X1 Ti VTA.O Pt» 1&wa®tfàntmK ff^td^^jQ ffiyicMfl .^j-uerai RIO^ DE JANEIRO TYP. DO-DIÁRIO DO RÍÒ'"" l E JANEIRO 89—RUA DO OUVIDOR—89 DO RIO Dl -x/\AA/\AA/v^- D1RLOTOR — O lllm. e Exm. Sr. Conselheiro Dr. Barão de Santa Isabel. VIOE-DIRECTOR.— O Illm. Sr. Conselheiro Dr. Barão deTheresopolif. SECRETARIO — O Illm. Sr. Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATHEDRATICOS os illms. sus. mts.: PRIMEIRO ANNO F.J. do Canto e Mello Castro Mascarenhas.. (Ia cadeira). Physica em geral, e particu- larmente em suas applicações á Medicina. Manoel Maria de Moraes e Valle........... (2» cadeira) . Chimica e Mineralogia. Conselheiro José Ribeiro de Souza Fontes... (3a cadeira). Anatomia descriptiva SEGUNDO ANNO Joaquim Monteiro Caminhoá............... (Ia cadeira). Botânica e Zoologia. Domingos José Freire Júnior.............. (2a cadeira). Chimica orgânica. Francisco Pinheiro Guimarães............... (3a cadeira). Physiologia. Conselheiro José Ribeiro de Souza Fontes... (4a cadeira). Anatomia descriptiva. TERCEIRO ANNO Francisco Pinheiro Guimarães.............. (Ia cadeira^. Physiologia. Conselheiro Antônio Teixeira da Rocha.... i2a cadeira). Anatomia geral e pathologic* Francisco de Menezes Dias da Cruz.......... (3a cadeira). Pathologia geral. Vicente Cândido Figueira de Saboia......... (4a cadeira). Clinica externa. QUARTO ANNO Antônio Ferreira França.................... (Ia cadeira). Pathologia externa. ......................................... (2a cadeira). Pathologia intern a. Luiz da Cunha Feijó Filho................. (3a cadeira). Partos, moléstias de mulheres ejadas e de recém-nascidos. Vicente Cândido Figueira dê Saboia........ (4a cadeira). Clinica externa. QUINTO ANNO ........................................... (Ia cadeira). Pathologia interna. Francisco P. de A. Pertence............... (2a cadeira). Anatomia topographica, me- dicina operatoriae apparelhos. Albino Rodrigues de Alvarenga............. (3a cadeira). Matéria medica e thérapeutica João Vicente Torres Homem............... (4a cadeira). Clinica interna. SEXTO ANNO Antônio Corrêa de Souza Costa.............. (Ia cadeira).Hygiene e historia da Medicina Conselheiro Barão de Theresopolis......... (2a cadeira). Medicina legal. Ezequiel Corrêa dos Santos................. (3a cadeira). Pharmacia. João Vicente Torres Homem............... (4a cadeira). Clinica interna. LENTES SUBSTITUTOS Agostinho José de Souza Lima............. Benjamim Franklin Ramiz Galvão........./ João Joaquim Pizarro...................... > Secção de Sciencias Accessoriai. João Martins Teixeira.....................\ Augusto Ferreira dos Santos............... Luiz Pientzenauer..........................x Cláudio Velho da Motta Maia...............j José Pereira Guimarães.................... } Secção de Sciencias Chirurgicas. Pedro Affonso de Carvalho Franco..........\ Antônio Caetano de Almeida................ José Joaquim da Silva......................J João Damasceno Pecanha da Silva..........( o„,„-„ j„ a„-™„;,s«, tut^aí»** João José da Silva.........................f Sewnn de Sciencias Medicag. João Baptista Kossuth Vinelíi.............) N. B. —A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses qu« lhe-são apresentadas 94 ■iS. Méis et Amicis ÍWS ./a- K ^ ^>is provável que na Itália já fosse conhecida a nicotina antes de sua desco- berta por Vaucquelin. O processo porém para obtel-a talvez não fora divulgado, consti- tuindo-se privilegio tão somente dos alchimistas — 33 — O processo para obtêl-a consiste, segundo Bornay (These de Pariz), no seguinte: « Distillão-se as folhas seccas com agoa addiccionada de soda ou potassa cáustica; o producto distillado, que contém ammonia e nicotina, é recebido em um frasco, contendo ácido sulphurico diluído n'agoa. Depois de concentrado o liquido é distillado de novo em uma retorta com soda cáustica em ligeiro excesso ; obtém-se então um liquido incolor e ammoniacal que se concentra a frio no vácuo; toda a ammonia desprende-se então e fica a nicotina. » Flandin ensina-nos um outro processo, que é mais expedito e simples, por conseguinte preferível; consiste em « fazer um extracto aquoso de tabaco, addicionar uma dissolução de potassa cáustica e agitar vivamente a mistura; lançar ether, que tem a propriedade de roubar a nicotina á agoa e distillar depois, pri- meiro em banho-maria para desprender o ether, depois em banho de azeite a 140° para evaporar a agoa, e finalmente ao fogo vivo (180°) para distillar a nicotina. Nesta temperatura sendo porém a nicotina muito alteravel ao ar, é n'uma atmosphera arti- ficial, no hydrogeno, qne convém operar. » Propriedades physicas.—E' volátil, incolor, solúvel n'agoa e alcohol, no ether, na essência de terebenthina e nos ácidos diluídos ; crystallisa em pequenos crystaes mui deliquescentes. Ao contacto do ar amarellece, torna-se escura e decompõe-se to- mando a consistência xaroposa. Sua densidade é, segundo Pelouze e Frémy, de 1,024 a 0o (thermometro centígrado); segundo Wurtz do 1,027 a 15° cen- tígrados e para Frezenius e Schloesing é ella de 1,048 sendo a da agoa 1.000 ; pôde misturar-se em qualquer proporção com a agoa, ether, óleos graxos e essenciaes. Distilla entre 150° a 180° centígrados e, aquecida n'um 5 — 84 - cadinho de platina, volatilisa-se a 250° centígrados, dissolve a quente o enxofre, não porém o phosphoro, e congela-se a—15 gráos centígrados, conforme experimentou Barrai. Possúe a nicotina um sabor acre extremamente cáustico, que produz o entorpecimento da boca, quando applicado sobre a lingua; seos vapores são por tal fôrma irritantes que, se- gundo Barrai, á custo póde-se respirar em um aposento em que se tenha derramado uma só gotta. Propriedades chimicas.—À Nicotina é uma base muito enér- gica, que neutralisa todos os ácidos e restitue ao papel de tournesol, enrubescido por um ácido, a cor primitiva azulada. E', como a quinina, diacida, pois que um seo equivalente exige, para formar sáes neutros, dous de um ácido monobasico. Sua combustão faz-se com o desprendimento de uma chamma mui viva, como a dos óleos essenciaes, dá um fumo branco assaz irritante, dotado do cheiro do tabaco, e não deixa resíduo de qualidade alguma. Quando impura, acha-se ella accompanhada sempre da am- monia. As suas reacções principaes chimicas são as que seoperão: 1.° Pela tinctura d'iodo ; dsitando-se em uma solução aquosa de nicotina pura uma diminuta porção de tinctura d'iodo, vemos formar-se um precipitado amarello côr de oca e, se a tinctura fôr em maior dose, será então a côr de um es- curo de Kermes (Jullien). 2.° O chlorureto de ouro, actuando sobre a nicotina, dá um precipitado de côr amarella avermelhada, com o aspecto froco- noso e mui pouco solúvel no ácido chlorhydrico. 3.° Uma solução de ácido tannico, segundo Frezenius, produz um forte precipitado branco, facilmente solúvel com o addicio- namento de algumas gottas de ácido hydrochlorico. — 35 — Combina-se com os ácidos dando logar a desprendimento de calor e manifestando as seguintes reacções: Jk. Com o ácido sulphurico concentrado e puro combina-se adquirindo o novo composto, a trio, uma côr vermelho-vinosa, turvando-se o liquido pelo calor e tomando a côr da borra de vinho. B. Com o ácido hydro-chlorico, a frio, dá vapores brancos. C Com o ácido nitrico, por meio da temperatura um pouco elevada, toma a côr amarella alaranjada, e tem logar o desprendi- mento de vapores hypo-azoticos. D. Aquecida a nicotina com o ácido stearico forma-se um sabão que, pelo resfriamento, torna-se compacto; mui solúvel no ether á quente.— De Jullien extrahimos ainda as seguintes ope- rações, que com a nicotina forão feitas por meio de diversos etheres: Temos em primeiro logar a operação praticada por M. T. Wertheim que, misturando soluções ethereas de iodo e nicotina, obteve a iodo-nicotina = 2(C20H14Az2)I6, que crystallisa em agu- lhas côr de rubim. Kehule e Planta fazendo também actuar sobre a nicotina o \ o ether iodhydrico conseguirão a formação da ethyl nicotina = C10H7,C4H5Az. Stahlschmidt, emfim, empregando o ether methyliodhydrico, obteve a methylnicotina = C10H7,C2H3Az, e a amylnicotina = C10H7,C10HnAz, pela acção do ether amyliodhydrico. Os sáes de nicotina, dos quaes os principaes: o sulphato, o tartrato, o oxalato, o phosphato, etc, são todos mui solú- veis no alcohol, deliquescentes e pouco crystallisaveis; isto não dá-se porém com os sáes duplos, exemplo : O chlorhydrato combina-se com o bichlorureto de platina e dá um chlorureto duplo, crystalhsavel em prismas rhom- boidaes quadriláteros. — 36 — O mesmo chlorhydrato combina-se com o protochlorureto de palladium e dá logar a prismas rubros mui solúveis n'agoa e colorindo-a de vermelho-sanguineo. Emfim com o chlorureto de cobalto fôrma um chlorureto duplo, que crystallisa em prismas achatados, de um azul esver- dinhado, solúveis n'agoa, que tinge-se de vermelho groselha. (Flandin.) A proporção de niconitina existente no tabaco de diversas procedências e supposto secco na temperatura de 100° centí- grados, vem a ser a seguinte: No de Lot e Garonne.......... 7.34 % « da Virgínia................. 6.87 » « do Kentucky................ 6.09 » « da Alsacia................. 3.21 » « do Maryland................ 2.29 » « da Bahia................... 2.00 » « da Havana menos de......... 2.00 » « do Paraguay............... 2.00 » Quanto á quantidade de nicotina, existente em outros tabacos do nosso paiz, seja-nos aqui licito transcrever da bem elabo- rada these de um nosso jovem e distincto cirurgião, o Dr. Furquim Werneck, a analyse do hábil chimico Peckolt, que achou em 100 grammas do tabaco dos Calvados (S. Paulo) 1,065 gr. de nicotina, no do Pará 0,850, no de Cantagallo 0.474, no Pichuá 0,632 e no do Pomba finalmente 0,633 gr. Propriedades toxica.s.—E' este um veneno terrível, de acção tão violenta que poucos instantes são sufficientes para que seja fulminada sua victima; figura, ipso facto, ao lado do ácido hydrocyanico (ácido prussico) e, como elle, zomba dos meios antídotos que em seo arsenal possúe a toxi- cologia. — 3* — São tão enérgicos os effeitos da nicotina que, com uma gotta de menos de 5 milligrammas, podemos dar em poucos momentos a morte a um cão de regular estatura, e sendo sua acção tanto mais prompta quanto mais recentemente tiver sido preparada. Os symptomas de envenenamento manifestão-se, e sobrevêm a morte, seja qual fôr a via por que se faça a sua introducção na economia; assim tanto faz instillar na conjunctiva ocular algumas gottas, como injectal-as sob o epiderma ou directa- mente na circulação, abrindo-se uma veia, como applical-as sobre a superfície denudada de uma ferida, os phenomenos tóxicos apparecem e sempre análogos. Nunca porém é a nico- tina tão rapidamente absorvida, como quando introduzida no apparelho digestivo e muito principalmente no rectum ; ahi é rapidíssima sua absorpção. Para melhor comprehender-se o que acima fica exposto, á respeito da acção deste veneno, seja-nos permittido aqui trazer para exemplificação algumas das principaes experiências feitas com a nicotina. Comprehendemos que com isto tornamos este trabalho um pouco prolixo, porém, como «quod abundat non nocet», esperamos que, sendo com o fim de melhor esclarecermos a matéria, ser-nos-ha esta falta relevada. Temos as seguintes experiências, a que procedeo Mêlier com o concurso de Bernard (de Villefranche) e Hurteaux, e para nós bastante concludentes. Primeira experiência.—A's três hora- menos um minuto, depois de feita uma pequena incisão na parto interna da coxa de um gato, tendo-se levantado e descollado a pelle, ahi forão depositadass 2 gottas de nicotina pura. Ao cabo de meia hora o animal agita as orelhas com especial vivacidade; sua respi- ração é accelerada, torna-se rigido, como que tetanico, e — 38 - cahe sobre o lado. As pupillas mui dilatadas. Convulsões sobrevêm a miúdo, e os músculos parecem tornar-se flaccidos. Decorridos três minutos estava o animal morto, e anecropsia, feita logo após, encontrou algumas contracções nas auriculas car- díacas e os músculos masseterinos com um ligeiro frêmito. Os pulmões nada apresentavão de anormal, sobrenada\ão n'agoa; a bexiga achava-se vazia. Um pouco de sangue guar- dado em uma cápsula nada apresentou de particular no dia seguinte. Segunda experiência.—Oito gottas de nicotina são deposi- tadas no centro de uma bola de carne picada, e esta é impel- lida pelo cesophago no estômago de um cão bastante grande. Em 30 minutos ha rigidez geral e depois convulsões violentas. Decorrido um minuto e meio acha-se o cão deitado sobre o lado, immovel, e apenas respira. 2 minutos: Olhos fixos, insensíveis, algumas sacodidelas nos músculos. 4 minutos: Resolução geral, apenas alguns movimentos do abdômen. 5 minutos: Ausência de movimentos, morte. Acçlo physiologica.—Deixamos de propósito, com o receio que nutrimos de tornarmo-nos infadonho, de citar aqui outros experimentos com a nicotina, taes como os de Orfila, Cl. Bernard e outros, tendentes todos esses experimentos a tornar patente a energia tóxica do veneno presente. Sejão as doses diminutas ou elevadas, vemos o envenenamento sempre apresentar-se, e serem então mais accentuados estes ou aquelles symptomas. Característico porém, e o que quasi todos os authores men- cionão, é um ruido particular na respiração, um sibilo (soufnement) que apresentarão quasi todos os mammiferos sacrificados. Attribuimos, com o Dr. Krocker, esse phenomeno á abundante _ 8» — secreção de mucosidades e sangue transudado que a necropsia vai encontrar na trachéa, bronchios e suas divisões, facto este que não hesitamos em lançar por conta da congestão, que se faz durante o estádio convulsivo para os órgãos da respiração. A passagem rápida do ar por essas vias assim interceptadas deve fatalmente produzir o tal ruido sibilante. Wertheim porém attribue o ruido ao estado convulsivo da glotte, que assim torna o canal aéreo mais estreitado. Não nos devem tão pouco deixar de interessar, pelo facto de constituírem sensações percebidas e referidas por homens mtelligentes, as experiências de Dworzak e Heinrich (SchrofF) sobre si mesmos. Estes dous experimentadores, á exemplo de Fleischmann que, para conhecer os efíeitos da estrangulação, fez se suspender pelo pescoço a uma corda, ingerirão até a dose 1/16 de grão (0,003 grs.) de nicotina, e descrevem-nos os efíeitos pela se- guinte fôrma : Com as doses mui diminutas sentirão urencia na boca e titulações no pharynge, havendo abundante secreção de saliva. Rapidamente extendeo-se do estômago para o peito e cabeça uma sensação de calor, que afinal também propagou-se aos dedos e artelhos. Ausência de suores, porém grande excitação, cepha- lalgia manifesta e nevralgia trifacial. Em doses um pouco mais elevadas: vertigem, atordoamento, vista e ouvido confusos, respiração freqüente e penosa, an- gustias e seccura do pharynge e cesophago. Após cerca de 40 minutos, um sentimento de fraqueza; frio, principiando das extremidades dos artelhos e dedos, e extendendo-se sobre todo o corpo ; accessos de vertigem com desapparição parcial da acti- vidade sensorial e da consciência, e ao mesmo tempo sensação desagradável no estômago, eructações, vômitos, dejecções fre- — 40 - quentes e ílatulencia. Decorrido mais de uma hora apparecèrão em um dos experimentadores convulsões clonicas, tremor do corpo inteiro, principiando das extremidades e pondo em contribuição os músculos da respiração, que tornou-se mui rápida e agitada. Ambos estes indivíduos estavão no dia subsequente cansados, somnolentos e anoreticos. Destas experiências, das de Mêlier, mais atraz citadas e de outras o que colligimos pois ? Vemos que durante o envenenamento pela nicotina são os phenomenos, nervosos, que predominão ; vemos que nos animaes victimados a necropsia não descobre-nos lesões, capazes de explicar per se a morte; o que põe fora de toda a duvida que a acção deste veneno é dirigida essencialmente sobre o systema nervoso, dando-lhe certa analogia com o curare, cuja acção sobre os nervos é paralysante e dirigindo-se da peripheria para o centro. Notamos ainda serem as convulsões de caracter clonico, ao contrario do que produz a strychnina, que por este motivo foi apregoada por muitos toxicologistas, como 0'Reilly e outros, antídoto da nicotina e vice-versa (1). Quanto ás differentes espécies animaes sacrificadas vio-se que os de sangue frio, os batracios, resistião por mais tempo, e por menos os pássaros; o cão mais do que o gato, dimi- nuindo em todos a resistência para o veneno, quando havia ele- vação da temperatura do ambiente. Mais rapidamente manifes- ta-se a intoxicação, diz van Praag-, quando é injectada a nicotina nas veias, e mais lenta é ella nos efíeitos quando introduzida na espessura do derma. Eis-aqui, para melhor confronto, uma tabeliã organisada (1) Enunciada no mundo scientifico esta idéa, fizerão logo experiências Gallard, Hé- nocque, Meunot, etc., e provarão ser uma theoria errônea. Virão que um veneno vinha exaltar mais a accão do outro, sendo os effeitos de ambos combinados, violentíssimos ; os animaes succumbião mais promptamente, quando após a nicotina administrava-se a strychnina e vice-versa. — 41 — por Berutti e Vella, e em que poderemos apreciar successiva- mente o tempo decorrido da applieação até aos phenomenos tóxicos da nicotina: Veia jugular.............. 1 m. 20 segs. Trachéa.................. 1 » 50 » Cavidade buccal........... 2 » — Rectum.................. 3 » 40 » Urethra.................. 3 » 55 » Angulo interno dos olhos... 5 » — Tecido cellular subcutaneo.. 11 » — Pela necropsia dos animaes mortos nas diversas experiên- cias tem-se encontrado, nemine discrepante, sempre o seguinte quadro: Logo na abertura das cavidades naturaes, sentio-se um cheiro forte de tabaco ; movimentos fibrillares nos músculos, durando até um quarto de hora além da morte, quando o animal suc- cumbia durante o período das convulsões. O sangue mui fluido e formando muito tempo depois, coágulos negros; as cavidades cardíacas direitas contendo delles um maior numero do que as esquerdas. Não se tem encontrado irritação no logar em que foi applicada a nicotina, o que attribue Krocker á sua rápida absorp- ção ; produz inflammação moderada, diz elle, só no estado de grande concentração (1). Todos os authores são concordes em citar, na autópsia, hy- peremias cerebral e meningeana, bem como congestão para os (1) Os que attribuem á nicotina acção tópica muito irritante andão, acreditamos, er- rados, pela má observação talvez nas experiências a que procederão. Outros basêão-se no visum et repertum do cadáver de G. Fougnies, victima do Conde de Bocarmé, cadáver que apresentava toda a mucosa buccal cauterisada, em alguns logares destacada, e na região maxillar esquerda uma corrosão extensa interessando o epiderma. Não recordão-se estes que Bocarmé, no intuito de abafar seo crime, procurou mascarar o cheiro da nicotina, activo como sabemos, lavando a boca e vestes do infeliz cunhado com ácido acetico, cuja acção é extremamente cáustica. Procurou formando um acetato, neutralisar a nicotina traiçoeira. 6 — 4« — pulmões, com focos apoplecticos, a exemplo do que se passa na asphyxia. A vesicula biliar foi encontrada sempre repleta (1). Este quadro objectivo da necropsia nos mammiferos é 111 totum idêntico ao que se encontra no homem, que é victima da nicotina. Mostrou-nos isto Stas, distincto chimico belga, que na questão Bocarmé fez um estudo profundo e minuciosissimo de todas as vísceras de Fougnies, por analyses chimicas repe- tidas. Este processo chimico, conhecido hoje na sciencía pelo processo de Stas e de todos seguido, quando estão em face de um envenenamento pela nicotina, vem a ser o seguinte, que Orfila também recommenda depois dos estudos mais minu- ciosos sobre este veneno: Collocão-se as matérias extrahidas do tubo digestivo ou os órgãos que receberão o veneno por absorpção em 150 ou 200 grammas d'agoa distillada, fria e acidulada de 3 a 6 gottas de ácido sulphurico concentrado e puro; depois de cinco ou seis horas de contacto filtra-se e faz-se evaporar o liquido a banho-maria, reduzindo-se então ao terço de seo volume. Depõe-se uma quantidade notável de matérias orgânicas, ao passo que o sulphato de nicotina fica em dissolução. Decanta- se e deita-se no liquido alcohol anhydro, que precipita uma quantidade de. matérias orgânicas; filtra-se e evapora-se a calor brando, afim de volatilisar o alcohol. Achando-se o liquido reduzido ao volume que tinha antes do addicionamento do alcohol, satura-se com um excesso de potassa cáustica. A nicotina, isolada, acha-se misturada com sulphato de potassa ; agita-se a mistura com ether, que só dissolve a nicotina, decanta-se o ether nicotinado e faz-se evaporar no vácuo ao (1) Roudanowsky, em sua memória apresentada em 1865 á Academia de Sciencias diz que sempre o systema nervoso dos animaes envenenados pela nicotina apresentava alte- rações : pigmentação, destruição das cellulas nervosa» e de seus prolongamentos que se tornão escuros. ' ' — 43 — lado de uma cápsula contendo ácido sulphurico concentrado e puro. Obtém-se desta fôrma a nicotina livre e pura, facilmente reconhecível pelas reacções características. A acção da nicotina é essencialm ente sobre o systema nervoso e de preferencia exercendo-se s obre o nervo vago ou pneumogastrico, que sob sua influencia paralysa-se e perde a acção moderadora sobre os movimentos cardíacos: facto que explica as graves perturbações circulatórias no caso vertente. Rosenthal, para provar o que dizemos, paralysou pelo cu- rare (l) o pneumogastrico, que então, sendo administrada a nicotina, em nada deixou-se influenciar; as pulsações car- díacas não alterárão-se no seo rhythmo. Sua acção sobre o cérebro é paralysante, fazendo-se essa paralysia preceder de uma ligeira excitação ; excitante é também sua acção a principio sobre a medulla (convulsões tônicas e clonicas), porém logo após é seguida de paralysia e insensibi- lidade do eixo espinhal aos excitantes externos, como o galva- nismo, etc. Krocker attribue esta insensibilidade á paralysia da substancia parda das raizes anteriores da medulla. Os movimentos accelerados da respiração, podendo chegar ao tétano inspiratorio, parecem depender da influencia que tem a nicotina sobre as extremidades nervosas dos músculos respiratórios; esta acceleração porém de perto faz-se seguir de paralysia que, também invadindo os nervos vaso-motores, dá-nos uma explicação razoável do abaixamento da temperatura na superfície do corpo (Tscheschichin). Os phenomenos intestinaes finalmente são-nos provavel- mente explicados pela acção do veneno sobre os gânglios ner- (1) 0 curare em dose diminuta paralysa as extremidades periphericas dos nervos motores, interessando só em dose elevada o coração. A nicotina pelo contrario vai, em dose minima, excitar as pulsaçõos cardiacas e deixa illesos os nervos motores musculares da vida de relação. - 44 — vosos, existentes nas paredes do intestino, que assim influen- ciados elevão os movimentos peristalticos ao extremo, attingindo á contraccão tetanica. As desordens que sofíre a circulação, como acima vimos, forão o motivo, que induzio G. Sée a classificar a nicotina como um vasculo-cardiaco, porém, tendo mais em consideração sua acção primordial, andarão mais acertados Tardieu, Briand e Chaudé, é nossa opinião, classificando a nicotina entre os stupefacientes e figurando ao lado da conicina (cicutina), aconitina atropina, curare etc., cuja acção é essencialmente sobre o systema nervoso, deprimindo-lhe a actividade. Orfila porém e, sob sua autoridade de magister dixit, muitos outros classificárão-na, no dizer de Tardieu, erroneamente entre os narcótico-acres, pois assim exprime-se este ultimo professor no seo Tratado de Medicina legal. « Ce sont les poisons de ce groupe, (1) qui ont été três improprement designes sous le nom de narcotico-âcres, bien que leurs efíets difíerent notablement du narcotisme et que leur âcreté n'ait rien de caractéristique». Finalmente Casper, medico-legista de Berlim, colloca a nicotina entre os venenos hyperemiantes ou os que têm a propriedade de produzir congestões para o cérebro, pulmão, coração ou medulla espinhal; congestões estas todas que a necropsia realmente patentêa. (1) Aconitina, cicutina, nicotina etc. Segunda parte O A P*IT ULO I PRODUCTOS DO TABACO u LTusage du tabac prédispose à plusieurs maladies.» OKFILA. Stimitiario :—Preparações do tabaco.