u~ I ( FACULDADE DE' MEDICINA DO RIO DE JANEIRO «) . -------------------------------------:-------------------------------------------------------------------------------------------------------■ THESE DO DR. ROCHA FARIA \ / » / / / \ 1875 11�9 / (X \\vj~ v/. «x &/*w*&, 5 PRIMEIRO PONTO Sciencias cirúrgicas—Lesões traumáticas do encephalo PROPOSIÇÕES SEGUNDO PONTO Secção Accessoria.—Glycerma TERCEIRO PONTO Secção Cirúrgica.—Estreitamento do intestino QUARTO PONTO Secção Medica.—Cloroformio considerado pharmacologica e tnerapeuticamente. THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO K PERANTE ELLA SUSTENTADA E APPROVADA COM DISTINCÇÃO Na Augusta Presença de S. M. O IMPERADOR EM 13 DE DEZEMBRO DE 1875 POR Ipjamw Worào da :|oclta Imia júnior * Doutor em Medicina pela mesma Faculdade NATURAL DO EIO GRANDE DO SUL RIO DE JANEIRO Typographia Universal de E. & EL Laemmert 71, Rua dos Inválidos, 71 1875 DIRECTOR Conselheiro Dr. Visconde de Santa Izabel. VICE-RIRECTOR Conselheiro Dr. Barão de Theresopolis. SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LEITES CATMEB-J8ATICOS Doutores: PRIMEIRO ANXU do Canto e Mello Castro Mascarenhas.(la cadeira) Physica em geral, e particularmente em suas appli« cações á Medicina. (2a » ). Chimica e Mineralogia. , (3a » ). Anatomia descriptíva. SEGUNDO AX\U . (Ia cadeira . Polanica e Zoologia. .(2a » ). Chimica orgânica. .(Ha » ,;. Physiologja. .(4a » ). Anatomia descriptiva. TERCEIRO ASi\0 .(1" cadeira). Physiologia. .;2a » ). Anatomia geral e pathologica. .(3a » ). Pathologia geral. QCARTO ASIMO .(Ia cadeira). Pathologia externa. .('.;" » ). Pathologia interna. ). Partos, moléstias de mulheres pejadas e paridas e do recém-nascidos. ). Clinica externa (3o e 4o anno). QUINTO ANNO João Damasceno Peçanha da Silva . . .(Ia cadeira). Pathologia interna. Francisco Praxedes de Andrade Pertence.(2a » ). Anatomia topographica, medicina operatona e apparelhos. Albino Rodrigues de Alvarenga . . . .(3a » ). Matéria medica e therapeutica. SEXTO ANNO Antônio Corrêa de Souza Costa . . . .(Ia cadeira). Hygiene e historia da Medicina. Barão de Theresopolis.......(2a » ). Ezequiel Corrêa dos Santos.....(3a » ). Vicente Cândido Figueira de Saboia. .(4a » ). João Vicente Torres-Homem . . . .(4a » ). F. J Manoel Maria de Moraes e Valle Joaquim Monteiro Caminhoá Domingos José Freire Júnior Francisco Pinheiro Guimarães Francisco Pinheiro Guimarães . . Conselheiro Antônio Teixeira da Rocha Francisco de Menezes Dias da Cruz . Antônio Ferreira França vPresidente) . João Damasceno Peçanha da Silva . . . (l-a Luiz da Cunha Feijó Júnior.....(3a Vicente Cândido Figueira de Saboia(Exam.)(4a Medicina legal. Pharmacia. Clinica interna (5° e 6o anno). Clinica interna. LENTES SUBSTITUTOS Agostinho José de Souza Lima.......i BenjaminFranklin Ramiz Galvão . . . . . . f João Joaquim Pizarro (Examinador).....V Secção ie Sciencias Accessorias. João Martins Teixeira.........í Augusto Ferreira dos Santos (Examinador) ... 1 Luiz Pientzenauer (Examinador)......\ Cláudio Velho da Motta Maia.......I José Pereira Guimarães.........NSecção de Sciencias Cirúrgicas. Pedro Affonso de Carvalho Franco......( Antônio Caetano de Almeida.......1 José Joaquim da Silva.........\ João José da Silva.....i.....I João Baptista Kossuth Vinelli.......\ Secção de Sciencias Médicas. N.B. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emitlidas nasTheses que lhe são apresentadas. 24 MÉIS ET AMICIS INTRODUCÇÂO Dividiremos o nosso trabalho em quatro partes: na lâ, em consideraçõesgeraes, estudaremos os phenomenos communs a todas as lesões traumáticas do encephalo ; na 2a, analysaremos cada uma dessas lesões em particular; para as duas ultimas reservaremos os accidenles consecutivos a essas lesões primitivas, subdividindo-os em próximos e remotos; os primeiros farão o objecto da 3a. parte e os últimos serão desenvolvidos na 4a. e ultima. Desse modo acreditamos methodisar o estudo ainda obscuro de uma das partes mais difficeis da pathologia cirúrgica ; e si o conse- guirmos, achar-se-ha realisado o nosso único e mais vivo deside- ratum. Antes, porém, de assim proceder, seja-nos licito esboçar a largos traços o quadro histórico da evolução scientiíica por que tem passado as lesões traumáticas do encephalo desde a mais remota antigüidade até nossos dias. Será uma homenagem prestada á memória de tantos homens illus- tres, que lizeram deste estudo assumpto de suas constantes meditações. Esboço histórico.—Desde tempos immemoriaes têm as lesões traumáticas dos órgãos contidos na cavidade do craneo, attrahido a atlençâo de médicos distinctissimos. Hippocrales, [De vulneribus capitis) já de modo relativamente sa- tisfactorio,occupa-se das feridas da cabeça, tratando com especialida- de da commoção dasubstancia nervosaque acompanha ordinariamente as grandes violências sobre ocraneo, enunciando certos phenomenos graves, próprios a esse estado mórbido, como perda da palavra e do ouvido. Na mesma obra assignala o pai da medicina as convulsões que se manifeslão no lado do corpo opposto ao da sede da lesão no cére- bro. No Aphorismo 58 taes são suas expressões : Quibus cerebrum 38 i _ 2 — occasione aliquâ concussum fuerit eos quam primi/m você privare necesse est. Celso {De medicina. Lib.S, Cap 11) e com elle Soranus, Archigenes e Heliodorus reproduzem os preceitos de Hippocralcs. Galeno modifica os instrumentos para a operação datrepanação e chama a attehção dos práticos para as carnesfungosas, que se desen- volvem sob os ossos do craneo, referindo-as á lesões das meningeas. Paulo d' Egina [Pauli JEginetis opera. Lib. VI, cap. 88) occupa-se das lesões intra craneanas e sobre ellas assim se expressa: Siigitur cerebri membrana vuínus accepit, dolor capitis validus subsequitur, ocnli fervent rubentque, língua agitatvr, mens desipit; si cerebrum percnssvm est cegri concidunt, voxnihil sonal, faties pervertitur, bilis vomitus sequitur, sanguis per nares erumpit, per aurem humor albus pulticulce similis emanai, sanies per vulnus exit. Berengerio de Carpi, {De fractura calvarii tractatus) estuda com desenvolvimento as feridas da cabeça, formulando indicações the- rapeuticas preciosas e preceitos sobre a disposição dos ossos do cra- neo, resultados de suas investigações sobre o cadáver, e que conser- vam-se ainda lioje na sciencia, como a expressão da verdade. Guy de Chauliac {La grande chirurgié) procura distinguir os signaeí das iracturas do craneo, dos fornecidos pelas lesões dos organs conti- dos no inteiiorde sua cavidade. Ambrosio Pare, em suas obras, edição Malgaigne, com o espirito observador que o caracterisa, discute a commoção e a concussão cere- braes e formula preceitos para o curativo das feridas da cabeça e das lesões encephalicas. Fabricio d'Acquapendente {Obras cirúrgicas) enuncia as cir- cunstancias que podem complicar as fracluras do craneo. Depois delle Conradi {De mdnere fronti inflicto), Teubeler {De vulneribus cerebri non semper lethalibus), Guillemeau, Bonetus, Rouhault, de La Motte, Garangeot, Ledran, Dionis, de Lafaye, Quesnay, Ralner e Haller dedicam em suas obras algumas consi- lerações ás lesões encephalicas, reproduzindo approximativamente as já referidas por seus antecessores. Fallopio occupa-se igualmente das lesões da cabeça e estabelece que, segundo observara, um deposito interno pode formar-se do lado opposlo do cérebro ao que soífreu a acção da violência. Na mesma occasião Bambert Dodoens demonstra que os abalos produzidos pelas percussões no craneo determinam no cérebro — 3 — diversos gráos de contusão, donde resultam derramamentos, muitas vezes ignorados, e refere uma observação onde encontrara contusão tão violenta, que toda a massa encephalica lhe parecera esphacelada. Pouco depois Valsalva, tratando das paralysias, sustenta que as causas que as determinam existem no hemispherio cerebral do lado opposto ao do corpo em que se manifesta a paralysia, e que con- sistem quer em um derramamento, quer em uma lesão orgânica. Essa descoberta, já entrevista por Hippocrates, produz tal agitação na sciencia, que a Academia de Cirurgia de Paris propõe um prêmio ao melhor trabalho que se occupasse do desenvolvimento da seguinte these: theoria das contra-pancadas nas lesões da cabeça e conseqüências praticas " paredes craneanas. - 68 - Obs. VI. Commoção cerebral—morte — autópsia.— (Bayard, Ferry de Ia Bcllone, elude médico legaliur Ia commotion du cerveau).—Um joven de 23 aunos, manifestando firme tenção de suici- ri.u-si e aceusado de haver praticado um furto, é preso, despido de suas roupas e abandonado com as mãos atadas atraz das costas. Repentinamente, tendo-se ouvido rumor, correm á prisão e encontram o infeliz cahido por terra e com os sentidos completamente perdidos, por se haver pre- cipitado com a cabeça contra a parede. Chamado para autopsial-o, .Bayard observa uma ferida sobre o craneo, com seis centímetros de extensão, ao nivel da bossa parietal esquerda; echymose palpebral do mesmo lado e ausência de fractura nos ossos da caixa craneana. No interior delia o encephalo não apresenta o menor signal de attriçâo ou contusão, nem descobre-se derrama- mento algum de sangue, quer sob os ossos, quer sob a dura-maler e a pia-mater, quer no interior da massa nervosa. Um pontilhado vermelho muito fino oecupa toda a polpa nervosa, mais appa- rente quando esta é dividida em fatias hurisontaes; sua consistência é normal e oJp:,uli.hado anômalo o único phenomeno insólito observado ; tudo mais é regular. Obs. VII.— Commoção cerebral — morte— autópsia.— (Ferry de Ia Bellone, ibidem).— Em Novembro de 1858, um joven de 27 annos é conduzido moribundo, em razão de uma queda da altura de um terceiro andar, ao hospital da Conceição. No exame observa-se pallidez da face, pupillas contrahidas desigualmente e divergentes ; não ha echymose palpebral. O craneo apresenta signaes de contusões e feridas cheias de terra; a maior, sobre o ápice da cabeça ao nivel da sutura dos dous parietaes, mede cinco centímetros em todos os sentidos, as outras são pequenas e rasas ; ha fractura nos antebraços. O doente, mer- gulhado em profundo coma, não profere a menor queixa ou gemido emquanto é despido; só quatro horas mais tarde é que faz ouvir alguns gemidos, sem entretanto pronunciar uma só pa- lavra, embora provocado. Ha paralysia de bexiga, que apresenta-se nimiamente cheia ; vasada, o doente recahe em coma intenso. Diagnostica-se uma commoção cerebral complicada de fractura da base do craneo. Havendo no terceiro dia morrido o doente, é praticada a autópsia e observado o seguinte : der- ramamento sangüíneo e echymose sob o couro cabelludo; o parietal esquerdo apresenta fractura linear, filiforme e oblíqua. Serrado o craneo com cuidado encontra-se: meningeas normaes, apenas leve injecção oecupa a pia-mater e a arachnoide; ausência completa de derramamento; o encephalo então levantado e o bulbo cortado até no interior do canal rachidiano, nenhuma alteração absolutamente é observada, apezar do escrúpulo com que é pesquisada; os ventriculos são normaes e na protuberancia nem contusão nem derramamento existem. Examinado o centro nervoso rachidiano é encontrado perfeitamente são, e nas visceras abdominaes tudo e regular e integro. Em todas essas observações, mais eloqüentes do "que quaesquer considerações, que poderamos emittir, é claro, obvio, patente que a morte foi devida exclusivamente á commoção encephalica. Nenhuma outra lesão capaz de explical-a, se encontrou em qualquer dos factos que resumimos, principalmente no ultimo chefio de interesse e onde o exame foi escrupuloso e completo. E a melhor resposta que poderíamos dar á conclusão de Fano, que se refere á existência da lesão que nos oecupa. Provam além disso, as observações de que nos socorremos, que — 69 - a commoção cerebral é mortal por si só, independente de quaes- quer circumstancias, opinião de que estamos lirmemente conven- cido e que nos é autorisada pela experiência e observação da maioria dos cirurgiões modernos. No entretanto ella é ainda commentada por alguns e repeliida por outros. Entre os últimos, Trélat, distincto cirurgião francez, por occasião de apresentar uma observação de commoção do encephalo, complicada de ruptura do baço, provoca no seio da Sociedade de Cirurgia de Paris uma discussão animada, for- mulando a conclusão de que a commoção, embora seja uma entidade clinica, só produz a morte, quando acompanhada de moléstias agudas ou quando no cérebro preexistam alterações chronicas. Seja-nos licito demorar-nos algum tempo sobre as considera- ções de Trélat e examinar si sua modificação proposta no prognos- tico da commoção deve ser aceita. Eis o facto em que se baseia Trélat. Obs. VIII.— Commoção cerebral— ruptura do baço — morte—autópsia. (Buli. de Ia So- ciété dá Chirurgie de Paris; vol. Xlpag. 1)0.)—U.na creança é conduzida ao Hotel-Dieu sem sen- tidos, por urna queda da altura de um terceiro andar. Ferida contusacom três centímetros de lar- gura na parte superior esquerda do frontal; coma, face pallida, pupillas dilatadas, olho direito meio aberto, esquerdo cerrado ; resolução muscular completa, respiração calma , profunda, pulso pequeno sem acceleração; morte, três horas depois do accidente, sem modificação no estado des- cripto. Na autópsia encontra-se : fracturas múltiplas entre as quaes uma com nove centímetros de extensão ; no cérebro tudo é normal, excepto pequena injecção na pia-mater; a cavidade ab- dominal contém um derrame sangüíneo de 150 a 200 grammas devido á ruptura do baço em sua face convexa. Trélat, depois de haver referido detalhadamente o resultado dessa autópsia, conclue dizendo que fora a ruptura do baço que occasionara a morte da doentinba, e para comprovar ò complemento de sua asserção sobre a influencia das moléstias chronicas preexistentes do encephalo, na gra- vidade da commoção, apresenta igualmente as duas seguintes observações, onde, em sua opinião, a commoção cerebral representou na morte dos indivíduos um papel accessorio. Obs. IX.— Refere Morgagni, que um alienado, precipitando-se contra um muro, moire instantaneamente ; na autópsia encontra-se uma encephalite chronica caracterisada pela diffluencia da substancia cinzenta do cérebro e cerebello, e pela dureza da substancia branca. Obs. X. — Um velho caduco do hospital de Bicètre, lança-se de um primeiro andar e morre chegando á enfermaria; na autópsia, Trélat encontra fracturas do craneo ; nenhum derrama- mento existe, quer dentro quer fora da dura-mater ; mas, proseguindo o exame, observa na pro- fundidade do hemispherio direito uma cavidade communicando com o ventriculo lateral, cujas paredes são diffluentes e pardacentas. — 70 — Commentemos essas observações: Na primeira, onde Trélat diz ter sido a ruptura do baço a causa determinante da morte da creança e não a commoção cerebral, sua opinião é facilmente refutada por todos os pathologistas. Com effeito, todos os autores que consultámos sobre as rupturas do baço são concordes em aííirmar que ellas são mortaes, quer traumática, quer espontaneamente produzidas; mas, para que esse resultado se dê rapidamente, é necessário que a hemoi rhagia pro- veniente da ruptura dos vasos splenicos seja considerável. No caso vertente ella era pequena e, nessas condições, não podia determinar uma morte tão prompta. E incontestável que a lesão splenica concomitante aggravou as circumstancias precárias do doente; mas, é força igualmente con- fessar que, si fosse a única alteração existente, a morte não sobreviria em tão curtos instantes e o quadro dos symptomas seria outro. Houve queda de altura considerável; integridade apparente do cérebro, resolução muscular completa e todo o cortejo de symp- tomas característico da commoção, terminado rapidamente pela morte, sem ser modificado; houve, finalmente, todos os elementos para diagnostical-a, porque não admittil-a como productora do resultado observado? Em nossa opinião, corroborada por Deguise {Société de Chi- rurgié), cujas considerações, em parte, reproduzimos, na observação a que nos referimos, a morte foi devida á commoção do encephalo. Do mesmo modo nas subsequentes, que transcrevemos, idên- tica conclusão é manifesta; achavam-se reunidos todos os ele- mentos etiologicos de uma lesão traumática do encephalo, a ella attribuiremos a morte. E nem se pôde dizer que talvez a commoção não a determinasse, sem o concurso das moléstias antigas e chro- nicas preexistentes; quer esses doentes soífressem ou não essas lesões, uma vez que a violência foi sufficiente, pelos effeitos pro- duzidos no interior do craneo, para determinar a morte, esta dar- se-hia, independente de quaesquer condições. O que, estamos certo, levou Trélat a attribuir a morte ás lesões antigas do cérebro, nas duas ultimas observações, e á ruptura do baço, na primeira, foi a ausência na polpa nervosa de alterações anatômicas capazes de explicarem-na; essa razão, porém, não pode prevalecer, desde que Littre, Sabatier, Mounier, Bayard e Bellone observaram-na em idênticas condições fataes de moléstia análoga. — 71 — Por eslas considerações, já bastante extensas, hemos respondido ás questões que nos propuzemos e, baseado nellas, concluiremos que : A commoção encephalica è uma entidade clinica perfeita, capaz e sufficiente de, por m só, determinar a morte. Besta-nos ainda estudar oulra questão não menos importante e que necessariamenle é a causa de todas as divergências que ainda hoje dividem o campo da sciencia e cujo alcance, no tosco es- boço que terminámos, pode-se approximativamente apreciar. A morte na commoção do encephalo liga-se a alterações ana- tômicas ? Quaes são essas alterações? Dessas duas questões trataremos englobadamenle. No relatório apresentado á Sociedade de Cirurgia de Paris, sobre a Memória de Fano, a que anteriormente nos referimos, diz o illustrado professor Chassaignac: « De tout ce qui a été écrit jusqu'à présent sur Ia commotion du cerveau, ressort ce fait qui doit exister en substance dans 1'esprit de tous les chirurgiens, à savoir: c'est le défaut de relation constante et régulière entre les phénomènes symptomatologiques de Ia commotion et un état ana- tomique determine qui appartiendrait en propre à cetle aíTection.» Taes eram as expressões de Chassaignac em 1852 e taes devem ainda ser hoje as de Iodos os cirurgiões. Apezar do constante progresso da anatomia pathologica, do impulso immenso dos estudos microscópicos nestes últimos tempos, ainda não lem sido possível preencher-se essa lacuna de que falia Chassaignac; as lesões anatômicas da commoção cerebral não foram ainda verificadas pela observação. Estaremos, por essa razão, autorisado a concluir com alguns autores que ellas não existem? Bepugna ao nosso espirito conceber moléstia sine matéria, e o facto de não se ter até hoje encontrado alterações materiaes na commoção não pôde convencer-nos de que jamais enconlrar- se-hão. Muitas outras affecções não apresentavam, até bem pouco tempo, aos olhos dos anatomo-pathologistas lesões materiaes ; entretanto que hoje, pelo aperfeiçoamento dos meios de investigação, tèm sido desvendadas. E si essa é a triste verdade dos factos, não occultemol-a, nem - n — sigamos a opinião errônea d'aquelles, que fazem da commoção cerebral, de um processo mórbido inteiro e perfeito, mesquinha* parcella da contusão. Essa tem sua anatomia pathologica própria, que opportunamente estudaremos, e não aceita, nem precisa de productos de reacção. para caracterisarem-na Dizemos productos de reacção, de caso pensado; é assim que comprehendemos esse pontühado vermelho, que ordinariamente em autópsias de commoção pura, é encontrado no encephalo. Nas obseivações, que atraz transcrevemos, esse phenomeno foi sempre observado em maior ou menor quantidade, como única alteração na totalidade da polpa nervosa; só nos casos de Littre e Sabatier deixou de ser encontrado. Será essa a alteração anatômica que.caraclerisa a commoção encephalica? Si não é, como explicar seu apparecimento quasi constante nessa lesão? Por ninguém, estamos certo, será esse phenomeno insignificante