-- Differentes maneiras de usal-o.— 0 fumar.— 0 rape.-— A masca. As partes do tabaco única e exclusivam, ente empregadas são as .folhas, que se dizem no ponto ou aptas a serem colhidas quando, perdendo a chlcrophylla, matizão-se de amarello sujo, pendem do caule para a terra e mostrão-se quebradiças, se dobradas sobre si mesmas. A colheita das folhas faz-se mais vulgarmente, á proporção que vão-se tornando maduras, da base para o ápice, poupando-se o caule ; em alguns paizes porém, como na Bélgica, na Virgínia, a colheita é feita por pencas (mancuernas em Cuba), que consiste em cortarem os lavradores a planta pela base, obtendo assim folhas maduras e verdes, facto que não deixa de apresentar inconve- nientes. Colhidas as folhas, são enfiadas em varas ou cordas é pendu- radas para seccarem; deve-se isto fazer de preferencia sob um telheiro, pois, ao passo que o sol e a chuva têm de ser evitados, é necessário que o ar possa circular sobre ellas livre e desembara- çadamente . * - 46 — Estas precauções, bem como sua revista amiudada, são indi- clinaveis, com o fito de evitar-se a fermentação pútrida. Convenientemente seccas, têm então estas folhas de passar por três operações: A Ia consiste em amarrar uma certa quantidade de folhas em um pequeno feixe (manoios) e attrital-as e ntre as mãos, para amacial-as e prival-as de uma certa porção de terra ou arêa que possa existir em sua superfície. E'a esta operação que nas manu- facturas de França dá-se o nome de «époulardage». A 2a (mouillade) consiste em humefazer por meio de borrifos d'agoa, com sal de cozinha em dissolução, as folhas demasiado seccas afim de tornal-as mais macias, e não estragarem-se durante a 3a operação (écotage), que consiste em tirar a nervura me- diana desde o ápice até á base, e sem lesar nem de leve o limbo da folha. Assim preparado, e depois de sofFrer varias fermentações, é o tabaco aproveitado para seos variados e múltiplos artefactos (1), entre os quaes pertence o logar mais distincto ao charuto, fôrma mais geralmente conhecida, sob a qual é o tabaco queimado e saboreado ; ahi fumão-se suas folhas in naturâ, sem a intervenção de envoltório externo, que vêm muitas vezes mascarar no tabaco suas apreciadas qualidades. Consiste o charuto em um cylindro coniforme, cujo corpo é constituído por certa quantidade de folhas bem seccas, convenien- temente amassadas e comprimidas entre si; e ste todo acha-se en- volvido em uma folha de boa qualidade, da base do charuto até sua ponta, disposta em espiral. Esta folha externa deve ter as nervuras mui pouco salientes e é por este motivo que, para a capa (1) As folhas do tabaco, fermeutadadase aptas a serem queimadas, contêm segundo a analyse de Zeisje: Óleo empyreumatico, paraffina, resina empyreumatica ammonia, oxydo de carbono e carbureto d'hydrogeno. — 4* - ou camisa do charuto, são preferidas as que fornecem a Alsacia e alguns departamentos da França, chegando mesmo, no dizer de alguns, a serem rernettidas das ditas procedências, em grande escala, para a própria Havana. O charuto pôde ter varias dimensões e apresentar-se ao consumo sob diversas fôrmas, como os de Manilha etc. Segue-se o cigarro para cuja confecção, entre nós, é usado o fumo em corda, que apparece no mercado sob a fôrma de rolos cylindricos, onde o fumo acha-se em longa corda e em espiral enrolada sobre um cylindro de madeira ; este todo é depois coberto por palhas de milho. O fumo assim é mais ou menos aromatico e saboroso, conforme sua procedência e os ingredientes com que costumâo alguns fumeiros a adubal-o, empregando para esse fim, mais ordinariamente, melado, aguardente, canella, benjoim, etc. Picado esse fumo ou desfiado e envolvido em palha ou papel constitue o nosso cigarro. O tabaco para o cigarro também pôde ser, e isto é mais vul- gar na Europa, directamente preparado da folha secca, reduzida por meio de machinas próprias a pequeníssimos fragmentos; constitue assim o scaferlatí, que comprehende o Caporal, Wer- wicq, Bird'seye, Canaster, Varinas e outros; todos estes podendo ser também queimados no cachimbo. O tabaco em corda é igualmente o que mais se procura para o terrível habito da masca, ou então aquelle que em pe- quenos tijolos, onde se acha fortemente comprimido o tabaco, depois que foi adoçado com melado ou xarope, é consumido e ven- dido no mercado com o titulo de Cavendish. Temos, finalmente, o rape que é preparado geralmente da seguinte maneira: as folhas, depois de regadas com agoa, que tenha sal de cozinha em dissolução, são cortadas e amontoadas em grandes massas. Isto feito, são guardadas cinco ou seis mezes, em cujo decurso deve-se fazer uma fermentação primeira, em que 48 — a matéria albuminosa contida nas folhas do tabaco tem de des- prender-se e formar ammonia; esta reage sobre o malato ou citrato de nicotina, pondo-a em liberdade e formando-se simulta- neamente ácido acetico, bem como outros gazes. Após esta fer- mentação é o tabaco submettido á raspagem e passa por uma peneiração. O producto assim obtido, sendo moido e secco, cons- titue o tabaco em pó ou a cangica, por muitos usado de prefe- rencia ao rape. A differença existente entre um e outro, entre o pó e o rape, consiste apenas na segunda fermentação por que tem de passar o tabaco depois de moido e peneirado; esta fermentação deve dar-lhe qualidades novas, taes como o aroma, pelo óleo essencial que se desenvolve, e o «montant» ou propriedade titillante, fornecida pela ammonia. O rape contém, além disto, outros ingredientes que nelle in- troduz o capricho do fabricante ou do tabaquista; são elles a baunilha, o benjoim e outros mais. A quantidade de nicotina existente no rape é pequena; re- gula de 2 a 2 1/2 %, e isto explica-se pela fermentação, em que grande quantidade desse principio activo se evapora, motivo pelo qual os fabricantes preferem para esse fim os tabacos mais ricos em nicotina, verbi gratia: Virgínia, Kentucky, Maryland e o da Alsacia. O fumar O tabaco, transplantado para a Europa, transmittio ao mesmo tempo aos habitantes do Velho Mundo os usos e appli- cações que delle fazião os aborígenes da America. O nosso espirito, naturalmente investigador, curioso e — 49 — imitador foi o que levou os hespanhóes, que primeiros pisarão terra americana, a experimentar também as sensações de um gozo tão em voga entre os indígenas. E' convidado o hespanhol pelo indígena, de caracter arisco e timorato, a fumar no calumet da paz e que deve entre elles firmar o pacto de amizade; o europêo deixa-se facilmente seduzir, fuma no calumet e gosta também do «tabaco; » este consistia, como ficou dito no histórico, em uma porção de fumo com um envolucro de palha, casca de arvores etc. Vê então como os vapores de uma herva, para elle desconhe- cida, dão a seo corpo fatigado um quietismo particular, vê que nesse estado torna-se indifíerente ás impressões exteriores e sente-se prostrado numa ausência completa de idéas; (1) finalmente reconhece- que, depois que saboreou um «tabaco,» o somno torna-se mais fácil de conciliar. Não devemos pois ficar admirados, se vemos a tripolação de Christovão Colombo em breve completamente escrava d'aquella solanea americana que, a exemplo destes, com phre- nesi principiou a ser queimada em Hespanha e Portugal. Por muito tempo não passando da esphera dos marujos, foi gran- geando gradualmente mais proselytas e invadindo as classes mais elevadas na ordem social; e que papel vemol-o hoje representar no mundo ? E' fumado no palácio fastuoso e na modesta cabana do pescador que, rodeado dos seos e de cachimbo em punho, conta-lhes, nas horas de descanço, suas façanhas marítimas ; é fumado do rico, do pobre, do negro e do branco. O fumar veio a ser o primeiro modo pelo qual saborearão- se as difíerentes propriedades do tabaco, e por isso cabe-nos mostrar agora aqui, quaes as varias maneiras de queimal-o : (1) Effeito capital do taba co fumado ^sobre a intelligencia. 7 - 50 — O charuto, de que já tratámos, occupa o primeiro logar, seguindo-se o cigarro de palha ou papel; este ultimo, sob o nome de « papelito, » muito apreciado dos hespanhóes e senhoras cubanas. Entre nós é elle de preferencia consumido pela classe militar e na armada, contribuindo sem duvida para esse fim seo preço extremamente módico, pela razão de serem em alta escala fabricados em Nícterohy e outras fabricas secunda- rias do município neutro. Finalmente temos o cachimbo, de que existe immensa variedade, possuindo quasi que cada paiz seo padrão peculiar. Tem o cachimbo sua origem entre os índios da America, e isto attestão não só as excavaçòes de sepulturas indígenas, como também a figura do cachimbo encontrada nos signaes cabalisticos de seos monumentos e artefactos. Da America foi elle levado por Walter Raleigh para a Inglaterra, e espalhou-se depois pelo mundo, sofírendo até hoje as modificações as mais caprichosas e fazendo entrar em sua confecção materiaes de extensa variedade, taes como : âmbar, espuma de mar (magne- sitej, barro, louça, porcellana, madeira, etc. De todos, os melhores na nossa opinião são os cachimbos turcos que, como o nargileh, o houka e o chibouk, possuem, além de um tubo conductor da fumaça extremamente longo, um reservatório de vidro, em que se acha uma quantidade suífí- ciente de agoa fria e aromatisada. A vantagem deste reservatório é intuitiva, pois a fumaça, que atravessou a agoa, ahi deixa em dissolução seos elementos prejudiciaes para chegar á boca fresca e aromatica. O comprimento do tubo conductor no cachimbo é também extremamante vantajoso e hygienico, e de muito será preferível aquelle que seja de madeira porosa, pois, com estes dous ele- — 51 — mentos, a fumaça condensada formando o que vulgarmente chamamos sarro, fixa-se em suas paredes; este sarro, de pro- priedades mui tóxicas e sabor amargo, se o tubo, além de comprido, for oblíquo ou vertical, difficilmente virá a pôr-se em contacto com a mucosa labial. Para obviar a este inconveniente é que nos cachimbos allemães, cujo tubo é de cerejeira, ainda accrescentão uma espécie de bomba em que vem a fumaça con- densada depositar-se. (1) Mais para adiante e em secção competente, havemos de ver a razão de ser destes nossos conselhos hygienicos e os incon- venientes, que resultão do contacto demorado do « sarro » com a mucosa dos lábios. Em antithese completa do chibouk ou nargileh temos, e para admirar entre nações cultas como a França e a Ingla- terra, o uso do « brüle gueule », o peior e mais antihygienico de todos os cachimbos. E' fabricado de argila, e, em razão de seo baixo preço, muito em voga entre os proletários, militares e marinhagem. O rape E' esta a segunda fôrma, sob a qual são apreciadas as qualidades do tabaco, que, reduzido a pó como ficou dito no «Histórico», foi primeiramente preconisado a Francisco II, afim de combater suas violentas cephalalgias, e depois Jpor sua mãe, Catharina de Medicis, introduzido na corte de França, como objecto de prazer, consistindo todo o luxo daquella época na posse de uma caixa de ouro, cravejada ou não de pedras preciosas e em que guardavão o rape. (1) Este «sarro» é tão tóxico que algumas gottas depositadas no bico de um pássaro, dão-lhe a morte dentro em poucos momentos. — 5» — Até hoje vemol-o para muitos ser um habito e em outros tocando ás raias da paixão, recrutando seos adeptos de prefe- rencia entre os velhos, senhoras idosas e membros da classe religiosa. Não deixa este habito comtudo de ter seo lado repugnante, e isto mormente se o vemos praticado por uma senhora, a qual muito mais asco nos causará indubitavelmente, se também fôr enthusiasta do charuto ou cachimbo, como é costume entre algumas patrícias nossas de Minas e Norte do Império. O bello sexo, a nosso vêr, não deveria prestar homenagem a uma planta, que á maioria das senhoras sensatas só inspira repugnância e faz com que evitem a presença dos fumistas e tabaquistas. Essas que são tabaquistas talvez desconheção as palavras sarcásticas de Molière, que com muito espirito dizia: «Fi, fi de nos belles; elles ont un petit nez et des narines à dépenser deux livres de tabac par jour.» O asco que produz nos circumstantes o tabaquista, quan- do velho e escravo cego do rape, é motivado pelo estado im- mundo em que sempre se achão suas vestes : vemos-lhe o paletot manchado nos hombros e no peito pelo rape, a camisa quasi sempre nodoada, e sua voz é nazal, (fanhosa), por acha- rem-se as ventas obliteradas, e ipso facto interceptarem a pas- sagem do ar na articulação dos sons. Accresce a isto a se- creção abundante de mucosidades nazaes que, sob a fôrma de uma gotta denegrida, pendem quasi sempre do septo nazal, e que, muitas vezes como tenho presenciado, vai cahir no prato em que, o tabaquista está comendo. O rape, que se deposita nos regos da pelle, nas extremidades do pollegar e indicador da mão que administra a pitada, trál-os também constante- mente negros ; juntemos como verniz o cheiro infecto que sempre de si exhala o tabaquista, e teremos o quadro nojento completo. Se todo este complexo só tende a fazer-nos fugir do taba- — 53 — quista, quando um homem, o que diremos se fôr uma senhora elegante e bonita a que virmos apaixonada do rape ? O mesmo que Boileau em sua satyra : « Et fait à ses amants trop faibles d'estomac, Redouter ses baisers pleins d'ail et de tabac » Dos seos inconvenientes, pelo lado da hygiene, trata- remos em uma secção appropriada, no correr d'este nosso tra- balho. Ahi havemos de patentear que este habito, com quanto o mais innocente dos três, sempre dá logar a algumas ma- nifestações pathologicas. Nunca perderá elle porém a pecha de bastante indecente. Acha-se elle vulgarisado em toda a parte, tanto no Velho como no Novo Mundo, porém é em alguns paizes usado, em- bora para o mesmo fim, comtudo de modo diverso e com o seo que de burlesco. E' assim que na Islândia, conta-nos Ida Pfeiffer viajante, onde o rape é guardado em pequenos chifres, applicão a pitada ao nariz pela seguinte maneira : Inclinão para traz a cabeça, introduzem na venta a extremidade em que está a abertura, e deixão cahir a quantidade de pó dese- jada. Feito isto, se estão em reunião, passão adiante o chifres que de todos é utilisado pelo mesmo methodo, até que por fim volte a seo primitivo dono. Não é isto privilegio dos cam- ponios, diz-nos Ida Pfeiffer, mas também assim tomão a pitada os membros do clero, funccionarios civis etc. Entre os Escossezes é também usança guardar-se o rape em chifres, porém de carneiro, e a pitada é administrada ao nariz delicadamente por uma colher de marfim, osso ou ma- deira. Não é este costume de guardar rape só posto em pra- tica pelos dous povos acima mencionados ; entre nós também vemos o chifre ter igual serventia, e muito principalmente entre os sertanejos d'algumas de nossas províncias. — 54 — Os de Minas, por exemplo, denominão de «cornicha» o tal chifre tabaquista, que muitas vezes prima pelo bem acabado e bonitas esculpturas que contêm suas paredes. A masca Como terceiro modo de usar-se a herva americana, temos finalmente a masca, de todos os hábitos inherentes ao tabaco, por sem duvida o mais insalubre, bem como asqueroso pelas diversas circumstancias, que formão o seo cortejo. Extremamente vulgarisado acha-se elle entre os Ameri- canos do Norte, que por esse motivo soffrerão nas «American notes» de Charles Dickens, quando visitou os Estados Unidos, uma justa e jocosa critica. Acha-se este habito da masca felizmente hoje menos vulga- risado do que algumas dezenas de annos atraz, pois que tem-se feito substituir gradualmente pelo charuto ou cigarro, e hoje em dia, além dos Yankees, só conta por cultores os marujos, solda- dos e indivíduos de costumes depravados, entes que vegetão no lodaçal dos vícios torpes, e que infelizmente constituem o apa- nágio de todos os grandes centros de população. Dizemos ser a masca hoje muito principalmente do uso do soldado e do marinheiro, porque o primeiro durante as marchas nocturnas em que não se pôde accender fogo, sendo ipso facto o fumar severamente punido, atormentado pelo desejo desesperado de saciar sua paixão, não podendo recorrer ao charuto ou ao cigarro, é a masca que vem consolal-o. Está ainda de sentinella, lembra-se que não pôde accender o seo cachimbo ou chiruto, pra- gueja, muitas vezes delira e então mastiga um charuto ou um pedaço de fumo, afim de enganar os sentidos; sente-se mais alli- — 55 — viado, repete o mesmo processo por varias vezes e por fim a masca conquista mais um tributário. Em segundo logar temos o marujo, mascador, porque o regu- lamento de alguns navios, principalmente dos de guerra, prohi- bem, á vista de alguns infortúnios succedidos, a pratica do ca- chimbo ou charuto. A paixão pelo tabaco requer, porém, de sua victima o costumado tributo; não pôde cachimbar, nem tão pouco accender um charuto, mas não importa, a masca ahi está e vem reclamar seos foros de preferida, arrebanhando mais victimas da sua funesta e fatal influencia. Não será, pois, de admirar se virmos muitas vezes um official de marinha ou exercito, aliás de mui fina educação, um mascador aferrado, pois tal será a conseqüência de sua paixão pelo fumo. A repugnância que causa este terrível habito, muito deveria servir de aviso aos candidatos da masca; só a secreção salivar muito abundante e a exspuição consecutiva de um cuspo dene- grido deve impressionar de um modo desagradável. E' este o motivo porque os mascadores abrevião sua demora nos salões o mais possível e unicamente, porque, afim de não faltarem ás regras de civilidade, o cuspir se lhes torna extremamente difficil de conter (1). Não é só o Cavendish, o tabaco em corda ou a folha secca que utilisão os mascadores de profissão para seo consumo; ainda vão mais longe como na Suécia, parte Norte. Ahi é o rape que os camponios introduzem na boca, collocão nos interstícios den- tários por meio da lingua, e saborêão por essa fôrma, a saliva assim impregnada. E' um desvio este, contra o qual o rape deveria protestar com todas as veras. (I) No Paraguay, ouvimos dizer, todas as senhoras quando passão dos 13 annos são mascadoras atrevidas. — se — CAPITULO II EFFEITOS DO TABACO Siumiiario :—Inconvenientes do tabaco.— Nicotismo agudo. — Nicotismo ehronico. Pelas considerações que fizemos, bem como pelas experiências transcriptas, quando estudámos a nicotina, deve ficar fora de toda a duvida que uma planta, que em si encerra um principio tóxico tão enérgico, necessariamente ha de ser funesta á saúde do que da tal solanea usar e a fortiori fizer abuso (1). Quem de nós olvidou, por exemplo, aquelle dia em que pela primeira vez e furtivamente, afim de não sofírermos a reprehensão merecida, fumámos o nosso primeiro cigarro ? Quem esqueceo o terrível estado em que cahio, atormentado que foi por cephalalgia intensa, náuseas, vômitos, vertigens e suores frios ? Estado que Boerhaave assim descreve: « Qui prima vice fumum tabaci accensi haurit, mutatur totus et post nauseam, vomitum, vertiginem, tinnitum, alvi solutionem et somnolentiam, ssepe cadit in animi deliquium». Todos esses incommodos porém não servem de aviso salutar ao que faz sua estréa no charuto ; tudo isto não faz-lhe ver que nossa natureza não carece daquelle habito, que ella o repelle, visto ser uma substancia que a economia não pôde assimilar e que lhe causa um abalo geral terrível. O principiante é uma criança, e julga que, pelo facto de queimar um charuto, torna-se mais varonil e digno de respeito : espirito de vaidade estulta; vê alguns com- (1) « Through tobacco is a valuable herb, yet the abuse of it, which we shall af- terwards consider, is intolerable and highly noxious. Simon Pauli (Trad. de James, 174C ) — 5? - panheiros da mesma idade, e ás vezes mais jovens, já fumando; dizem-lhe que é bom, que experimente por sua vez, e principia a fumar por imitação e seduzido por outros meninos. E qual não é a influencia nociva do tabaco nesses indivíduos de tenra idade e em que principia a desabrochar a intelligencía que é, nos verdes annos, alimentada por uma memória cheia de viço e de vigor ? Segundo Razori é a hyposthenia o effeito capital do tabaco e por esse motivo, deprimido o systema nervoso, é que vemos depois do charuto apparecer a molleza, aquella ausência peculiar de idéas, o vago bem estar, a facilidade em conciliar-se o somno etc; efíeitos que, constituindo aberrações dos centros nervosos, devem de ser por força prejudiciaes ao velho, ao indivíduo debilitado e á criança. E' então que vemos esta ultima tornar-se mais concentrada, de expansiva que era, desprezar os brinquedos próprios da idade e fazer menos progressos nos estudos, vendo ahi, com indiíferença, companheiros, de menor idade muitas vezes, subir e ultrapassal-a ; torna-se o «fruit sec» dos lycêos de França. Ao menino fumista porém nada vexa, comtanto que possa impunemente dar azas a seo vicio; é esse o seo maior desideratum e, quando attinge á ado- lescência e que deve seguir alguma carreira, vai abandonar os ban- cos escolares ignorante, imbecil e immoral, porque, como—abysus abyssum invocat,—outros hábitos perniciosos e nefandos, taes como o onanismo, a pederastia etc., formaráò o cortejo do charuto. Acha-se pois, aquella natureza em seo fundo viciada e dá assim razão de ser ás palavras de Chomel que diz: «Les jeunes gens d'aujourd'hui avaient-its besoin de joindre cette habitude funeste aux débauches de tout genre par les quels ils consoment si rapidement leur vie?» Ahi está, muitas vezes, a que vemos reduzida uma criança intelligente, cheia de esperanças e educada na innocencia, que 8 — 58 — um pae, por demais confiado, foi entregar aos cuidados de um dos nossos instructores da infância, que, na maioria, só cui- dando do interesse e em apresentar á Instrucçao publica machinas decoradoras, ignorantes muitas vezes do que estão dizendo, descurão completameute da educação dos costumes. Por este motivo muito principalmente cabe-nos aqui la- mentar e censurar acremente a extrema indulgência, que mostrão alguns directores de collegios, concedendo aos menores a per- missão do cigarro e isto com grande pezar dos respectivos