considerado como a lesão anatômica da commoção cerebral: elle é apenas o effeito da reacção, que se opera no orgam, logo após o accidenle; na luta da vida contra a morte, um aííluxo sangüíneo é produzido para o cérebro e a injecção capillar manifesta-se. E tanto assim éque, quanto mais demorada sobrevier a morle, tanto mais intenso será o phenomeno; nas mortes fulminantes, como nas observações de Littre e Sabatier, não tendo tempo de formar- se, deixou de ser observado. . As próprias experiências de Fano comprovam-no, pois que esse autor confessa ter sempre visto tanto maior derramamento, quanto mais longo era o tempo que gastava o animal para succumbir. Além disso, tomando para exemplo qualquer parte da economia e collocando-a em condições análogas ao cérebro, observaremos idênticos phenomenos Tomemos o pé de uma creança e sobre a face plantar appli- quemos uma percussão com um fragmento qualquer de madeira; immediatamente observaremos o seguinte : pallidez da parte que soffreu a violência e logo após grande aíHuxo de sangue, verme- lhidão mais ou menos intensa, torpor, etc. Houve aqui contusão, derramamento, dilaceração? Conslitue essa vermelhidão o caracter anatômico da lesão ? - 73 - E ella a causa da dor ou torpor que experimenta o paciente ? Não, por certo. Essa coloração avermelhada nada mais é do que um pheno- meno de reacção; ha abalo das fibrillas musculares do pé, dos filetes nervosos, dos vasos, dos glóbulos sangüíneos, isto é, um per- feito estado de commoção caracterisado pela reunião de alterações intimas. Cessado o abalo, ha maior affluxo de sangue para a parte percutida, em razão da violência sofTrida, e a injecção capillar manifesta-se. Applicado o phenomeno ao cérebro, achar-se-ha explicada a formação do pontilhado vermelho, que é tão freqüentemente encontrado em sua substancia, nos casos de commoção ence- phalica. Como vemos, essa injecção capillar, encontrada post mortem, não pôde ler significação alguma anatômica, e admira-nos que espíritos sensatos hajam, de facto tão insignificante, feito a lesão material da commoção mortal, quando a sciencia conla lão vasto numero de observações, onde perdas colossaes de substancia ner- vosa, complicadas de vastos derramamentos, manifestaram-se, sendo- llies a vida perfeitamente compatível em todas as suas admiráveis attribuições. Deixemos de lado esse facto e oecupemo-nos com outro igual- mente curioso e de idêntico valor anatômico. Littre, Sabatier e Dupuytren referem ler observado, em au- tópsias praticadas por occasião de commoção cerebral, um espaço vasio entre as paredes do craneo e o encephalo, e ligam a esse phenomeno grande valor para explicar a morte. Idênticos resultados em experiências sobre cães alcançou Larrey. Acreditamos que esses factos foram especiaes e devidos a quaes- quer circumstancias, inteiramente diversas e alheias ao processo da commoção cerebral ; nclles apenas tocamos por acharem-se revestidos da autoridade de lão distinctos cirurgiões do nosso século. Em todas as ou Iras observações, referidas pelos autores, de- balde procurámos o phenomeno assignalado por Sabatier e Du- puytren, jamais o encontramos, e si alguns o referem e discutem, é sem duvida em razão da probidade scientifra e critério, que cercam os nomes de taes vultos da sciencia. 38 10 - 74 - Fano, que delles se oecupa, nega-os formalmente e admira se que tal theoria tenha continuado a existir. Nélaton, Bérard, Denonvilliers, Gosselin e Velpeau confessam terem-nos jamais verificado. Seria uma injuria insultar a memória de tão illustrados pro- fessores, contestando a veracidade do que avançaram ; por esse motivo apresentaremos, para explicar suas asserções, duas theo- rias engenhosas pertencentes, a primeira a Gama e a ultima a Ferry de Ia Bellone. Diz Gama: « Considerando que o sangue chega em ondas ao cérebro em cada contracção do coração e que corre de um modo uniforme nas veias e nos seios, conceberemos contra a opinião de alguns physiologistas, entre os quaes figura Monro, que este orgam tem necessariamente mais peso e que sua substancia tende a dilatar-se a cada pulsação; mas quando o effeito de uma com- moção impede o sangue de dirigir-se em tão grande quantidade, e por ondulações, á cabeça, o peso do cérebro não é o mesmo, sua dilatação é menor. De outro lado, a violência conlrahe as partes do orgam, expelle promptamente nos seios o sangue que chega nos ramos vizinhos pelo movimento circulatório ; eis ahi bastantes causas de diminuição de volume do cérebro. Si ordina- riamente essa diminuição não é observada, é porque já se estabe- leceu a reacção, ao contrario ella manifesta-se sempre nas com- moções violentas e fulminantes. » Occupando-se igualmente do phenomeno, assim se expressa Bellone: « Duas series de movimentos existem no cérebro : a primeira corresponde aos movimentos do coração e a outra aos da respira- ção. Esses movimentos são independentes, mas simultâneos. A cada movimento de inspiração corresponde um abaixamento do cére- bro ; esse abaixamento reconhece por causa um aílluxo de sangue venoso e um pouco de refluxo de sangue arterial para as partes in- feriores do pescoço, pelo, effeito do vácuo que produz a dilalação das paredes thoraxicas. E uma inspiração da cabeça pelo peito; um movimento de elevação do cérebro acompanha, ao contrario, cada movimento de expiração e a razão é o refluxo do sangue ve- noso e o affluxo do sangue arterial para a cabeça pela retracção do peito. Mas, ao mesmo tempo que esses dous movimentos se executam, durante sua duração produzem-se outros mais vezes - 75 — repetidos e mais curtos; são as pulsações das artérias do cérebro e da base do encephalo, e essas pulsações levantam a polpa nervosa por movimentos isochronos ao pulso. Nas creanças, cujas fonta- nellas não são ossificadas, essas duas series de movimentos são claramente percebidas. A quantidade de sangue que afflue para o cérebro é, pois, sus- ceptível de variar o espaço que elle oecupa, si bem que, no estado physiologico, não se possa produzir nenhuma espécie de vácuo nas cavidades splanchnicas. Mas o cérebro é além disso cercado do liquido cephalo-rachidiano, que enche os ventriculos. Pela acção mecânica de uma posição inclinada, quando toda a vida cessa, o sangue e os liquidos,affluindo para as partes inferio- res e podendo mesmo perder-se por imbibição, não seria possível produzir-se um pouco de vácuo entre o cérebro e as paredes da cavidade craneana ? » Não commentamos essas theorias e reproduzimol-as, para não deixar sem resposta asserções de illustres mestres da sciencia, cuja memória por nós deve ser venerada. Por essas considerações concluímos que, nem a injecção capillar dos vasos encephalicos, nem ò vácuo de que faliam Littre e Sabatier, podem ser considerados como constituindo a lesão anatômica da commoção cerebral grave e fulminante. Qual será, pois, essa alteração, capaz de explicar uma morte tão rápida, e phenomenos clínicos tão interessantes e graves? Para responder a essa questão, seja-nos licito resumir a discussão que provocou, quando proposta no seio da Sociedade de Cirurgia de Paris, corporação a todos os respeitos merecedora de muita consideração pelos illustrados membros que a compõem: « Sessão em 29 de Agosto de 1860. « Depois da leitura de uma observação de commoção cerebral, terminada por morte e apresentada pelo Dr. Deguise ; o professor Gosselin diz : O accidente conhecido pelo nome de commoção do encephalo pôde produzir a morte sem lesão apreciável da sub- stancia nervosa e de seus invólucros? Os factos citados pelos au- tores antigos, continua o mesmo cirurgião, confirmam esse modo de vêr, que permanece entretanto duvidoso para outros. Seria, pois, desejável que os observadores modernos quizessem contribuir para a elucidação desse ponto da pathologia, com o contingente de suas indagações. « Sempre, continua Gosselin, encontrei lesões no encephalo nos indivíduos, que succumbiram rapidamente á commoção cerebral; e essas lesões consistem em contusões superficiaes ou múltiplas, ás vezes profundas e consideráveis, situadas abaixo de lesões pouco apparenles na superfície, outras vezes em derramamentos san- güíneos superficiaes ou profundos. Não nego a commoção cerebral^ mas acredito que os indivíduos que se restabelecem dessa mo- léstia acham-se isentos dessas alterações. Bauchet responde, que existem na sciencia numerosos exemplos de morte rápida em razão de commoção cerebral, sem que a autópsia tenha revelado lesões apreciáveis e que não pode acreditar que as pequenas contusões, ás vezes encontradas, tenham podido determinar a morte. « Guersant, que suecede a Bauchet, refere ter feito autópsia em Ires indivíduos fallecidos de commoção e por ella é levado a crer que este accidente se acompanha sempre de lesões anatômicas distinetas. « Chassaignac, em resposta, recorda a observação de um joven marinheiro que, cahindo do mastro grande de um navio ao fundo do porão, morreu de commoção encephalica e que na autópsia elle encontrou derramamentos miliares e azulados. « Giraldès partilha a opinião de Chassaignac e acerescenta que esses derramamentos elle os tem ainda encontrado na espessura da pia-mater. « Bauchet de novo se levanta, combate essas asserções e invoca as seis observações de sua these, onde a morte leve lugar sem lesões apparenles. « Uma outra vez toma a palavra Chassaignac e compara a commoção cerebral á congestão, denominando-a coup de sang traumalique. « Insiste Gosselin sobre a necessidade de novas e persistentes observações para esclarecerem esse ponto da sciencia ainda tão obscuro. « Deguise, que suecede-lhe na tribuna, confessa, que sem negar as a iterações encontradas, não lhes pôde comtudo altribuir a causa da morte e relata uma autópsia por elle praticada em um indi- víduo ferido na !eta por um pesado pedaço de madeira, e morto immediatamente, onde apenas encontrou uma ferida insignificante nos tegumenlos proíectores do craneo, sem fractura e sem lesão alguma apparente no encephalo, a nüo ser manchas avermelhadas na pia-mater, e conclue dizendo que, em sua opinião,os derrama- mentos nessa membrana, não causam a morte instantaneamente. « A discussão em razão da hora adiantada, é adiada para a sessão seguinte, » « Sessão em 15 de Setembro de 18(50. « Giraldès voltando á questão discutida na sessão transada, com- bate a opinião de Deguise e ailirma que os fados possuídos pela sciencia não são sufficientes para corroborarem-na. « Continua Deguise sustentando suas assereões e negando as de Giraldès. « Bauchet applaude Deguise e destroe o valor das palavras de Giraldès; este responde-lhes que, não negando a existência da com- moção, combate a possibilidade de morte produzida por esse acci- dente sem lesão, por isso que as autópsias que a aflirmam, não têm sido perfeitas e conclue sustentando novamente que os factos até hoje referidos, não têm valor bastante para resolver essa grave questão. » Foi nesse ponto encerrado o debate sobre esse assumpto e nunca mais a Sociedade de Cirurgia até 1870, cujos boletins possuímos, oecupou-se da commoção cerebral. Pelo resumo que acabámos de apresentar das opiniões de tão abalisados cirurgiões, infere-se não só a ignorância que cerca esse ponto da pathologia cirúrgica, como também o estado de divergência que reina entre os actuaes representantes da cirurgia franceza. Era o melhor modo porque poderíamos responder á questão que nos propuzemos anteriormente; quando lão provectos talentos, tão escrupulosos observadores nada têm conseguido, ser-nos-ha relevado responder que tem sido impossível até nossos dias, pelos meios de que dispomos, conhecer alterações anatômicas na commoção ce- rebral capazes de explicar a morte. Não nos confessamos, porém, vencido e desistindo da anatomia pathologica e de todos os seus auxiliares materiaes, recorramos para expor as convicções que animam nosso espirito, a outra ordem de considerações; voltemo-nos para a clinica e pela comparação, interpretação e discussão de seus phenomenos, procuremos resolver a questão. Impossibilitado, tolhido de apresentar o resultado frio, claro e - 78 - palpável da observação directa, único infallivel, recorramos a outra ordem de argumentação. Baciocinemos. Começaremos comparando, e para isto estabeleçamos os termos: Obs. XI.—Queda da altura de um segundo andar, fractura do craneo, grande perda de substancia cerebral, ausência de accidentes; cura. (Morte mais tarde por infecçao purulenta.) [Buli. de Ia Société de Chirurgie de Paris, vol. 18.) Obs. XII.—Violenta percussão com o punho de uma espada sobre ocoronal; fractura e des- truição de toda a parte do cérebro correspondente; suppuração, perda de substancia ; nenhum accidente primitivo; cura. (Fab. Hildanus, cent. obs. Fano, thèse de Paris.) Obs. XIII.—Fractura dá base do craneo; contusão cerebral; meningo-encephalite; cura. (Lajoux, thèse de Paris.) Obs. XIV.—Penetração de três centímetros de vareta de espingarda no encephalo; fractura do craneo; extracção do corpo estranho; nenhum accidente; cura. {Mercure de Trance, Janvier 1822 ; Fano, loc. cit.) Obs. XV.—Quedada altura de quatro metros, grande ferida e fractura do craneo, por onde sahe de tempos a tempos porções de cérebro ; extracção de numerosas esquirolas implantadas na substancia nervosa; absoluta ausência de accidentes ; cura. (Hufeland's Journal, Nov. 1827; Fano, loc. cit.) Obs. XVI. —Ferida na cabeça de uma creança por couce de cavallo ferrado; perda de substancia encephalica; nenhum accidente; morte vinte dias depois. (Buli. de Ia Société Anatomique de Paris.) Obs. XVII. — Ferida da cabeça ; lesão do lobulo anterior do cérebro ; destruição de grande porção da base do encephalo; ausência de accidentes; cura. (Morte cinco mezes depois por suppuração.) (Arch. de Médecine de Paris; Fano, loc. cit.) Obs. XVIII. —Fractura comminutiva do craneo; perda de substancia cerebral; ausência de accidentes; cura. (Ibidem.) Obs. XIX.—Penetração no interior do craneo de uma haste de ferro de três e meia pollegadas de comprimento e três linhas de largura ; extracção; nenhum accidente grave; cura. (Journal de l'Expérience; Chassaignac, loc. cit.) Obs. XX. —Permanência de uma porção de ferro durante sete mezes na substancia do encephalo; ausência de accidentes; extracção; cura. (Sabatier, Médecine Opératoire.) Obs. XXI. —Queda de cavallo sobre pedras angulosas; fractura do craneo; ruptura das me- ningeas pelos fragmentos ósseos; corpos estranhos no encephalo; extracção; perda conside- rável de substancia nervosa; cura. (American Medicai and Surgical Journal, 1831; Chassaignac, ibidem.) Obs. XXII.—Fractura do frontal; destruição de grande porção de substancia nervosa deter- minada por estilhaços de um cano de espingarda; extracção de fragmentos do osso e do cé- rebro ; nenhum accidente ; cura. (Edimburgh Medicai and Surgical Journal; Chassaignac, ibidem.) — 79 — Obs. XXIII.—Explosão de mina; grande fractura do craneo; corpos estranhos na superfície dos hemispherios descobertos; penetração de uma sonda em diversos sentidos; perda conside- rável de substancia; ausência completa de accidentes; cura. (Buli. de Ia Société de Chirurgie de Paris, vol. Io.) Obs. XXIV.'—Uma barra de ferro de um metro de comprimento atravessa o encephalo de lado a lado; perda colossal de substancia; hemorrhagia considerável; ausência completa de accidentes symptomaticos ; cura. (Jornal Americano de Sciencias Médicas, Julho de 1850; Cauvy, Des fraclures du crdne.) Não multiplicaremos as observações, citaremos, apenas, ainda alguns factos do domínio da sciencia, aulhenticos e inseridos em diversos tratados, monographias e collecções de jornaes scienli- ficos. Larrey, David, Perry, Hennen, em suas obras sobre cirurgia militar, citam grande numero de observações, onde balas, esti- lhaços de bombas, fragmentos de armas de guerra, penetraram, contundiram e dilaceraram a substancia do encephalo, sem pro- duzirem accidentes graves e reslabelecendo-se em grande parle os doentes, que foram victimas de sua acção destruidora. Guyot retira com successo fragmentos de madeira encravados no cérebro de um camponez; Bonnefoux (de Bhodes) observa um homem que conservara durante dous annos no interior do craneo a ponta de uma faca. No muzêo de Santa-Maria Nuova em Florença existe o craneo de um indivíduo, que conservou durante quatorze annos uma porção de eslylete no cérebro, sem apresentar phenomeno algum anormal. William Beaumont retira da cavidade craneana de um indivíduo uma faca e da de outro um fragmento de vareta de espingarda; ambos estes corpos penetraram pela orbita e ambos os doentes se restabeleceram. Grisvold de Goodwinville extrahe do en- cephalo de uma creança o pé de uma cadeira, que penetrara quatro centímetros, e cura-a sem observar accidentes. James Cooper soccorre outra creança, que ficara suspensa em uma ponta de um gradil de ferro, que penetrara-lhe no cérebro ; apezar da perda de substancia, não houve accidentes graves e a doentinha restabeleceu-se. Lajeai de Valenciennes extrahe do interior do craneo de um con- trabandista a culatra de uma espingarda e cura-o, apezar de ter o corpo estranho permanecido por longo tempo no parenchyma ence- phalico; neste caso a ausência de accidentes foi tal, que passou desapercebido para muitos médicos, que examinaram o doente antes de Lajeai. - 80 - BobertHuges extrahe igualmente outra culatra do craneo de um galé, que a conservava, sem apresentar accidentes, havia quatorze mezes; o doente rcslabeleceo-se. Cunningham encontra no craneo de outro indivíduo a culatra de uma pistola, que permaneceu vinte e cinco dias sem produzir phenomenos mórbidos. Finalmente Lefort, {Buli. de Ia Société de Chirurgie de Paris, Vol. XVIII) de onde extrahimos os factos que acabámos de citar, refere o caso de um oíTicial indez, que conservara durante oilo annos no interior do craneo a culatra de uma espingarda ; so nessa épocha manifestaram-se accidentes que fizeram o doente succumbir. Estabelecido um termo da comparação, prosigamos no raciocínio que interrompemos. Comparemos nessa serie de tão graves lesões os resultados ofTerecidos com os da commoeão cerebral. Si em lesões tão consideráveis não houve morte, não houve ma- nifestação de phenomeno algum clinico, que as revelasse, como concebermos que a commoção cerebral possa produzil-os, possa matar, sem achar-se ligada a alterações materiaes e importantes da massa nervosa ? Si corpos estranhos de tamanho relativamente exagerado poderam comprimir, contundir, destruir por mezes e annos o encephalo, sem acarretar o menor accidente e, uma vez extrahidos, os doentes resta- belecerem se; si lesões tão graves de estructura, repetimos, foram compatíveis com a perfeita integridade funccional do cérebro, como admiltirmos que o estado desse orgam, que crêa maior numero de phenomenos insólitos em seu funccionalismo, que o perverte e que abrange sua totalidade, possa achar-se completamente isento de alterações anatômicas, de lesão orgânica? Não o podemos conceber! E não o pôde também o Dr. Léon Lefort, quando, em plena Socie- dade de Cirurgia de Paris, sustentou que a commoção mortal obrava abolindo instantaneamente as funeções de encephalo e impossibi- litando os organs de reagirem. Mas, em que consiste essa impotência orgânica em reagir contra a causa que paralysou sua actividade vital, senão na alteração material que surprehende seus mais Íntimos elementos de cuja integridade nasce a força funccional ? Bepugna-nos conceber perturbação de funeção, sem lesão orgâni- ca, e nesle caso, mais do que em qualquer outro, porque houve trau- matismo. — 81 — Como admitlir que, após a acção de uma violência, actuando directamente sobre um orgam, elle paralyse sua funcção, sem ser lesado materialmente? Para que o encephalo, em plena actividade funccional, seja im- possibilitado de trabalhar eternamente, julgamos ser necessário que urna causa material exista, perturbando e alterandp profundamente a harmonia orgânica de seus elementos anatômicos. Acreditamos que possa perverter se, por sympathia ou por qualquer outro