pães e parentes, sempre e erroneamente inclinados a attribuir a magreza, a pallidez e fraqueza das crianças á má alimentação. Esta ultima não deixa de ter grande influencia, quando escassa ou de má qualidade, porém a causa principal de todos aquelles phenomenos mórbidos deve de ser procurada mais perto: é o cigarro com seo seoquito vicioso. Eis as causas, quasi sempre ignoradas, do atrazo physico, moral e intellectual em uma criança; do atrazo physico prin- cipalmente, porque em mui poucos collegios é elle amparado pelos exercícios gymnasticos, pela natação, esgrima, equi- tação, etc. Ha falta completa de compensação e, por conseguinte, o menino que deveria ter o aspecto fresco da juventude é um velho precoce, e que diante de si tem um triste futuro. Cumpre pois haver, da parte desses mestres, toda a vigi- lância e circumspecção; devem elles incutir, por meio de bons e persuasivos conselhos, no animo de uma criança o terror pelo tabaco, fazer-lhe ver qual o fim triste do que em tenra idade já se torna escravo de semelhante vicio, e por fim, punir pelos castigos moraes os delinqüentes teimosos. Isto que faz um pae, deverá por sua vez também fazer o director, por assim dizer, segundo pae de um menino, porque, além da satisfação intima que sentir pela pratica de uma acção meritoria, propor- - 59 — cionará aos parentes do menino a mais viva alegria e os dis- porá ás mais eloqüentes provas de gratidão. «Les parents, diz Mérat, ne sauraient trop s'opposer à Ia funeste habitude d'user du tabac: souvent on Ia laisse prendre avec une facilite blámable et l'on semble ne pas prévoir tous les maux, tous les chagrins aux quels on livre Ia jeunesse à qui on laisse contracter cette coutume vicieuse (1). A par de collegios a que nossas censuras são in totum bem cabidas, folgamos comtudo de contar alguns outros, cujos di- rectores são altamente zelosos, e onde vemos, ao lado de todos os meios tendentes a desenvolver o physico, reinar moralidade em todos os sentidos. Para estes últimos constitue-se preceito dogmático o «mens sana in corpore sano», mas, com pezar di- gamos, infelizmente estão esses em minoria. Já fizemos vêr antecedentemente quaes os symptomas de envenenamento, a que tem de curvar-se o novato no uso do tabaco, e este ultimo pois, quando vencida na terceira ou quarta tentativa a repugnância, não deverá, queimado por mezes e annos,] ser fatal á economia1? De certo que sim, e esta nossa assercão será mais para adiante plenamente comprovada. O envenenamento pelo tabaco será por nós dividido em agudo e chronico, e dár-lhe-hemos o nome de nicotismo; seja-nos permittido, como a alguns autores, o emprego deste neologismo e sirva-nos como de arrimo ou autoridade a expressão alcoho- lismo, agudo ou chronico, com que se designa o envenenamento pelo alcohol. (1) Platão prohibia aos jovens até 18 annos o uso do vinho, porque, dizia elle, dispunha o espirito á cólera e à luxuria. No Cantão de Vaud (Suissa) ha uma lei de 20 de Novembro (1849), assim concebida. «E' prohibido a qualquer indivíduo, domiciliado no Cantão, fumar antes da idade de 20 annos, sob pena de multa de 2 francos. Os pães são responsáveis pelos filhos,» Tivéssemos nós igual leil — 60 — Não poderemos pois também chamar nicotismo o envene- namento pela nicotina ? E' mais que racional. Admittido o termo, passemos a tratar de alguns casos d'envenenamento agudo, em que muitas têm sido as victimas, já por applicações therapeuticas mal dirigidas, descuido, igno- rância, e já com fins reprovados. Eis os factos que a sciencía tem registrado, e em que logar conspicuo occupão o cachimbo, o rape e a masca : Marshall Hall conta que, uma occasião, um moço, por ter fumado dez cachimbos, fora assaltado por convulsões, com dila- tação da pupilla e ficara prostrado em estado de coma. Helwig cita-nos a morte de dous irmãos que, em aposta estúpida, fumarão um dezesete cachimbos, o outro dezenove. Mackenzie também nos refere a historia de um joven que, tendo fumado um cachimbo e meio, deglutindo a saliva, cohio em syncope, teve vômitos e ao depois foi abatido por um stupôr profundo ; a respiração tornou-se stertorosa, as pupillas dila- tarão-se e não se contrahirão mais sob a influencia da luz. Quatro dias permaneceo nesse estado, e só escapou graças ao enérgico tratamento empregado. Borelli vio, uma occasião, a ictericia apparecer depois d'um excesso de cachimbo. A «Union Médicale» conta a historia d'um vinicultor que, para ganhar uma aposta, fumara em um dia vinte e cinco cachimbos ; não se fizerão esperar por muito tempo as verti- gens, os vômitos violentos e tenazes, acabando esse indivíduo por perder os sentidos. Durante dezoito mezes queixou-se de cephaléas e vertigens. Platin refere-nos a morte de um moço de quatorze annos, -at- em Duley, que, querendo applacar uma violenta dôr de dente, fumara um pacote de cigarros caporal. N'essa mesma tarde estava cadáver. 0 «Journal de Chimie médicale» relata em Abril de 1843, o caso de John Evans, inglez que, durante uma semana ao mesmo tempo que mascava, tendo fumado grande porção de tabaco, viera a succumbir. Não é mui raro também ouvirmos contar ou lermos a morte de indivíduos mascadores ; dá-se isto de preferencia entre os marujos, e quando por descuido, durante o somno por exemplo, têm a fatalidade de engolir a masca. A saliva do mascador tem também, impregnada como se acha de nicotina, efíeitos tóxicos, e isto confirma o caso que lemos no Annuario de Bouchardat de 1868, em que W. Scott nos conta a morte de um moço de dezesete annos, que suc- cumbio, por ter mascado meia onça de tabaco e ao mesmo tempo deglutido a saliva. Nas «Ephemerides d'Allemanha» anno 8o 2 de Dezembro, lê-se: que uma pessoa, com fim malévolo, tendo deitado um pequeno pedaço de fumo em uma vasilha, em que se cozião ameixas, todos os que de taes ameixas comerão, forão accom- mettidos pouco depois d'anciedade, deliquios, e vômitos tão tenazes, que pensarão todos em morrer. O rape por seo lado tem cone orrido a fazer algumas victi- mas ; passa elle para os tabaquistas como isempto de nicotina e ipso facto innocente. Pouca nicotina contem, é verdade, e já mostrámos o motivo porque, mas essa mesma pequena quanti- dade, se fôr ingerido o rape, é enérgica bastante para dar a morte. E' assim que suecumbio o poeta francez Santeuil, por ter bebido um copo de vinho em que um gentilhomem, seo amigo, por gracejo despejara todo o rape de sua caixa. — 6a — Nas «Ephemerides des Curieux de Ia Nature», vem men- cionada a historia d'um indivíduo, que cahio em somnolencia e succumbio apoplectico, depois de ter sorvido pelas ventas uma grande quantidade de rape, Como meio abortivo tem o tabaco, por sua vez, sido utili- sado pela classe baixa, onde com religiosa attenção são ouvi- dos os conselhos de uma velha curandeira, não poucas vezes causa indirecta de accidentes graves, castigo das vistas cri- minosas. Um facto d'esta ordem foi por nós presenciado, quando no nosso 3o anno de medicina : Estávamos de visita a um collega, quando, na sala onde nos achávamos, ouvimos partir dos fundos da casa fortes gritos. Acudindo meo collega e eu ao logar, encontrámos extendida no chão e debaixo de accessos convulsivos uma preta, criada da casa, que tinha ingerido um forte decocto de tabaco. Soccor- rida pelo intelligente Dr. Pinto Netto, que se achava presente, poude ser restituida á saúde. Soubemos depois que essa preta achava-se no seo quarto mez de gravidez e que tentara por meio do tabaco, segundo os conselhos de uma parceira velha, provocar o aborto. A seguinte observação de um caso de envenenamento pela masca devo á obsequiosidade do meo distincto collega, Emilio Fonseca: « S..., moradora na rua do Senhor dos Passos; mulher de constituição forte, achando-se em perfeito estado de saúde pela manhã, é pela tarde acommettida de dores de dente; por esse motivo pôz fumo na boca e procurou adormecer. Despertou com vômitos e delírio, pelo que fui chamado ás 10 horas da noite pelo homem com quem ella vivia, e encontrei a doente no estado seguinte: - 63 - Face vultuosa, olhos brilhantes e injectados; agitação ex- cessiva, respiração anciosa, pulso cheio e forte, náuseas, tosse stridulosa a ponto de deitar sangue, delírio furioso (a doente blasphemava, rasgava-se, não consentia que se a examinasse): Prescripção: Café em alta dose (30 grammas de quarto em quarto de hora), grandes sinapismos volantes pelos membros inferiores; 12 sanguesugas ao ânus, poção nitrada. O delírio cessou 4 horas depois da prescripção; o atordoa- mento na cabeça e a perturbação visual continuarão ainda no dia seguinte, e assim também a tosse.— Poção calmante; pur- gativos. Restabelecimento em três dias. » O emprego de fortes clysteres de tabaco têm igualmente por seu turno contribuído bastante para augmentar o numero das victimas dessa solanea. Tem isto sempre logar, quando os imprudentes, em vez de pequenas porções, empreg'ão para o decocto folhas de tabaco ad libitum. E' assim que lemos na « Bntish and foreign medicai re- view » o seguinte caso de morte, depois da administração de um clyster de tabaco : Um homem robusto, de 55 annos de idade, soffrendo de dys- uria em conseqüência de hypertrophia prostratica e tendo sido accommettido de ascarides, tomou um clyster, em que entravão 12 grammas de tabaco para Í200 d'agoa. Sete ou oito minutos depois, cahio em ligeiro stupôr; teve cephalalgia, pallidez ex- cessiva da face e dores no ventre. As respostas que dava esse homem erão sem nexo. Forão-lhe dados successivamente dous clysteres purgativos e por bebida tomou uma poção estimulante; applicarão-se-lhe sinapismos nas extremidades inferiores e prati- — 64 — cou-se a phlebotomia no braço. A pallidez foi crescendo sempre, a respiração cada vez mais penosa, stupôr e perda da intelli- gencía. Apresentou movimentos convulsivos nos membros thora- cicos, alternando com os dos membros abdominaes, e invadindo após pouco o tronco. Essas convulsões durarão sete a oito minutos e deixarão o doente em extrema prostração. Foi nesse estado de coma que a morte veio buscar sua victima. Na « Révue médicale de 1839, tomo 2o», encontramos o se- guinte caso, referido por M. A. Richard, de um clyster de tabaco que poderia ter sido fatal: Uma senhora de cerca 45 annos, constituição forte, era desde longo tempo victima de uma constipação de ventre, rebelde a todos os meios que acconselha a therapeutica. Desconsolada essa senhora abraça o conselho de um curandeiro e toma um clyster de tabaco. Avisada, porém, por um estudante de medicina, reduzio a quantidade de um punhado que acconselhára o charlatão a 5 ou 6 folhas tão somente, para um quartilho d'agoa fervendo. Apenas é administrado o clyster que a paciente accusa eólicas atrozes, zu- nido nos ouvidos, vertigens, cephalalgia e náuseas. Cmco minutos depois sobreveio uma syncope, que prolon- gou-se das 7 horas da manhã ás 2 da tarde. Durante esse tempo a respiração tornou-se embaraçada, o pulso cahio e esforços contínuos de vomitar atormentarão a doente; as pupillas dilatá- rão-se, a pelle estava fria e humida, e o ventre, em que havia borborygmos, mostrava-se deprimido e contraindo como na peri- tonite. Esse estado afflictivo por fim cedeo ao emprego de clys- teres de malvas com algumas colheres de azeite doce, ás cata- plasmas emollientes sobre o ventre e a algumas colheradas de uma poção ethero-gomosa. Durante 8 dias ainda a doente sentio violentas eólicas, ficou-lhe um resto de cephalalgia e vertigem, e as pupillas conservárão-se dilatadas. Os « Archives générales de médecine », tomo 37, referem o seguinte caso também quasi fatal: — 65 — Um indivíduo, tendo feito uma decocção de 48 grammas de tabaco em pó para 300 grammas d'agoa e injectando-a no recto, sentio logo urencia no intestino, náuseas, vômitos e fortes contracções nos músculos abdominaes. A face mostrava-se con- gestionada e as pupillas dilatadas ; o pulso pequeno, intermit- tente, e apenas batendo 45 vezes num minuto. A pelle e as extremidades, sobretudo, estavão frias. Cahio em estado coma- toso, que apenas era interrompido por movimentos convulsivos. Por meio de bebidas aciduladas, sangrias geral e locaes, pelas cataplasmas e sinapismos, bem como pelos clysteres emollientes chegou esse indivíduo por fim a restabelecer-se. Finalmente de Orfila extrahimos os seguintes casos de clys- teres de tabaco mortaes : Um clyster da infusão de 8 grammas de tabaco produzio em 2 horas a morte n'uma criança de 14 annos. Isabel P.. . morreo um quarto de hora depois de ter to- mado um clyster de 32 grammas de tabaco em infusão. Um decocto de 64 grammas de tabaco em clyster deo a morte a uma senhora de 23 annos de idade. Uma moça, de 24 annos de idade, victima de rebelde cons- tipação de ventre, succumbio três quartos de hora depois que tomou um clysma de 48 grammas de tabaco. Como ultima maneira de produzir-se o nicotismo agudo temos a applicação do tabaco externamente com fins therapeu- ticos ou illicitos; forão esses indivíduos victimas de sua igno- rância acerca da extraordinária força absorvente que possúe a nossa pelle. Eis os factos que correm impressos nos annaes da sciencía: As « E'phemérides des Curieux de Ia Nature » contão um caso d'envenenamento de três crianças affectadas de tinha, e 9 - 66 — nas quaes a mãi, com o fim da cura, empregara uma pomada de pó de tabaco com manteiga. Essas crianças tiverão vertigens, vômitos violentos e deliquios, com [suores frios copiosos. Por espaço de 24 horas estiverão como embriagadas, câhindo aqui e acolá. Com o fim de combater a sarna, refere Vandermonde, têm alguns indivíduos empregado o decocto de tabaco, sendo porém logo depois attacados de vômitos e convulsões. Namias conta-nos, no « Giornale Veneto de scienze me- diche », o caso de um contrabandista que, com o fim da fraude tendo coberto o corpo com folhas de tabaco e transpirando pelo caminhar apressado, manifestou o seguinte: náuseas, vômitos, extrema pallidez e prostração de forças, pequenhez do pulso e algidez da pelle. Nesse estado foi transportado para o hos- pital e ahi, tendo confessado o contrabando, os médicos, a prin- cipio titubiantes, puderão medical-o. Com o emprego do alcohol e do laudano poude restabelecer-se. Um meo collega referio-me. o anno passado, o seguinte facto, que comsigo se deo: Havia sido acco.nmettido de morpions e procurara destruil-os, friccionando a região pubiana com tabaco macerado em aguar- dente. D'ahi a dez minutos foi atormentado por vertigens, ce- phalalgia e náuseas ; teve vômitos, suores frios, e só depois d'algum tempo é que poude conseguir a dissipação d'aquelles phenomenos tóxicos. Hildenbrand conta que todos os hussards d'um esquadrão tendo, no intuito de fraudarem, coberto o corpo com folhas de tabaco, apezar de serem grandes fumistas, tiverão todos : cephlalgia, vertigens e vômitos. Polk diz que, tendo-se applicado uma occasião folhas de tabaco untadas de mel sobre as articulações d'um camponez, — 6? - victima de rheumatismo chronico, mostrara elle o seguinte : face injectada, tremor nos membros e o pulso pequeno e acce. lerado ; estes symptomas precedidos de cephalalgia e vertigens. Ferd. Martin referio á Sociedade de Chirurgia, em Ja~ neiro de 1863, que uma senhora, victima de dores rheumaticas lombares, teve a idéa de praticar sobre a parte dorida em- brocações com flanella embebida d'uma infusão de 30 gram- mas de tabaco em um litro d'agoa. As dores accalmárão-se rapidamente, mas a doente cahio logo em um somno profundo, que durou varias horas e ao qual suecederão-se vertigens, náuseas, vômitos copiosos, pallidez da face, suores frios, an- ciedade e por fim, durante 3 dias, evacuações alvinas super- abundantes. M Wright, finalmente, nos relata a seg-uinte historia : Um homem, que sofíria de hemorrhoides acerbas, sentou-se, a fim de encontrar allivio, sobre um ourinol em que havia deitado 15 a 20 grammas de tabaco sobre brazas vivas. Foi accom- mettido de náuseas e cahio subitamente em collapso o mais completo ; os ruidos cardiacos erão apenas perceptíveis e in- termittentes, e a respiração mostrava-se quasi abolida. Por meio de excitantes diversos poude esse indivíduo felizmente arribar. O indivíduo, pois, victima do nicotismo agudo, seja qual fôr a maneira por que se tenha feito a applicação do tabaco, apresentará resumidamente o seguinte quadro symptomatico : Os phenomenos tóxicos primordiaes são : uma abundante salivação, suores frios e diurese excessiva. Após isto vêm tre- mores em todos os membros, cephalalgia intensa com a sede no nervo supra-arbitrario, vertigens e deliquios ; a pupilla di- lata-se e ha perturbação para o lado dos sentidos. No que respeita aos órgãos digestivos, ha dôr urente assestando-se no epigastro, constricção do estômago, náuseas, vômitos e eólicas no intestino delgado, seguindo-se dejecções — 68 - negras e em extremo fétidas. O pulso é pequeno, filiforme, intermittente e algumas vezes imperceptível; a face descora-se, os doentes cahem em coma e a morte pôde vir reclamar sua victima. A necropsia feita nos indivíduos, que têm succumbido por essa forma, revela o seguinte : Pallidez notável em todos os tecidos, pulmões mais densos, acinzentados o com ausência de ar nas vesiculas. O cérebro e o coração têm-se encontrado engurgitados de sangue negro. O tubo digestivo e principalmente o estômago apresentão ves- tígios de phlogose pouco accentuados. O tratamento, n'um caso d'essa ordem, consiste no mesmo empregado para combater o envenenamento pela atropina, co- nicina, hyosciamina etc, pelos stupefacientes ; vem a ser : A primeira indicação é favorecer o vomito por titulações da uvula ou um enema stibiado, caso haja ainda alguma por- ção de veneno no estômago ; se foi este administrado pelo recto : clyteres purga ti vos. Administrar adstringentes como o tannino, infusão de noz de galhas, chá, etc, afim de favorecer a formação d'um composto insoluvel. Para combater a hypos- thenia, que nos explica a coma, administrar o estimulantes, taes como forte infusão de café, alcohol, carbonato d^mmonia etc. Para combater o delírio, revulsivos nas extremidades inferiores ; se houver fortes indícios de congestão para o cérebro e se o indivíduo fôr plethorico, com o pulso mui duro e cheio, a phlebotonnia do braço tem sua indicação. Em outras circums- tancias, sanguesugas ás apophyses mastoides e á margem do ânus. Segundo Bouchardat o antídoto mais efíicaz, num envene- namento pelas solaneas virosas, consiste n'uma solução d'iodureto de potássio iodurado, e preparada da seguinte maneira; — 69 — Iodureto de potássio 0,4 grammas. Iodo............... 0,3 » Agoa.............. 1000 » Dá-se a beber aos meios cálices. Nicotismo chronico Eis-nos chegados á parte mais importante do nosso tra- balho, parte que constitue, por assim dizer, o seo ponto objectivo, o prisma por onde teremos de analysar os vários e múltiplos estados pathologicos, apanágio quasi que infallivel do uso prolongado do tabaco. Trataremos aqui de certas mo- léstias que, por muitos práticos, immensas vezes igno- radas em sua etiologia, vão ser hypothetica e erroneamente attribuidas á hereditanedade, ás paixões, á syphüis, ao alcohol etc, causas a que recorrem e que formão o manto protector de certos diagnósticos dogmáticos. Não seremos rigoristas ; não lançaremos indiferentemente por conta do tabaco todas as manifestações mórbidas que va- mos estudar; não diremos : o tabaco produz fatalmente o can- croide do lábio, a phtysica pulmonar; porém sim obrará como causa occasional, e este nosso modo de pensar será ple- namente justificado, á proporção que nos formos adiantando em nossas considerações. O nicotismo chronico será por nós considerado debaixo de dous pontos de vista : o que se traduz por manifestações mórbidas locaes e o de manifestações geraes. Entre as moléstias nicotianicas locaes estudaremos : as que provêm do contacto do cachimbo, charuto, masca e rape ; da acção da famnça e por ultimo da da saliva, impregnada dos elementos tóxicos, partes integrantes da mesma fumaça. — 90 — Para bem comprehenderraos. porém, a acção da fumaça que, além da nicotina, seo principio tóxico por excellencia, contém outras substancias igualmente nocivas, repetiremos, seja-nos licito, a bem elaborada analyse que da fumaça do tabaco fez Richardson. Recolheo elle primeiramente em duas bexigas, que 3m seo mecanismo representavão a acção respiratória da boca e pulmões, a fumaça proveniente d'um charuto ; a fumaça assim recolhida foi analysada e deo a Richardson a seguinte com- posição : Primo.—Uma certa quantidade de vapor d'agoa, que fácil e promptamente poude ser condensada n'um balão de vidro em um meio refrigerante. Secundo.—Uma pequena porção de carbono livre que se obtém, fazendo passar a fumaça pelo algodão, que prompta- mente cobre-se de um pó escuro. E' esse carbono que, com- busto, dá a côr azulada á fumaça do tabaco. Tertio.—Existe na fumaça a ammonia, cuja presença é ahi demonstrada pelo seguinte modo : Toma-se uma lamina de vidro e deita-se sobre ella uma pequena quantidade de ácido hydro-chloríco. Sustenta-se depois a lamina por sobre o foco de combustão d'um cachimbo e applica-se-lhe algumas bafora- das de fumaça. A ammonia combinar-se-ha com o ácido e formará clorhydrato dammonia. Secca-se em seguida a lamina em temperatura branda, por sobre a chamma d'uma lâmpada ou brazas, e o chlorhydrato apresentará um lindo aspecto crys- tallino. São crystaes anhydros, cúbicos e octaedricos. E'á ammonia, existente na fumaça, que deve esta sua reacção al- calina. Quarto.—Ácido carbônico, cuja existência na fumaça é demonstrada pelo seguinte processo : — 9t - Encerra-se-a n'um vaso contendo agoa de cal que, depois de bem vascolejada e misturada com a fumaça, tomará o aspecto leitoso, pela formação de carbonato de cal, que tem logar. Quinto.