phenomeno reflexo, a funcção de um orgam; mas, para que sua actividade vital seja completamente abolida, é forçoso que se ache le- sado no que tem de mais delicado, de mais importante no equilíbrio harmônico de suas moléculas. Accresce que Delpech observou muitas vezes que os symptomas da commoção cerebral, tendo-se dissipado ,reappareciam alguns dias de- pois, sem que a autópsia revelasse elementos que podessem explicar a razão desse reapparecimento e justificar a manifestação de pheno- menos que se suppunha subjugados. Esse facto mais corrobora a opinião, que acabámo? de emittir: sem haver causas materiaes que entrctivessem esses phenomenos, como traduzir essa recrudescencia ? Passemos a outra ordem de considerações e examinemos os ele- mentos Íntimos da textura do encephalo. Como todas as cellulas do organismo, participam as nervosas dos phenomenos geraes de nutrição, que caracterisam a vida das cellulas; do meio em que vivem tiram os elementos de sua reparação : absorvem, exhalam, e, como todas as cellulas do organismo, sugam no plasma exsudado dos capillares que rodeiam, os elementos de sua actividade especifica, percorrendo assim phases de evolução e invo- lução successiva. O que, porém, distingue esse gênero de cellulas do resto da organisação animal, é a propriedade de transmittir a distancia sua acção, não limita a esphera de sua actividade ao lugar onde se acham ; por meio dos nervos, verdadeiros conductores que dellas emanam, estabelece communicação com a economia inteira. Além disso consideráveis como são suas activas manifestações. precisam as cellulas nervosas, para sua integridade funccional. além da intermittencia de trabalho, conservar principalmente perfeitos os elementos de seu suh.stractum orgânico, de onde sugam a vida e a energia que as anima. Essas interessantes particularidades, conhecidas por todos os 153 11 _ 82 — physiologislas e elegantemente descriptas por Luys, em sua obra citada, serão novo contingente para auxiliar-nos na exposição* das idéas de que nos achamos firmemente convencido. Por essas considerações, nas mortes determinadas pela commo- ção cerebral, as cellulas nervosas soffrerao uma das duas causas que as impossibilitam de funccionar e que acima referimos. Não deixando de haver intermittencia, por quanto o cérebro é surprehendido em pleno trabalho funccional, haverá a outra causa de lesão, isto é, modificação material no substractum orgânico que as nutre, revelada pela inércia e pela morle. O modo por que se opera o phenomeno, já discutimos em occa- sião oppoituna e não o repeliremos. Acreditamos que na commoção leve. passageira, só phenomenos de congestão tenham lugar e sejam sufficientes para explicar esse torpor funccional ephemero, que caracterisa o primeiro gráo de mo- léstia e que Trou?seau tão bem denominou étonnement du cerveau. Mas a commoção fatal que fulmina, ou a grave que acarreta perturbações duradouras, só pode ser a conseqüência de altera- ções intimas, occultas até hoje aos meios de investigação de que dispomos. E de facto essa prostração considerável das forças da economia, essa lethargia funccional, a morte tão commummente observada, devem ser a expressão de alterações importantes na textura in- tima dos elementos dos diversos focos da actividade nervosa, que promovem as manifestações normaes da actividade humana. E o resultado de um processus pathologico completo, que invade a totalidade do encephalo, que deve desassociar suas moléculas e que se repercute sobre toda a economia, esmagando-a sob o peso de sua força deslruidora, rápida, enérgica e fulminante! Concluamos. Só porque, até nossos dias, as lesões anatômicas não têm sido encontradas na commoção encephalica, deverá repugnar á razão admitlil-as? A todo o espirito imparcial, essas considerações devem influen- ciar, para repellir a ausência de alterações anatômicas na com- moção cerebral grave ou mortal. Tal é nossa mais firme convicção, lastimando profundamente que a sciencia ainda não a tenha, pelos meios infalliveis da obser- vação directa, convertido em preceito universal. Em conclusão, resumindo todas as considerações que sobre — 83 - este ponto das lesões traumáticas do encephalo hemos apresen- tado, e, estribado nellas, terminaremos este longo artigo, formu- lando as seguintes proposições: l.a A commoção cerebral é uma das lesões traumáticas do encephalo perfeitamente caracterisadas sob o ponto de vista clinico. 2.a A commoção cerebral pôde, por si só, causar a morte. 3.a Não tem sido possível até hoje, determinar lesões anatô- micas, capazes de explicar a morte na commoção cerebral. E como conseqüência dessas conclusões definimos commoção do encephalo, o conjuncto de phenomenos mórbidos, mais ou menos graves, sem lesão apparente, que experimenta o encephalo em virtude de um traumatismo, directa ou indirectamente appli- cado sobre o craneo. Pathogenia.— Á imitação dos autores clássicos, dividimos a commoção, segundo a intensidade, que reveste, em três gráos : commoção leve, grave e fulminante. No estudo da pathogenia, encararemos cada um desses gráos em particular. Commoção cerebral do Io gráo ou leve.—Tratando do rnecha- nismo genérico das lesões traumáticas do encephalo, estudamos o phenomeno das vibrações ósseas das paredes craneanas e seu rnodo de communicação á massa nervosa ; de novo invocando esses factos, procuremos estudar as condições pathogenicas que presidem, em nossa opinião, ao desenvolvimento da commoção cerebral leve. Postas em vibração as moléculas do craneo, sob a influencia directa ou indirecta de um traumatismo e commnnicada essa vi- bração ás moléculas encephalicas, estas, em virtude das oscilla- ções, a que estão sujeitos seus diâmetros, comprimem-se recipro- camente, approximando-se no sentido de seus diâmetros diminuídos e afastando-se no dos augmentados. Ao mesmo tempo que esses phenomenos de oscillação se mani- festam na substancia cerebral, outros, que lhes são inteiramente idênticos, succedem-se na caixa craneana; mas, como os corpos duros experimentam com maior rapidez do que os molles as vi- brações de suas moléculas, e igualmente mais rapidamente do que estes restabelecem seu equilíbrio, a oscillação molecular do craneo será mais rápida a produzir-se e a dissipar-se do que a do encephalo. — 84 — Daqui resulta, que embora soffram identidade de vibrações, estas não guardam entre si isochronismo, e desse modo já have- rão cessado as oscillações vibratórias do craneo e ainda as do encephalo permanecerão. Acontece então, que a cada extremidade do diâmetro corres- pondente ao ponto perculido, o craneo já tendo voltado a seus limites primitivos, ainda encontra diminuído esse ponto do diâ- metro na massa encephalica e delle se afasta, determinando-lhe uma tendência ao vácuo entre a parede óssea e a polpa nervosa. Para esse espaço affluem os líquidos, já comprimidos igualrrente, para diminuição dos diâmetros opposlos do craneo. Na primeira vibração das moléculas ósseas, ha affluxo dos líqui- dos cephalo-rachidiano e sangüíneo para as duas extremidades do diâmetro correspondente ao ponto que soffreu a acção da violência. Logo depois, poré n, o diâmetro augmentado diminue e o diminuído augmenta, e assim continuando successivamente esses phenomenos de oscillação até á extincção da força que os determinou; pressões e inspirações alternas dos líquidos no interior do craneo têm lugar pela razão que acima expuzemos. Cessada a acção da força, cessam as vibrações e então o liquido cephalo rachidiano interpõe-se entre todos os espaços vasios, que no estado normal oecupa e tudo recupera suas condições primi- tivas, em maior ou menor espaço de tempo, segundo a intensi- dade da violência. Eis como acreditamos e explicamos a subila suspensão das func- ções cerebraes na commoção do primeiro gráo ; aqui, a causa que determina esses phenomenos é fraca, e além do abalo da massa nervosa, perfeito resultado mechanico, nada mais determina no encephalo, que começa desde então a funecionar normalmente. Commoção do 2o grão ou grave. — Supponhamos agora maior intensidade na violência que actúa sobre o craneo. Nessas condições traumáticas, observaremos idêntica evolução dos phenomenos que expuzemos para o gráo anterior, mas com muito maior intensidade. As vibrações ósseas sendo muito mais extensas, as oscillações o serão igualmente, e análogos phenomenos relativos produzir-se-hão no encephalo, achando-se assim muito alterada a relação que guardam entre si as suas res- pectivas moléculas. — 85 - O substractum orgânico que ellas constituem, sofíre em sua tex- tura intima, dahi perturbações funccionaes diversas e persistentes mais ou menos, segundo o tempo que for preciso para que os ele- mentos que presidem á harmonia orgânica do encephalo retomem suas posições naturaes, seus caracteres próprios. Essa desassociação molecular encephalica explica-nos os pheno- menos que mais tarde appreciaremos na symptomatologia, e que são característicos da commoção grave; além disso, unicamente a essa alteração orgânica, cuja pathogcnia acabámos de expor, po- demos referir o coma tão intenso e os demais symptomas, que re- velam esse gráo de lesão na polpa nervosa intra-craneana. Algum tempo depois, comtudo, nessas circumstancias, apezar das alterações que forçosamente se dão em sua estructura, o equilí- brio pôde ainda restabelecer-se no encephalo, senão de um modo perfeito, ao menos sufficiente para permiltir o exercício regular de suas funcções. Mesmo assim só esse resultado favorável tem lugar, longo tempo depois e auxiliado por uma therapeutica enérgica. Esses factos e as mesmas complicações, que tão freqüente- mente crêa este gráo de commoção e que com tanto labor são combatidas, prestam poderoso auxilio ás idéas que avançámos e confirmam a veracidade da theoria pathogenica, que apresentá- mos, demonstrando alterações materiaes, nesse gráo da lesão. Commoção cerebral do 3o gráo ou fulminante.— Aqui ainda a successão dos phenomenos é análoga: varia lão somente a in- tensidade que os reveste. A serie de movimentos, que se executa no primeiro e segundo gráos, dá-se igualmente no terceiro; mas com máxima intensidade, com toda a energia e violência; a relação que guardam entre si as moléculas do encephalo não é só alterada, é completamente destruída ; e o equilíbrio orgânico rompe-se instantaneamente, com impossibilidade absoluta de jamais restabelecer-se ; a vida lhe é incompatível, e a morte fulminante que sobrevem. é a expressão da lesão intensa, gravissima e intima na textura elementar do orgam. Symptomatologia.—Syntheticamente, consistem os phenomenos symptomatologicos da commoção do encephalo na depressão do systema nervoso e extincçâo mais ou menos absoluta das funcções — 86 — de relação; tendo, porém, de consideral-os detalhadamente em suas variações de duração e intensidade, dividiremol-os, sob o ponto de vista clinico, em três gráos. Essa divisão, proposta por Dupuytren e aceita pela totalidade dos cirurgiões, é realmente a que melhor se adapta ao estudo da com- moção cerebral, nas diversas fôrmas que reveste, segundo a violên- cia do traumatismo. Na exposição, pois, do quadro symptomatologico, que vamos encetar, dividiremol-a em commoção leve, grave e fulminante. No estudo da fôrma grave ou do segundo gráo, de Iodas a mais interessante em clinica, adoptaremos o methodo proposto por \ber- nethy, já pela facilidade e clareza que oflerece á descripção, como porque, assim procedendo, tiraremos mais tarde, conforme o typo que revestirem os phenomenos nesse gráo, indicações therapeulicas preciosas. Outrosim, nesta parte de nossa dissertação, só estudaremos os phe- nomenos próprios, immedialos, primitivos ao accidente ; toda a serie de perturbações consecutivas, próximas ou remotas, que essa lesão, bem como qualquer das outras produzidas traumaticamente no encephalo podem originar, será convenientemente desenvolvida nas duas ultimas partes de nossa these, exclusivamente a ella dedicada. Commoção leve ou do Io gráo. — Determinada por todos os traumatismos que obrem com fraca intensidade, a commoção do pri- meiro gráo é muito freqüente e quasi que se pode asseverar ser um accidente comrnum a todos os homens no curso de sua existência. E esse gráo da lesão, cujo complexo de phenomenos de innervação foi denominado por Trousseau, étonnement du cerveau, que dispensa perfeitamente, em nossa opinião, alterações materiaes, para ser explicado, consistindo apenas em meras perturbações funccionaes passageiras, que o repouso se encarrega de destruir. Sem valor clinico, apresenta comtudo a commoção cerebral leve, intensidade diversa de manifestação, e por isso estudemol-a em suas variadas modalidades. Ordinariamente, logo após o accidente directo ou indirecto sobre o craneo, o indivíduo ou cahe ou arrima-se a qualquer corpo, experi- mentando diversos phenomenos. Na maioria dos casos a face pallida traduz espanto e surpreza ; ha torpor na cabeça; manifestam-se — 87 - então zumbidos nos ouvidos, perturbações visuaes, diversas sensações subjectivas de luz, fogos, etc. As palpebras tendem a fechar-se, as conjunctivas descóram-se e algumas vezes dilatam-se as pupillas. Vertigens, collapso passa- geiro, prostração de forças e fraco torpor nos membros declaram-se outras vezes. Todos esses symptomas, ordinariamente acompanhados de regularidade nos demais apparelhos orgânicos, sobrevem im- mediatamente ou algum tempo depois; desde minutos até uma hora, a integridade dos sentidos restabelece-se, não conservando o doente absolutamente na memória idéa alguma do que acaba de sentir. Dores vagas pelo corpo, cephalalgia mais ou menos intensa, somnolencia, cansaço, inaptidão para todo e qualquer trabalho, succedem então e persistem, molestando o enfermo durante algumas horas, até dous a três dias. findos os quaes, tudo volta ao estado normal não deixando no organismo vestígios do que acaba de affeclal-o. E essa a fôrma primitiva mais grave da moléstia. Em muitas occasiões todos esses phenomenos revestem menor intensidade e duração; o doente sem cahir, sem perder os sentidos experimenta, apenas, ligeiro entorpecimento nas funcções cerebraes. Instantes depois retoma seus afazeres ordinários, conservando unica- mente dôr gravaliva, insignificante na cabeça, e que em breve se dissipa. No entretanto, condições ha em que, si bem que os phenomenos primitivos sejam pouco importantes, accidentes consecutivos mais ou menos rebeldes sobrevem e perturbam violentamente a evolução da moléstia ; seu estudo será mais tarde desenvolvido em occasião apropriada. Commoção grave ou do 2o gráo.—Apoplexia traumática.—De todos os gráos da commoção cerebral é este o mais freqüentemente observado pelo cirurgião e igualmente o que mais interesse offerece á observação clinica, tanto pelo conjuncto de phenomenos que o traduzem como pelas indicações therapeuticas que exige. Muitíssimo mais grave do que o primeiro, elle não exclue, todavia, esperança de salvação para o doente ; razão de mais para que o es- tudemos convenientemente, interpretando com acerto os seus svm- plomas e preenchendo meios therapeulicos com energia bastante para obstar o desenvolvimento de complicações tardias, que, uma vez manifestadas, aggravam consideravelmente as circumstancias. - 88 - Em consideração a essas particularidades, seguiremos no estudo do quadro symptomatologico desse gráo da commoção cerebral, o methodo de Abernelhy e com elle subdividiremol-o em três períodos: perda dos sentidos, restituição da intelligencía, resta- belecimento normal das funcções. Por esse modo satisfaremos as leis do methodo e da clareza, tanto na exposição dos symptomas, como, mais tarde, no desen- volvimento das indicações therapeuticas. que cada um dos periodos reclamam. Primeiro período.— Perda dos sentidos. —Logo que o indi- víduo é victima do accidenle, cahe immedialamente sem sentidos, sem soltar um grito, um gemido, sem proferir uma palavra. Com a physionomia sem expressío, pallida, imrnovel, o paciente jaz em terra na posição em que cahio e na mais completa resolução muscular; procurando-se levantar um membro, uma vez abandonado, recahe como uma massa inerte. Os lábios descorados, palpebras cerradas, o olhar langue, a cornea viva e brilhante, a escíerotica humida e nacarada, a pupilla immovel, enormemente dilatada e insensível á luz, as conjunctivas pallidas e estranhas á influencia dos agentes exteriores, assim como as mucosas buccal e pituitaria, a abolição do gosto e do ouvido finalmente, sellam no facies do doente a expressão de cadáver. Esse cortejo desolador de symptomas, é encerrado pela impos- sibilidade d-e deglutição, pela regurgitação dos alimentos que enchem o estômago, pela relaxação dos sphincteres, emissão involuntária das ourinas e dejecções inconscientes. A insensibilidade é tal que Boyer diz ter observado uma mulher que deu á luz nessas con- dições, sem ter absolutamente consciência. No meio de tantas desordens funccionaes dous únicos apparelhos observam-se relativamente normaes: a respiração e a circulação permanecem indifferentes á depressão profunda que lavra no orga- nismo. Para o profano o doente semelha o indivíduo mergulhado em profundo somno physiologico. A respiração é calma, inter- mittente, suspirosa e um pouco lenta, parece a do homem que dorme profundamente. A circulação, apenas um pouco mais demorada, é no mais normal; o pulso pequeno, regular, mais ou menos lento, traduz o estado dessa funcção. No entretanto, algumas vezes, a lentidão da circulação é extrema, - 89 — podendo o coração impellir unicamente até vinte ondas sangüíneas por minuto ; nestas condições ha ejaculação involuntária, a pelle torna-se fria, revelando esses phenomenos ordinariamente gravidade no estado do doente. O exame da sensibilidade geral traduz anes- thesia e analgesia; beliscando-se qualquer parte do corpo, o doente não exprime dòr, e si retira o membro fal-o automaticamente, ver- dadeiro resultado de uma acção reflexa, de que não percebe sensação alguma. Interrogando-o em voz alta, apenas responde por um gemido ou alguns monosyllabos manifestados com impaciência e cólera, recahindo logo após em sua profunda lethargia, de que por instante parecera despertar. Este complexo de symptomas constitue o primeiro periodo da commoção grave, que dura desde horas até oito dias no máximo, e é immediatamente seguido pelo Segundo periodo.— Restituição da intelligencía. —Começa esse periodo por alguns movimentos executados pelo doente que procura voltar-se no leito, sobretudo quando se belisca qualquer parte do corpo. Ao mesmo tempo, como muito bem diz Bauchet {loc, cit.), os organs dos sentidos começam a indicar que não são mais indifferentes aos agentes exteriores. Procurando o doente evitar os ruidos, mostra que ouve, e, pela contracção da pupilla e cerramento das palpebras sob a influencia da luz, revela que o apparelho da visão principia a funccionar, embora imperfeitamente. As raucosas, pituitaria, conjunctiva, buc- cal e pharyngeana, excitadas por agentes physicos ou chimicos tra- duzem sensações desagradáveis. A deglutição executa-se não ainda voluntariamente, e as evacuações alvinas e a emissão das ourinas, até então involuntárias, são substituídas por constipação de ventre e paralysia de bexiga, em razão da ausência ou fraqueza da innervação visceral. Apezar desse estado lisongeiro, ainda continuam infructiferas as tentativas empregadas com o fim de despertar completamente o doente, que torna-se, por occasião dellas, colérico e impaciente. Essa impaciência é, segundo os autores, um phenomeno caracterís- tico e constante na commoção do encephalo; para nós, dependendo esse facto da perturbação que affecta a innervação dos hemispherios, não pôde ser um signal pathognomonico dessa lesão, e acreditamos, como tivemos occasião de observar, que elle pode ser produzido 38 12 - 90 — em quaesquer affecções traumáticas do cérebro, antes de manifes- tar-se a paralysia. A pari passu que diminuem os phenomenos do primeiro periodo, a intelligencía reapparece lentamente; os doentes interrogados, ainda respondendo por monosyllabos, moslram comtudo compre- hender o sentido da pergunta que lhes é dirigida. Nessas condições é raro articularem uma phrase inteira e, quando o fazem, é com extrema difliculdade e em voz quasi sumida ; desde que respondem, recahem no somno em que se achavam mergulhados. A obtusão da intelligencía vai progressivamente dissipando-se; a memória, que fora a primeira e a mais gravemente affectada, reapparece, assim como a palavra. Entretanto o estado por que o paciente acaba de passar varre-se completamente de sua lembrança para sempre. A volta da memória apresenta diversas extravagâncias, que até hoje não têm podido ser explicadas ;a uns doentes lhes é impossivel lembrar-se de certas palavras, outros não se recordam mais dos substantivos, alguns de certos factos de sua vida, ao passo que se recordam de outros, que com estes tinham relação, e muitos esquecem o seu próprio nome; todas essas pequenas perturbações, que, com a continuação desapparecem, affectam algumas vezes a palavra, revestindo caracteres idênticos aos que vimos darem-se com a memória. Chegada a marcha da moléstia a esse ponto, termina o segundo e começa o Terceiro periodo. — Restabelecimento normal das funcções. Melhoras progressivas e constantes no eslado do doente constituem esse periodo. A moléstia, grave em seu começo, tende sempre a diminuir de intensidade, segundo muito judiciosamente estabelece J.-L. Petit. O restabelecimento das funcções intellectuaes e dos outros appa- relhos orgânicos da economia continua a aperfeiçoar-se e alguns dias, geralmente oito, depois do apparecimento do segundo periodo, todas as funcções acham-se no estado normal. A evolução clinica, que acabámos de traçar para a commoção cerebral grave, é muitas vezes perturbada por phenomenos variados, originados quer da moléstia propriamente, quer de complicações creadas no encephalo consecutivamente. — 01 •■ Como quer que seja, essa serie de accidentes entra na categoria dos phenomenos tardios c delles occupar-nos-hemos em occasião opportuna; aqui só e unicamente desenvolvemos o quadro sym- ptomatologico primitivo, caracteristico, e fizemol-o de acordo com a opinião dos clássicos e com a nossa observação. Observação n. 1.— Commoção cerebral do 2° gráo.— Evaristo Antônio da Fonseca, branco, portuguez, solteiro, de 25 annos de idade, trabalhador, temperamento lymphatico e constitui- ção regular, entrou para o Hospital da Misericórdia, onde foi occupar no dia 5 de Abril de 1874, um leito da 8a enfermaria de cirurgia, a cargo do Sr. Dr. Bustamante Sá. Anamnese. — Só podemos obtel-a, quinze dias depois do accidente, por ser unicamente quando o doente recuperou o uso das faculdades intellectuaes. Nessa occasião referio-nos elle que achava-se no Brasil havia três annos e que era trabalhador da Estrada de Ferro D. Pedro II. Nessa qualidade, procurando, no dia 4, cortar um barranco, este desabara sobre elle, contun- dindo-o em diversas partss do corpo e então acredita ter perdido os sentidos, por isso que não pôde recordar-se de cousa alguma ulterior ao accidente. Exame. — Levado ao Hospitaln o dia 5, isto é, no immediato ao do accidente, ahi o exami- námos e observámos o seguinte : Decubito dorsal, resolução muscular completa, immobilidade absoluta, coma ; face estúpida, olhar obtuso, pupillas dilatadas e insensíveis á luz, conjunetivas e lábios descorados, inco- herencia de linguagem, ausência de memória, gemidos fracos e freqüentes; não ha paralysia de movimento nem de sentimento; anorexia, sede e pelle secca; respiração regular; pulso freqüente e cheio, cem pulsações por minuto ; temperatura elevada. Intenogando-o, nenhuma resposta obtivemos. No couro cabelludo não ha solução de con- tinuidade; nas regiões escapulo-humeral, glutea e trochanteriana, observámos contusões mais ou menos extensas. Os outros apparelhos orgânicos funecionam regularmente. Prognostico. — Grave. Marcha e tratamento.—-No dia 5 de Abril, primeiro em que o vimos, foi receitado pelo me- dico interno do serviço : Cosimento de Stoll.......................... 360 grammas Tintura de arnica............................. 2 » Misture e tome uma colher de sopa de hora em hora. Dia 6. —Continua o estado do dia anterior; ha ainda alguma febre. Mesmo tratamento. Dia 7. — A febre diminuio ; continuam o coma e mais phenomenos cerebraes. Mesmo trata- mento interna e externamente Álcool camphorado........................... 360 grammas: Para embeber fios e collocal-os sobre as contusões. Dia 8.— Estado idêntico ao dos dias anteriores ; a febre, porém, cessou; pulso pequeno e lento, temperatura abaixo da normal. — 92 — Dia 9. —Ha algumas horas manifestou-se diarrhéa. Continuam no mesmo estado os phe- nomenos anteriores. Reappareceu a febre, pulso 100, temperatura 38°. Foi prescripto ; Cosimento branco gommado.................... 360 grammas Sub-nitrato de bismutho....................... 2 grammas Xarope de diacodio........................... 30 grammas. Para tomar ás colheres de sopa. Dias 10, 11, 12, 13, 14 e 15. — Nenhuma melhora tem apresentado o doente : o coma in- tenso permanece como anteriormente, continua a diarrhéa; a febre diminuio. O mesmo tra- tamento. Dia 16.—Cessou a diarrhéa. A face começa a ruborisar-se e o doente principia a executar alguns movimentos ; interrogado, procura responder, mostrando comprehender a significação das palavras que lhe são dirigidas; apparece a memória e elle com difficuldade narra-nos a causa de sua moléstia. Recomeça o tratamento do dia 5. Dias 17, 18, 19. —Continuam as melhoras; já responde o doente claramente ás perguntas que se lhe dirige; move-se no leito de um para outro lado ; recorda-se do passado, mas não tem a menor idéa dos dias em que esteve mergulhado no coma ; a febre desappareceu ; a face é animada, as pupillas normaes, as conjunctivas ainda ponco coradas. O estado geral é li- songeiro. Dia 20. — Melhoras. Anorexia. Foi prescripto : Água de Seltz................................ uma garrafa. Para tomar um calix antes de cada refeição. Dias 21 e 22. — Progridem as melhoras ; o doente falia com desembaraço, senta-se no leito. O mesmo tratamento. Dia 23.—A noite appareceu cephalalgia, que ainda se conserva pela manhã ; a face perdeu de novo a expressão que a animava e torna-se estúpida; ha appetite e o estado geral é idên- tico aos dos dias anteriores. Foi prescripto : Água............................... 120 grammas Tintura de belladona................ 30 centigrammas Xarope de meimendro.............. 30 grammas Para tomar ás colheres. Dia 24 o 28.—Nenhuma modificação no estado geral, continua a cephalalgia; mesmo tra- tamento Díj 29.—Limita se a cephalalgia á região parietal direita; continua o appetite; o mesmo estado geral dos dias anteriores. O doente accusa dôr no thorax e tosse ; a auscultação revela estertores mucosos, disseminados em ambos os pulmões. Prescripção : Julepo gommoso................... 200 grammas Tintura de lobelia inflata............ 4 » Xarope de scilla................... 3o » Para tomar ás colheres. Dias 30 e 31 de Maio, 1 e 2 de Junho. — Continua o mesmo estado e tratamento do dia 29, 93 — Dia 3.—Tendem a desapparecer os phenomenos cerebraes, os estertores, a dór no thorax ea tosse persistem. Prescripção : Julepo gommoso........................... 120 grammas Enxofre dourado de antimonio...........í a3 10 CfintierammflB8 Xarope de scilla........................... 30 grammas Para tomar ás colheres Dia 4 a 11.—Melhora progressivamente a affecção thoraxicacom o tratamento do dia 3; as faculdades intellectuaes restabeleceram-se, a febre desappareceu. Dia 12.—De novo accusa o doente fortes dores nas regiões parietaes ; tudo mais é normal: a tosse diminuio consideravelmente. ' Voltou ao tratamento do dia 23 de Maio. Dia 13 o 24.—Desappareceu a cephalalgia, ha quasi restabelecimento completo da affecção pulmonar; todos os organs funccionam com regularidade ; o doente entra em plena conva- lescença. Desse dia em diante, todas as funcções sendo normaes, deixa o doente o uso dos medicamentos e conserva-se ainda no hospital até o dia 28 de Agosto, sem haver experimentado, durante esse tempo, accidente algum, e então retira-se em pleno gozo de suas faculdades e em perfeito estado physiologico. Nesta observação a todos os respeitos interessante, tivemos oc- casião de observar a maior parte dos phenomenos, que descrevemos no quadro symptomatologico do segundo gráo de commoção do en- cephalo. Aqui o coma, muito intenso, durou doze dias, exprimindo, sem duvida, alterações profundas na polpa intracraneana, que sópoderam ser subjugadas, mediante um longo tratamento e principalmente pela natureza enérgica do enfermo. Como tivemos, porém, occasião de dizer, nem sempre a moléstia reveste phenomenos tão graves, quanto á intensidade e duração; na seguinte observação apresentamos outro caso de commoção grave combatida em 5 dias unicamente de tratamento. Observação n. 2.—Commoção cerebral grave.—Antônio da Silva Júnior, porluguez, com 25 annos de idade, temperamento sangüíneo e constituição forte, cahe de um andaime da altura de dez metros, sobre o soalho de uma casa em construcção, e é levado no dia 18 de Maio de 1875, ao Jiospital da Misericórdia e ahi oecupa o leito n. 33 da 9a enfermaria cirúrgica, a cargo do Sr. Dr. Saboia. Encontramol-o em decubito dorsal, cm resolução muscular incompleta; inquieto procura voltar-se no leito. Interrogando-o recebemos respostas íncoherentes e feitas mesmo assim com impaciência e cólera. A face é pallida, pouco expressiva, conjunetivas e lábios descorados, olhar estúpido, pupillas dilatadas, moveis e sensíveis á luz. A respiração é mais lenta do que no estado normal i)i • e não estertorosa; ha quinze inspirações por minuto; o pulso é igualmente lento, regular e pequeno ; a radial pulsa sessenta vezes por minuto; a temperatura mantem-se a 36,5. A língua larga, humida é revestida de ligeira caniaia de saburra. No craneo e couro cabelludo não ha solução de continuidade appareute ; finalmente, em varus partes do corpo observa-se algumas contusões. Marcha e tratamento. Dia 18.—Foi prescripto: Água de alface............................. 400 grammas Água de louro cerejo....................... 12 gottas Carbonato de ammonia.................... 1 gramma Para tomar um calix de hora em hora. Dfa 19.—Continua o estado do dia anterior. Á noite o doente levantou-se e fez grande alga- zarra na enfermaria e tentando precipitav-se por uma janella, foi tolhido em uma camisola de força. Prescripção : Calomelanos................................... 1 gramma Extracto gommoso de ópio.................... 5 centigrammas Para doze pílulas ; tomar uma de duas em duas horas. Dia 20 —São mais lisongeiras as condições do doente ; dormio toda a noite calma e tranquil- lamente. O pulso e temperatura conservam-se no mesmo estado do dia 18; entretanto o coma é mais intenso do que nos dias anteriores, delle só desperta o doente para responder ás perguntas que lhe são dirigidas ; suas respostas, porém, são mais lúcidas do que até então ; ingere bem os medicamentos e alimentos. Foi retirada a camisola e mandou-se continuar o uso das pílulas. Dia 21—Continuam as melhoras ; as palavras são bem articuladas, e as respostas justas; persiste o coma. Durante a noite levantou-se e voltou a seu leito, sem perturbar o socego da enfermaria. Á tarde desse dia conversou com amigos que o foram visitar; nessa occasião referio-nos igualmente o accidente de que fora victima, mas confessou não recordar-se absolutamente do que praticara na noite de 19, nem de facto algum posterior á su<* queda. A temperatura e o pulso são quasi nor- maes. Continua a mesma medicação. Dia 22.— A noite foi tranquilla. O doente não nos accusou phenomeno algum insólito. Todas as suas funcções executam-se com regularidade. Pedio altae obteve-a. Commoção fulminante ou do 3o grão.— Nessa forma da mo- léstia o paciente ou succumbe immediatamente á acção da violência sem soltar um gemido, ou fallece poucos momentos depois, apre- sentando o máximo dos symptomas descriptos no segundo gráo. Nessas condições a commoção perde todo o interesse clinico e reduz o cirurgião a mero espectador; sob o ponto de vista, porém, anatomo-pathologico, ella é de summa importância e requer estudos acurados, que, estamos certo, resolverão, empregados com con- stância, a magna questão da existência ou ausência de alterações anatômicas no encephalo. — 95 — Diagnostico e prognostico.— Perda dos sentidos, resolução muscular completa, coma profundo, respiração calma, pulso regular, pequeno e lento, pupillas dilatadas, fixas, insensíveis á luz, palpebras cerradas, pallidez dos tegumentos e algumas vezes evacuações in- voluntárias tanto de fezes como de ourina, vômitos, anesthesia e analgesia, aknesia, Iodos esses phenomenos, sobrevindo instanta- neamente e tendendo sempre a diminuir de intensidade, nunca a augmentar, e determinados por uma violência directa ou indirecta sobre o craneo, taes são os elementos de que dispomos para diagnos- ticar uma commoção cerebral, do primeiro ou segundo gráo, con- forme a gravidade que revestirem. Na forma mortal fulminante o diagnostico sella-se no facies do doente; nenhuma outra lesão do encephalo traumática mata cora essa rapidez. No entretanto, nenhum dos phenomenos referidos é pathogno- monico, todos mais ou menos podem ser observados, comoveremos mais tarde, em qualquer outra affecção, das que fazem objecto da nossa these. Em um capitulo especial, dedicado ao desenvolvimento do diagnostico clinico, entre as diversas lesões traumáticas do ence- phalo, poremos em contribuição todos os elementos differenciaes de que pudermos dispor, e elucidaremos, quanto em nós couber, esse ponto bastante difficil do exercício cirúrgico. Prognostico.—-Em these, o prognostico da commoção cerebral é grave. No primeiro gráo. os symptomas, na maioria dos casos, são facil- mente combatidos e tudo em breve é reslituido ao estado normal; a moléstia em si nenhum perigo offerece, mas muitas vezes diversos accidentes consecutivos, que têm seu ponto de origem na lesão, declaram-se, molestam o enfermo por longo tempo e inútilisam-n'o de quaesquer trabalhos intellectuaes. No segundo gráo, a gravidade do prognostico é intuitiva, quer pela lesão em si, quer pela freqüência de complicações ordinaria- mente fataes. Em identidade de circumstancias, observaremos ainda que a moléstia reveste uma physionomia mais grave nos velhos e nos ebrios do que nas creanças; tal é a opinião de todos os práticos. — 96 — Tratamento.—A commoção leve é facilmente combalida e logo que o doente volta a si, o repouso e dieta são sufíicientes para garantir o restabelecimento. Si o coma persiste algum tempo, o uso de irritantes e excitantes, sinapismos volantes, derivativos fracos, basta para fazêl-o desapparecer. Bauchet aconselha pequenas emis- sões sangüíneas, no dia immediato ao accidente, si o individuo é forte e vigoroso, e alguns purgativos com aloes ou óleo de ricino, si persiste a cephalalgia. No segundo gráo, porém, devemos recorrer a uma therapeutica enérgica, não só para combater os phenomenos primitivos, como para obstar o desenvolvimento de accidentes tardios, de immensa gravidade. De acordo com o methodo que adoptámos na descripção dos symptomas dessa forma da lesão, dividiremol-a igualmente, sob o ponto de vista therapeutico, em três períodos, e aqui mais do que nunca apreciaremos a excellencia da proposição de Abernethy. No primeiro periodo, dominando o estado comatoso, a depressão profunda da innervação e a resolução muscular completa ; subtrahir o doente a essas condições deve ser nosso primeiro cuidado. Para esse fim, recorreremos á medicação excitante; antes, porém, de qualquer prescripção, certificar-nos-hemos do estado da deglutição ; acha-se abolida ou funcciona ? No primeiro caso, aconselharemos o uso dos excitantes externos; no segundo, o destes, auxiliado do dos internos, continuando-o até produzir-se reacção orgânica. Por esses meios, estimularemos as funcções dermicas e mucosas, despertaremos por via reflexa a innervação deprimida, restituiremos á vida os focos da actividade nervosa, levantaremos o pulso, regularisa- remos a respiração e todo o funccionalismo dos apparelhos orgânicos. Conseguido esse resultado, entramos no segundo periodo, carac- terisado pelo despertar da lethargia cerebral, ao qual devemos poderosamente auxiliar por todos os meios a nosso alcance. Na medicação antiphlogistica e derivativa encontraremos os me- lhores elementos de que tanto necessitamos. Levantado o pulso, regularisada a respiração, excitada a pelle, obtida a manifestação vital da innervação, resta-nos descongestionar a massa encephalica, directa ou indirectamente. Sangrias geraes ou locaes serão praticadas isolada ou conjunc- tamente, se assim o exigem os phenomenos de congestão e permittem-no as forças do doente. Tal pratica, ainda pouco intro- duzida entre nós, é muitíssimo empregada pelos cirurgiões estran- geiros, em cujas mãos tem produzido excellentes resultados. Si ainda o coma persiste, e com elle a cephalalgia intensa, recorreremos á applicação de ventosas escharificadas sobre a nuca, ou sêccas em grande numero ao longo do rachis, como auxiliar poderoso das emissões sangüíneas. Esses meios completaremos com o emprego de purgativos brandos ou drásticos; entre elles os calomelanos gozam de geral aceitação, tanto entre nós, como na Europa. Os revulsivos, e principalmente os vesicatorios, quer na cabeça, quer nos membros inferiores, constituem agentes valiosos pela fluxão que operam no processo mórbido do encephalo para um ponto remoto do corpo; quotidianamente, seu emprego constante fal-os occupar um lugar distincto na therapeutica do segundo periodo da commoção cerebral grave. Manifestando-se delirio de natureza nervosa, empregaremos os opiados. Dieta mais ou menos rigorosa, repouso e o uso de medicamentos internos descongestionantes dos centros nervosos completarão os meios que acabámos de expor. Por essa medicação, cuja energia dependerá das exigências da occasião, restabelecem-se ordinariamente as funcções intellectuaes, e começa então o terceiro periodo, ou de restabelecimento normal de todos os apparelhos orgânicos, verdadeira convalescença em que entra francamente o enfermo. Nessas condições a therapeutica a seguir consiste em preceitos hygienicos. Recommendaremosao doente repouso, dieta e ausência de todo e qualquer excesso, etc. Si ainda persistem alguns phenomenos, os derivativos empregados convenientemente os farão desapparecer. Em conclusão, circumspecção, insistência no tratamento, vigi- lância constante na evolução da moléstia e perfeita interpretação dos symptomas clínicos, taes são os elementos que devem auxiliar-nos a preencher as indicações therapeuticas do segundo gráo da com- moção encephalica. Nélaton, em um caso grave, só depois de um tratamento enérgico e continuado por espaço de sete mezes, conseguio restabelecer o doente. II Contusão do encephalo Muito freqüente nas fracturas e nas feridas penetrantes do craneo, a contusão cerebral pôde também manifestar-se quando este não fór fracturado. Todas as causas que determinam commoção podem igualmente concorrer para o desenvolvimento da contusão e toda a eliologia, que no principio de nossa lhese apresentámos, lhe é per- feitamente applicavel. Não insistindo, pois, de novo nessa parte da moléstia que agora nos oecupa, encetaremos o resto de seu estudo, fazendo-o preceder de rápidas considerações históricas, de que muito necessitamos para elucidação de pontos futuros. Embora conhecesse as lesões do encephalo, Hippocrates não as distinguia e com elle Celso, Paulo d'Egina, Albucasis, Guido de Chauliac e todos os outros cirurgiões anteriores a Berengerio de Carpi, confundiram, sob a mesma denominação, lesões diversas e dis- tinetas. Berengerio de Carpi foi primeiro quem estudou satisfacloria- mente as alterações da massa nervosa intia-craneana produzidas por um traumatismo ; em uma passagem de suas obras falia da ruptura de nervos e vasos como elfeito, segundo acredita, de contu- são ou concussão encephalica, e pelas seguintes palavras termina o periodo que trata desse assumpto ; « Ideo hic de isto modo Icesionis signa ponere intendo. » Ambrosio Pare, sob os mesmos nomes de commoção e concussão, estuda as lesões encephalicas e cita uma observação de contusão, de que foi victima o rei Henrique II, ferido em um torneio, e da qual succumbio, tendo apresentado phenomenos de inflammação do encephalo. Nada mais adiantaram os cirurgiões posteriores a Pare sobre a contusão cerebral, até J. L. Petit, que brilhantemente estudou as 99 - feridas da cabeça, estabelecendo e insistindo particularmente nas differenças que offerecem as diversas lesões do cérebro, creadas por ellas. De LafFaye falia na ruptura dos vasos sangüíneos na massa cerebral, produzida por uma lesão diversa da commoção. Este estado dos conhecimentos sobre as lesões traumáticas do encephalo permanece, apezar das luzes lançadas por Sabouraut em uma interessante memória sobre a contusão das meningeas e do cérebro, alé Dupuytren que, póde-se aílirmar, foi quem primeiro estudou convenientemente a contusão cerebral, como entidade nosologica distincta das outras lesões do encephalo. Após este illustre cirurgião, Sanson, que a principio aceitara suas idéas, que mais tarde combateu, concorre para elucidar este ponto da pathologia cirúrgica. Nélaton, Denonviliers, Gosselin, Velpeau, Blandin, Malgaigne, Chassaignac, Fano, Boinet, etc, em seus tratados didacticos e em monographias, continuando as investigações de Sabouraut, Dupuytren e Sanson desenvolvem perfeitamente a questão e collocam-na no brilhante pé que hoje oecupa no quadro nosologico da cirurgia contemporânea. A essas fontes tivemos occasião de muitas vezes recorrer e dellas tirámos cabedal para as idéas que exporemos no estudo que vamos encetar. Definição e anatomia pathologica.