—Um producto de apparencia oleaginosa, facilmente fixavel pelo ácido sulphurico, e dotada de propriedades em extremo tóxicas. E' este producto, conforme provarão as ana- lyses feitas, um composto de três substancias : nicotina, uma substancia volátil de cheiro empyreumatico e um extracto de aspecto resinoso, escuro e amargo. (1) A analyse, que ahi fica descripta, não pôde ser contes- tada quanto á sua utilidade, e o seo conhecimento se nos torna summamente necessário pois que, só tendo presente o quadro das partes constituintes da fumaça do tabaco, é que poderemos com certeza especificar o agente a que deveremos attribuir a autoria de certos estados noso lógicos, tópicos e generalisados. Até aqui estávamos habituados a lançar por conta da ni- cotina, única e exclusivamente, todos osphenomenos mórbidos, pois todos os hygienistas consideravão aquella a única subs- tancia nociva na fumaça ; tudo lhe era attribuido e descurada, até mesmo desprezada, a acção do carbono, da ammonia e ácido carbônico. Concordamos em que seja a nicotina, na fumaça do ta- baco, a substancia mais tóxica, porém sua acção, como já ficou dito, é mais geral do que tópica ; dirige-se por excel- lencia sobre o systema nervoso. A quantidade de nicotina, existente na fumaça, vem a ser, segundo Melsens, na razão de 30 grammas de nicotina para 4 kilogrammas e meio de fumaça. (1) Vogel descobrio ainda recentemente na fumaça do tabaco a presença do ácido hydro-cyanico: — ■*« — As manifestações mórbidas locaes e que, pelas três ma- neiras de usar o tabaco, vão vicíimar a economia, são as que têm por sede os seguintes órgãos : Lábios. Lingua. Dentes. Cavidade buccal. Oesophago. Estômago. Vias aéreas. Fossas nazaes. As moléstias generalisadas e que por sua natureza nos devem merecer mui particular attenção, são as que têm por campo de acção os : Systema nervoso c Systema circulatório. As moléstias tópicas e que acarreta comsigo o abuso do tabaco são as que se assestão primeiramente nos : LÁBIOS O que ahi mais commummente se observa, vem a ser as «ulceras» e o terrível cancro epithelial ou o «cancroide» do lábio. São moléstias estas que produzem a fumaça quente, o contacto do tubo do cachimbo ou da ponteira e o deposito do sarro sobre a mucosa labial. Que essas são as causas determinantes do apparecirnento dos dous estados pathologicos supra mencionados vêm-nos provar suas victimas, todas de preferencia recrutadas entre os fu- mistas do brúle-gueuie e os que têm o pernicioso costume de mascar o charuto, que já outros por economia ou por gosto fumâo até ser reduzido a pequeníssimo fragmento. - 93 — Como sabemos, é no ultimo terço do charuto que vai condensar-se a fumaça, tornando-o ipso facto mais forte e obtendo, na opinião de alguns fumistas, melhores qualidades. O mesmo dá-se no cachimbo, onde o ultimo borrelete de tabaco impregna-se em alto gráo do sarro, motivo por que deveria ser poupada essa ultima porção. (Mais uma vez recommendamos aqui, por esse motivo, os cachimbos turcos e ailemães, estes últimos com o seo condensador próprio da fu- maça) . E' sobretudo o contacto do sarro com os lábios que urg*e evitar, e por isso o fumista deverá recorrer aos vários meios que nos fornece a industria, meios tendentes todos a retardar ou a evitar o apparecimento das ulceras e do epiilielioma. Não é raro encontrarmos indivíduos, em geral grandes umistas, victimas de ulceras nos lábios, aphtas, que, com a suspensão do fumar por alguns dias, promptamente desvane- cem-se, para voltarem, quando por seo turno o fumista rein- cidir no charuto, cachimbo ou cigarro; — sublata causa, tol- flitur efíectus. Feliz pois daquelle, cujo único mal sejão as ulceras, mas desgraçado do que tiver o cancroide I Muitos pathologistas não querem que seja o epithelioma privilegio exclusivo do fumista, e citão, para apoio de sua opi- nião, o exemplo de mulheres terem por sua vez apresentado essa afíecção cancerosa característica no lábio. Suas victimas, porém, mais freqüentes, são os homens e aquelles que são conhecidos por fumistas destemidos, masca- dores e enthusiastas do brúle-gueuie. Lebert, no seo tratado das moléstias cancerosas, diz-nos a esse respeito o seguinte: 10 — 54 — « Si nous cherchons à nous rendre compte de quelques unes des círconstances concomitantes du cancroide de Ia lèvre inferiéure, nous arrivons avant tout à une particularité curieuse par rapport au sèxe: c'est que sur 18 cas ou le sèxe a été note, nous trouvons 15 hommes et 3 femmes. Ce fait prouve encore en faveur de 1'influence que nous reconnaissons avec beaucoup de chirurgiens à 1'habitude de fumer des pipes três courtes. La plupart de ces hommes atteints de cancroide étaient des fumeurs et fumaient ce que l'on appelle le brüle-gueule (1). » Quanto á presença do cancroide nas mulheres, poderemos nós afíirmar que as que são victimas nunca tenhão rendido seo culto ao tabaco, o qual, como causa irritante, fosse pro- duzir no lábio aquella manifestação mórbida cancerosa? De certo que não, e para prova disso, ouçamos o que nos conta o professor Bouisson, de Montpellier: « Um dos meos collegas foi chamado a vêr uma moça, que apresentava um cancroide no lábio inferior. Admirou-se elle de vêr nessa moça uma moléstia, até então só observada nos ho- mens, consumidores de tabaco; aventurou-se porém a questionar a moça acerca de seos hábitos. Foi então, que ella timidamente confessou que fumava ás escondidas, e que se entregava com ardor a esse prazer, todas as vezes que se achava a sós. » Não nos deverá, pois, causar grande admiração, se com fre- qüência observarmos essa moléstia em mulheres, e muito prin- cipalmente entre as messalinas, para as quaes o charuto ou o cigarro são um complemento inseparável da vida luxuriosa e companheiros fieis das bebidas alcoholicas, de que tanto abusão aquellas creaturas. Não queremos estabelecer o cancroide como apanágio infal- (1) Leroy d'Etiolles conclue, de suas observações, que o cancroide affecta aos homens na razão de 2G %, ao passo que entre as mulheres está na proporção de 1 1/2 %. _ 95 — livel do grande fumista; não dizemos: os indivíduos X e Z são grandes fumistas e por isso terão cancroide, não, pois nesse caso desgraçada da pobre humanidade ! O fumar ou a masca, no caso vertente, obrão como causa occasional apenas n'um indivíduo subjeito, pela herança por exemplo, á diathese cancerosa; nesse indivíduo a moléstia fará explosão no logar, que de continuo é irritado, no lábio, obrando ahi os diversos agentes maléficos já referidos. Estamos, neste tópico, completamente de accôrdo com Ri- chardson, que diz: « Lastly, experience has taught us that when the disposition to câncer exists, it may be brought into full development at some particular part of the body by any cause, that shall irritate that part so as to excite on it an over-active nutrition. » A moléstia irá pois escolher os que são predispostos e não puderem refrear sua paixão pelo charuto ou cachimbo; a esses convém evitar a acquisição do habito de fumar ou da masca, e, quando já o mal tiver feito irrupção ou por uma fenda da mu- cosa ou por uma pequena verruga, moderar ou parar com aquelles hábitos, porque sem a causa irritante, a moléstia lentamente percorrerá seus estádios e conseguir-se-ha, por essa fôrma, affastar o mais possível a terminação fatal. Infelizmente,' porém, como acontece com o Sr. Cabral da observação que para adiante citamos, essas victimas do can- croide são surdas aos conselhos hygienicos ; vivem illudidas acerca de sua moléstia e exacerbão-na. O Sr. Cabral tem tal amor ao cigarro que, quando fuma, colloca sobre p lábio doente uma compressa embebida n'agoa; diz elle que assim pratica, afim de não fazer mal á ferida do beiço. Esse senhor está apressando seo fim funesto. — 96 — A sede do cancro epithelial é de preferencia no labio in- ferior, e quasi sempre no logar em que tem-se por costume conservar o pipo do cachimbo, o cigarro ou o charuto ; teste- munho comprobativo d'isto nos é fornecido por Bouisson que, dos seos 68 operados, de 1845 a 1859, no hospital de S. Elias em Montpellier, observou que 43 tinhão a moléstia no labio inferior. O seo começo pouco receio incute ou nenhum ; é por uma pequena verruga ou insignificante fenda da mucosa do labio que sua estréa se faz. O fumista pouca importância liga a essas manifestações mórbidas insignificantes, e só sobresalta-se, quando vê a pequena verruga crescer e ulcerar-se ; n'essas condições está o doente irremediavelmente perdido, pois muitas vezes já é tardia a intervenção chirurgica, o mal já extende ao longe suas garras, os gânglios do pescoço já se vão en- gurgitando, para depois ulcerarem-se, e por fim ahi estão a espera de sua victima, a cachexia e a hemorrhagia mortal. Outras vezes o recurso da chirurgia não foi invocado tar- diamente, e o mal, que nunca poderá ser radicalmente extir- pado, porque é a manifestação local d'um estado diathesico, poderá ser, em seo reapparecimento, espaçado de mezes e mesmo de annos. Poucos, porém, tomão esse alvitre salutar; a maioria d'esses doentes recorrem tarde ao auxilio do chi- rurgiâo, e o seo numero, com pezar digamos, continuamente tende a crescer ; está na razão do consumo do tabaco, con forme demonstrão os quadros estatísticos. Não é de nossos dias, que se tem procurado attribuir ao uso do tabaco a manifestação cancerosa do labio, pois já em 1795 Soemmering dizia que a causa principal do cancroide do labio era o fumar, e dava como causa determinante a pressão que o tubo do cachimbo exerce sobre a mucosa, em que se apoia, - 99 — Rechnitz diz que em parte nenhuma do mundo acha-se tão espalhado o cancroide como na Hungria, e isto é devido, affirma-nos elle, á masca mui forte que consomem os Hún- garos e ao cachimbo de madeira, de tubo extremamente curto. Rigal acredita que sejão os dentes, já estragados pelo ca- chimbo, que vão irritar o labio ; é essa também a opinião do illustre Bonnet. Finalmente em sua these de Pariz ( 1858) sobre o «Can- croide» diz Dupuy á pagina 32a . « En outre, on est géné- ralement d'accord, que 1'usage de Ia pipe peut solliciter le moment détêrminatif du cancroide aux lèvres». Os casos que d'esta fatal moléstia pudemos colher, são os que em seguida referimos : o primeiro por nós observado e os dous seguintes, em que foi feita a operação, devidos á obsequiosidade dos distinctos chirurgiões brasileiros, o Dr. Pedro Afíbnso Franco e o Dr. Bustamante Sá. Primeira observação O Sr. J. A. Cabral, negociante de café, estabelecido na rua dos Ourives n. 185 ; casado, com 42 annos d'idade. Sa- bendo nós que esse Sr. se achava afíectado d'um epithelioma do labio, fomos á sua casa, indagámos acerca de s^o mal e o Sr. Cabral com toda a urbanidade prestou-nos os esclarecimentos necessários : Ha um anno mais ou menos, disse-nos elle, appareceo-lhe uma pequena verruga no ponto hoje afíectado. Essa verruga foi gradualmente crescendo, ulcerou-se e hoje apresenta o labio inferior, em sua porção esquerda e perto da linha mediana, uma ulceração circular, de centro convexo e esponjoso, de — 98 — bordos salientes e endurecidos. O Sr. Cabral contou-nos que tinha por costume fumar o seo cigarro de palha, até vêl-o re- duzido a pequeníssimo fragmento, e que a fumaça que então lhe chegava ao labio era em extremo quente e acre. Era mais que suficiente, a nosso vêr, a acção prolongada d'aquelle cáustico, para determinar o apparecimento da mo- léstia . Contou-nos ter empregado, por muito tempo, uma pomada de cicuta, porém, bem entendido, sem auferir vantagens. Acconselhámos-lhe a abolição do cigarro, como agente irri- tante, e o recurso da chirurgia em quanto a affecção ainda se acha limitada. Segunda observação l Clinica do Dr. Pedro Affonso Franco ). Pedro Fagundes de Lemos, negociante, 50 annos, casado, tendo tido quantidade de accidentes primários e secundários de syphilis, fumador antigo. Apresentava, havia alguns annos, uma pequena ulcera no labio inferior, junto á commissura esquerda, a qual, como nunca o tivesse incommodado dema- siado, nunca mereceo attenção. Essa ulcera esteve estacio- naria apezar de todo o tratamento antisyphilitico, que se- guia com afinco, até que indo a S. Paulo em viagem com- mercial, e tendo-se dado ao uso de alimentação excitante, sentio que a ulcera se extendia e então consultou em Santos a um medico italiano. Este prometteo curar o doente em pouco tempo, e co- meçou por cauterizar a ulcera com nitrato ácido de mercúrio. A ulcera inflammou-se, extendeo-se para o interior da bo - — 99 — chêcha esquerda, e tendo sido renovada a cauterização, ella aggravou-se de modo, que o doente recusou-se a novas cau- terizações e, partindo para o Rio de Janeiro, consultou ao Dr. Pedro Affonso Franco. N'essa occasião o estado do doente era o seguinte : en- fraquecimento geral considerável, pelle pallida, côr de barro, funcçoes digestivas alteradas, bronchite chronica antiga ; ulcera no lado esquerdo da boca, prolongando-se por todo o interior da bochecha, bordos a pique e proliferantes, duros, extenden- do-se a dureza até certa extensão, fundo pultaceo, esbranquiçado. Apresentada um tumor volumoso dentro e por baixo da arcada do maxillar inferior, constituído pela glândula sub-ma- xillar e pelos gânglios lymphaticos adjacentes e alterados ; nada para o pescoço. Foi aconselhado o doente a ser operado, como ultimo re- curso, e de facto no dia 7 de Outubro, foi feita a ablação do cancroide e dos tecidos adjacentes, da glândula sub-maxillar e de todos os gânglios alterados. A ferida da operação cicatrizou bem, mas, tendo um dente molar, pela pressão sobre a cicatriz da bochecha,produzido a ulce- ração d'esta, a nova ulcera marchou rapidamente; apresen- tarão-se glanglios no pescoço, que ulcerarão, e o doente fal- leceo, no correr do mez de Fevereiro, de cachexia cancerosa. Terceira observação ( Clinica do Dr. Bustamante Sá ; colligida pelo interno, actual sexto-annista R, Villares ). Jacintho de Almeida, portuguez, constituição regular, tem- peramento sangüíneo, com 50 annos de idade, marinheiro ; — 80 — entrou a 18 de Abril de 1S74 para a 7a enfermaria da Santa Casa, e ahi foi occupar o leito n. 37. Trazia de moléstia 4 mezes. — Questionado o doente, chegámos ao conhecimento de que sua affecção datava de 4 mezes ; procedeo de uma pequena ulcera, semelhante a uma espinha, assestada á commissura di- reita da boca. Referio-nos o doente que.se entregava ao vicio de fumar, chegando a queimar 15 e mais charutos por dia, e isto muito principalmente quando se achava de quarto, a bordo do seo navio. O começo da moléstia passou-lhe desapercebido, mas, ma- nifestando-se na ulcera, que se tinha augmentado, dores lan- cinantes, resolvera então entrar para o Hospital.Esse indivíduo re- ferio ter por varias vezes sido victima de cancros infectantes e de rheumatismo articular. Procedendo ao exame do visum et repertum encontrámos, a partir da commissura direita da boca, uma ulceração, que se extendia para traz 0,02m e invadia a parte superior e in- ferior da região inter-maxillar cerca de 0,03m a 0,04m igual- mente. A ulceração apresentava o aspecto, que caracteriza as affecções de natureza cancerosa ; um liquido ichoroso exsudava de toda a superfície ulcerada. O tegumento externo não soffreo alteração na coloração normal. Os gânglios cervicaes achavão-se normaes; os sub-maxillares porém algum tanto engurgitados. A auscultação não revelou alteração alguma para o appa- relho respiratório nem para o centro circulatório. As con- junctivas palpebraes estavão um tanto descoradas ; a mucosa buccal, na vizinhança da ulcera, mais rubra do que em outros pontos. As digestões fazião-se regularmente, apenas o doente accusava alguma anorexia. — 81 - A ulcera apresentava o aspecto fungoso e tinha os bor- dos proliferantes. Diagnostico : Epithelioma papillar. Prognostico : Favorável. O ultimo e único recurso n'esse caso era a intervenção chirurgica, e de facto no dia 2 de Maio foi operado. Depois da operação era o curativo feito com glycerina ligeiramente phenicada ; no dia 1 d'esse mez cahio um fio da ligadura da facial, interessada na incisão inferior, O processo foi em fôrma de V, tendo o cume na com- missura, e a base extendendo-se para a parte correspondente á arcada zygomatica e porção vertical da mandibula ; cumpre notar que as incisões, que limitavão o tumor, forão feitas muito além da zona, invadida pela affecção e em tecido, que tinha a apparencia de normal (Dr. Bustamante). No dia 8 do mesmo mez o doente pedia alta e abandonou o Hospital ; a cicatrização marchara regularmente, deixando apenas incólume um pequeno ponto no angulo buccal, ponto que aliás apresentava-se com boa apparencia. A' vista da espécie de tumor, de sua localisação, sem ge- neralisar-se, considerando-se a marcha que levou a cicatri- zação, o Dr. Bustamante julga poder aínrmar ser este um dos casos, em que se deva esperar uma cura definitiva. LINGUA. Quando observarmos a língua de um fumista apaixonado, havemos de encontral-a, muitas vez s, escura e suja, de bordos avermelhados, como que inflammados ; a língua assim parece, na phrase de Bouisson, ter soffrido a applicação de um vesi- catorio. il — 8» — As ulcerações, aphtas, não são raras na lingua do fumista, e disso tenho um exemplo em um parente próximo que, sub- jeito á diathese herpetica, excedendo-se no cigarro Rio-Novo, seo predilecto, vê apparecerem-lhe na lingua e cavidade buccal, uma grande quantidade de ulceras. Essas ulceras desapparecem, quando esse parente deixa o cigarro, para voltarem, se por outro lado tiver havido reincidência e excesso no fumar. A glossite, inflammação da lingua é, por seo turno, uma das moléstias que acabrunhão o fumista ou o mascador. Jaccoud diz ter observado a glossite, papillar de Requin, em dous indivíduos, que abusavão em excesso do charuto, e Grisolle entre as causas d'essa moléstia cita o contacto, com a lingua, de substancias acres e cáusticas. A saliva do mascador ou a fumaça do charuto não serão uma substancia acre e cáustica? Niemeyer é de opinião que a glossite chronica parcial seja devida ao contacto das pontas dos dentes ou da extremidade áspera do pipo do cachimbo. Finalmente Andral assim se exprime : « On a vu Ia glossite survenue après Tactíon des substances vénéneuses acres ou narcótico-acres. » A lingua pois cauterisada por essa fôrma torna-se secca e acaba por embotar-se, perdendo suas qualidades gustativas (1); faz com que o mascador ou o fumista achem pouco attractivo nos pratos ordinários, e assim recorrãoaos exci- tantes fortes como a mostarda, a pimenta, etc As bebidas devem de ser fortemente alcoholisadas, porque assim o exige a lingua secca e insensível quasi; eis o motivo, por que geralmente todo o grande fumista é grande beberrão. Bebem para fumar e fumão para beber. (1) O fumar é incompathel com a profissão de «wine e tea-tasters» provadores de vinho e ch'-. — 83 — Tem-se observado que é o cachimbo que produz maior seccura da lingua, e isto nos explica o que se dá na Allemanha, paiz, onde mais se bebe e onde, em mais alta escala, é consu- mido o tabaco em cachimbo. Ahi o cachimbo de cerejeira tanto pertence ao camponio como ao capitalista, e a cerveja corre em jorro incessante. O mesmo approximativamente acontece na Inglaterra, onde já não é tanto a cerveja, como o terrível « gin » que as classes pobres devorão ao lado do tabaco. Em França o seo compa- nheiro hoje, quasi que inseparável, é o absinthio, ambos infa- tigavelmente profligados pelo Dr. Jolly. O câncer da lingua é também uma moléstia mui freqüente nos fumistas; é ahi, em ordem de freqüência, que depois do labio, o seo apparecimento faz-se mais vezes. O professor Bouisson, de Montpellier, sobre 12 casos de câncer, observou na lingua 9 vezes essa moléstia. E' o câncer da lingua devido também á irritação pela fu- maça quente do brúle-gueuie, á acção contundente do pipo do cachimbo, ao deposito do sarro cáustico e á pressão que sobre a lingua pôde exercer um dente já estragado pelo fumar. Para terminarmos o que diz respeito ao câncer da lingua transcrevemos aqui as seguintes linhas da these de Boyer? — Du Câncer de Ia Langue.— « Je rappelle notamment deux ma lades, anciens employés dans une administration, et três intelli- gents, que vinrenl réclamer les secours de Ia chirurgie pour un câncer de Ia langue, dont chacun etait affecté, et quils attri- buaient eux mêmes à Taction de fumer incessamment. » DENTES. Estes podem, no fumista, alterar-se por duas causas : pela acção de contacto do pipo do cachimbo e pela fumaça ; tam- bém contribue por seo lado a masca. - 84 - Os que usão do cachimbo têm geralmente por costume o segurarem o pipo no interstício do incisivo e canino, ou entre este ultimo e o pequeno molar. Pelo attrito continuado são esses dentes por por fim attacados em seo esmalte, logo após soffre por sua vez a dentina, e no fim d'algum tempo, cempletamente estragados, vêmol-os reduzidos a uns miseráveis e repugnantes fragmentos negros e infectos. O que mais commummente principia por alterar-se é o pe- queno molar inferior, seguindo-se depois o superior e por fim pagando os caninos seo tributo igualmente. Este facto, de mostrarem-se-nos os dentes destruídos em sua coroa, nos indivíduos cachimbeiros é quasi que infallivel, e Briand et Chaudé no seo «Tratado de Medicina Legal» mostrão a importância que ás vezes tem um signal d'estes em um exame medico-legal, onde se tenha de verificar a indentidade d'um indivíduo que, sendo fumista inveterado do brúle-gueuie, de- verá mostrar necessariamente gastas as coroas do pequeno molar, incisivo ou canino (1). A fumaça pôde, mas não fatalmente como o quer Bazire, exercer sobre os dentes influencia damnosa, fendendo, pela alta temperatura, o esmalte, attacando depois a dentina, e por fim destruindo inteiramente o dente. Não é, a nosso vêr, tanto a elevada temperatura da fu- maça, como alguns de seos elementos, taes como a ammonia, o ácido carbônico que obrão perniciosamente; o charuto, cuja ponta é por muitos mascada, e a própria masca, por sua vez, são causas de destruição do esmalte. Poderemos equiparar a temperatura da fumaça d'um cha- (1) Do exame a que procederão no esqueleto de Joseph Guérin: (Briand et Chaudé pag. 612:) «ils constatérent, en outre, qu'à Ia mâchoire inferieure les deux incisives « externes offraient conjointement avec les canines qui leur sont contigues, une perte « de substance de forme demicirculaire, produite vraisemblablement par le frottement « longtemps continue d'un corps dur et cylindrique tel qu'un tuyau d'une pipe de « terre ». — 85 — ruto ou d'um cachimbo á elevada temperatura, muitas vezes, d'uma chicara de chocolate, que muitos fazem seguir d'agoa gelada ? Queremos agente, mais prompto destruidor do esmalte dos dentes, do que um copo de vinho gelado após um prato mui quente ? Será o abalo que soffre um dente, comparável, em qualquer dos casos citados, á acção do ar frio sobre os dentes depois d'uma baforada de charuto ? Responda a razão. Com máos dentes má será a mastigação, e má, a for- tiori, a digestão, porque a regularidade das funcçoes diges- tivas depende, diz Béclard, por demais duma mastigação per- feita; «si les dents jouent dans 1'organisme un role aussi im- portant, on comp end que l'hygiène ne peut rester étrangòre aux agents capables de les détruire ou de les conservei'». Se o fumista fôr rumem de educação e entregar-se aos cuidados de asseio, se a escova de dentes para elle não cons- tituir-se um mytho, poder-se-ha evitar ou, pelo menos, affastar por alguim tempo a destruição dos dentes. O opposto, porém, dá-se com a gente de baixa esphera e com os que vivem na immundici ■ physica e moral, os crapulosos. Só o riso d'esses indivíduos já é em si repugnante quadro; os dentes mostrão-se-nos emmoldurados, na base, em uma massa amarello- scura, o tartaro que, per se e secundado pelas parceiras alimeutares decompostas, sendo já causa irritante para o dente e gengiva, embebido da fumaça do tabaco muito mais enérgico será em sua acção destruidora Alterado por essa fôrma o dente em sua base, não é raro extender-se a irritação á gengiva e ipso facto accusarem os fumistas descuidados freqüentes gengivites que, muitas vezes, vão determinar ou apressar a queda dos dentes. — S6 — CAVIDADE BUCCAL A primeira manifestação que produz a fumaça d'um cha- ruto, um pedaço de masca ou qualquer substancia deposta na boca é, por uma acção nervosa reflexa, o accumulo de sa- liva que as glândulas correspondentes excitadas elaborão em maior quantidade. A hypersecreção salivar sobe de ponto, em alguns indi- víduos consumidores de tabaco, a terem alguns autores já verificado a dilatação exagerada dos canaes de Stenon e Wharton, dilatação que mais tarde faz com que se relaxem as suas pa- redes . A saliva, pois, em maior proporção excretada e viciada, muito principalmente no mascador, deverá ser exspuida ou de- glutida ; e essa escassez ou esse macerato tóxico, que vai para o estômago, não acabará por causar damno á economia? Ahi temos a dyspepsia, tão commum entre nós, prompta a nos dar cabal resposta ; ponto este que será tratado, quando falharmos da influencia do tabaco sobre o estômago. Em seguida temos, como affecção característica da boca dos fumistas e mascadores, a stomatilc ou, segundo Pfeuffer, o catarrho buccal. Essa moléstia tem por causa, diz Niemeyer, «as irritações, « que actúão sobre a mucosa da boca ; os dentes offendendo « as gengivas dão origem á stomatite catarrhal, mesmo nas « fôrmas as mais intensas. Essa moléstia é devida igualmente « aos dentes de bordos cortantes, aos abscessos dentários, ás « feridas no interior da boca, á introducção de substancias « mui quentes ou mui frias, ou obrando chimicamente, ao « habito de fumar, de mascar tabaco etc. ». A pharyngite granulosa chronica representa, por seo turno, — 89 - importante papel na pathologia do adepto do tabaco. E* essa inflammação chronica da boca posterior caracterisada por um ardor constante, incommodativo, e que obriga ao fumista, mor- mente pela mauhã, a esforços contínuos de exspuição : o que o vulgo designa com o nome de pigarro; (1) esforços que trazem por fim o desprendimento d'um muco amarellado e denso. Muitas vezes esse muco faz-se accompanhar d'uns gru- mos caseosos, extremamente fétidos, quando esmagados sob os dedos, e que não são outra cousa mais do que folliculos se- baceos hypertrophiados em conseqüência da inflammação chro- nica da mucosa, que reveste as amygdalas. A presença d'esses grumos vêm, muitas vezes, causar grande alarma ao que pela primeira vez os deita depois de um esforço para escarrar ; logo julga-se essa pessoa victima de tuberculos pulmonares e aquelles pequenos grumos não passão, assim pensa, de fragmentos d'esses mesmos tuberculos. O abuso do tabaco, consumido sob qualquer fôrma, é, se- gundo muitos autores, a causa capital da pharyngite chro- nica, e como um dos elementos, que militão a favor d'essa opinião, temos a freqüência d'esse mal entre os homens, ao passo que entre as mulheres elle quasi que é desconhecido ; o ta- baco é, por assim dizer, privilegio dos homens, motivo por que são estes as victimas escolhidas. N'esse.s indivíduos, diz o Dr. Nothnagel: «Die Schleimhaut « des Pharynx ist im Zustande eines chronischen Catarrhs, « und im Halse be^tehtdas Gefuhl von Trockenheit» (Handbuch der Arzneimittellehre) (2). Grisolle, entre outras causas d'essa affecção, diz : « elle « atteint plus spécialement aussi tous ceux qui se livrent à (1) Essa rápida e ruidosa expiração, com esforço de exspuição, é que dá logar ao : hem, hem. (2) «A mucosa pharyngiana acha-se coberta de catarrho chronico, e na garganta sente-de uma seecura continuada». (Manual de matéria medica). — 88 - « 1'exercice de Ia parole, qui abusent du tabac etc, » e Jac- coud cora sua palavra autorisada assim se exprime sobre a moléstia presente : «1'abus des alcooliques et du tabac, 1'exer- « cice trop fréquent de Ia parole, sont les plus puissantes « d'entre elles ». Segundo Niemeyer, a angina catarrhal pôde depender, por sua vez, do abuso dos espirituosos ; e não poderá, pergun- tamos nós, com mais razão depender de uma saliva acre, como a do mascador, ou de uma fumaça quente e acre, como a do brúle-gueuie ? Finalmente-Tardieu, em seo «Manuel de Path. et Olin médi- cales» assim se pronuncia sobre a moléstia, que nos occupa : « Cette maladie, qui peut survenir sous rinfluence de causes « communes d'inflammation, de 1'irritation produite par 1'usag^e « des alcooliques, du tabac à priser ou à fumcr ; de 1'usag-e « prolongé de Ia parole, est le plus souvent une afíection dia- « thésique ». E' a essa inflammação chronica do pharynge (1) que, com muita razão, alguns autores attribuem certos casos de surdez, facto este que facilmente se pôde conceber, pela propagação do estado inflammatorio da mucosa pharyngiana que, forrando a trompa d'Eustachio e a caixa do tympano, póde-se extender até a este, e d'ahi a surdez. « Cette continuité, diz Witkowsky, explique Ia facilite avec « laquelle se propagent les affections du nez, de Ia gorge « etc. ; à Ia caisse du tympan. » A hypertrophia das amygdalas e sua inflammação vêm a ser também uma das moléstias, que formão o cortejo do tabaco, (1) The desease consists of an irritable state of the uucous m^mbrane of the back of the throat, redness there, dryness, a tendency to cough and a large soft sore condi- dition of the frmsils, rendering every act of swallowing painful and difficult (Ri- chardson) . - 89 - podendo sua hypertrophia d'essas glândulas subir de ponto á requerer sua excisão, a operação da amygdalotomia. (1) Em alguns fumistas são as amygdalas sede, ás vezes, de dores insupportaveís, se por ventura fumão um pouco mais do que o costume. OESOPHAGO E ESTÔMAGO A oesophagüe, inflammação do o esophago, é a fôrma mór- bida mais freqüente que apresenta o fumista ou o mascador n'essa parte do tubo digestivo. Pôde ser a oesophagite conseqüência do estado inflammatorio do pharynge. que por continuidade da mucosa se extendesse, assim como pôde também ser o effeito do contacto immediato da fumaça nos que têm o péssimo habito de deglutil-a, ou da saliva adulterada. E' essa inflammação catarrhal io pharynge devida, diz Niemeyer, as mais das vezes, á causas que obrão directamente, taes como os ingesta irritantes e cáusticos. O câncer do oesophago é, segundo alguns, uma das affecções dos que abusão do tabaco ; a sciencía porém não tem até agora registrado facto algum positivo e em que se tenha podido attribuir ao excesso do fumo o apparecimento d'essa moléstia. Procuramos explicar-nos esta circumstancia pela curta acção de contacto da saliva tóxica, do fumista ou mascador, com as paredes d'esse canal ; razão porque é o cancro, no consumidor de tabaco, mais freqüente no labio, lingua e, como para adiante veremos, no estômago. O mesmo não diremos das ulceras que, no oesophago, fazem irrupção com bastante freqüência, extendendo-se por esse canal, a partir da boca posterior. (1) In the fifty cases which I have referred, thirty seven had enlargement of tonsil. (Richardson.) 12 - 90 - Estômago.—Este órgão é, pelo excesso do tabaco, a sede de ulceras, do câncer, e, o que é mui freqüente entre nós, o movei do grande numero de dyspepsias que, para campo de seos destroços, vão escolher de preferencia os indivíduos de vida pouco activa e extravagantes no ócio. As ulceras gástricas têm, como as das paredes da boca, do pharynge. da língua, a mesma causa : o contacto irritante do tabaco que, no estômago tendo maior demora, mais prompto será, por sua vez, nos efíeitos damnosos. Cruveilhier, o primeiro que íez um estudo das ulceras gástricas, attribue essa affecção ao uso immoderado do tabaco e muito principalmente ao terri\ol e pernicioso habito que alguns fumistas têm, de tragar a fumaça; mil vezes peior, porém, é o câncer que se vai assestar no estômago, moléstia incurável e que com mais freqüência tem . attacado áquelles que em jejum fazem uso excessivo do tabaco, fumando ou mas- cando-o. A masca é por excellencia uma das causas mais enér- gicas do mal, motivo pelo qual são os marujos os que lhe fornecem maior campo de devastação. E' nessa profissão que, como sabemos, a masca encontra maior numero de adeptos ; e^ não estão ahi o philosopho francez Malebranche e o professor Petit-Radel, para nos provarem a verdade d'essa assercão, o papel saliente, que cabe á masca na etiologia do cancro do estômago ? O primeiro tinha contraindo, nos últimos annos de sua vida, o habito de mascar, o o segundo, por muito tempo medico na marinha, mostrou-se férvido cultor da masca e veio a suecum- bir d'um cancro do pyloro. Andral diz : « Une cause três freqüente et incontestable « du câncer de 1'eslomac est 1'habitude de boire de l'eau de vie « à joun. » Se o alcohol, por si só, pôde ser causa da mo- - 91 — lestia, a saliva do mascador, encontrando o estômago vazio, não deverá também, quando ingerida de continuo, produzir um trabalho phlegmasico e ser ponto de partida de uma ulcera e mais tarde d'um cancro, se no indivíduo houver predisposição? Respondão os innumeros casos d'esse terrível mal, mais fre- qüente entre os homens, naquelles que são tidos por grandes fumistas e, muito principalmente, mascadores. (1) Temos finalmento «a dyspepsia, » estado pathologico mais freqüente do estômago, e ponto de partida, muitas vezes, de iucommodos indiziveis e que o fumista ou mascador não sabem a que attribuir, quando basta, na maioria dos casos, a suppres- são do fumo, para vermos desvanecerem-se os symptomas mór- bidos inquietantes e voltar florescente a saúde, por algum tempo deteriorada. A dyspepsia, nos que abusão do tabaco, é a causa, pela perversão da nutrição, do depauperamento da economia e daquella cachexia característica, em que a côr do tegumento externo é d'um amarello bronzeado, a cachexia nicotianica. Dizendo nós ser a dyspepsia uma das moléstias, que com maior freqüência vão procurar para suas victimas os fumistas e mascadores, naturalmente não se faz esperar a pergunta: como e porque produz o tabaco a dyspepsia? E' a esta pergunta que vamos tentar responder, o melhor que couber em nossas forças fracas e inexperientes. Começamos perguntando, qual o motivo porque essa mo- léstia é muito mais freqüente entre os homens do que entre as mulheres ? Aquelles têm vida mais activa do que estas ultimas que, entre nós infelizmente, têm na grande maioria uma vida (1) Percy acredita que o cancro do estômago tem, muitas vezes, por causa a deglutição continuada da saliva impregnada do tabaco. — 9» - sedentária e ociosa; pouco passeião as nossas patrícias, ávida que levão é, em geral, a do ócio e no emtanto não são ellas tão procuradas pela dyspepsia como os homens. Esta circumstancia de que dependerá ? Não vemos outra causa, a não ser o abuso do tabaco e das bebidas alcoho- licas. Quando falíamos da influencia que exerce o tabaco sobre a cavidade buccal, mostrámos quão abundante não é a excreção salivar, dependente do trabalho secretor exagerado, que se passa nas glândulas parotidianas, sub-maxillares, sub-linguaes e outras menores ; dissemos também que essa saliva abundante, verdadeiro ptyalismo, tem de ser exspuida ou deglutida. Não é raro, ás vezes, ouvirmos um fumista dizer : eu não secco o peito, porque engulo a saliva. Ingenuidade e erro, porque deglutida a saliva viciada, ou faltando quando exspui- da, vem a ser, de ambas as fôrmas, causa de moléstia e aqui, muito principalmente, da dyspepsia (Notemos porém que a hypersecração salivar pôde variar, para mais ou para menos, conforme a idiosyncrasia de cada um indivíduo; em uns o sys- tema nervoso é mais facilmente impressionável do que em outros.) A saliva, quando escassa, vem a ser causa da «dys- pepsia » pelo motivo seguinte : A nossa saliva, que é o agente digestivo das matérias fecu- lentas, que as dissolve por um fermento especial, a diastase salivar (1), para formarem assucar (glycose), e assim serem assimiladas, não podendo exercer a sua acção sobre os ali- mentos, pois que a sua presença é em pequena escala, natu- ralmente a digestão deve de ser imperfeita. Aquellas substan- cias, que começão a soffrer a transformação pela saliva na boca, que é continuada no oesophago e que vai completar-se na cavi- (1) E' a ptyalina, o principio activo da saliva, também denominada diasttse salivar, — 93 — dade gástrica, ahi vão chegar quasi que intactas e tornão assim as digestões laboriosissimas. O fumista, por outro lado, não deita fora a saliva, porque, diz elle, tem receio de seccar o peito, deglute-a e as digestões não deixão de ser penosas e languidas; ha saliva, é verdade, porém essa, que existe, está impregnada de elementos tóxicos, como a nicotina, a ammonia e ácido carbônico, e por isso não pôde preencher bem os fins, que lhe são peculiares. E o rol dos dyspepticos cada vez a contar novas victimas! Não é tão somente pelas duas causas supra-mencionadas, pela escassez e viciação da saliva, que o tabaco produz a dys- pepsia; ainda ha uma outra causa e que vai buscar a sua ex- plicação na acção physiologica da nicotina sobre a economia e de preferencia, como já sabemos, sobre o systema nervoso. O tabaco é um veneno que classificámos entre os stupefacientes, ou os que têm por effeito tóxico a depressão nervosa: E' es*a depressão que, tendo logar no estômago, faz com que perca este o seo stimulus ; a secreção do sueco gástrico não tem logar, nem o estômago executa os seos movimentos peris- talticos sobre o bolo alimentar, porque seo motor, o pneumo gástrico, se acha paralysado. Isto dá-se quando a quantidade de saliva adulterada ingerida é extraordinária. A dyspepsia ainda pôde ser motivada pela falta de sueco gástrico, digestivo dos albuminoides, e isto tem logar pelo se- guinte motivo: a saliva, que é continuadamente rejeitada pelo fumista, acaba por faltar ao appello que lhe faz a presença do alimento na boca e, por certa sympathia que liga entre si os differentes órgãos dum apparelho e muito principalmente os órgãos secretores dos suecos digestivos, virá também a faltar, ou a ser secretado em pequena escala, o sueco gástrico, e por conseguinte a digestão das matérias azotadas será deficiente e laboriosi. — 94 — Se é essa moléstia a conseqüência, em certos indivíduos, do abuso do charuto, cigarro ou cachimbo, o que não diremos da nauseabunda masca, sob cuja acção a secreção salivar é exageradissima, e que obriga a quem delia usa a exspuir, para não succumbir, um inacerato escuro, côr de café i São estas as considerações que, ao correr da penua, nos viérão á mente; são imperfeitas, sem dúvida, e por esse motivo pedimos permissão afim de aqui transcrevermos algumas linhas do « Traité des dyspepsies » de Chomel. Ahi diz esse author o seguinte : « Si les fumeurs, comme il arrive au plus grand nombre, rejettent en abondance Ia salive que le tabac fait aírluer dans Ia bouche, cette perte, répétée plusieurs fois le jour, d'un liquide essentiel à Ia digestion, ne peut qu'être nuisible à l'accomplissement de cette fonction. « Si Ia salive est avalée en certaine proportion, mêlée au liquide narcotico-âcre et purgatif que fournit le tabac en com- bustion, elle porte dans les voies digestives une matière stu- péfiante qui en ralentit le travail et une matière laxative qui, surtout dans Ia dyspepsie mtestinale, tend à entretenir Ia diar- rhée. On ne saurait donc trop insister sur les inconvénients qui en résultent et sur Ia necessite pour les dyspeptiques de s'en abstenir entièrement. » O Dr. Moncorvo de Figueiredo, na excellente these que escreveo, sobre dyspepsias, consagra ao tabaco como agente pro- ductor daquella moléstia as linhas seguintes: « Concluiremos, pois, em resumo que o abuso prolongado do tabaco, quer fumado, quer mascado se pôde converter em uma poderosa causa de dyspepsia de variada intensidade, asse- verando Rei th e Macdonald que três quartas partes dos indivi — 95 — duos affectados dessa moléstia reconhecem como origem de seos soffrimentos o abuso do fumo (1). » O Dr. Vieira de Azevedo temem sua these (Bahia 1856) a seguinte observação curiosa que aqui reproduzimos ; diz elle: « Entre muitos conheço um mascador, que soffreo de uma in- « flammação chronica do estômago, um desarranjo tal na di- « gestão e uma dyspepsia tal, que não o permittia ingerir, « senão á força, alimentos: estes incòmmodos puzerão-o de- « finhado, e cada dia zombando dos esforços da medicina « o approximavão do túmulo. Estes males deixarão de o in- « commodar logo que elle pôde substituir o habito de mascar « pelo uso moderado do charuto, e pela observação dos pre- « ceitos hygienicos, que lhe forão prescriptos ». A acção stupefaciente do tabaco sobre o estômago é que faz com que a sensação da fome não se torne imperiosa ; o estômago como que se acha paralysado e a secreção do sueco gástrico não tem logar. Todo o grande fumista c grande be- berrão tem pouco appetite, em conseqüência do esgotamento do stimulus do estômago. E' este o motivo porque, no exercito allemão, tem-se em grande consideração a pontualidade da ração de tabaco, que compete a cada soldado ; esse tabaco deve servir de consolo ao militar, durante as marchas forçadas, e fazer-lhe calar por maior espaço de tempo a sensação da fome, Essa acção paralysante do tabaco sobre o estômago é que nos explica o pouco appetite que tem todo o grande fumista, e a razão porque um charuto ou cigarro, fumado pouco antes da comida, faz com que sentemo-nos á meza com indifferen- tismo e não com a alegria característica de quem, depois do trabalho braçal e exercício activo, vê approximar-se a hora da refeição. ;l) Selwyn Morris pensa da mesma fúrnri. — 96 — A acção enervadora do tabaco sobre as funcçoes diges- tivas já fazia dizer a Ramazzini o seguinte : «muitos viajantes « assegurão que o tabaco fumado ou mascado tira o appe- « tite, e que se pôde então andar bastante sem sentir-se « fome ». Van-Helmont diz que o tabaco applaca a fome, não sa- tisfazendo-a, mas destruindo essa sensação c diminuindo a actividade de outras funcçoes. Este mesmo author diz ter encontrado, uma occasião, um estômago todo tincto de amarello pela fumaça do tabaco. Pemplius, no seu «Tract. de fame loesa» diz que o tabaco diminue a sensação da fome, mas em conseqüência da abun- dância de serosidade e saliva, que enchem essa víscera, e que depois é absorvida. Na obra de Simon Pauli, vertida para o inglez em 1746 pelo Dr. James, vem o seguinte tópico acerca da influencia do tabaco sobre o estômago : « Persons of this Kind are also ob- « served to be fond of Malt Liquors, and to complain of a « languid appetite ; because the sixth pair of Nerves, which « descends into the Stomach, is stupified by the narcotic « Sulphur of the Tobacco». VIAS AÉREAS O Larynge pôde vir também a sofTrer pelo excesso do ta- baco, fumado ou mascado, chegando alguns autores a afiirmar mesmo ter-se pela necropsia descoberto, no larynge de certos fumistas, ulcerações e até carie das cartilagens. Não iremos, por nossa parte, tão longe em nossas censu- ras ao tabaco, não seremos pessimista ; apenas temos por mui provável que a inflammação da mucosa pharyngiana, assim — 9? - como se extende ao oesophago, também se possa propagar ao larynge pela continuidade d'essa mucosa, a qual forra este ultimo canal, os bronchios e suas ramificações. Essa turgescencia da mucosa e, algumas vezes, suas ul- cerações são mais que sufficientes para nos explicar, n'aquelles que fazem abuso do tabaco e licores espirituosos, a rouquidão da voz, que n'esses indivíduos é accompanhada de abaixa- mento no tom ; esse estado phlegmasico das cordas vocaes é característico nos indivíduos que vivem no vicio e se entregão a excessos de toda a casta. Vivem essas pessoas victimas da laryngite chronica granulosa, e muitos, ao despertarem pela manhã, estão ás vezes com- pletamente aphoíiicos. Considerando-se pois esse efiváto' do tabaco, quando abusado, sobre as cordas vocaes, não devem os indivíduos, para quem o larynge representa importante papel, fumar demasiado n im tão pouco cultivar a masca : vai isto em vista aos oradores e can- tores. Quanto á gênese da bronchite chronica, pelo uso immode- rado do tabaco, ha na sciencía ainda muita controvérsia : alfir- mão uns, como Mercier, a veracidade do facto, ao passo que outros, como o conspicuo Richardson, apresentão-se em anta- gonismo e procurão defender, por meio de dalos estatísticos, as suas theorias. E>te ultimo author, como medico da «Royal Infirmary for Deseases of the Chest», não podia ter melhor campo para observar, e concluio, d-is pesquizas e estudos que ahi fez, que, distinctos os fumistas e os que não fazião uso do cachimbo ou charuto, estes últimos sempre apresentavão maioria para os casos de bronchite chronica e bem assim para a phtysica pulmonar. Assim d'esta ultima moléstia observou 3ól casos entre homens e mulheres, excedendo os não fumistas em numero de 89 ; dos 13 — 98 — 361 erão 230 do sexo masculino e entre estes últimos havia para os fumistas um excesso de 42. De bronchite chronica observou 475 casos, excedendo os não fumistas na razão de 201; 249 erão do sexo masculino e d'entre estes os fumistas figuravão em excesso de 25. Essa predominância, pois, dos fumistas tanto em um caso como n'outro será, como quer Richardson, pura e simples- mente uma coincidência, ou mais um elemento a favor da opinião, que o charuto não é tFo extranho, como facilmente convém acreditar, á pathogenia da bronchite chronica e muito principalmente da phtysica pulmonar ? Assim pensamos nós, e principiaremos, perguntando se a fumaça, nos que têm o péssimo habito de tragal-a, será, irritante como é, inteiramente innócua pava os bronchios e pulmões ? A fumaça, como sabemos, contém ammonia, ácido carbô- nico, carbono puro, etc, e essas substancias em contacto pro- longado com uma membrana, facilmente impressionável como a mucosa dos bronchios, não podem deixar de ser bastante no- civas, acarretando como conseqüência o estado pathologico de que acima já falíamos. Todos que considerarem,com attenção e espirito desprevenido, a questão que ora agitamos, serão naturalmente inclinados ao nosso modo de pensar e não julgaráõ o tabaco, fumado, tão pouco sa- liente entre os agentes que abrange a etiologia à-àbronchite chronica. Isto, quanto á bronchite chronica ; no que respeita porém á «phtydca pulmonar», vejamos que papel está reservado ao ta- baco, e por que motivo figura elle como uma das causas d'aquella moléstia fatal. A hematose, afim de ser perfeita, requer a respiração de um ar puro e renovado, o que não succede com os que fumão demasiado ou têm o habito pernicioso de tragar a fumaça. — 99 - Esta insinua-se pelas ramificações da arvore bronchica, de- posita, com o tempo, o carbono livre nas vesiculas pulmonares, as oblitera, é o ponto de partida de uma irritação, duma phlegmasia e acaba por fim, após um tempo mais ou menos longo, por exercer influencia damnosa sobre esses órgãos, alte- rando suas funcçoes, as mais importantes da economia e por onde entra a vida, para assim dizer, para o nosso sêr. Alguns autores têm encontrado os pulmões dos fumistas inveterados e tragadores da fumaça, melanicos-; melanose que Guillot attribue á infiltração nas vesiculas pulmonares, do car- bono puro. Sob a influencia da fumaça, que contém nicotina, e cuja acção physiologica conhecemos, as ultimas ramificações brcn- chicas e a rede capillar dos vasos pulmonares soffrem uma con- tracção spasmodica, e a diminuição de calibre será a conse- qüência inevitável ; tornar-se-ha pois diírlcultosa a passagem do ar por esses conductos e a anoxemia seguir-se-ha, senão se desvanecer promptamente aquelle estado spasmodico. « Os bronchios se estreitão, diz Stugocki, sob o influxo « da fumaça do tabaco ; ha uma matidez característica do ápice, « que tenho podido observar na maior parte dos fumistas por « mim examinados » Alguns indivíduos tuberculosos têm observado também que a hemoptyse tem-se muitas vezes manifestado consecutivamente a um excesso de charuto