— Definimos contusão ce- rebral uma atlrição ou alteração de ordinário circumscripta da massa encephalica produzida directa ou indireclamente por causa traumática e variando desde a simples ecchymose ou ruptura dos mais pequenos vasos até á desorganisação completa. Susceptível de occupar quaesquer pontos do encephalo, ella é mais commummente observada nas partes que se acham mais ex- postas á acção das violências exteriores; a parte peripherica supe- rior, posterior ou anterior dos lobos cerebraes é sua sede ordinária. Comtudo, as porções basillares mais protegidas podem igualmente, como ha exemplos, ser affedadas; Boinet cita a observação de uma contusão da protuberancia annular; Malgaigne a de um despedaça- mento do centro oval do lado esquerdo ; Pott a de contusão do plexus choroide, e, finalmente, Petit a de outra, lendo por sede a substancia medullar de um dos lobos cerebraes. 100 Variando, como vimos na definição, a intensidade das diversas alterações creadas pela contusão no encephalo, seu estudo devera comprehender diversos gráos, segundo as desordens de extensão e profundidade observadas. Por esla razão, á imitação de todos os autores clássicos, dividiremos sua anatomia pathologica em quatro gráos. Primeiro grão.—Consiste na ruptura dos mais pequenos vasos e na eflusão de sangue, produzindo uma infiltração e uma echy- mose; na autópsia observa-se pequenos derramamentos miliares semelhando um pontilhado vermelho, sem alteração da polpa nervosa. Segundo gráo.— Agora a ruptura se opera nos vasos de calibre mais volumoso; a alteração da massa nervosa, ainda pouco con- siderável, é comtudo manifesta, sendo em alguns pontos a sua consistência sensivelmente diminuída. Neste gráo já pequenos derra- mamentos se formam e são verificados pela autópsia. Terceiro grão. — E o augmento da intensidade do segundo. Diversos pontos da massa encephalica são destruídos ou desorga- nisados; a lesão, já profunda, interessa vasos calibrosos, derrama- mentos mais ou menos consideráveis se formam, comprimem a sub- stancia nervosa e insinuam-se sobre a arachnoide e a pia-mater, nas anfractuosidades e na espessura das circumvoluções, dando-lhe um aspecto marmóreo, na phrase eloqüente de Chassaignac. Quarto gráo. — É caracterisado pela altriçâo completa, des- truição total mais ou menos extensa e profunda de uma por- ção do encephalo ; nesses pontos desorganisados é inteiramente im- possível reconhecer a estructura primitiva das substancias nervosas que se encontra combinadas, misturadas com sangue, parecendo uma espécie de sanie espessa e pegajosa. Muitas vezes vasos importantes se rompem e vastos derramamentos têm lugar; tudo se desorganisa e porções membranosas fluctuantes agitam-se no meio desse liquido escuro, semelhante á borra do vinho, em que se transformou a polpa nervosa. Eis o quadro anatomo-palhologico que acompanha a contusão do encephalo em suas diversas modalidades; elle não édiverso do dos outros organs da economia lesados por causa traumática; si aqui — 10! — mais facilmente e desde o segundo gráo já ha desorganisação na textura orgânica, á sua fraca consistência normal e não a outras quaesquer razões especiaes devemos allribuir esse resultado. Pathogenia — No desenvolvimento das condições pathogenicas, que presidem á manifestação da contusão cerebral, invocaremos a mesma base em que estribámos a theoria que apresentámos para explicar a commoção, isto é, recordaremos as vibrações moleculares ósseas que a acção da violência imprime ao craneo e que deste se communicam ao cérebro. Suppondo assim, vejamos quaes os resultados que devemos observar. Na producção da contusão cerebral, o modo como obra a causa traumática é diverso do da commoção; em lugar de produzir oscil- lações geraes nas moléculas ósseas, a força de movimento impressa pela violência, quer porque esta seja superior á resistência geral do invólucro ósseo, quer por encontrar em um de seus pontos menor resistência, concentra-se, limita toda a sua acção a um grupo de moléculas, produzindo, tanto em relação ao craneo como ao encephalo, vibrações circumscriptas. Esse ponto, que ordinaria- mente, pelas razões expostas, se fende, absorve inteiro toda a força e communica-aassima um ponto igualmente limitado no encephalo, que lhe ficar correspondente ou diametralmente opposto. Desse modo, pela relação que entretêm as oscillações das moléculas craneanas com as das moléculas encephalicas, o effeito limitado que sobre aquellas produz a força concentrando-se, repercutirá sobre estas, que serão affedadas mais ou menos profundamente, segundo a intensidade da violência. A alteração aqui, em lugar de estender-se a toda a massa ner- vosa e produzir assim desorganisações intimas em seus elementos orgânicos, concentra-se em um ponto e sobre elle unicamente im- prime sua acção, destruindo-o da peripheria para o centro.Dahi destruição, não mais na relação molecular, mas nas próprias mo- léculas, acarretando rupturas dos vasos que serpenteiam nesse ponto e dilaceração de lodo o tecido orgânico, conservando-se o resto da massa nervosa em estado nornal. Si, não obrando por percussão o agente traumático, que destróe a resistência molecular de uma parte do craneo, penetrar directa- mente no encephalo, a contusão será produzida immediatamente — 102 — pela acção de contacto, e nesses casos dispensa, para explicar sua formação, as considerações que hemos feito. Igualmente só ás contusões circumscriptas do encephalo refere-se a theoria que apresentámos. Sanson, Blandin, Nélaton e Chassaignac faliam de outra espécie de contusão, que denominam diffusa, caracterisada pela presença no encephalo de um numero considerável de pequenos focos san- güíneos, verdadeiros derramamentos miliares. Não entramos no desenvolvimento das condições pathogenicas desse gênero de alteração, porque não admiltimos que se possa dar-lhe o nome de contusão; para nós esta lesão é sempre circumscripta. Esses pequenos focos ou pontilhado vermelho da substancia ce- rebral, já, quando discutimos a commoção, mostrámos em que consistiam e que valor anatômico mereciam ; não nos demora- remos, pois, sobre essa injecção diffusa do encephalo de nenhum alcance clinico. Symptomatologia.— De extrema difficuldade é traçar á con- tusão do encephalo um quadro symptomatologico; consultámos cora cuidado todos os autores importantes, que tratam desse assumpto, e de suas apreciações concluímos existirem na sciencia opiniões bastante divergentes, diametralmente oppostas a tal respeito. Não ha phenomenos primitivos; todos os manifestados primi- tivamente são communs ás alterações de innervação, exclama grande numero de clássicos; o contrario assevera outro não menos notável, e alguns, entre os quaes Bauchet, em seu trabalho, digno a todos os respeitos de muito valor, vão mesmo além e rela Iam os symptomas immediatos, não só da contusão em geral, como lambem os que são característicos de cada gráo em particular. De opiniões lão diversas, onde a verdade ? Estudemos esta questão. Dupuytren, quem primeiro estudou convenientemente a contusão cerebral, fazendo delia uma moléstia distinda das oulras lesões traumáticas do encephalo pelos caracteres anatômicos que apre- senta, nega-lhe phenomenos primitivos, e em suas lições oraes de clinica cirúrgica, assim se expressa : « Quando o cérebro experimenta uma contusão, e que a com- moção mais ou menos forte que soffreu se dissipa, os doentes não — 103 — apresentam durante dous, três ou qualro dias espécie alguma de accidente ; é ordinariamente só no quinto dia que elles se declaram, fazendo rapidamente succumbir o doente; esses phenomenos são os da inflammação do cérebro. » Sanson que succedeu a Dupuytren no estudo da contusão cerebral, admittio a principio as idéas desse cirurgião para no fim de sua vida modifical-as, asseverando haver, por ter diversas vezes observado, phenomenos primitivos e próprios a essa lesão. Estabelecida a discórdia por dous vultos tão proeminentes, •tem-se mantido na sciencia, e ainda hoje divide os cirurgiões notáveis de todos os paizes. • Entre opiniões tão diversas, qual a verdadeira? exclama Fano em sua lhese inaugural. « Eis um ponto da nosologia cirúrgica, que merece ser perfeita- mente elucidado, continua o mesmo autor, e o único meio para o conseguirmos é recorrermos á eloqüência das observações, i Fazemos nossas as expressões de Fano e a seu conselho com- pulsemos o valor das observações, mas só daquellas despidas de complicações de qualquer espécie que mascarem os resultados. Obs. I. — Grande golpe de espada; contusão considerável da substancia cerebral ; ausência de accidentes primitivos. (Fano, de Ia contusion du cerveau). Obs. II. — Penetração de três centímetros de uma porção de vareta de espingarda na massa cerebral; ausência de accidentes. (Fano, ibidem). Obs. III. — Queda da altura de vinte palmos; contusão e perda de substancia cerebral; ausência de accidentes. (Fano, ibid.) Obs. IV. —Couce de cavallo sobre o craneo, fractura; contusão e perda de substancia ner- vosa ; ausência de accidentes. (Fano, ibid.) Obs. V. — Couce de cavallo; contusão profunda do lobulo cerebral do lado direito, esten- dendo-se até o ventriculo lateral correspondente ; igual lesão no lobulo esquerdo; nenhum accidente. (Fano, ibid.) Obs. VI.— Fractura do craneo ; destruição dos dous lobulos anteriores do cérebro ; nenhum accidente. (Fano, ibid.) Obs. VII.— Ferida da cabeça: lesão do lobulo anterior do cérebro ; inflammação consecutiva ; cura. Morte cinco mezes depois. (Fano, ibid.) Obs. VIII.— Ferida do craneo; contusão de quatro linhas de profundidade na substancia cerebral; nenhum accidente. (Fano, ibid.) Obs. IX.— Ferimento por arma de fogo ; contusão cerebral; despedaçamento da dura maler; ausência completa de accidentes primitivos: morte mais tarde por meuingo-encephalite. (Fano, ibid.) - 104 — Obs. X. —Queda da altura de treze metros; fractura do craneo; contusão das circumvo- luções cerebraes ; nenhum accidente primitivo ; encephalite consecutiva ; morte. (Chassaignac. Des plaies de Ia tête). Obs. XI. — Fractura do craneo por estilhaço de um cano de espingarda; contusão e destruição do substancia cerebral; extracção de porções ósseas e de polpa nervosa; nenhum accidente primitivo ; cura. (Chassaignac, ibid.) Obs. XII.— Explosão de uma mina; grande contusão do cérebro; ausência de accidentes ; cura. (Buli. de Ia Société de Chirurgie de Paris, vol. 13, pag. 109). Obs. XIII. —Ferimento por arma de fogo, na parte média do frontal com depressão da taboa interna ; contusão cerebral correspondente ; nenhum accidente immediato ; abscesso consecutivo ; trepanação ; morte. (Lajoux. Thèse de Paris. 1849). Obs. XIV. —Fractura da base do craneo; contusão cerebral; ausência de accidentes pri- mitivos ; meningo-encephalite consecutiva ; cura. (Lajoux, ibid.) Obs. XV. — Ferida penetrante por arma de fogo, na região temporal direita; extracção do projectil na região opposta, com perda de substancia cerebral; contusão dos lobos cerebraes, intelligencía intacta; nenhum accidente primitivo; meningo-encephalite no sexto dia; morte quatro dias depois. (Rémond. Thèse de Paris. 1872). Não multiplicaremos as observações; poderíamos ainda citar muitas oulras, mas julgamos suficientemente demonstrado, que a contusão isolada do encephalo, isto é, sem complicação alguma, não acarreta accidentes ou phenomenos primitivos característicos. Em todas as observações, que transcrevemos, vimos sempre essa ausência de phenomenos ter lugar, e em nenhuma dellas as pró- prias contracturas, para alguns autores, pathognomonicas, manifes- taram-se. Invocámos o auxilio das observações, porque julgamos ser o meio mais eloqüente de responder a esta grave questão ; desse modo fica sanccionada a opinião de Dupuytren, e com elle admittimos que na contusão cerebral única, sem complicação de outras lesões intra-craneanas, nenhum phenomeno clinico se patentêa com valor bastante para distinguil-a de outras alterações do mesmo orgam, produzidas por causa idêntica. Contra esse modo de vêr, muitos cirurgiões têm protestado, e entre os trabalhos publicados sobresahe a memória de Boinet, in- titulada— Des signes immédiats de Ia contusion du cerveau—, onde esse autor pretende que os signaes da contusão cerebral manifestam-se nas vinte e quatro horas, que seguem o accidente. Para Boinet, uma contractura mais ou menos forte nos membros, agitação continua em todos os sentidos, perda de conhecimento sem - 105 — respiração eslertorosa, são signaes pathognomonicos de uma con- tusão do encephalo. Nos casos mais leves, continua o mesmo autor, a contracção de uma pupilla, o movimento espasmodico dos lábios ou somente de um músculo são então os únicos phenomenos dessa lesão. Antes de discutir essa questão, recordemos que Boinet confessa no principio desse mesmo periodo, que esses phenomenos podem ser mascarados pelos da commoção, a principio, e pelos da com- pressão, mais tarde. No entretanto, embora só com essa ingênua confissão de seu autor pudéssemos refutar suas opiniões, analysa- remos o valor semeiologico dos symptomas que chama pathogno- micos, dedicando algumas palavras á apreciação de seu trabalho. A contractura, a que Boinet liga grande consideração, não foi observada em nenhuma observação, que posteriormente referimos, e mesmo que o fosse, seu valor semeiologico era insufíiciente ; Luys {loc. cit ) diz que as contracluras, quando passageiras, são a expressão de uma irritação igualmente passageira, quer direcla, quer reflexa sobre as regiões superiores do eixo espinhal, e quando permanentes, denotão lesão das regiões anteriores da medulla ou exprimem que o estimulo do cerebello, que adua sobre as fibras musculares, é transmittido parcialmente a alguns grupos isolados de músculos, ordinariamente os flexores dos membros, fazendo-os então contrahir-se de um modo permanente. Além disso, na pri- meira parle do nosso trabalho estendemo-nos bastante sobre o valor semeiologico das contracturas, e demonstrámos que ellas podiam ser observadas indifferentemente em qualquer das varias lesões do encephalo. A agitação, de que igualmente falia Boinet, menos ainda do que as contracturas, deve merecer o valor pathognomonico, assim como a perda dos sentidos sem respiração estertorosa. Esses phe- nomenos ou dependem do estado de depressão nos focos da inner- vação central, ou traduzem irritação superficial do encephalo re- flexa ou directa; em qualquer das condições elles podem ser e com effeito são observados em toda a variedade de lesões encephalicas. Presidindo o encephalo ás manifestações normaes e regulares da economia, as alterações observadas traduzem um estado insólito no orgam. mas não podem ser a expressão desta ou daquella lesão em particular. 38 14 — 106 — Quanto á contracção de uma pupilla, de uma palpebra, ao movi- mento espasmodico de um músculo, de um dos lábios, de uma parte qualquer isolada da economia, igualmente não podemos conceder o valor semeiologico que Boinet lhes attribue. Nas compressões da massa encephalica, que, como esse próprio autor confessa, complicam ordinariamente a contusão e a acom- panham desde suas primeiras manifestações, esses phenomenos apresentam-se e indicam um começo de paralysia, que não tarda a tomar maiores proporções. Por estas breves considerações concluímos quanto são falliveis os phenomenos invocados por Boinet em sua interessante memória, maxime com o caracter de certeza que lhes attribue. Em lesões dos centros nervosos, raro é o phenomeno caracteristico de uma lesão especial, em razão da incerteza e obscuridade que infeliz- mente ainda obumbram sua physiologia; em questões de tal ordem, os factos mais eloqüentes são necessariamente os resultados das obser- vações comprovados pelas necropsias; todos os outros são hypolhe- íicos e estribam-se em bases prováveis. Além disso, não nos repugna admittir a existência de uma con- tusão mesmo extensa sem manifestações primitivas; de sobejo têm as experiências dos physiologislas modernos demonstrado que, de Iodas as partes do encephalo só são promptamente excitaveis o bulbo e a proluberancia ; todas as outras e mais que todas os lobos cerebraes não gozam desta excitabilidade, por isso que, tocados ou feridos directamente por agentes exteriores mecânicos ou chimicos, não manifestam phenomeno algum que a revele. Por essa razão, nas observações que citámos, a contusão e des- truição de grandes porções dos lobos cerebraes não determinaram o mais leve accidente, a mais ligeira perturbação funccional. Ora, si as contusões freqüentemente actuam sobre as parles periphericas superiores do encephalo, pelas razões que expuzemos, não devemos estranhar que a ausência de phenomenos primitivos se patentêe nessas condições. Mais que tudo, admira-nos ter feito Boinet da manifestação das contracturas um signal pathognomonico da contusão cerebral. Quer pelas experiências em grande numero feitas, quer pelo facto de que os lobos cerebraes se desenvolvem de acordo com o gráo da escala que oecupa o animal na organisação, é hoje preceito incon- testável que essas partes do encephalo presidem ás faculdades — 107 — superiores intellectuaes, moraes e affectivas; sendo assim, e não gozando ellas, como já vimos, da propriedade sensível e motora, os phenomenos, que a contusão apresentar, devem consistir em pertur- bações de inlelligencia e não de movimento ou sentimenlo. Demonstrar, como quer Boinet, que certos symptomas sejam a conseqüência exclusiva da contusão cerebral, nos parece quasi im- possivel, senão temerário. A ausência completa de phenomenos immediatos na maioria dos casos, impossibilidade de precisar o gráo da alteração anatômica pelos signaes manifestados em alguns, duvida absoluta em seus caracteres primitivosclinicos em todos, tal é o caracter da contusão cerebral. O principio formulado por Dupuytren é ainda a expressão da verdade. Não são os phenomenos assignalados por Boinet, Sanson e Bau- chet encontrados em outras lesões do encephalo, quer traumáticas quer espontâneas ? Como referil-os á contusão, si em moléstias onde ella não existe elles são observados? Além dos symptomas que acabámos de discutir e cujo valor procurámos destruir, apresenta Boinet ern sua mooographia uma serie de observações onde pretende estribar as idéas que sustenta. Analysemol-as e, para isto, reproduzamos o que Fano {loc. cit.) diz á pagina 23: « Para responder a esta questão (valor das observações de Boinet), dissequei com o maior cuidado todos os factos referidos na memória desse autor, e esse trabalho me conduzio a construir o quadro infra. E preciso prevenir o leitor que em seu trabalho Boinet salta da observação décima á duodecima e da décima oitava á vigé- sima, o que apparentemente augmenta de duas as observações referidas. Para evitar todo o equivoco, segui nesse quadro a ordem numérica adoptada pelo próprio aulor. Numero de observações................................ 19 Observações nullas, porque a cura sobreveio e a autópsia não comprovou o diagnostico............................ 6 Observações onde a autópsia revelou ausência completa de contusão no cérebro............................... 2 - 108 — Observações onde os signaes immediatos referidos pelo autor não se apresentaram............................... * Observação duvidosa.................................. * Observações de contusão cerebral acompanhada dos phenome- nos immediatos assignalados pelo autor................. ' Total............................ 19 Continuando a transcrever Fano, cujas considerações adoptaraos, com elle diremos: «Vè-se que, segundo este quadro, houve em realidade apenas sete observações onde os phenomenos immediatos se declararam. Analysando rigorosamente estas mesmas observações, reconhece-se que em nenhuma dellas houve contusão isolada dos lobos cerebraes; constantemente outras alterações a acompa- nharam ; em um caso houve fractura do craneo e compressão pelo fragmento ósseo; nos outros houve derramamento sangüíneo, quer entre a dura-maler e os ossos, quer na superfície do encephalo». A vista, pois, do exame detalhado de Fano, que transcrevemos e cujas conclusões fazemos nossas, a memória de Boinet, embora aulorisada e adoptada por grande numero de cirurgiões e incontes- tavelmente o trabalho mais importante que conta a sciencia, admit- lindo phenomenos immediatos na contusão do encephalo, perde todo o seu valor e não destróe absolutamente o preceito de Du- puytren. Como conseqüência destas considerações, continuamos a pensar que a contusão da substancia cerebral não se manifesta ao cirur- gião por phenomenos clínicos particulares, e que os symptomas primitivos, que se apresentam, quando não sejam a expressão de uma commoção ou compressão que a complique, entram na cathegoria dos phenomenos geraes e communs a todas as lesões da polpa nervosa intra-craneana produzidas por causa traumática; quando alguns dias depois phenomenos insólitos se declaram, devem ser attribuidos á inflammação do encephalo consecutiva. Já apresentámos e discutimos os phenomenos geraes de inner- vação, já traçámos os próprios á commoção ; em breve referiremos os da compressão e encephalo-meningite traumática ; achamo-nos pois, segundo nossas convicções, dispensado de entrar no presente artigo em maiores desenvolvimentos e apenas, em apoio dellas, apresentaremos a seguinte observação; outras, que corroborarão — 109 - ainda a nossa opinião, serão apresentadas, quando nos occuparmos da inflammação do encephalo consecutiva. Obslrvação n. 3.— Fractura do craneo, contusão do cérebro por contrapancada ; encephalo- meningite; morte ; autópsia. — A 23 de Junho do corrente anno, encontrámos occupando o leito n. 16 da 9a enfermaria de cirurgia do hospital da Misericórdia, Fernando Augusto de Rezende, pardo, com 21 annos de idade, de constituição robusta, solteiro, carpinteiro. Este individuo, achando-se trabalhando nas docas da alfândega, cahe de um andaime na altura de vinte metros approximativamente, e é immediatamente conduzido ao hospital, onde pelo medico de serviço lhe é prescripto : Cozimento antiphlogistico de Lev\is........... 200 grammas. Carbonato de ammonia....................... 1 gramma. Ás colheres. Externamente : Sinapismos ás pernas. Examinando o doente, observamos : coma profundo, resolução muscular, apenas os membros direitos executam alguns movimentos desordenados e pouco pronunciados; não responde ás pergumas que lhe dirigimos. Qualquer movimento impresso á cabeça, porém, desperta-lhe dòr, patenteada por um surdo gemido. Face descorada, olhos fixos, pupillas dilatadas e insensíveis á luz. Pela boca, fossas nasaes e ouvidos ha corrimento de liquido sanguinolento. Respiração regular, pouco freqüente, pulso normal, temperatura 37°,5. Sobre o couro cabelludo, na parte correspondente á porção supero-posterior do parietal direito, existe ferida com seis centímetros de extensão; introduzindo por ella o dedo, sente-se o osso a nú, sem periosteo. Não encon- trámos depressão nem elevação alguma. Marcha e tratamento s Dia U : Ext. — Infusão de linhaça.................... 500 gramma?. Sulphato de soda.................... 32 » Óleo de ricino........................ 15 » Para um clyster. Int. — Calomelanos............................ 1 gramma. Extracto de belladona................... 5 centigrammas. Extracto de genciana.................... 2 grammas. Para 12 pílulas ; uma de duas em duas horas. Além disso : Largo vesicatorio á perna direita e cataplasma de farinha de linhaça á cabeça. Dia 25 : Continua o estado do dia anterior. Prescripção. — Calomelanos.............................. 6 decigrammas. Assucar de leite.......................... 4 grammas. Para Yl papeis, um de duas em duas horas ; e mais : Solução de gomma........................ 400 grammas. Tinctura de belladona.................... 8 gottas. Xarope de flores de larangeira............ 32 grammas. Uma colher de duas em duas horas. — 110 — Continua a cataplasma sobro a ferida, cujos bordos são tumidos, edemaciados ; a suppuração é fétida. Dia. 2(5. —Melhoras. As pupillas contrahem-se e os olhos movem-se; descerram-se as pal- pebras e o doente acompanha as pessoas que o cercam, mostra comprehender o sentido de nossas palavras; comtudo não responde. Pulso e temperatura normaes. Continua a mesma medicação. Dia 27. —Tem diminuído a obtusão das faculdades intellectuaes; já responde ás perguntas e fal-o com coherencia ; a articulação dos sons é ainda difficil; executa os movimentos ordenados com perfeição. No entretanto, a face é animada e com ella o olhar, o pulso freqüente e cheio, noventa pulsações; temperatura 38°,5. Ha dôr fixa no craneo, difficuldade na respiração e tendência a subdelirio. Continua a medicação. Dia 28 de manhã.—Durante a noite, houve delirio manso e movimentos desordenados no leito, com os membros. Continua a cephalalgia, que se propaga á fronte; a palavra é difficil, inintelligivel; ha subdelirio, pulso 95, temperatura elevada, o doente não tolera o thermometro. Ás 10 horas, cessa o delirio, e o doente pede ao enfermeiro o que deseja. Mesmo dia á tabde.—Collapso absoluto; o doente, immovel, é completamente estranho a tudo quanto o cerca. Temperatura 38°,7 , pulso 95. Respiração freqüente e suspirosa. O aspecto da feiúda exterior é mâo; suppuração pouco abundante, fétida, ichorosa ; bordos lividos, tume- factos, botões camosos, pallidos e fungosos. Continua a medicação. Dia 29. — Toda a noite houve coma profundo; pela manhã o doente desperta. Quando o . vimos, notámos: aphasia, delírio intenso, agitação constante, movimentos desordenados. Não comprehende absolutamente as perguntas que lhe fazemos, geme ruidosamente. Respiração muito freqüente, pulso cheio, duro e resistente, 100 pulsações ; temperatura muito elevada, não é possível applicar o thermometro. Á larde, é completo o collapso; o dia foi tempestuoso ; ás 10 horas da noite, o doente succumbe, sendo a morte precedida por movimentos espasmodicos e convulsivos. Durante te do esse dia houve clysphagia. Autópsia Dia 30.— Feita a abertura longitudinal do craneo, encontrámos : Injecção intensa nas meningeas, fractura do craneo desde o terço posterior do parietal até á base do rochedo. No cérebro, no ponto opposto á fractura, nota-se uma porção arredondada de quatro centímetros de diâmetro, fortemente contusa, amollecidae purulenta. Nesse ponto ha mancha echymotica entre a dura-mater e o craneo, e pequenos focos de sup- puração. O encephalo em diversos pontos, e próximo á contusão, apresenta-se em extremo con- gesto ; pela secção, a hemorrhagia capillar torna-se muito apparente, e, pela compressão, algumas gottas de sangue correm do interior da polpa nervosa. Esta observação, interessante a mais de um titulo, confirma plena- mente as asserções que expendemos sobre a physionomia clinica da contusão do encephalo. Com effeito, até o quarto dia de moléstia, acreditávamos e, com- nosco, nosso illustrado professor, que se tratava de uma commoção; todos os symptomas desta affecção declararam-se e fizeram-no em ordem decrescente, como geralmente soe acontecer. 111 - No quarto dia, porém, a animação da face do doente, a elevação da temperatura, a dor fixa no craneo, o desassoce^o e subdelirio, despertaram immediatamente em nosso espirito a idéa de uma con- tusão, de que em breve nos convencemos. Aqui o principio de Dupuytren foi verdadeiro, e, como aqui, em todos es outros casos, que observámos, e que em breve referiremos; nenhum dos phenomenos, reputados essenciaes por Sanson e Boinet, se desenvolvera, e o doente succumbio a encephalomeningite traumática consecutiva. Diagnostico e prognostico.—Sem symptomas próprios primi- tivos é o diagnostico da contusão cerebral summamente difficil; nenhum phenomeno clinico é pathognomonico, positivo, bastante eloqüente no momento do accidente, para traduzir esta alteração da polpa nervosa. No entretanto, acreditamos que, embora cercado de diíliculdades, este juizo não he impossível, uma vez que procuremos interpretar perfeitamente a evolução do processo mórbido. Quando a substancia cerebral se acha a descoberto pela grande solução da parede óssea, fácil é, á simples vista, diagnosticar si o cérebro é ou não contuso ; em condições oppostas, só a marcha dos symptomas, a natureza da violência e o exame succinto do craneo poderão revelar-nos esse conhecimento. Si a intensidade dos phenomenos tende a augmentar progressiva- mente sem produzir-se paralysia, si a violência exerceu-se forte e direclamente sobre o craneo e si este apresenta fractura, devemos admiüir uma contusão da polpa encephalica, de preferencia a qualquer outra lesão. Dizemos de preferencia, porque esses mesmos phenomenos não são infalliveis; a contusão pode ter lugar sem fractura no craneo e apenas a marcha progressivamente crescente do mal nos traduzir a moléstia, não obstante a reunião desses três caracteres, grande vio- lência, fractura do craneo e marcha crescente na intensidade dos phenomenos, é a única base do diagnostico da contusão cerebral. Só nos temosocçupado dos phenomenos primitivos, porque, uma vez manifestados os consecutivos, a moléstia passa a ser encephalo- meningite, de cujo diagnostico em occasião opportuna trataremos. Quando a contusão se assesta na base do cérebro, a morte é instan- tânea e só a autópsia póde-nos revelar a alteração; si a morte não — 112 — tem lugar e si não ha fractura no craneo a contusão ou é por conlrapancada ou directa sobre a medulla allongada; em qual- quer destas condições, phenomenos gravíssimos se manifestam na respiração, circulação e outros apparelhos orgânicos, autorisando a localisação da lesão na porção basillardo encephalo. É extremamente grave o prognostico da contusão cerebral, não por si, mas pela inflammação que provoca e na qual se converte, revestindo um caracter de gravidade assustador. Acreditamos, todavia, ser prudente que demoremos nosso juizo prognostico antes de manifestarem-se os phenomenos inflammatorios; quando, porém, elles se declaram com toda a evidencia, é regra terminar-se a moléstia pela morte. A sede provável ou certa da lesão modifica igualmente o prognos- tico; as contusões da base do encephalo e sobre todas as da medulla allongada são promptamente mortaes. Tratamento.—Consistindo toda a gravidade da contusão, não em si, mas nos phenomenos consecutivos gravíssimos quecrêa, prin- cipalmente os da inflammação, quer diffusa, quer circumscripta do encephalo, a therapeutica mais racional deve consistir em obstar de um modo enérgico o apparecimento desses phenomenos. Na medicação antiphlogistica prompta encontraremos os melhores elementos de preencher esta indicação, marchando sempre de acordo com os preceitos geraes, que estabelecemos na primeira parte do nosso trabalho. Sangrias geraes mais ou menos consideráveis, segundo as forças do doente; emissões sangüíneas locaes applicadas e entretidas de um modo continuo ás apophyses mastoides; revulsivos cutâneos; derivativos sobre o tubo digestivo; purgativos drásticos, emetico em clysteres; finalmente todos os meios capazes de derivar prompta e rapidamente o processo congestivo ou phlogotico do cérebro devem ser successivamenle empregados sem hesitação e constan- temente, até que o estado do doente revele haver desapparecido toda a tendência inflammatoria para o encephalo. Reapparecendo os phenomenos, recomeça-se o tratamento com a mesma energia. Por alguns autores é aconselhado nesse tratamento preventivo o uso de vomitivos; outros, porém, o proscrevem. Não o acredi- tamos de vantagem, antes julgamol-o nocivo e perturbador da - 113 — acção dos outros mcdicamenlos anli-phlogislicos de extrema necessidade. Os vesicatorios applicados sobre o couro cabelludo privado de seus pellos, tem dado magníficos resultados nas mãos de muitos cirurgiões, assim como a applicação do gelo ou de misturas refri- gerantes contidas em saccos de gutta-percha presos á cabeça. A toda essa medicação associaremos dieta rigorosa, repouso absoluto, prohibição de todo e qualquer trabalho inlellectual, ausência de emoções moraes, finalmente toda a hygiene que deve acompanhar o tratamento das moléstias inllammalorias graves. 3" III Feridas do encephalo As feridas mais ou menos profundas c extensas, podendo occupar quaesquer pontos no encephalo, podem ser produzidas por instru- mentos cortantes, perfurantes c contundentes. Considerações geraes sobre as feridas do encephalo K sobretudo a cirurgia militar que registra em seus annacs grande cópia desse gênero de feridas, extremamente variáveis em extensão, sede e profundidade. Podendo assestar-se em todas as partes do en- cephalo, affeclam de ordinário as superiores e anteriores, por serem as mais expostas á acção das violências externas; a base e a parle posterior do encephalo podem comtudo ser lesadas; como innumeras vezes tem acontecido. Grande variedade acompanha igualmente a exlensão c profun- didade dessas feridas, devida á natureza do instrumento e á in- tensidade* de sua acção. Já tivemos occasião de citar uma observação onde uma barra de ferro alravessou o cérebro, penetrando pela base; Larrey apre- senta em suas lições de clinica cirúrgica factos onde um osso inteiro ou parte delle fora separado do reslo do craneo, acarre- tando toda a porção de substancia cerebral correspondente. l>n muitas oceasiões o instrumento, além de ferir a polpa ner- vosa fracturando-se ou conservando-se preso á solução óssea, por onde penetrara, permanece no interior do craneo. Os phenomenos determinados por essa variedade de feridas são primitivos e consecutivos : os primeiros não olTerecem importância intrínseca, e tudo se restabelece em mui pouco tempo ; os segundos — 115 — são sempre de extrema gravidade e muitas vezes mortaes; creando suppurações abundantes, inflammação, compressão e rupturas vas- culares de gravíssimas conseqüências o que exigem um tratamento por longo tempo continuado. Quando o mesocephalo é interessado, a morte é prompla e infallivel, como se tem constantemente observado. Si as feridas se assestam no cerebello, ordinariamente deter- minam idêntico resultado. Obs. I. Um soldado recebe uma ferida no cerebello ; morte, 43 horas depois. (Chassaignac, loc. cit.) Obs. II. Um Suisso recebe igualmente uma ferida no cerebello ; morte no quarto dia. (Morgagni. LI carU>.) Obs. III. Uma mulher do campo rola de uma escada e fere tão violentamente a cabeça que perde immediatamente a falia, a sensibilidade e movimento ; uma hora depois succumbe. Vutopsiada, encontra-se fractura do rochedo, e da parte óssea do conducto auditivo ; ruptura dos seios lateraes, dura-mater e membrana do tympano, derramamento sangüíneo e lesão do cerebello. :Morgagni. ibid.) Estes factos comtudo nem sempre se dão, e Chassaignac, de quem extrahimos essas observações, diz que Vesling, Bonh,Fallopio e o próprio Morgagni observaram lesão no cerebello, restabelecendo- se os doentes; não obstante, essas excepções não attenuam a gravidade das feridas nessa parte do encephalo, nem o podem, em razão dos importantes actos vitaes a que preside esse orgam. Besta-nos fallar das feridas do cérebro, propriamente ditas, es- tudo que faremos detalhadamente, considerando-as cada uma por sua vez, segundo o gênero de instrumentos que as determinam; isto é, feridas do cérebro por instrumentos cortantes, perfurantes e contundentes. A extrema freqüência, como certos caracteres especiaes que acompanham as feridas nessa parte do encephalo, exigem que assim procedamos. FERIDAS DO CÉREBRO POR INSTRUMENTOS CORTANTES De dois modos obra, na producção dessas feridas, o instrumento cortante, segundo o estado de aceração de seu gume e a in- tensidade da violência que o anima ; ou o instrumento corta 1K> — simplesmente, ou corta e contunde. No primeiro caso, a ferida resul- tante é clara, bem talhada e a cicatrização marcha regularmente; no segundo, havendo contusão, porções múltiplas do craneo e da polpa nervosa são dilaceradas; os fragmentos peneiram na polpa * cerebral, diversas porções contusas, não podendo ser extrahidas, gangrenam e provocam suppuração abundante e inflammação intensa. A cicatrização perturbada por todos esses accidentes reveste máo caracter e o doente succumbc. Ao mesmo tempo que estas desordens são produzidas, diversos vasos e nervos podem ser seccionados, acarretando hemorrhagias colossaes e paralysias persistentes. Destas considerações infere-se a variedade de symptomas que estas feridas podem apresentar e a gravidade que revestem cm muitas circumstancias; umas vezes isentas, embora consideráveis, de accidentes, revestem outras vezes aspecto aterrador e fazem suecumbir o doente. 0 diagnostico repousa no conhecimento do instrumento e no aspecto da ferida, cuja profundidade pôde algumas vezes ser conhe- cida pela introducção cuidadosa de uma sonda de gomma elástica. Muitas vezes, porém, isto é impossível e só os phenomenos manifes- tados poderão traduzir com probabilidade a profundidade do feri- mento. O prognostico depende da sede da ferida e das complicações que cila crea; si é a parte anterior do cérebro a que se acha compromeltida, mesmo sendo extensa a destruição, pôde dar-se o restabelecimento, e muitos factos registrados na sciencia authen- lificam esse resultado; si ao contrario, a lesão tem sua sede na base, a cura o mais diflicilmente obtida, e quando conseguida, ordinariamente persiste certo numero de perturbações funccionaes. Em ambos os casos a profundidade da ferida modifica as conse- qüências; quasi sempre pouco profunda, muitas vezes attinge com- tudo as partes mais recônditas do orgam, acarretando rapidamente a morte. Em suas cartas, Morgagni cila um facto de ferida do quarto ventriculo com aphonia e abolição dos sentidos, terminada pela morte quatro dias depois do accidente. Do mesmo modo que a profundidade da ferida, a secção de um nervo ou artéria pelo instrumento corlante imprime modificações no prognostico. — -117 — Km lhese, o prognostico das feridas do cérebro por instrumento cortante é grave ; o exame da ferida, as circumstancias do accidente e a serie de phenomenos observados são a melhor base para a construcção desse juizo. Marcha c terminações.