ou cachimbo, que tivesse provocado violentos insultos de tosse. Richard Morton diz que a fumaça do tabaco torna os pulmões flaccidos e as necropsias feitas pelo illustre Bonet têm patenteado, á evidencia, os estragos causados n'esse órgão pelo tabaco. Juntemos ao fumar immoderado e ao funesto tra- gar a habitação em um centro populoso, a moradia em logares — IOO - onde se ache o ar atmospherico viciado, a vida ociosa e o luxo com os excessos de toda a casta, sendo um d'elles o do tabaco, e por conseguinte maior susceptíbilidade para esses órgãos, n'essas condições mui pouco refractarios ás impressões exteriores: teremos um conjuncto de causas, que nos viráõ provar, com eloqüência, a razão de ser da grande mortandade, pelos tuberculos pulmonares, no Rio de Janeiro, Londres, Pariz, Berlim etc Eis o motivo porque, para o homem do campo, comquanto abuse do cachimbo ou cigarro, tragando a fumaça, a phty- sica pulmonar, apezar de não poupal-os completamente, com- tudo é mais lenta em suas devastações. Constitue-se essa moléstia terrível mais um aviso salutar á nossa infância descuidosa e muito mais aos que se encar- regão da sua educação, para que evitem a acquisição do ci- garro numa idade, em que a economia necessita de todos os elementos para o seo desenvolvimento ; assim uma hygiene bem entendida deve de ser seguida e evitadas todas as causas debilitantes, entre as quaes o cigarro, e que vão modificar aquellas naturezas ainda incompletamente formadas : « Quels « effets doit-il advenir, diz Fiévée, pour ces appareils pulmo- « naires, chez lesquels Ia fumée du tabac vient augmenter Ia « cause enrayante du développement de tout le corps 9 dans « ces jeunes poitrines oú les affbctions constitutionelles, les dia- « theses morbicjes, comme Ia tuberculisatiòn, n'attendent qu' « une circonstance opportune, une sim pie infraction aux lois « de lnygiène pour se développer ?» Percy refere-nos a morte de dous jovens officiaes, pela tuber- culose, como conseqüência do uso imraoderado do cachimbo. Não é porém de nossos dias que se tem procurado para o tabaco fu- mado um papel, não pouco importante, na etiologia da tuberculose nos moços, pois, já em meiados do século passado, dava-lhes - ÍOI — Simon Pauli no seo Tratado, os seguintes conselhos : « Ne « utautur tabaco, nisi velint molestissimam ducere vitam ac « aerummosam seneotufem ante exspectatum are ssere. Pul- « mones data opera ita corrumpente, ut hydrops pulmonum eos « jugulet ». FOSSAS NAZAES O tabaco usado sob a forma de rape e por muito tempo applicado sobre a membrana mucosa das fossas nazaes, não pôde deixar de acarretar, por fim, inconvenientes mais ou menos graves, mormente n'aquelles indivíduos que, por espaço de annos e de dez em dez minutos ou menos, são obrigados a levar a pitada ao nariz. B,»rrhy, em sua carta a Bartholin, conta que uma pes- soa tinha seccado inteiramente o cérebro, pelo rape, e que depois da morte a necropsia só encontrou, em logar da massa encephalica, uma bola preta formada de membranas. Não leva- remos a esse extremo o rigor de nossas increpações ao rape, nem acreditamos que se faça sua absorpção e de maneira a produzir aquelle phenomeno. Que o rape porém seja innocente, é também uma opinião que não seguimos, e, comquanto dos três gozos do tabaco o menos nocivo, procuraremos demonstrar como e porque pôde ser causa de phenomenos mórbidos : Contém o rape, como sabemos, muita ammonia, ganha prin- cipalmente nas fermentações por que tem de passar; ammonia que deve produzir aquella titillação particular, tão grata ao nariz do tabaquista. A membrana olfactiva, pois, e a pitui- taria deverão ficar insensíveis a uma irritação tão enérgica e por tantas vezes repetida? K de crer que assim não seja, pois o rape, introduzido — IO» — nas fossas nazaes, tem por effeito immediato : a sternutação, uma hyperemia para a mucosa nazal e abundante secreção de mucosidades; e essa irritação, por muito tempo continuada, acaba por trazer, segundo alguns, a hypertrophia da membra- na Schneideriana, ceplialalgias e seccura da membrana olfa- ctiva. Segundo diz Tournecroy, também o cancro do nariz pôde ser uma das conseqüências d'aquella irritação chronica. Assim também os tumores, as fistulas lacrymaes e os dar- tros roedores do nariz que, segundo Trousseau, não têm outra causa a não ser o rape, quando usado de modo immoderado. Da mesma fôrma pensa Raspail, quando diz : « ±^e tabac à « priser determine une irritation locale, qui se traduit souvent par des dartres. » Os polypos mucosos são, por seo turno, uma das mani- festações pathologicas que vão affectar ao tabaquista incorri- givel. O habito que muitos têm, de expellir pelas ventas a fumaça do cigarro ou charuto, é em si também assaz pernicioso, po- dendo trazer corno conseqüência os mesmos phenomenos mór- bidos do abuso do rape. O Dr. Buisson refere ter operado a um medico de Barcelona, de vegetações epitheliaes no nariz, moléstia que o próprio paciente não duvidava em attribuir ao costume que tinha, de expellir pelo nariz a fumaça de seo cigarro. As azas do nariz achão-se, muitas vezes, no tabaquista de officio, hypertrophiadas e crivadas de folliculos sebaceos, vulgo cravos, que as pontilhão de preto ;' aquella hypertrophia, não poucas vezes, extende-se por fim ao labio superior, e o taba- quista facilmente denuncia-se num simples relance d'olhos, quando pela primeira vez se o vê : A membrana olfactiva, de continuo irritada, acaba por - 103 - perder sua sensibilidade ; o sentido da olfacção não tarda a embotar-se. Se fôr fumista ardente aquelle que ao mesmo tempo abusar do rape, então ainda menos prazer encontrará nos adubos que o requinte do sensualismo recommenda; a olfacção lig-ada, como se acha physiologicamente, á gustação e não se exercendo a par d'esta ultima, também embotada, será tudo para um indivíduo n'essas condições, destituído de encanto e a vida tornar-se-lhe-ha ínsipida. « The sense of smelling, diz Simon Pauli, as I have been « told by many, who ha^e either snuffed or smoked to « excess, is abolished by the abuse of tobacco. (1) SYSTEMA NERVOSO A acção do tabaco, a primeira que se manifesta, é a que tem por campo de acção o systema nervoso impressionável, de um modo extraordinariamente rápido, pela nicotina. Os phenomenos de ordem nervosa, e que no nicotismo agudo tornão-se patentes são, como sabemos, a cephalalgia, o vomito, a vertigem e o coma. Com o habito esses sympto- mas desvanecem-se e dão logar a outros mais inquietadores. No fumista inveterado o charuto apenas produz uma ligeira excitação cerebral, conseqüência da congestão que se faz para o encephalo; essa excitação é seguida porém logo de abati- mento da intelligencía e para o fumista torna-se mister um novo agente excitante. Nos que, por conseguinte, o gozo d'essa planta tóxica constituir-se um excesso, n'aquelles para os quaes o charuto fôr parte integrante de seo sêr, (2), não deverá por fim o (1) Simon Pauli, traducção de James (1746.) (?j Conheço indivíduos cuja paixão pelo charuto é tão pronunciada, que até durante a refeição, no intervallo 0 cachimbos por dia, teve um enfraquecimento geral com perturbações da vista e do ouvido, que cessarão quando reduzio a quantidade a seis cachimbos. — 113 — Expendidas estas ligeiras considerações acerca da amblyo- pia (1) pelo abuso do tabaco, apressamo-nos em referir as duas seguintes observações sobre essa moléstia, devidas á obsequio- sidade de dous distinctos e vantajosamente conhecidos ophtal- mologistas, os Drs. Gama Lobo e Hilário de Gouvêa: Primeira observação (clinica ophtalmologica do dr. gama lobo) Desembargador Castro Menezes, temperamento sangüíneo, constituição forte, de 58 a 60 annos de idade. Soffreo de cataracta dupla, da qual foi operado do olho esquerdo em Pariz pelo professor üesmarres em 1861, extracção superior, segundo o processo do mesmo professor ; podia lêr depois da operação com o numero 2 1/2 biconvexo a escala 2 do professor Jager, e assim se conservou até 1874, entre- gue a seos trabalhos litterarios. Em Abril de 1874 soffreo por uma catastrophe a perda duma filha, e d'esse tempo em diante entregou-se ao abuso do charuto, fumando de 20 a 30 por dia. Em Dezembro d'esse anno principiou a accusar enfraque- cimento na vista, não podendo mais lêr nem escrever porque tinha diante dos olhos, dizia elle, uma nuvem branca, que lhe occultava, ou melhor tirava a côr aos objectos, tornando-os esbranquiçados. Examinada a força da visão, podia apenas lêr os cara- cteres n. 20 da escala de Jager. m \ amaurose termo genérico, é um enfraquecimento mais ou menos notável da vista, independente de lesão material dos meios refrangentes do olho. TWinanP «„ Pm 1» amblyopia, quando o doente distingue os objectos volumosos e é'5SVtSmUr-se^W da visão (Wecker.) oo Amaurose ^mples ou amblyopia amaurotica, qi-and» os objectos ouos carac- teres 'não são mais distinctos, e só se percebe a quantidade luz.; emtim 3.° amau- rose absoluta, Tuando a cegueira é total, sendo tudo trovas para o paciento. - 114 - A illuminação obliqua mostrava que o campo pupillar tinha uma branda nuvem, como se a membrana hyaloide, que forra a cavidade occupada pelo apparelho crystalliniano, se achasse opacificada. Entretanto o humor vitreo era perfei- tamente transparente ; a pupilla porém apresentava toda a sua metade interna completamente branca (imagem invertida), e sobre sua superfície vião-se pequeninos pontos pretos, que caracterisão as atrophias da papilla. A parte externa, pelo contrario, achava-se no estado nor- mal ; as artérias tinhão menor calibre, ainda que as veias con- servassem o mesmo. Nenhuma outra alteração foi encontrada nos olhos, nem em outro qualquer órgão. Attribuindo algumas pessoas a falta de vista á nevoa que se observava no campo pupillar, fizemos a discisão da mesma, o que em nada modificou o gráo da vista ; então acconselhámos a suspensão completa do charuto, o extracto de.noz vomica, a strychnina, o ferro e os banhos salgados. Actualmente o doente voltou ás suas occupações inteira- mente curado. Segunda observação ( clinica ophtalmologica do Dr. Hilário de Gouvêa ) Com o fim de satisfazer ao pedido que V. fez-me de for- necer-lhe observações de casos de amblyopias por abuso do tabaco, aqui lhe transcrevo uma observação de dacta recente, que parece-me bastante interessante, posto que não esteja ainda completa. Devo dizer-lhe que entre nós não são freqüentes os casos de amblyopias a que me refiro, visto como eu não conto mais — 115 — de dous casos bem averiguados em toda a minha pratica no Rio de Janeiro, em cerca de cinco mil observações Eis o caso : João Nunes de Oliveira, de 38 annos de idade, brazileiro, lavrador, residente no município da Parahyba do Sul, casado, de temperamento sangüíneo e forte constituição, apresentou-se no meu gabinete de consultas no dia 15 de Junho do corrente anno, queixando-se de que, havia trez mezes, começara a sentir diminuição da vista em ambos os olhos, e sem outro symptoma; que a visão tornou-se de então para cá gradualmente peior, a ponto de não poder mais lêr os caracteres ordinários e distin- guir as feições de um amigo a uma certa distancia. O paciente diz ter tido antes muito boa vasta, não ter tido jamais accidentes syphiliticos ; seu estado geral é optimo, suas funcçoes regulares. O exame minucioso a que procedi, demonstrou que os apparelhos circulatório, digestivo, respiratório e cerebro-espinhal nada offereciao de pathologico. O resultado do exame da força visual do paciente foi o seguinte : Olho esquerdo : l/~20/200—Vio• Olho direito : Apenas conta dedos da mão a 10 passos de distancia. A visão peripherica é perfeitamente normal, não existe a menor limitação do campo visual quer em um, quer em outro olho ; apenas em um p oito limitado da visão central existe um scotoma ou nevoeiro, "na expressão do paciente, de limites pouco extensos, em fôrma de um oval horizontal e igual, em extensão, em um e em outro olho, posto que mais intenso no olho direito. O exame do campo visual por cores differentes demonstra — 116 — que o paciente distingue bem as cores na peripheria, mas que, chegando ao ponto em que começa o scoto ma, as cores se apre" sentam com um matiz differente ; assim o escarlate é denomi" nado violeta, o azul-claro azul-ferrete, o verde-claro vevde-es curo etc. O exame ophtalmoscopico nada revelou de anormal ; não existia alteração alguma na transparência dos meios, retina per- feitamente transparente, seus vasos de calibre normal, nada para o lado da choroide na região da ma ncha amarella. Indagando do paciente se tinha sofírido de alguma moléstia nos últimos tempos, disse-me ter sempre gozado de boa saúde; se tinha-se exposto á insolação, se abusava de bebidas alcoho- lícas, respondeu-me sempre negativamente ; á pergunta sobre o uso do tabaco :—respondeu-me que fumava demasiadamente cigaxros de palha feitos com o fumo Daniel, que de certo tempo a esta parte póde-se dizer que fumava constantemente. Acconselhei ao doente que suspendesse o uso do fumo de sua predilecção e que, se de todo não lhe fosse possível deixar de fumar, fizesse uso muito limitado de um fumo mais fraco, e prescrevi-lhe o seguinte tratamento. Iodureto de potássio...... — 1 gramma. Água distillada........... —60 grammas. Tinct. de jalapa composta — 4 grammas. Tomar em duas porções ; pediluvios sinapisados três vezes por semana. De quatro em quatro dias extrahi-lhe das têmporas um cylindro de sangue com as sangue-sugas artificiaes de Huert- loup, conservando o 24 horas depois de cada applicação em um quarto escuro. Esteve o paciente em uso d'este tratamento até o dia 11 de Julho, sem que eu observasse modificação alguma em sua visão, posto que elle dissesse estar menos espesso o nevoeiro. - 11? — A' vista d'esse resultado, e observando eu n'essa dacta que as pupillas estavão sensivelmente mais brancas do que de costume, tomei a resolução de substituir o tratamento pelo se- guinte : Subcarbonato de ferro) fe 2 deci ÍMiiph. de qq. ) M. f. 1 papel e mde. 30. Dose : 3 por dia. Item. Água distillada..... —30 grammos. Sulph : de strychnina — 3 deci gr. Para injecções hypodermicas. De dous em dous dias fazia uma injecção hypodermica de dez gottas d'essa solução em pontos differentes da região peri-orbitaria de um e outro olho, augmentando uma gotta á cada no^a injecção. Sob a influencia d'este tratamento começarão a manifestar- se sensíveis melhoras desde o dia 19 até 26 de Julho, época em que procedi ao ultimo exame, visto ter de ausentar-se tem- porariamente o paciente. No dia 19 de Julho archivei o seguinte resultado. Olho direito.— ^20/2o0=Vio- Olho esquerdo— \r20/m—ij^ No dia 26 de Julho via o doente o n. 70 de Snellen, a 20 pés de distancia, com ambos os olhos, í/~=z20/70 ou 1/31/2; lia correctamente o n. 6. de Jager, com o auxilio de vidros convexos 1/o„. N'este estado partiu o doente para a Parahyba do Sul, promettendo voltar dentro de pouco tempo, para continuar com — 118 — o tratamento ; ajuntei ao ferro e á quinina uma pequena quantidade de sulph: de strychnina para uso interno, emquanto que o doente não pudesse voltar. O meu diagnostico foi o seguinte : Scotoma central de ambos os olhos por abuso do tabaco. A' vista da marcha da moléstia, estou convencido de que o restabelecimento do doente sob a influencia de um trata- mento mais prolongado é de esperar, consolidando-se a cura, se elle subtrahir-se, como tem feito, á causa da moléstia. A falta de tempo actualmente e o facto de desejar ser mais extenso em uma publicação que farei algúres d'esta observação quando completa, impedem-me de fazer as consi- derações geraes que o caso merece, mas estou bem certo de que sua dissertação supprirá essa lacuna. Dr. Hilário de Gouvea. 22/8—1875. A EPILEPSIA é uma nevrose, que muitos autores são de opinião possa'ser determinada pelo gozo excessivo do tabaco. Cláudio Bernard, naá experiências que fez, mostrou-nos que o tabaco exerce sobretudo sua acção sobre a fibra nervosa motora ; á mesma conclusão chegou também Decaisne, depois de seos experimentos. Não será pois, á vista d'essa acção especial, de estranhar que um caso ou outro da nevrose que consideramos possa ser o effeito da m?sca ou charuto, consumidos de um modo exa- gerado. No «Journal de Chimie» de 1861, vem mencionado o caso de uma criança de 12 annos, victima da epilepsia por fumar excessivamente. Os accidentes, que tinhão resistido a todos os remédios, cessarão completamente desde que se descobrio o seo habito pernicioso. — 119 - A ANÂPHRODISÍÂ e a IMPOTÊNCIA são em muitos casos, affirmão alguns autores, o resultado da acção deprimente do ta- baco sobre os centros nervosos, e é esse o motivo porq ue an- tigamente, e ainda hoje em algumas províncias de Portugal, o tabaco tem o nome de herva santa, herva divina ; acredi- tavão que o tabaco tinha a propriedade de tornar os indiví- duos santos e castos, moderando os ardores da concupis- cencia. O Dr. Jolly, já por nós muitas vezes citado como au- toridade, no seo trabalho «Le Tabac et 1'Absinthe» ( 1875), conta a historia, por Ségalas a elle referida—«d'um moço, que consumia a maior parle do tempo em um club onde, respi- rando um ar saturado de vapores de tabaco, devorava mais de vinte charutos por dia. Suas funcçoes digestivas alterárão-se, a memória e a intelligencía enfraquecerão-se e as forças mus- culares abaterão-se, a ponto de ser victima de uma impotência absoluta. Tinha tenções de casar-se e, preoccupado com esse impedimento imprevisto, foi consultar ao Dr. Ségalas, que li- mitou-se a acconselhar-lhe como tratamento : mudar de modo de vida e regimen, abandonar o charuto e evitar os logares em- pestados pelo tabaco em vapores. Os conselhos do medico forão fielmente executados e ai gumas semanas depois o paciente recuperava a saúde, mostran- do-se in totum apto para o casamento». As perdas seminaes podem, como a anaphrodisia e a impotência, e pelo mesmo mechanismo physiologico, ser effeito do charuto, quando abusado. Assim diz Lepervanche ter conhecido um joven estudante que, cada vez que fumava, tinha infallivel- mente uma pollução nocturna. Lalleraand diz :—«Parmi les malades que j'ai traités de pertes seminales involontaires quelles qu'en fussent les causes, beaucoup avaient eu Ia passion de fumer». — iso — A acção do tabaco sobre a INTELLIGENCÍA é, de todos que fumão, bastantemento conhecida, e os próprios fumistas,—com aquelle estado de estupidez em que cahem, depois de um excesso de charuto, com aquella ausência peculiar de idéas, motivo por que fumão para esquecer as paixões, com a somnolencia, ce- phalalgia etc.—virão provar que o tabaco, tantas e tão repetidas vezes actuando sobre a intelligencía, não poderá deixar de ser-lhe por fim em extremo funesto. Os grandes fumistas são em geral taciturnos ; não têm certa vivacidade característica dos que estão com o cérebro em seo funccionalismo perfeito e a intelligencía límpida.— « Pensar-se-ha estarem os fumistas mergulhados em profundas « meditações ; erro,— em nada pensão, esquecem e dormitão com « os olhos abertos; estão sob a influencia nicotica». (Fageret). A attenção, diz Stugocki, essa faculdade que representa um papel tão importante nos trabalhos da intellig-encia des- apparece debaixo da acção do tabaco. O fumista torna-se dis- traindo, passa sem nexo d'uma idéa á outra ; as occupações serias não podem fixar por muito tempo sua attenção. Sandras no seo «Traité des maladies nerveuses» f 1851), diz o que se segue : «Une cause qui affaiblit plus souvent « les fonctions cérébrales est 1'abus des narcotiques»; e Mon- neret attribue, em grande parte, ao tabaco o stupôr ligeiro da intelligencía, que só cessa pelos estimulantes ; julga que contribue para o desenvolvimento das nevralgias faciaes, da ly- pemania e sobre tudo da paralysia dos membros inferiores, e paralysia progressiva. O grande fumista tem commummente o espirito languido ; se o fumar moderado produz, como sabemos, nos que a isso estão habituados uma ligeira hyperemia cerebral e por conse- guinte maior actividade em suas funcçoes e lucidez da intelli- gencía, no fumar excessivo o opposto terá logar : a depressão nervosa, trazendo a indolência e languidez do espirito. — lal - M. Belèze, author do «Dictionaire de Ia vie pratique» diz : «Quanto ao moral, o tabaco enfraquece ou, pelo menos, ador- mece as forças da intelligencia ; diminue a aptidão para os trabalhos do espirito e favorece a inclinação ao ócio». A memória é a faculdade intellectual que mais prompta- mente soffre debaixo da acção perniciosa do charuto, mani- festando-se essa lesão da intelligencia por fôrmas differentes : ora esquecem-se as datas dos accontecimentos ora as physio- t nomias, ora a topographia dum logar, etc. O Dr. Le Bon observou, por exemplo, na manufactura de tabaco de» Strassburgo, individuos que offereciao a paiticular abolição da memória, de não poderem lembrar-se dos nomes das ruas e dos das pessoas conhecidas. N Fonssagrives é do mesmo modo de pensar, quando diz que o uso prolongado do tabaco e em excesso deprime princi- palmente a faculdade da memória ; e Magne, director da Es- cola d'Alfort, que communga nas mesmas idéas, recommenda a seos discípulos a abstenção do cigarro e cachimbo. A perda da memória nota-se em gráo mais considerável no fumista do que no bêbado ; o tabaco obra mais fortemente do que o alcohol sobre o cérebro. Tissot diz : «Des observations recentes ne laissent pas « douter de Ia verité du reproche qu'on fait au tabac d'af- « faiblir Ia mémoire et de nuire à Ia vue, ce qui fait un « puissant motif pour porter les gens de lettres à en aban- « douner 1'usage». O Dr: Montain cita o caso d'um negociante que, tendo contrahido de repente e com grande paixão o habito defumar, não podia mais sommar duas columnas, por pouco extensos'que fossem os números. Tinha antes d'isto grande facilidade em calcular e era apaixonado pela sciencía dos números. 16 — 1«8 — Na 2.' parte do nosso trabalho, ás pag. 57 e 58, já mos- trámos qual a influencia nociva que pôde ter o tabaco sobre a intelligencia das crianças, profligámos a indulgência de cer- tos mestres, permittindo a um menino o cigarro e fizemos vêr qual a conseqüência, para um infante, d'esse habito vicioso. - « Negar a acção do tabaco na infância e adolescência é, diz Figuier, negar a evidencia». Que conceito pois, á vista d'isto, poderá nos merecer a , singular proposta de Demeaux, feita em 1862, de permittir-se nos internatos e lycêos, o uso do cachimbo, com o fim de desviar os jovens alumnos do onanismo 1 Será o cigarro ou o cachimbo o uni^o meio capaz de entreter a um menino e, captivando-lhe a attenção, desvial-o dos hábitos viciosos? Não ha jogos próprios da idade, a se- vera vigilância, o emprego do tempo methodisado e por fim os conselhos salutares com as penas moraes ? Será necessário, para se evitar um vicio, recorrer-se a um outro também bastante pernicioso á economia, como o ta- baco ? (1) A influencia prolongada do tabaco sobre a economia, pensão muitos autores, pôde accarretar inconvenientes quanto ao des. envolvimento do corpo, produzindo o abaixamento da estatura ; isso tem-se procurado provar por meio de quadros estatísticos do augmento do consumo do tabaco e diminuição proporcional da estatura. (1) Stugocki em sua these (1867)'' traz a seguinte observação de morte p«lo ma- rasmo. «Um moço, empregado publico, tinha-se entregado com ardor ao funesto habito da fumar. Na idade de 30 annos era já um velho ; um tremor convulsivo agitava-lhe todo o corpo; os músculos, que concoirem para a articulação dos sons, participavão d esse tremor convulsivo e tornavão a palavra entrecortada e muitas vezes emba- raçada. Alguns annos depois, esse moço succumbio no^ marasmo » p n h tambem ° marasmo pelo tabaco a causa da morte do professor Royer - 1S3 — O Dr. Pidduck diz que as faltas d'um pai nunca reper- cutem tão energicamente na prole como no caso do habito do tabaco, e cita, como prova de sua assercão, os innumeros casos d'enfraquecimento, hypochondria, hysteria, pequenhez da esta- tura, etc. « Qual é a causa, pergunta—The public Health—(traduc- « cão de Crivelli), que torna a população franzina e estacio- « naria, quando deveria ella ter um impulso vigoroso ? Qual <í ó, mormente nos grandes portos livres como Hamburgo, onde « o tabaco é mui bom e barato e onde o habito de fumar « adquirio o maior desenvolvimento, qual é a causa que diminue « e deteriora os princípios da população, a ponto de ser quasi « a metade dos conscriptos recusados pelos médicos militares, « como impróprios para o serviço? Não é o tabaco?» Devemos á obsequiosidade d'um distincto pratico inglez, o Dr. Gunning, a communicação duma Revista ingleza «Pu- blic Opinion» (Julho 1875), onde tratando-se das causas que têm concorrido para a degeneração das classes manufacturei- ras, vêm transcriptos trechos de vários periódicos inglezes, sobre as idéas que, a respeito d'esse atrazo physico dos ope- rários, nutre o !)r. Fergusson. Ahi diz por exemplo a «Pall « Mall Gazette» o seguinte : « Dr. Fergusson attributes this degeneration chiefly to « the intemperate habit of the factory workers, vvho, by free « indulgence in stimulants and tobacco, debilitate their own « constitutions and tr.nsmit feeble constitutions to their chil- « dren. » E mais adiante : « Another cause of the degeneration is « that at least one half of the boys in the mills, from twelve « to twenty years of age, either smoke or chew tobacco. » Tem-se também querido lançar por conta do tabaco o — 1S4 — apparecimento de casos teratologicos na reproducção da espé- cie, monstruosidades concebidas, dizem alguns autores, sob a influencia da embriaguez nicotica. « A preponderância do sexo feminino sobre o masculino em quasi todos os paizes torna-se sensível e isto não tem outra razão de ser, diz Jolly, além do influxo pernicioso do tabaco. « l)'onde poderá provir, diz o author citado, uma tal « lacuna no sexo masculino ? « A estatística da mortalidade pôde ainda nol-o dizer, per- « mittindo-nos verificar entre os homens de 30 a 50 annos « um maior numero de óbitos devidos ás moléstias dos cen- « tros nervosos, a todas as fôrmas de moléstias mentaes, aos « amollecimentos do cérebro e medulla-espinhal, ás paralysias « geraes, em uma palavra a essa longa serie d'affecções, que « vêm causar todos os gêneros de embriaguez physica, mo- « ral, intellectual, porém onde se pôde sempre vêr figurarem « em primeira plana os efíeitos- do abuso do tabaco. » Serão porém justas todas essas mcrepações ao tabaco, será elle o agente exclusivo da maior mortandade entre os homens e degeneração da raça humana ? Contribue indubitavelmente bastante com o seo contingente de destruição, mas a syphilis, os excessos de toda a ordem, os casamentos consanguineos, etc, devem-nos merecer também grande attenção, concorrendo todas essas causas para os fins funestos de que tratamos. SYSTEMA CIRCULATÓRIO E' bastante o testemunho do fumista novato e do que se excede na dose habitual do charuto, para nos attestar que aquellas palpitações cardíacas exageradas e o pulso freqüente, — l«o — que logo após sobrevêm, não podem deixar de ser um effeito pernicioso do tabaco, exercendo-se sua acção sobre os nervos, que presidem ás funcçoes do apparelho da circulação. Muitos são os fumistas victimas d'essa aberração funccio- nal do coração ; a cada passo ouviremos queixarem-se indiví- duos de palpitações, quando ha ausência completa duma lesão orgânica a que se possão ellas ligar. Não são tão pouco effeitos d'impressão moral viva, por- que o indivíduo, no meio dos prazeres e sem ter causas que o molestem, é assaltado, observa elle, pelas palpitações só depois de ter fumado demasiado ou experimentado um fumo mais nicotinado do que o que está habituado a consumir ; palpitações cardíacas essas que são, como sabemos, devidas á paralysação do pneumogastrico que, sob o influxo da nicoti- na, perde sua acção moderadora sobre as pulsações do co- ração . Conheço em Minas-Geraes um pratico mui distincto, que não pôde fumar um cigarro Daniel, sem ser victima cVuma hyperkinesia cardíaca exagerada. A tensão arterial é augmentada logo após um charuto, augmentando-se a excitabilidade dos músculos vasculares, acção análoga á da atropina, segundo os experimentos de Meuriot; a influencia do tabaco sobre o systema vascular faz-se, diz Cl Bernard, por intermédio do nervo grande sympathico. (Jullien^. O Dr. Decaisne de 38 crianças fumistas que observou, da idade de 9 a 15 annos, notou que 27 apresentavão effeitos mórbidos sensíveis provenientos do fumar ; 22 d'essas crianças accusavão perturbações diversas da circulação, bulha de sopro nas carótidas, palpitações do coração; 3 tinhão intermittencía do pulso, e em 8 a analyse demonstrou uma diminuição notável dos glóbulos rubros do sangue ; — 1»6 — Em 11 meninos, que deixarão de fumar, vio Decaisne desapparecerem completamente as desordens que apontámos. Entrando no estudo da própria massa do sangue, o que encontramos nós nos indivíduos que fazem uso do tabaco ? Segundo Hurteaux, a phlebotomia no braço d'um opera rio das fabricas de tabaco não apresenta logo um coagmlo, e aquelle que se vai formando lentamente é bastante molle. Isto que explica a absorpção da nicotina na atmosphera das fabri- cas, não deverá a fortiori ter log'ar nos que mascão e nos que têm o péssimo costume de tragar a fumaça do charuto, onde já um outro elemento como o ácido carbônico vem con- tribuir com seo contingente de damno, intoxicando o sangue e produzindo sua diffluencia ? Será a conseqüência da nicotina, absorvida no systema cir- culatório, a diminuição da fibrina diminuindo a plasticidade do sangue e por isso havendo dyscrasia ? Julgamos com Hur- teaux ser esse o effeito no sangue da intoxicação pelo tabaco, dando essa dyscrasia logar, em muitos fumistas que abusão, ás congestões de caracter passivo; é este motivo também por- que, diz Richardson, uma solução de continuidade no grande fumista sangra por tanto tempo, resistindo ao emprego dos hemostaticos. Ainda a essa alteração do sangue é que de- vemos ligar a côr amarello-suja do tegumento externo, a anemia nicotica ou a cachexia qu>, entre os fumistas e mas- cadores, com o elemento dyspepsia, tem por costume fazer tantas victimas. A mais importante modificação porém que se passa no systema sangüíneo é o que soffrem as hematías ou glóbulos rubros ; facto observado pelo eminente Richardson, e que, para não ser alterado em sua essência, aqui transe cv unos ipsis verbis: « These globules have naturally a double concave « surface and at their edges a perfectly smooth outline. They - 1»? — « are very soluble in alkalies, and are subject to change of « shape and character when the quality of the fluid in which « they floatis modified in respect to denstiy. The absorption, « therefore, of the fumes of tobacco necessarily leads to rapid « change in them, they lose their round shape, they become « oval and irregular at their edges, and instead of havíng a « mutual attraction for each other and running together, a good « sign of their physical health, they lie loosely scattered be- « fore the eye, and indicate to the learned ob ser ver, as clearly « as though they spoke to him and said the words, that the « man from whom they were taken is physically depressed « and deplorably deficient both in muscular and mental « power. » Não terminaremos este capitulo, sem inserirmos aqui o valioso parecer dum dos nossos mais afamados clínicos, o Dr. Baptista dos Santos, a respeito dos effeitos perniciosos do tabaco na economia. Esse parecer, que o digno facultativo teve a bon- dade de communicar-nos por escripto, é como se segue, transcripto em sua integra: « Sem me deixar impressionar pelos innumeros males pro- duzidos pelo tabaco, como acreditão muitos e distinctos prá- ticos, e sem o considerar inteiramente inoffensivo, como pen- são outros muitos, devo dizer que considero esta planta dotada de uma acção narcótica e nociva, capaz de produzir graves acci- dentes nas pessoas que delia abusão, se occupão de sua prepa- ração ou vivem em uma atmosphera sobrecarregada de suas emanações. « Estudando a etiologia de differentes affecções e sobretudo das dos órgãos respiratórios, tenho tido muitas occasiões em minha pratica de apreciar a influencia notável da acção do tabaco no apparecimento e marcha dessas affecções, e notavelmente na tuberculisação pulmonar. — 1»8 — « Além de sua acção de contacto, em fôrma de poeira, sobre a mucosa do apparelho respiratório, para as pessoas empregadas em sua fabricação, a fumaça do tabaco, queimado em cachimbo ou debaixo da fôrma -de charuto ou cigarro, tendo uma acção irritante muito pronunciada, é uma das causas que, na minha opinião, concorrem para o desenvolvimento e marcha da phtysica pulmonar sobretudo nos indivíduos predispostos para esta enfer- midade o que, dando-se com excesso ao seu uso, se habituão a tragar a fumaça. « Não menos sensível é suo acção irritante sobre os órgãos digestivos. Seu primeiro effeito é fazer ailbiir á boca uma certa quantidade de saliva que, perdendo-se, prejudica a digestão e sendo essa perda em grande quantidade, pôde mesmo enfraquecer o organismo. « Não ha quem ignore que os fumadores principiantes sof- frem eólicas terríveis, vômitos e outros accidentes, taes como cephalalgias, torpor, etc, e que nos antigos fumadores, essa acção não tão sensível, comtudo não deixa de tornar-se notável; em geral todos têm pouco appetite, sede mais ou menos intensa, e soffrem de íncommodos dyspepticos. « As pharyngites chronicas, tão freqüentes e tão rebeldes, são muitas vezes devidas ao abuso do fumo. A mucosa das vias aéreas em contacto com essa fumaça, sobrecarregada de prin- cípios irritantes, acaba por se phlogosar e essa phlogose se aggrava pela persistência de acção da causa produetora. « E' também muito notável e geralmente reconhecida a acção do tabaco sobre o cérebro. Os animaes, que servirão ás experien - cias de Orfila e de outros observadores, apresentarão á autópsia um engorgitamento assaz considerável dos vasos cerebraes. Sua acção neste caso é idêntica á do ópio e manifesta-se poi* embo- tamento das funcçoes cerebraes. — IS» — « Ultimamente attribuem alguns práticos ao abuso do fumo a freqüência dos cancros do labio inferior, da lingua, a atonia do apparelho genital e a impotência. « Terminando direi que, se o abuso do tabaco pôde produzir sérios accidentes, moléstias rebeldes e algumas graves, como as do apparelho respiratório, seu uso moderado constituirá uma agradável distracção para os indivíduos que gozão de boa saúde. » Quanto ao ultimo tópico do importante parecer que temos á vista, isto é, sobre o uso moderado do charuto, cachimbo ou ci- garro para as pessoas que a isso estão accostumadas, faremos mais parafadiante, eemsecção competente, algumas considerações. Será este ponto discutido nos nossos « Conselhos hygienicos » sobre o uso do tabaco. CAPITULO III ACÇÃO DO TABACO SOBRE OS QUE DELLE NÃO FAZEM USO Su sumario — Influencia dos vapores de tabaco sobre as se- nhoras.— A atmosphera das fabricas de tabaco.— A noso- logia dos operários. Briand et Chaudé dizem no seo « Tratado de medicina legal »: Lés émanations du tabac peuvent sufEre pour causer des douleurs de tête violentes, des vertiges, des tremblements, des vomissements opiniâtres! Com effeito isto pôde ser verificado a cada passo; ninguém desconhece a acção que exerce o tabaco em vapores sobre a maio- ria das senhoras e mesmo sobre os homens que não fumão, quando 17 — 130 — accidentalmente se vêm expostos á fumaça d'um charuto ou ca- chimbo, em um aposento estreito e fechado, num wagon, n'uma diligencia, etc, onde indivíduos pouco attenciosos dão azas a seo gosto favorito, ao passo que os circumstantes accusão cepha- lalgia, náuseas e mesmo vômitos. Por esse motivo ha, em certos paizes europêos, nos diversos trens das estradas de ferro, carros especialmente destinados para os fumistas, e os quaes uma senhora susceptível evita ; também ha nos hotéis de pri- meira ordem salões especiaes para fumar.—Entre nós existem os bonds dos fumistas, que senhoras incautas não evitão e onde muitas vezes vai em sua frente" um fumista malcriado, que lhe envia ao nariz baforadas incommodas em extremo. O fumista ainda quando, n'um recinto extremamente pe- queno e esse mesmo mal ventilado, queimar muitos charutos, cigarros ou cachimbos, principia também a sentir os effeitos perniciosos d'essa'atmosphera viciada:—A fumaça, enchendo em grande quantidade esse espaço acanhado e não encontrando sahida, tende a condensar-se, obrará de modo pernicioso sobre o apparelho respiratório, pela propriedade irritante, provocando insultos de tosse e poderá ainda, além da angina pectoris, determinar a asphyxia. As conjunctivites e ophtalmias são, por seo lado, a conse- qüência d'essa acção irritante prolongada sobre os órgãos da visão. As conjunctivites são mui freqüentes nos fumistas en- carniçados e n'aquelles indivíduos que consomem, fumando, a maior parte do dia nas tavernas e cafés sobre o copo de cerveja. Nos cafés da Allemanha, quando no inverno, achão-se as janellas e portas fechadas, e o indivíduo, que n'elles penetra da rua, a custo pôde distinguir o que ahi se passa e quem se acha presente, os olhos accuzão um ardor extraordinário e só pouco a pouco é que uma pessoa póde-se ir habituando a essa atmosphera ni- cotianica, produzida por centenas de cachimbos em trabalho activo. — 131 - Mérat diz ; « Je me rapolle dans ma jeunesse avoir été « rapporte sans connaissance chez mes parents pour être reste « dans un corps de garde pendant un quart d'heure au milieu « de trois ou quatre fumeurs ». Ramazzini conta que uma moça teve grande diurese, eva- cuações freqüentes e deitou sangue pelos vasos hemorrhoidaes, por ter dormido sobre pacotes de tabaco em corda. Na observação seguinte é que poderemos bom apreciar qual o influxo dos vapores do charuto sobre quem não fuma, e até que ponto pôde chegar o envenenamento por essa fôrma. Diz Liébaut na sua these (Pariz 1851), o seguinte : « No mez de Abril ultimo, um dos meos amigos tendo-me « convidado a jantar, passámos a tarde juntos, num salão « bastante pequeno, em companhia duma senhora e d'um ou- « tro moço. Fumámos vários charutos, cuja fumaça logo encheo « o aposento de nuvens tão espessas que foi mister abrir um « pouco a porta afim de dar-lhes sair.da. « A senhora que não fumava, bem entendido, posto que « amante do cheiro de tabaco, sentio-se ao cabo de algumas « horas muito inccommodada ; foi para a cama e logo accom- « mettida de symptomas assaz graves para decidirem-nos a « passar perto d'ella uma parte da noite, bem que attribuissemos « esses symptomas á digestão perturbada pela fumaça do ta- « baco antes, do que a uma verdadeira intoxicação. « A principio a doente tinha sido attacada de calefrios « em todo o corpo combaêr dos dentes, d'um máo estar ge- « ral e sobretudo d'uma dor constrictiva e muito intensa « na região epigastrica ; em seguida, e quando deitada, essa « dôr manifestou-se ao redor da região umbilical, augmen- « tando-se pela pressão ;—a doente comparava essa dôr a be- « liscões enérgicos no intestino, queixava-se ainda de uma « cephalalgia mui violenta, de algumas vertigens e náuseas ; 132 - « o pulso dava 75 pancadas bastante cheias por minuto, a res- « piração não mostrava-se de fôrma alguma embaraçada, as « extremidades estavão frias e a sede não era muito intensa. « Mandei preparar para a doente limonada citrica, da qual « só bebeo pequena quantidade, recusando-se a nova dose ; « substitui então essa bebida por uma infusão ligeira de folhas « de larangeira e flores de tilia, que lhe foi mais agradável « e com a qual deo-se bem ; os pés forão aquecidos e cata- « plasmas emollientes forão-lhe applicadas sobre o ventre e « estômago. Para a meia noite as eólicas e náuseas redobrarão « de intensidade ; teve duas dejecções, com pequeno intervallo « uma da outra, de matérias líquidas pretas e de uma fetidez « particular. « Um pouco de calma suecedeo a essas evacuções, o pulso « abateo bastante a ponto de encontral-o eu, de manhã ás « 6 horas, batendo 48 vezes por minuto. Pela madrugada teve « uma espécie de coma, que tornou-se muito mais profundo « no dia seguinte, e durou perto de dous dias ; a doente só « sahio d'esse estado de torpor para satifazer ás evacuações, « sempre do mesmo caracter e suecedendo-se de duas em duas « horas. Não foi fácil averigmar se a secreção urinaria fora « mais considerável, achando-se a urina misturada ás matérias € fecaes ; porém um phenomeno assaz notável e que impres- « sionou-me é que durante todo o tempo a doente não cessou « de ter abundante salivação e freqüentes desejos de cuspir, « como quem fuma ; tinha um grande horror ao menor cheiro « de fumaça de tabaco, repugnância que conservou por longo h tempo. Inútil é dizer que o appettite era nullo e que vol- « tou com grande custo. « Durante todo o tempo que persistirão esses phenomenos, « o facies foi alterado, exprimindo o entorpecimento e tristeza. « Os symptomas que enunciámos forão-se pouco a pouco dis- — 133 — « sipando, mais ou menos na ordem de seo apparecimento, e a « doente só conservou a lembrança desagradável dos soffri- « mentos que experimentou ». Os operários das fabricas de tabaco não podem deixar, por seo turno, de accusar alterações em sua economia, quando nessas fabricas vivem, como é notório, rodeados d'uina atmos- phera viciada. Se durante a manipulação do tabaco humido, como entre nós o tabaco em corda, as emanações são bastante nocivas, muito mais de resentir-se sem duvida deve de ser a estada no local em que existem os moinhos, para reduzirem o tabaco a pó, onde se inhalão constantemente partículas de tabaco suspensas no ar, e em cuja atmosphera, diz Ramazzini, os próprios cavallos, empregados em mover os moinhos, estão de continuo espirrando e dando signaes de máo estar. Que essa atmosphera das fabricas de tabaco e suas vizi- nhanças se acha viciada e por conseguinte inapta para os fins chimicos da respiração, poderá qualquer attestar, quando passar pela frente de um d'esses estabelecimentos, que puilulão em nossa cidade ; pois ha de naturalmente noíar uma mudança sen- sível no ambiente, caracterisando-se por disposição a espirrar e tonteiras. (1) Nós, quando fomos visitar as fabricas de cigarros de S. Domingos e Praia Grande, tendo entrado na primeira durante o trabalho, e em boa disposição, ahi n'essa atmosphera viciada' aoezar de sermos fumista moderado, sentimos vertigens, ster- (1) O illustrado professor de Palhologia Geral, da Faculdade de Medicina, o Dr- Dias da Cruz, teve a bondade de communicar-nos o seguinte caso, influencia da atmosphera viciada na vizinhança de uma fabrica de cigarros : « Diversos membros de uma familia, moradora na rua d'Ajuda, queixárão-se de « tonteiras, náuseas, dores e enfraquecimento das pernas. « A casa achava-se todo c dia cheia do odor do fumo proveniente de uma fabrica « de cigarros vizinha. A' acção do tabaco attribui os incommodos mencionados e mi- « nha conjectura se verificou, porque bastara mudarem de residência temporariamente, « para verem-se as pessoas livres dos males de que se resentião na Rua d'Ajuda. — 134 — nutámos por varias vezes e depois d'um quarto d'hora de es- tado na fabrica, d'ahi partimos sob o peso d'uma violenta ce- phalalgia . Essa acção que, na fabrica dos Srs. Leite & Alves, foi para nós passageira e rápida, não deverá acarretar inconve- nientes mais ou menos graves para os que ahi são obrigados a consumir grande parte do dia, e isto por espaço de annos ; não será em extremo prejudicial aos operários ? (1) E' intuitivo que a vida n'esses estabelecimentos não pôde deixar de ser nociva, e muito principalmente quando mal ven- tilados, como pareceo-me ser a fabrica de S. DomiDgos. Mélier para verificar essa acção nociva do ambiente das fabricas de tabaco sobre a saúde, collocou em uma das salas da manufactura de tabaco, e:n Pariz, uma larangeira que, no fim de oito dias, foi encontrada sem uma só folha e com os renovos seccos ; o mesmo succedeo a um chrysanthemo, col- locado ao bido da larangeira. Notámos ao primeiro golpe de vista que lançámos sobre a massa dos operários da fabrica de S Domingos, uns 150 mais ou menos, em quasi todos um facies particular :—côr de um amarello pallido; são .em geral magros esses operários, e todos têm uma physionomia, em que parece lêr-se a tris- teza e languidez.—Essa côr especial é a da anemia que, como pensão muitos autores, é n'esses indivíduos devida á intoxi- cação da massa do sangue pela nicotina absorvida c trazendo como conseqüência a dyscrasia, resultado da diminuição dos hematias, glóbulos rubros do sangue. D'este ponto já tratámos com mais minudencia, quando (1) Na memória de Ruef — :c lnfluence de Ia fabrication du tab c áir Ia santé des ouvriers »—vem menciona *o o caso, observado por Stoltz, de Strassburgo, de uma mulher que deo á luz no Hospital, e cujo liquido amniotico exhalava um forte cheiro de tabaco. Essa mulher era empregada na fabrica de tabaco, cujas emanações absorvidas penetrarão até ás águas da amnios. — 135 - estudámos a acção do tabaco sobre o systema circulatório ; ahi mostrámos a difficuldade que accusava o sangue d'um d'esses operários em formar o coagulo. Mérat, no artigo — tabaco — do « Grand Dictionaire des Sciences Médicales » diz, a respeito desses operários, as seguin- tes palavras: « Les ouvriers sont en general maigres, décolorés, jaunes, asthmatiques, sujets aux coliques, au dévoiement, aux flux de sang, mais surtout au vertige, à Ia céphalalgie, au trem- blement musculaire, à un véritable narcotisme et aux maladies plus ou moins aigües de Ia poitrine, comme j'ai eu 1'occasion de 1'observer, soit dans les hopitaux de Paris oú ces ouvriers se voient fréquemment, soit dans les manufactures de tabac. » O operário que estréa nessas fabricas tem, na maioria, con- forme nos foi communicado em ambos os estabelecimentos que visitámos em Nícterohy, grande difficuldade em acclimatar-se n'essa atmosphera corrupta; alguns accusão, por espaço de três semanas, e ás vezes mais tempo, cephalalgia, vertigens, náuseas, e mesmo vômitos, havendo outros em que é tal a repugnância que se vêm constrangidos a abandonar a profissão e escolher outro meio de vida. Em nossa visita á Imperial Fabrica de Cigarros de Souza Novaes & C, estabelecimento mui bem montado, onde são obser- vadas as condições hygienicas, indeclináveis numa casa dessa ordem, e onde existem cerca de 200 meninos de 8 a 15 annos que ahi, a troco do trabalho, recebem uma educação moral e religiosa, pudemos observar para o habito externo a mesma or- dem de symptomas que na fabrica de Leite & Alves, e além disso freqüentes stomatítes e bronchites chronicas. (Cumpre notar que a alimentação em ambos os estabelecimentos é abundante e sadia). Dirigindc-nos ao medico dessa fabrica, o distincto Dr. José Victorino da Costa, e perguntando-lhe a sua opinião acerca das — 136 — moléstias mais freqüentes entre aquelles ^porarios, esse pratico com toda a urbanidade que lhe é peculiar, de seo próprio punho colleccionou e communicou-nos o resultado de suas observações, durante o tempo em que é medico d'aquelle estabelecimento, nas seguintes linhas que em seguida transcrevemos integralmente. Assim fazemos, porque as palavras do Dr. Victorino, encerrao judiciosamente tudo quanto poderíamos dizer acerca da noso- logia dos empregados nas fabricas de cigarros e revelão tal tino observador que, a não ser um tópico ou outro, nos collocão em perfeito accôrdo com S. S. Diz o Dr. J. Victorino da Costa no seo valioso memorandum o seguinte: « Nas enfermarias da Imperial Fabrica de Cigarros de S. João Baptista de Nícterohy, têm sido tratados por mim, desde o mez de Julho de 1870 até o fim do mez de Julho de 1875,-1,798 doentes; sendo : Em 1870............. 