--Nenhum typo regular e constante reveste a marcha das feridas do cérebro por instrumento cor- tante ; quando simples, a cicatrisaeão segue o processo ordinário das outras feridas nas diversas partes do corpo; quando, porém, complicadas de longas suppurações,' hernorrhagias, compressão, inflammação, etc, sua evolução é necessariamente irregular e su- jeita á desses accidentes. Quanto á terminação, Iodos os phenomenos consecutivos, que mais tarde analysaremos, podem manifestar-se como conseqüên- cia desse gênero de feridas, trazendo-lhes deploráveis resul- tados. Feliz o cirurgião quando consegue, mediante uma therapeutica enérgica, triumphar da influencia nociva d'esses phenomenos se- cundários. Tratamento. — Depende das diversas circumstancias que acom- panhara a ferida; é cirúrgico e medico. Quando a ferida é simples, isto é, sem accidentes para o encephalo, deveremos, depois de haver despido os pellos que a cercam, extrahir com cuidado os coalhos sangüíneos superficiaes que contiver e os corpos estranhos que a irritarem ; isto feito, praticaremos um curativo simples para prival-a da acção do contacto do ar, lendo o cuidado de não com- primil-a;, sobre o apparelho applicaremos irrigações frias contínuas ou involveremos a cabeça do doente em gelo por meio de appa- relhos próprios. A esse tratamento tópico juntaremos o anli-phlogislico com o fim de obstar o desenvolvimento de phenomenos inflammatorios, mui freqüentes nestas condições. Uma vez declarados os accidentes consecutivos, augmentaremos a energia dos agentes therapeulicos, de acordo com as indicações e exigências da occasião, guiando-nos pelos preceitos na primeira parte do nosso trabalho referidos. Os phenomenos de compressão, quer solida, quer liquida, serão — 118 - combatidos pelo trepano cuja opportunidade posteriormente es- tudaremos. Si o instrumento cortante separa uma porção da caixa craneana e com esta a camada de polpa nervosa correspondente, o curativo tópico será idêntico ao das feridas simples; obtida a cicatrisação. o individuo trará sobre a cabeça qualquer corpo que proteja essa porção de cérebro exposta contra a acção dos agentes exteriores. FERIDAS DO CÉREBRO POR INSTRUMENTOS PERFURANTES As mesmas considerações que terminámos sobre as feridas por instrumentos cortantes tem aqui inteira applicação; como ellas, as por instrumentos perfurantes apresentam idênticas variedades de extensão, sede e profundidade dependentes da natureza e intensidade de acção do agente vulnerante; como ellas, sua gravidade é va- riável, por isso que lhes são succedaneas nos effeitos primitivos e consecutivos que podem determinar. Quando pouco profundas, ordinariameute accidente algum so- brevem e o tratamento tópico é bastante para trazer o restabe- lecimento do doente. Quando, porém, o instrumento atlinge as partes mais profundas dos lobos cerebraes, isto é, a base onde trajectam nervos e vasos importantes, a cura é muito mais difficil, raras vezes completa c os diversos phenomenos graves que se patenteiam exigem um tra- tamento longo e enérgico, externo e interno, já convenientemente desenvolvido em considerações anteriores. FERIDAS POR INSTRUMENTOS CONTUNDENTES Produzido por todos os corpos contundentes que acluam direcla- mente sobre o encephalo, esse gênero de feridas é muitas vezes determinado por fragmentos ósseos deslocados do craneo e mergu- lhados na substancia nervosa. As balas e os diversos projectis lançados por armas de fogo, são os agentes mais freqüentes das feridas contusas do encephalo. — 11!) — Da multidão de circumstancias que acompanha a acção desses corpos, infere-se a diversidade e variedade que podem revestir as lesões por elles determinadas; com effeito, os annaes de cirurgia militar têm registrado observações curiosissimas de feridas contusas no encephalo, produzidas por armas de fogo. Sem pretendermos entrar em grande desenvolvimento sobre o modo de acção dos corpos contundentes no encephalo, seja-nos licito expor algumas considerações sobre o que tem sido mais fre- qüentemente observado. De diversos modos obra o projectil que percute o craneo ; umas vezes, achando-se animado de pouca força, não penetra directamente no cérebro, fractura a parede óssea e os fragmentos deslocados con- tundem o cérebro em maior ou menor extensão e profundidade. Outras vezes o projectil actua com toda a violência, penetra na ca- vidade craneana, despedaçando as meningeas e contundindo a polpa nervosa, onde permanece, complicando a lesão já produzida com a compressão que exerce em razão do seu peso. Em outras circumstancias toda a substancia encephalica é atra- vessada em qualquer sentido de seus diâmetros pelo projectil que precipita-se no exterior, acarretando porções de cérebro e lesando organs importantes e indispensáveis á vida. O signal de sua passagem nessas condições é marcado pela pre- sença de diversos corpos estranhos, como porções de couro cabel- ludo, panno, couro, ferro e osso mais ou menos encravados em parles diversas do orgam ccnlral da innervação. Dahi hemorrha- gias, suppuraçoes e toda a serie de accidentes com seu terrível cortejo de symptomas ordinariamente terminado pela morte. Além das balas sólidas e compactas, contam os exércitos moder- nos outras espécies de projectis de fôrma e força variáveis e con- tendo em seu interior myriades de corpos, que em um momento dado projectam-se com extrema violência em todos os sentidos e direcções. Estes projectis denominados bombas, granadas, etc, quando ferem o craneo, dilaceram-no immediatamente, assim como o cérebro em mil fragmentos arremessados a grandes distancias. .Nestas condições, a morte ó rápida e fulminante, e da substancia cerebral nem vestígios são encontrados. Ao lado desses immensos destroços, podemos projectis, mesmo penetrando no interior do craneo, não produzir lesão de espécie alguma no cérebro. - 120 - Nesses casos, a bala insinua-se entre a parede óssea c a dura- mater, trajecta por sobre ella, e, ou sahe espontaneamente ou é extra- hidado lado opposto, sem que a polpa nervosa tenha sido lesada em ponto algum. Sendo idênticos os diversos effeitos produzidos no cérebro pelos projectis lançados por arma de fogo que acabámos de estudar, aos de outros qúaesquer agentes contundentes, chegaremos á conclusão de que as feridas contusas do encephalo apresentam variedade immensa de accidentes quer immediatos quer consecutivos; e mais, que ellas não possuem physionomia nem evolução próprias, podendo Iodos os phenomenos que no correr de nosso trabalho hemosassig- nalado, e que em capítulos subsequentes ainda referiremos, ligarem- se mais ou menos proximamente a esse gênero de lesão encephalica por causa traumática, que actualmente nos oecupa. Daqui a impossibilidade de precisar o prognostico e adaptação da therapeutica a empregar ás exigências das circumstancias. Por esta rasão só temos formulado nestas considerações preceitos geraes. Nas feridas confusas do encephalo Iodos os symptomas das outras lesões traumáticas do mesmo orgam podem manifestar-se, todas as indicações therapeuticas patentear-se ; só o exame detalhado da oc- casião guiará o cirurgião. Nunca devemos esquecer-nos de que a ausência completa de accidentes pode ser seguida bruscamente da presença de pheno- menos aterradores, e assim é nosso dever achar-nos prevenido para acudir a Iodas as eventualidades, e empregar todos os meios para obstar seu desenvolvimento. Combater os phenomenos quando existem, impedir energicamente que se manifestem, no caso contrario, deve ser nosso fito constante e para o qual convergiremos todos os nossos esforços. COMPLICAÇÕES DAS FERIDAS DO ENCEPHALO. Corpos estranhos. —ei A presença de corpos estranhos determina ordinariamente phenomenos graves, quer de compressão, quer de qualquer outra natureza, c perturba as funcções do encephalo, dos — 121 — organs dos sentidos, ou oceasiona symptoraas de contracturas de paralysias e, sobretudo, de congestão ; as desordens mais constantes, comtudo, são os accidentes conseculivos, inflammação, abscessos c nevralgias. » Bauchet, loc. cit. Os diversos corpos estranhos, que tão frequenleniente complicam as feridas do encephalo, provêm, quer do exterior, quer do orga- nismo mesmo do individuo que viclimam ; no primeiro caso, acham-se incluídos os projectis lançados por armas de fogo, frag- mentos de madeira, ferro, couro, panno. pedra, ele. ; no segundo, são comprehendidos as esquirolas ósseas craneanas, porções de cabello e couro cabelludo. As dimensões e natureza desses diversos corpos, assim como a sede e profundidade que occupam na polpa nervosa, olTerecem vasto campo a considerações interessantes. Sobre a dura-mater, ou abaixo desta membrana, na arachnoidc, M>b a pia-mater. ou encravado na substancia cerebral, pôde obser- var-se a presença dos corpos estranhos. Na ultima hypothese figurada, elles occupam ainda a parle supe- rior, anterior, inferior ou posterior, determinando, quando asses- lados na primeira, accidentes menos graves do que em qualquer das outras, maxime na base ou inferior, onde sua presença é neces- sariamente acompanhada de phenomenos gravíssimos. Situados superficialmente, seus effeitos, em qualquer do? pontos do encephalo, serão menos intensos do que em condições oppostas, tanto pela ausência de symptomas, como pela facilidade de ex- tracção. Do mesmo modo que a sede e profundidade, as dimensões e na- tureza dos corpos estranhos influem directamente sobre os resultados da evolução mórbida ; extensos e superficiaes, podem deixar de acarretar phenomeno algum ; consideráveis e profundos, ao con- trario, aua influencia e extremamente nociva e a morte seu effeito ordinário. Diversamente sólidos, lisos, desiguaes, irritantes, pesados, etc, -ua acção é variável e sujeita a todas c^as circnmslancias que atienuam ou aggravam seu contacto demorado. Como todas as outras partes da economia, como todos os seres do universo, o encephalo habitua-se ás fracas pressões sem reagir; por isso o modo mais ou menos brusco como opera o corpo estranho .38 16 - 122 - modifica a manifestação dos accidentes em sua intensidade e duração. Esses accidentes secundários são vários c podem desenvolver-se em qualquer das condições que lemos referido. Além dos terríveis effeitos de compressão, que determinam na substancia nervosa, c que mais tarde estudaremos, occasionara ainda inttammações mais ou menos violentas, suppurações abundan- tes, destruições extensas, ruptura dos vasos, hemorrhagias, secção dos filetes nervosos, contracturas, convulsões, paralysias, alterações nos organs dos sentidos, finalmente toda a serie de phenomenos que estudámos, na svmptomalologia das lesões traumáticas do enrephalo em geral. Estes accidentes, que ordinariamente cessam com a suppressào da causa que os enlretèm, persistem muitas vezes longo tempo rou- bando os doentes á vida ou necessitando, para serem debellados, mui longo tratamento c graves operações. Para diagnosticar a. presença dos corpos estranhos inlraeraneanos\ soecorrer-nos-hemos dos dados ananmesticos e dos elementos que nos fornecer o exame rigoroso e prudente da-ferida. Seu prognostico é cm these, grave, diversamente, segundo todas as considerações de sede. extensão, profundidade, que alraz re- ferimos . Tratamento. — Exlrahir immmedíatamenle o corpo estranho. quando possível, combater os accidentes quando se tenham des- envolvido, obstar que se manifestem no caso contrario, taes são as indicações a preencher no tratamento dos corpos estranhos do encephalo. Ertracção. — Si o corpo é visível, appareute e pôde ser appre hendido por meio de pinças ou curelas, a extracção deve ser im- mediatamente praticada, com lodo o cuidado e precaução, para não lesar a polpa nervosa. Feito isto, conservaremos o doente em repouso absoluto, applicando-lhe um curativo simples e prescre- vendo-lhe interna e externamente os meios antiphlogisticos. de que, cm occasião opportuna, nos occupamos, com o fim de obstar o desenvolvimento dos phenomenos inflammatorios. Para essa simples operação, não é sullicienlc mui Ias vezes a so- lução de continuidade externa, que o traumatismo produzio; nesta» — 423 — condições, alargaremos a ferida até peimittir livre e fácil manejo aos instrumentos que houvermos de empregar. Quando numerosas esquirolas penetram na substancia do ence- phalo, não desanimaremos e, cercando-nos de toda a precaução, procuraremos extrahi-las successivamente com o auxilio dos meios a nosso alcance» Assim p-ocedcudo, imitamos o exemplo de Chás aigriac, que consigna, na sua interessante these citada, uma obser- vação, onde, depois de haver-se exirahido grande numero de esquirolas e descoberto o cérebro, notou-se que este ainda continha outra grande porção, que não fora suspeitada e que, sondo por sua vez extrahida, trouxe ao doente prompto restabelecimento. Si o corpo estranho encrava se na parede óssea e conserva-se extremamente preso, procuraremos por traccões enérgicas extra hil-o; não conseguindo-o, applicaremos uma coroa de trepano e o retiraremos juntamente com o disco ósseo em que se acha engastado. Essa posição do corpo estranho é muito freqüente, sobretudo nas balas, que não achando-se animadas de força sufficiente para penetrar no craneo, ficam com a parte além do grande diâmetro mergulhada em seu interior, necessitando para serem extrahidas a resecção circular da parede óssea. Si um hemispherio inteiro do projectil acha-se no interior, ser- vindo-nos de um elevador ou de um lirafundo, poderemos extra- hil-o, tendo o cuidado de dirigir o instrumento transversalmente. (Chassaignac, loc. cit.) Si a bala atravessa o encephalo e vae fazer saliência no lado opposto, empregando-se um dos meios que temos apontado, con- seguiremos retira-la. Todas as vezes, porém, que o projectil ou qualquer outro corpo estranho, tendo mergulhado na polpa nervosa, some-se em seu interior e torna-se inaccessivel aos meios de extracção, deveremos abandonar toda a tentativa para o conseguir e combater por agentes therapeuticos os accidentes que se manifestarem. Quando, havendo-se declarado a suppuração pela eliminação produzida, podermos descobrir o corpo que a enlretêm, ou sen- til-o na extremidade do instrumento explorador, cercando-nos de toda a prudência, tentaremos extahil-o. Em these, no tratamento cirúrgico dos corpos estranhos do en- cephalo. devemos cercar-nos de toda a precaução e critério e — m - procurarmos por todos os meios neslas condições extrahil-os, quer sejam apparentes no exterior, quer visíveis ou sensíveis no interior do craneo, sempre finalmente que, sem perigo para o encephalo poderem ser accessiveis aos instrumentos aconselhados pela medicina operatoria, cuja escolha variará com as exigências da occasião. Foi este o preceito que concluímos da leitura de innumeras observações de Larrey,Bauchet, Chassaignac, Velpeau, Nélalon, etc, que tivemos occasião de consultar por varias vezes no correr de nosso trabalho. Nem sempre é visivcl o corpo estranho, mesmo collocado super- ficialmente no encephalo ; para sentil-o, podemos soccorrer-nos do dedo indicador ou de uma sonda de gomma elástica, como praticou Larrey. Essas tentativas de exploração só devem ser feitas quando as circumstancias as favorecerem, e mesmo assim serão sempre cercadas de toda a precaução ; sempre seguiremos o fácil trajecto do corpo, nunca empregando a menor violência, que pôde acarretar desordens, que não existiam e aggravar o estado já precário do doente. Muitas observações encontrámos na sciencia, algumas das quaes já li vemos occasião de citar, onde corpos estranhos permaneceram por longo tempo no interior da cavidade craneana, sem produzirem o mais insignificante accidente. Pois bem: esses factos, que não são raros, aulorisam o procedi- mento que acabamos de aconselhar de não tentar a extracção, uma vez que qualquer difficuldade se antolhe á fácil execução do manual operatorio. Nestas condições é preferível confessar a impotência da arle, do que contribuir para a morle de um individuo. Audaz quando fácil, prudente quando difficil, devemos desistir peremptoriamenle de qualquer lentaliva de extracção, quando não virmos nem sentirmos o corpo sobre que havemos de operar. Praticada ou não a extracção, recorreremos immediatamente á medicação antiphlogistica, mais ou menos enérgica, segundo a in- tensidade dos phenomenos e as circumstancias da occasião. 0 tratamento tópico é inteiramente simples, e consiste no acon- selhado para idênticas feridas em quaesquer outras parles da economia. E aqui que as applicações refrigerantes contínuas são de todo o proveito, concorrendo poderosamente para a prompta cicatrização. — 125 — O tratamento antiphlògistico já foi desenvolvido em um capitulo anterior; não repetiremos o que ahi expuzemos. Hemorrhagias.—Provenientes da ruptura de uma artéria intra- craneana, ou de lesão nos seios da duramater, as hemorrhagias formam uma complicação mui freqüente nas lesões traumáticas do encephalo, e principalmente nas feridas por instrumentos cortantes o contundentes. Ordinariamente, é das arlerias que provêm as hemorrhagias cere- braes traumáticas, muitas vezes assás intensas para produzir a morte iramediata. Muitos exemplos desses accidentes encontrámos consignados em di- versas obras de autores estrangeiros, e sobretudo na these de Sanson sobre hemorrhagias traumáticas, cujas interessantes considerações, sob o ponto de vista que nos oecupa, nos foram de grande auxilio. A carótida interna no canal carotidiano, a artéria do corpo calloso, a meningea média mui freqüentemente, a cerebral média e a spheno-espinhosa são as fontes ordinárias das abundantes hemorrha- gias, que tanlo aggravam as lesões encephalicas. Em idênticas condições de freqüência etiologica acham-se os seios venosos da duramater. Sua gravidade, quanto aos accidentes secundários, depende do modo como se opera a hemorrhagia e do estado das partes em que se produz. Si encontra fácil sabida para o exterior, nenhum accidente mani- festa-se no encephalo; quando, porém, achando-se já cicatrizada a ferida externa, o sangue conserva-se e derrama-se no interior do craneo, diversos phenomenos graves se patenteam de compressão na polpa nervosa, que serão mais tarde detalhadamente considerados. Fazer cessar a hemorrhagia é a única indicação a preencher em seu tratamento, e a que referiremos iodas as considerações que nos resta expender. A obtenção desse resultado, porém, é aqui de extrema difliculdade, pela posição em que se acham os vasos mergulhados em organs tão importantes á perfeita integridade das manifestações vilães. Como ligar, por exemplo, como sustar a hemorrhagia prove- niente de um vaso situado profundamente na base do encephalo? Para satisfazer essa queslão, repetiremos o que aconselham os práticos. I:ít> -endo a lorsão e a ligadura impossíveis ordinariamente, e rendo a cauterisação perigosa, recorreremos á compressão por meio de um tampão confeccionado de uma porção de cera ou corliça, de modo a obturar completamente a solução de continuidade, exer- cendo sobre o vaso dividido fraca pressão. Si a ferida é muito extensa, si interessa grande parte da sub- stancia do encephalo e si o sangue continua a correr, pratica- remos então, como aconselha Bauchet {loc. cit.), a ligadura do vaso seccionado, operação extremamente difficil, muitas vezes impossível, continua o mesmo autor, e que exige em quasi todos os casos a applicação de uma ou muitas coroas de trepano. Quando esquirolas ósseas mascaram a sede da hemorrhagia, ellas serão extrahidas até que sua origem seja descoberta e accessivel. Sendo visível a sede, a artéria, podendo ser presa com os ins- trumentos de que dispomos, será comprimida de dentro para fora, por meio de um elevador ou de uma pinça de pressão contínua. Em muitas condições, um pincel embebido em uma solução concentrada, de perchlorureto de ferro é sufficiente para fazer cessar o corri- mento sanguineo. Dupuytren aconselha o emprego de uma pequena peça de ma- deira leve, com um orifício no centro, que, introduzida no craneo, comprime o vaso, ao mesmo tempo que permitte facilmente correr para o exterior o sangue que continua a extravasar-se. No entretanto, todos esses meios aconselhados pelos autores só são applicaveis nas artérias superficiaes, como a meningea média, facilmente accessiveis aos meios cirúrgicos; quando, porém, a hemorrhagia nasce de vasos situados na base do encephalo, todos esses recursos são improficuos, e a única taboa de salvação para o doente consiste em comprimir a carótida do lado em que se faz a hemorrhagia, ou mesmo liga-la, como não hesita em aconselhar grande numero de cirurgiões. Só nos temos até aqui occupado das hemorrhagias provenientes das artérias do interior do craneo; digamos, para terminar, algumas palavras sobre as que nascem da ruptura dos seios Yenosos da dura-mater. Até Pott, Hoffman e Leveillé, pensavam os autores que a lesão dos seios da dura-mater era de extrema gravidade e sempre seguida de morte; estes cirurgiões, porém, demonstraram que a ruptura desses seios era tão innocente, que até podia-se a ella recorrer como - 127 - meio iherapeulw o extremo em certas alVecçoes cerebraes, e Poli cita mesmo um caso.de sangria por elle praticada nesses vasos, com successo completo, sem manifestação de accidente algum. (Chassaignac, for., cit.) A hemorrhagia dos seios da duramater é facilmente reconhecida pela sede da ferida e pela cor do sangue que a constilue. Para combatel-a, um só meio existe, ordinariamente de successo, que consiste em praticar-sc sobre a origem da hemorrhagia uma leve compressão. Lm muitas oceasiões, sem tratamento algum, esse mesmo resultado dá-se espontaneamente, como tem sido por alguns autores observado. Vs seguintes observações, que transcrevemos dos diversos autores que se têm occupado desse assumpto, serão a confirmação do que acabámos de expor, relativamente ás hemorrhagias cerebraes trau- máticas. Lr.siies aiiriiaes.