102 doentes. Curados........ 102 » 1871............. 290 » Curados........ 285 » » .......................... Fallecidos....., 5 » 1872............. 238 doentes. Curados........ 233 » » .......................... Fallecidos...... 4 » » .......................... Ficou em trata- mento........ 1 » 1873............. 503 doentes. Curados........ 496 » » .......................... Fallecidos...... 4 » » .......................... Não completarão tratamento.... 3 » 1874..........-.. 452 doentes. Curados........ 451 » » .......................... Fallecido....... 1 » 1875 (Io semestre) . 165 doentes. Curados........ 164 » » .......................... Fica em trata- mento ....... 1 ENFERMARIA ESPECIAL DE ANEMIAS E HEMERALOPlAS. Anemia. ...... 28 doentes, que forão todos curados. Hemeralopia... 20 » igualmente curados. Somma total dos doentes................... 1,798 — 13*7 — Curados.......................... 1,779 Fallecidos........................ 14 Não completarão tratamento......... 3 Ficarão em tratamento.............. 2 Scmma............... 1,798 A' excepção da anemia, hemeralopia e stomatítes, todas as moléstias, que tratei, apparecêrão por influencia das epidemias e constituições médicas reinantes", nao se podendo attribuir sua gênese a causas peculiares ao gênero de profissão dos emprega- dos da fabrica de cigarros, e sim á etiologia commuui dessas moléstias. No correr do fatal anno de 1871, em Fevereiro, rebentou na corte e nesta cidade de Nícterohy uma terrível epidemia de sa- rampos, complicados em sua maior part", de t.yphos, febres ty- phoides, entero-colites, pleuro-pneumonias e diarrhéas typhicas. Tivemos a lamentar a perda de 5 vicias, sendo dous casos de sarampos, complicados de typho, 1 de sarampos, complicados de febre typhoide, 1 de sarampos, complicados com entero-colit.es e outro de typho sem o exanthema, sendo 47 o numero total dos enfermos que forão attacados da epidemia. Ainda cuidávamos dos últimos casos de sarampos, quando manifestou-se outra epidemia, tanto no Rio de Janeiro como em quasi todas as Províncias do Brasil, a varíola, não respeitando os que tinhão sido perfeitamente vacciuados. Tivemos 42 casos, amor parte confluentes, e complicados de anginas e stomatítes pul- taceas e ulcerosas, de broncho-pneumonías, de dysenteria e um caso muito interessante de meningo-encephalite e abscessos múl- tiplos, que determinarão infecção purulenta. Não lamentámos perda alguma de vida e todos forão curados. Não obstante terem apparecido alguns casos de febre amarella nesta cidade só tivemos dous, um de vomito preto, terminando pela morte e outro benigno, terminando pela cura do doente. A nossa observação sobre as moléstias e sobre o estado constitu- cional dos empregados da fabrica de S. João Baptista de Nícterohy não pode confirmar a pretendida prophylaxia das emanações do tabaco contra as moléstias do peito e principalmente a phtysica pulmonar, nem posso corroborar o terror pânico dos que vêm nessas emanações uma causa eficiente de tuberculos pulmonares. Em 1798 doentes e em 5 annos só tivemos occasião de observar 3 casos : um de tuberculos pulmonares no Io período ; consegui- mos paralysar sua marcha por meio de doses reiteradas e «rescen- 18 _ 13S — tes de sulfito de soda, e tendo sahido o doente do estabelecimento, não sabemos qual foi o resultado. Um em um menino, que entrou para o estabelecimento com escrophulas. Depois de 2 annos de tratamento e quando as mani- festações externas das escrophulas forão melhorando, apparecerão signaes de tuberculização em ambos os pulmões. A marcha foi lenta porém progressiva e sahio do estabelecimento para Angra dos Reis, onde descobrio-se sua familia, com cavernas pulmonares. Não tivemos mais noticia desse- doente, apezar das indagações que fizemos. O 3o caso finalmente deo-se em um- menino que, sendo attacado de varíola confluente e indo para o Hospital de S. João Baptista de Nícterohy, de lá veio scorbutico e extremamente anêmico. Apezar dos cuidados que empregámos não pudemos conseguir o restabelecimento da saúde do doente, tendo-se manifestado a phtysica pulmonar no precedente inverno, com marcha accelerada e progressiva. Manifestarão-se cavernas, diarrhéa colliquativa e falleceo no corrente mez (Agosto 1875). Mal entendida condescendência e caridade da parte dos dignos proprietários da Fabrica de Cigarros de S. João Baptista de Nícterohy levou a acceitar no estabelecimento os que ahi vinhão pedir agazalho e pão a troco do trabalho que pudessem prestar, e meninos hypoemicos, esfarrapados, esfomeados, enfezados e cober- tos de todos os males que sóe acarretar a miséria Estes indivíduos erão apanhados pela rede da policia nas ruas e estradas publicas, sem abrigo e em vagabundagem, a que erão condemnados pelos desalmados, que lhes derão o ser e que, satis- feitos em seus deleites libertinosos, atirarão o fructo ao abandono e ás eventualidades da sorte. Dahi provém a principal causa efficiente do grande numero de anemias que figurão em nossa estatística. Constituições assim deterioradas não podião melhorar e antes devião aggravar-se sob a influencia do tabaco e seus alcalóides nos primeiros mezes de habi- tação no estabelecimento e antes da acclimatação, que brevemente se estabelece. O ferro e seus preparados, principalmente o ferro reduzido pelo hydrogeneo, o lactato e o tartrato de potassa e ferro, o óleo de fígado de bacalhau, abundante alimentação analeptica, vinho do Porto, banhos de mar no verão, de rápidas inmersões, passeios e gymnastica da infância, não a escolastica e scientitica que ainda não temos, mas a que nos ensina a própria natureza, e que consiste - 139 — em rápidos movimentos de todo o systema muscular, provocando, além da derivação salutar physica, o prazer e a alegria, eis os meios que tenho empregado sempre com feliz resultado. A hemeralopia tem apparecido, na mór parte, em anêmicos e em indivíduos de temperamento lymphatico. Será esta moléstia unicamente devida ao estado de dyscrasia do sangue, á dystro- phia constitucional, ou terá sobre sua gênese alguma influencia a absorpção da nicotina, como acreditão alguns que tem sobre o desenvolvimento da amaurose? E' uma questão importante e dif- ficil. Estudos mais profundos me são necessários, baseados em nossas observações e espero mais tarde emittir um juizo a tal respeito. A freqüência das stomatítes ulcerosas e pultaceas, que ob- servei no estabelecimento e fora das relações com o que observo em minha clinica urbaua, me levão a suppôr que tem por causa o contacto do fumo com a mucosa da cavidade da boca, impru- dência feita pelos meninos, fora das vistas dos mestres das ofh- cinas, que já estão prevenidos e obstaráõ á continuação de tão nocivo habito. Não terminarei sem declarar que a anemia antiga vai des- apparecendo e que raros são os casos que actualmente se dão, isto devido ás providencias que, a meu pedido, derão os proprie- tários do estabelecimento, não admittindo mais meninos sem prévia inspecção minha. Nos primeiros mezes de entrada para as officinas, alguns meninos sentem vertigens, náuseas, vômitos e a còr da pelle torna-se ligeiramente amarellecida. Facilmente porém se habituão ás emanações do tabaco, e depois de 6 mezes ficão perfeita- mente acclimatados. Outros affrontão impunemente o noviciado e não experi- mentão os phenomenos, que venho de mencionar. São estas as perfunctorias informações que posso fornecer, á vista da urgência com que me forão pedidas. Hei de apresentar um trabalho menos imperfeito e scien- tifico. Nicterohy, Agosto de 1875.— Dr. J. Victorino da Costa. Exceptuando os casos de bronchite chronica, freqüentes entre esses, meninos, como S. S. mesmo teve a bondade de communi- car-me veibalmente, e que no seo memorandum não vejo mencio- nados ; não fallando igualmente dos casos de phtysica pulmonar, - 140 — achamo-nos com o Dr. Victorino em perfeita harmonia quanto ás outras affecções que S. S. considera como inherentes á pro" fissão desses meninos. S. S. parece não ligar a importância merecida á phtysica pulmonar, como um dos effeitos nocivos da acção prolongada do ta- baco sobre o apparelho respiratório, na atmosphera dessas fabricas. — As partículas de pó do tabaco, irritantes como é sabido, suspensas no ar, que é inhalado por esses operários, é intuitivo, que não podem deixar de ser offensivas, quando se vão depositar nas ultimas ramificações bronchicas e parenchyma pulmonar.— No grande trabalho sobre « Pathologia especial e Therapeutica » editado por von Ziemssen (Handbuch der speciellen Pathologie und Therapie), e cujo conhecimento devo á delicadeza do illus- trado pratico, o Dr. Naegeli, na secção em que são estudadas as moléstias dos operários e onde diz respeito aos das manufacturas de tabaco, encontrei o seguinte tópico: « Ferner beobachtete der Vortragende (Zenker) zwei Fâlle, bei welchen sich neben hoch- gradigen atrophischen Zustanden der Lungen eigenthümliche braune Flecken im Lungengewebe und den Bronchialdrüsen fanden, welche offenbar durch eingedrungenen Tabakstaub be- ding't waren. Die Falle betrafen Arbeiter einer Tabakfabrik. » (Dr. Merkel) (1). Esse pó irritante, depositado nos pulmões, produz um tra- balho phlegmasico e pôde, como já dissemos tratando da influencia do charuto sobre o apparelho respiratório, aqui a fortíori acarretar a phtysica pulmonar. Assim pensa o nosso professor de Clinica interna, o Dr. Torres-Homem, que julga ser a profissão de cigarreiro ou cha- (1) « O orador (Zenker) observou ainda dous casos em que, a par de notável atro- fia dos pulmões, encontravão-se no parenchyma e vesiculas pulmonares certas manchas arilas devidas sem duvida ao pó do tabaoo, que ahi se tivesse ntr.duzido. Estes casos furão observados em operários d'uma íabnca de tabaco.» (Dr. Merkel.) - 141 — ruteiro uma das causas predisponentes da moléstia que con- sideramos. Esse professor, pedindo-lhe nós sua autorisada opinião acerca da phtysica pulmonar entre os operários das fabricas de tabaco, fez-nos o honroso favor de referir o seguinte : « O Sr. Leite, um dos proprietários da fabrica de cigarros de S. Domingo*, comprara quatro escravos sadios e nada accu- sando para o lado do apparelho respiratório, segundo o exame a que procedeo o distincto professor. Um anno depois, três d'aquelles escravos erão victimas da phtysica pulmonar. A profissão de cigarreiro tem, diz o Dr. Torres-Homem, contra si a atmosphera corrupta em que vivem esses indivíduos e a posição curva que imprimem ao thorax.» Quatro são entre nós as profissões que fornecem mais victimas aos tubercu os pulmonares : os charuteiros, os cozi- nheiros, os alfaiates ■; os sapateiros. A que é mais procurada, porém, pela moléstia é a primeira, a dos charuteiros, facto que podemos verifica" compulsando as estatísticas de clinica da Santa Casa da Misericórdia. Fallem por nós os mappas appensos aos relatórios do Dr. Luiz da Silva Brandão, de 1860 a 1866. Ahi vemos que no anno compromissal, de 1860 a 1861, forão tratados : Charuteiros 66; Cozinheiros. 25 ; Alfaiates 23 ; Sapateiros 14 ; O numero dos fallecidos foi o seguinte : Charuteiros 45 ; Cozinheiros 17 ; Alfaiates 13 ; Sapateiros 5 ; — 14» — No qüinqüênio de 1861 a 1866, figurão como fallecidos de tuberculos pulmonares : Charuteiros 302 ; Sapateiros 35 ; Cozinheiros 23 ; . Alfaiates 8 . São bastante eloqüentes essas provas, tirando ao nosso es- pirito toda e qualquer duvida, que por ventura ainda pudesse nutrir acerca da questão que agitamos. Sirvão-nos amda de testemunho as palavras do Dr. Merkel, que diz : «Nach unseren Beobachtungen sind Lungenkrank- « heiten bei den Tabakarbeítern die hautigsten Krankheiten « und besonders Phtisis beobachten wir oft bei denselben » ; (1) e a seguinte observação do Dr. V. Saboya, nosso muito iIlus- trado professor de clinica okirurg-ica, observação que o mesmo professor graciosamente nos communicou : « Presto como medico os meus cuidados a uma familia « que residio por muitos annos na rua Larga de S. Joaquim « e que, ha dous ou três annos, mudou-se para a rua do Vis- « conde de Souza Franco. O chefe d'essa familia tem uma fa- « brica de cigarros, em que se empregão mulher e diversos « aggregados. Elle soffre d'uma bronchite chronica e tem tido « por vezes escarros sangüíneos ; a mulher morreo phtysica, « no principio do corrente anno, e uma outra senhora, que « trabalha na fabricação dos cigarros, soffre de uma bronchite « chronica. « A que foi victima de phtysica soffria de uma chloro- « anemia profunda e só sentia melhoras quando se retirava « para uma vivenda em Campo Grande ». (1) « Segundo as nossas observações, são as moléstias pulmomrcs as que com « maior freqüência notamos entre os operários das fabricas de tabucu : a phtysica, (« muito principalmente, é uma moléstia freqüente entre elles » (Dr. Merkel). - 143 — CAPITULO IV COjNSELHOS HYGIEMCOS Nimiiiiario :—Conselhos sobre o fumar.—Ditos sobre o rape.— Ditos sobre a masca. 0 uso do tabaco, dizem Littré e Robin, não corresponde a necessidade alguma natural ; é um habito, um prazer todo fictí- cio, que freqüentemente se converte em causa d'embaraço e soffrimento. ^ Não podem ser mais exactas, nem tão pouco estar mais em harmonia com o que demonstra a pratica, as palavras ácima repetidas. Qual é realmente o nosso fim, quando pela primeira vez queimamos o nosso cigarro ? E' a vaidade dum lado, a imitação ou a seducção dos companheiros por outro lado. Era-nos indispensável aquelle habito ? Lucrou nossa economia alguma cousa depois que o fumar tornou-se-llie uma conditio sine qua, um elemento da vida ? A freqüência de certa ordem de moléstias no sexo mas- culino e a sobrepujança do sexo feminino nos poderão dar uma resposta cabal. Sobre cem fumistas, diz Percy, não encontramos três a quem a fumaça do tabaco seja verdadeiramente necessária. O contrahimento d'esse habito é uma aberração dos senti- dos, que prepara a muitos, que lhe são aterrados, aborreci- mento e incommodo quando não o podem satisfazer. — 144 - O melhor, e o que jamais será moúvo d'arrependimento é não contrahirmos semelhante habito, dando-se por mui feliz aquelle que, facilmente e sem que sua economia com isso soffra, d'elle puder desfazer-se. Este sacrifício, porém, não se pôde impor á maioria dos fumistas ; com a abolição do cha- ruto parece que uma parte de seo sêr lambem se perde. Não é raro, como no bêbado o delirium potatorum, vermos n'essas condições, com a suppresao brusca do tabaco, apparecer o delirium nicoticum ; em ambos os casos é esse delírio pro- duzido pela ischemia cerebral, resultado fatal da ausência d'aquella congestão perenne a que estava habituado o ence- phalo no fumista e no bêbado de profissão. Sendo para muitos fumistas, pois, completamente impossí- vel, e para alguns nocivo mesmo, abandonar bruscamente o habito de fumar, limitamo-nos, embora com a firme convicção de que nossas palavras serão apoucadas e ridícularisadas pelos fumistas ferrenhos, a dar-lhes os seguintes conselhos, que têm por fim retardar, o mais possível, o apparícimento dos diversos estados pathologicos por nos já considerados em paginas an- teriores : Se a necessidade de «fumar» fôr imperiosa, fumar-se-ha o menos possível afim de eng-anar os sentidos, não se excedendo o fumista na dose a que estiver habituado, porque casos têm havido em que, pelo motivo mencionado, têm apparecido no fumista inveterado todos os symptomas do nicotismo agudo. (1) (1) Armand acaba de descobrir um meio, que tem por fim roubar âs folhas de tabaco a acção tóxica, destruindo a nicotina n'ellas existente : consiste em humefazer as folhas, quando seccas, com um liquido, cuja base è o agrião dos nossos córregos. Basta serem borrifadas com esse liquido as folhas, para tornarem-se relativamente in- nocentes. Om outro meio bastante simples e que consiste em neutralisar a nicotina que encerra a fumaça d'um cachimbo ou charuto, vem a ser o que descobrio o conde L. de Ia Tour du Pin : Colloca-se no tubo do cachimbo ou da ponteira uma pequena bola de algodão, previamente impregnado d'acido tannico ou citrico. A fumaça, atraves- sando esse algodão, ahi deixará a nicotina no estado de tannato ou citrato. — 145 — O fumista deverá preferir o cachimbo ao charuto e este ultimo ao cigarro, e muito principalmente ao papelito ou cigarro de papel. O cachimbo convém que seja bastante comprido e o seo tubo duma substancia assaz porosa como certas qualidades de madeiras. Os cachimbos novos deverão por isso ser preferidos aos velhos. Os melhores, como já dissemos, são o houka, mu- nido de seo reservatório para a agoa aromatísada, e o cachimbo allemão, com o corpo de bomba coudensador da fumaça ; pa- rece difficil acreditar que sejão estes últimos cachimbos tão pouco conhecidos, quando deverião ser os de maior procura, em virtude das condições hygienicas que ahi encontramos reunidas. Como sabemos, convém que seja evitada a chegada do sarro á boca, bem como impedido o contacto com a mu- cosa da fumaça quente e acre ; os effeitos funestos d'esses agentes já os supponho por demais conhecidos de quem se deo ao trabalho de lêr o que dissemos na 2.a Parte do nosso trabalho. O tubo dos cachimbo- deve de ser antes inclinado do que horizontal, para que a fumaça se condense em sua parte in- ferior, e nunca queimar-se-ha toda a porção de tabaco contido na'fornalha, mas sim ter-se-ha o cuidado de poupar o ultimo borrelete, que se acha impregnado dos elementos tóxicos da fumaça, que, quando produzida por essa porção de tabaco, é extremamente forte, mordicante. O tabaco é tanto mais nocivo quanto mais fresco ; a ni- cotina, associada á ammonia, acha-se presa no tabaco humido e não se volatilisa. Convém portanto que o tabaco ad usum seja o mais secco possível. Do charuto ou cigarro só se deverá fumar duas terças 19 - 146 — partes, lançando-se fora a ultima porque ahi condensou-se em grande quantidade a fumaça, e a que fôr produzida por esse pedaço será, como no cachimbo, prejudicial. O mesmo conselho damos acerca do cigarro, chamando a attenção para o caso do Sr. Cabral, victima dum cancroide e cuja ohservação está á pagina 77. O cigarro de palha é, na nossa opinião, menos nocivo do que o de papel que, poroso como é, facilmente se impregna das matérias empyreumaticas e adquire uma còr negra, tomando o aspecto oleoso. O charuto não convém que seja fumado quando fresco e humido ; deve-se preferir o que fôr secco e fraco. Este, tanto como o cigarro, afim de, pelo contacto com a mucosa labial, não tornarem-se prejudiciaes,' é prudente que sejão queimados em ponteiras, que existem á venda, fabricadas de materiaes variados : espuma do mar, âmbar, madeira, borracha, etc. E' altamente prejudicial accender-se de novo uma ponta de charuto apagado de muito tempo, sendo além de nociva assaz repugnante semelhante pratica. Esse pedaço de charuto resfriado condensou em si a fu- maça com seos elementos deletérios e pôde dar logar a acci- dentes inquietantes, como no caso segminte citado pelo Dr. Druhen : « Um fumista. aliás robusto, teve uma occasião, uma « syncope por ter haurido algumas baforadas duma ponta de « charuto encontrada, no fim de 15 dias, sobre o fogão d'uma « sala» (Union Médicaie). E' extremamente nocivo o fumar-se em jejum, porque o estômago n'essas cmdições está mais apto a absorver os prin- cípios tóxicos, que n'elle vão precipitar-se com a saliva ; tão pouco convém fumar, pouco antes da refeição, porque o estô- mago excitado já terá secretado grande quantidade de sueco — 14T — gástrico, e a ausência d'appettite será a conseqüência, estando o estômago em extrema languidez. (1) Não é salutar fumar-se no aposento em que se dorme ; muitos têm o péssimo costume de fumar na cama antes de conciliarem o somno. Os vapores do tabaco encheráõ o am- biente do quarto e tornar-se-hão indubitavelmente mais nocivos do .que as flores que quasi todos evitão, no seo quarto de dor- mir, durante a noite. Se o ácido carbônico, que d'essas flores se exhala, pôde, em certa quantidade, tornar-se prejudicial, a fortiori deveráõ os vapores dum charuto ou cachimbo influir na saúde d'aquelle que os inhalar durante uma longa noite. Esses indivíduos despertão, no geral, acabrunhados por intensas cephalalgúas, e muitos accusão náuseas. Não é conveniente tão pouco, quando'n'um aposento estreito e mal arejado, queimar-se demasiado tabaco, sendo-se obrigado a passar ahi a maior parte do dia ; as tavernas da Allemanha, durante o inverno, são de uma influencia nociva sobre a saúde, em razão de sua atmosphera sobrecarregada de vapores de tabaco e por isso devem ser mui pouco freqüentadas. Cumpre, quando fôr possível, fumar ao ar livre ou em lo- gares bem ventilados, porque d'esta maneira será o charuto menos prejudicial. Depois da refeição, para os que a isso já estão muito ha- bituados, o fumar moderado não será tão nocivo, e antes pelo contrario, quando as digestões, por qualquer outro motivo, forem languidas e penosas, o charuto poderá vir a ser um (1) Algumas pessoas são victimas d'um hálito em extremo asqueroso, conseqüência d'uma dyspepsia ou gastrite chronica ; esses indivíduos depois que fumão tornão-se re- pugnantíssimos, quando fallão, pela extrema fetidez do hálito e por esse motivo de- veráõ empregar em bochechos e gargarejos o seguinte meio, que accoaselha Chevalher : Chlorureto de cal secco 12 grammas Agoa distillada i ~a m B Alcohol a 56. ) Óleo essencial de cravo da índia 1 decigrámma.—Uma meia colher de chá em um copo d'agoa. — 148 - valente auxiliar do trabalho digestivo, activando a secreção do sueco gástrico. O uso do charuto, quando moderado, não faz tanto mal ás pessoas lymphaticas, gordas e que fazem pouco exercício ; pelo contrario deve de ser prohibido, como altamente nocivo, aos indivíduos de temperamento nervoso, bilioso e sangüíneo. Estes evitaráõ o fumar e, se por ventura já forem fumistas antigos, empregarão todas as cautelas, reduzindo o mais pos- sível as doses ) Tà ve