— Obs. í.—tv>ncda da altura de vinte pés. Ferida confusa na parle su- perior e esquerda da cabeça; íractura do craneo; hemorrhagia c cnsideravel; despedaçamcuto da carótida exijiierdc no <:in>tl c:irot>diano; morte vinte e quatro horas depois. (Sanson, hemor- rhagies fr'iumuiiq)ies.) Oi,3. 11.— Golpe de ilniete na fossa orljiiaria direita innnedialainente abaixo da areada super- ciliar ; delirio, paralysia, dyspnéa; morte. A autópsia revela, além de lesões variadas no ence- phalo, liemorrhagia.provcnienle da ruptura da artéria do corpo calloso ferida pelo instrumento. Na base do craneo, na cavidade da arachnoide existe igualmente uin grande derramento de sangue vindo da mesma fonte. (Arch. de médecine, 1828.) Obs. III.—Tiro de pistola na têmpora esquerda ; ferida da cabeça; hemorrhagia vinda do inte- rior do craneo; morte no dia seguinte. Na autópsia encontra se lesío na artéria cerebral media. (Chassaignac, loc. cit.) Obs. IV.—Percussão violenta sobre o lado direito da cabeça; morte no dia iinmediato. A au- tópsia revela fractura comminativa do parietal; entre esse osso e a duramater existe uma ca- mada de saugue coagulado, oecupando um espaço de quatro pollegadas quadradas. Ruptura do avicria wicniwjea media; derramamento entre a duramater e a arachuoidc. ( Vcdico-chirurgical revicw, Chassaignac, loc. cit.) Uus. V.— Fractura do craneo ; trepanação no angulo do parietal. Pela compressão c impos- sível fazer cessar uma hemorrhagia fornecida pela artéria sphcno-rspinhosa, resultado que só é conseguido introduzindo -se pela abertura do craneo pequenas bolas de cera. (Latmir, hist. phil. c médic. des hemorrhagies, Chassaignac, loc. cit.) Obs. VI.— Ferida penetrante do craneo o do seio longitudinal: hemorrhagia abundantíssima ; cara. (Alarclietis, Chassaignac, loc. cit.) Obs. VII.— Pancada sobre a cabeça; bossa sanguinea ; fractura da sultura. sagital; ruptura do seio por tuna esqui rola; hemorrhagia continua ; trepanação ; uuvo jacto de sangue; compres- são com lios seccos ; cura. (Cercava! Pott, Obs. 21.) TERCEIRA PARTE 38 17 MCIDim CONSECUTIVOS PRÓXIMOS Ás LESÕES TRAUMÁTICAS DO ENCEPHALO I Compressão do encephalo Encerrado em uma cavidade de paredes inextensiveis, compacto, molle, contendo em seu seio o principio de todas as manifestações vilães da economia, o encephalo não pôde soffrer indifferente a acção dos agentes compressores. Corpos estranhos de qualquer natureza, derramamentos líquidos sangüíneos, purulentos ou serosos, enkvstados ou diffusos, taes são as causas traumáticas da compressão encephalica. Accidente consecutivo mais ou menos próximo e freqüente ás lesões cerebraes, ella compromette seriamente o funccionalismo do grande centro nervoso, creando, nas manifestações vitaes volun- tárias ou involuntárias, alterações de natureza e intensidade va- riáveis. Vasto campo aberto ás investigações clinicas, a compressão offerece ao cirurgião todo o interesse pratico etheorico das grandes entidades mórbidas. E com prazer que encetamos o estudo de tão espinhoso assumpto e, embora tenhamos varias vezes de chocar-nos de encontro a barreiras insuperáveis na interpretação de certos phenomenos, procuraremos fazer convergir, para a elucidação desses factos, — 132 — toda a luz que encontrarmos esparsa na grande serie de trabalhos que tivemos occasião de compulsar. Já vimos que eram os corpos estranhos e os derramamentos as causas da compressão do encephalo; comecemos, pois, por estudai- os, deixando de parte os primeiros, de que anteriormente tivemos occasião de nos occupar. Sangüíneos, purulentos e algumas vezes serosos, os derramamentos traumáticos do encephalo possuem ura lugar distincto na etiologia da compressão; ligamos toda a importância a esse estudo e por isso o faremos considerando cada um desses derramamentos por sua vez e detalhadamente. ETIOLOGIA Derramamentos sangüíneos.— Os derramamentos sangüíneos traumáticos, arteriaes ou venosos, provenientes das hemorrhagias, cujo estudo já desenvolvemos, sobrevem no encephalo mais ou menos rápida e abundantemente. Collocados quer entre a dura-mater e o craneo, na cavidade da arachnoide, entre a pia-mater e o cérebro, no seio da própria substancia encephalica, quer finalmente no interior dos ventriculos, elles comprimem, inflammam, destroem a polpa nervosa, e re- clamam do cirurgião prompta eliminação. Infelizmente nem sempre esse reclamo é obedecido, em razão de certas considerações, que teremos occasião de citar. No interior da cavidade craneana podem os derramamentos sangüíneos variar de algumas grammas até a enorme quantidade de duzentas e cincoenta. Ordinariamente diffusos, são bastantes vezes, quando collocados entre a dura-mater e os ossos craneanos, limitados pela porção de membrana que se conserva adherenle e em contacto com sua face cellulo-fibrosa, coagulando facilmente, segundo o opinião de Malgaigne. {Anatomie topographique.) Restava-nos ainda referir alguns outros caracteres anatomo- pathologicos dos derramamentos sangüíneos; elles, porém, já o foram nas considerações geraes, razão por que não os repetiremos. — 133 - No principio deste capitulo dissemos que os derramamentos de qualquer natureza eram uma causa poderosa de compressão do encephalo; essa opinião tem sido combatida por alguns cirurgiões notáveis, entre os quaes sobresahem Serres, Malgaigne e Gama, o que, em nossa opinião, ha poderosamente contribuído para que muitos doentes de compressão succumbam, sem que por parte do cirurgião seja tentada qualquer operação com o fim de eliminal-a. Estudemos essa questão de magno alcance clinico, do maior interesse therapeutico nas lesões traumáticas do encephalo. Compulsemos as opiniões pró e contra a acção compressora dos derramamentos intra-craneanos, e da apreciação de rasões op- postas talvez consigamos a luz. Foi Serres quem primeiro procurou deslruir a influencia dos derramamentos no interior do craneo, como agentes de compressão, e para isso emprehendeu uma serie de experiências, das quaes citaremos as mais importantes. Trepanando o craneo de um cão sobre a parte média, acima do seio longitudinal superior, procurou Serres, com um bisturí delgado, perfurar o seio de lado a lado, obturando logoapoz o orifício, para impedir que o sangue corresse para o exterior. Solto o animal, nada na occasião, nem três horas depois, foi observado de anormal. Aberto o craneo, encontrou-se um coalho sangüíneo muito volu- moso na grande fenda inlerlobar e oulro menor no heraispherio esquerdo. Repetida a experiência em outro cão, em coelhos, em pombos, em gaios e em pegas, idêntico resultado foi sempre observado ; ausência de coma, nenhum dos symptomas attribuidos á com- pressão cerebral manifestou-se. (Malgaigne, Anatomie chirurgicale. T. I, pag. 612.) Malgaigne, reconhecendo defeito nas experiências de Serres, por isso que este não medira a quantidade de liquido que o craneo podia conter, intentou outras, que revestio de todas as condições que julgou indispensáveis para garantir pleno successo. Tomou um coelho e, não querendo abrir-lhe largamente o craneo, praticou tão somente um orifício que supportasse a passagem do tubo da seringa de Anel e injectou-lhe oito grammas de água a 40°; no mesmo instante houve convulsões e morte. Examinando o craneo, não encontrou nem vinte centigrammas. Em um segundo coelho, depois de haver-se convencido de que o - 434 - craneo tinha a capacidade de oito e meia grammas, começou in- jectando-lhe setenta e cinco centigrammas e assim continuou por pequenas fracções, até esgotar-se todo o liquido; na autópsia apenas algumas gottas foram encontradas, sendo insignificante igualmente a porção contida na cavidade rachidiana. Destas experiências conclue Malgaigne que o derramamento só produzirá compressão quando for exagerado e muito rápido, e termina suas conclusões exclamando: « Eu repito, em minha mais profunda convicção, toda a doutrina da Academia de Cirurgia sobre a compressão do cérebro nas feridas da cabeça e sobre a neces- sidade do trepano é de longo tempo um erro deplorável, de que, por minha parte, tenho contribuído a afastar os cirurgiões, mas que ainda ceifa numerosas victimas » (Malgaigne, loc. cit.) Gama {Des plaies de Ia téte, pag. 293) aceita as opiniões de Serres e Malgaigne e começa o capitulo em que trata da com- pressão cerebral por estas palavras: « As observações que quo- tidianamente temos occasião de multiplicar tornam para nós inverosimeis os effeitos attribuidos pelos líquidos á compressão do cérebro. » Admiramos que espíritos tão elevados, talentos tão distinctos, tenham combatido um facto da observação clinica de todos os dias. Que Malgaigne, Serres e Gama admittam que derramamentos no interior do craneo não determinem algumas vezes phenomenos de compressão, acreditamose fazemol-o facilmente, por conhecermos grande numero de observações onde elles passaram desapercebidos; mas daqui a negar-lhes absolutamente influencia nociva sobre o encephalo vai grande distancia. Nesses casos mesmo, si nenhum phenomeno se manifestou, foi em razão da lentidão, demora e quantidade do derrame; a massa nervosa foi se habituando a essa pressão lenta, constante e pouco intensa e por essas razões deixou de reagir. Querer, porém, negar aos derramamentos intra-craneanos poder compressor sobre o encephalo, é uma doutrina que repugna a nosso espirito. E repugna pelo que nos ensina a physiologia sobre as funcções encephalicas, sobre a intolerância de grande numero de seus pontos, sobre a impressionabilidade própria á substancia nervosa. — iíír, ~ E repugna, pelo que nos ensina a anatomia sobre a inextensibili- dade das paredes craneanas e pelos resultados que nos fornecem as experiências de Flourens, Velpeau, Brown Séquard, Wagner, Claude Bernard, opposlos aos das de Serres, Malgaigne e Gama. E repugna finalmente, porque conhecemos as observações de La- peironie, de Roux, de Cooper, citadas na these de Velpeau ; os factos deste dislinclo cirurgião, assim como os de Larrey, assim como os da revista medico-cirurgica ingleza, os de Broea, os insertos em grande cópia nos boletins das Sociedades de Cirurgia e Anatômica de Paris. Em todos esses casos houve compressão por derramamentos no interior do craneo, houve manifestação de phenomenos gravíssi- mos, que exigiram a trepanação e que desappareceram logo que ella foi praticada, dando franca sahida aos líquidos derramados. Em vista destas considerações, repellimos a theoria de que Mal- gaigne fez-se infelizmente o mais ardente propugnador, como con- trária á observação dos factos, e acreditamos firmemente que os líquidos de qualquer natureza podem produzir no encephalo com- pressão, que se traduz por uma serie de phenomenos insólitos graves, mais ou menos intensos, segundo a sede e o gráo da compressão. Accresce que, além da acção de pressão operada pelos derrama- mentos sobre a substancia nervosa intra-craneana, outra causa concorre poderosamente, em nossa opinião, para augmentar-lhes a influencia compressora; referimo nos a esse estado de congestão encephalica, entrevisto por Velpeau e a que os autores modernos não têm ligado grande importância. Todas as vezes que sobre o cérebro actuar um dos agentes de compressão, a parte que sobre elle se asseslar irrita-se e a irri- tação propaga-se a lodo o orgam, uma fluxão se estabelece e ha augmento de volume do encephalo. Sob a influencia desse augmento o orgam tende a estender seus limites naturaes e, oppondo se ao agente que o comprime, torna mais intensa sua acção. Esse facto, perfeitamente consentaneo com a razão, é além disso confirmado pela observação clinica ; prati- cada a trepanação, por exemplo, extrahida uma ou mais esquirolas e vasado o derramamento, o cérebro, em razão da força expansiva determinada pela irritação que soffria, tende a fazer saliência no exterior, conslituindo o encephalocele traumático ou hérnia do cérebro. — 436 — Quando o derramamento se executa com extrema lentidão e pouco a pouco, o encephalo não sente sua influencia compressora e vic- tima contínua dessa acção, a ella se habitua, sem sahir das con- dições normaes. E por essa razão foram Serres e Malgaigne infelizes em suas experiências; o primeiro fendendo o seio venoso da dura:mater e produzindo uma hemorrhagia lenta; o segundo injectando pouco a pouco água, que desapparecia e que conseguintemente era por qualquer modo eliminada sem produzir effeitos de compressão. Mesmo assim, a cada injecção o animal manifestava convulsões e impossibilidade de progressão. Nos casos em que o derramamento é rápido e a morte sobrevem sem que haja precedido phenomeno algum de compressão, uma outra lesão preexiste que mascara seus effeitos; nessas circumstancias o derramamento se forma ordinariamente pouco antes da morte, quando o coma é profundo e attrahe por si só toda a nossa at- tenção. São esses os resultados da observação de numerosos práticos e idênticos aos fornecidos pela physiologia experimental. Como conseqüência dessas considerações repetimos, concluindo com o professor Velpeau, julgamos que os derramamentos intra- craneanos exercem compressão, que é favorecida pela resistência do craneo e congestão da massa nervosa, e finalmente, que os accidentes por ella determinados serão tanto mais intensos, quanto mais rápido, irrita vel e abundante fôr o liquido derramado, e tanto mais graves segundo a sede que occuparem no encephalo. Estabelecida de um modo geral a acção compressora das collecções líquidas no interior do craneo, prosigamos no estudo, que inter- rompemos, sobre os derramamentos sangüíneos e analysemos seus caracteres em cada uma das partes onde, dissemos, podiam-se assestar. Quando situado entre a dura-mater e as paredes craneanas, raras vezes o derramamento é abundante, em razão do pequeno calibre dos vasos que unem essa membrana ao cérebro. Algumas vezes, comtudo, elles podem provir da ruptura de uma das meningeas média ou posterior, extravasando-se então quan- tidade mais ou menos considerável de liquido. Idêntico resultado tem lugar quando a hemorrhagia depende da lesão dos seios venosos. - 137 - Os derramamentos entre a dura-mater e os ossos são de ordinário circumscriptos pelas adherencias da membrana e nessas condições, sendo abundantes, exercem maior pressão sobre o cérebro, do que quando se acham esparsos por sua superfície, actuando ao mesmo tempo sobre pontos diversos. De qualquer modo esse gênero de derramamentos sangüíneos é sempre grave, quando abundante; não podendo ser absorvido, o liquido altera-se e acarreta accidentes graves, além da compressão mecânica que exerce sobre a massa encephalica. « Resolução impossível, ameaça contínua de effusão na ara- chnoide, inflammação, amollecimento do cérebro, necrose dos ossos craneanos, ruptura e ulcerações da dura-mater, taes são, segundo Velpeau {loc. cit.) os effeitos possíveis dos derramamentos san- güíneos entre essa membrana e a parede do craneo. » Na cavidade da arachnoide ou entre a pia-mater e o cérebro, os derramamentos são ordinariamente abundantes e coagulara-se rapidamente: a compressão é considerável e os coalhos, esten- dendo-se por entre as feridas e descendo alé a base do encephalo, occasionam phenomenos gravíssimos. Abscessos, destruição de sub- stancia nervosa, inflammação, gangrena, etc, reconhecem muitas vezes por causa a presença desses derramamentos, que, em al- gumas circumstancias, comtudo podem ser absorvidos e não seguidos de accidentes. A absorpção, aqui muito mais possível do que no caso anterior, tem-se em muitos factos manifestado sem inter- venção dos meios cirúrgicos. Assestados na espessura do encephalo ou no interior de seus ventriculos, os derramamentos sangüíneos são quasi constantemente mortaes. A absorpção nestas condições é possível, mais mesmo do que em quesquer outras, raramente, porém, ella tem tempo de effec- tuar-se, porquanto na maioria dos casos, senão sempre, grandes alterações na substancia do encephalo existem conjunctamente, tornando impossível todo e qualquer trabalho de eliminação e trazendo promptamente a morte, cuja rapidez depende da extensão e gráo das lesões de textura e da rapidez e abundância do liquido derramado. Os symptomas por que se revelam os derramamentos sangüíneos traumáticos intra-craneanos, são os da compressão, cujo estudo em breve occupar-nos-ha minuciosamente. 38 18 — 138 - No diagnostico dos derramamentos duas condições devemos pre- encher : determinar a existência da collecção liquida e precisar-lhe a sede no encephalo; ambas são de exlrema difficuldade. Si nos basearmos nos symptomas de compressão, observaremos os phenomenos mais variados, segundo a sede, extensão e o modo brusco, progressivo ou lento por que se effeclua o derramamento; todavia, esse é o único elemento de que podemos dispor para o diagnostico. Si, algum tempo depois do accidente, a perda dos sentidos con- tinua, e com ella se manifestam o coma lethargico e a paralysia, ser-nos-ha acertado diagnosticar a presença muito provável de um derramamento no interior do craneo, que veio complicar a lesão primitiva. Manifestando-se esses phenomenos immediatamente depois do accidente, elles são freqüentemente mascarados pela commoção; si as duas lesões exislem simultaneamente, o diagnostico torna-se então em extremo difficultoso e só a persistência e progressão cres- cente dos phenomenos característicos far-nos-ha inclinar de pre- ferencia para a idéa de um derramamento. Si este se forma lentamente e em pequenas proporções, e si não interessa organs importantes, nimiamente impressionáveis, passar- nos~ha desapercebido, por deixar de determinar phenomeno algum quer revele sua existência. E assim que derramamentos sangüíneos existem por longo tempo sem despertar a attenção nem do cirurgião, nem do enfermo. Além dessas difficuldades de diagnostico, muitas outras patenteam- se e embaraçam seriamente o cirurgião; entre outras, citaremos os casos em que uma lesão, quer traumática, quer espontânea da me- dulla, acompanha a do encephalo e determina phenomenos, cuja alteração, podemos erroneamente attribuira partes onde não existe, desconhecendo ao mesmo tempo a verdadeira. Uma paralysja, por exemplo, de origem medullar ignorada, póde- nos fazer suppôr um derramamento intra-craneano e obrigar-nos a lançar mão de meios cirúrgicos sempre graves, muitas vezes fataes. As seguintes observações, que extrahimos da these de Chassai- gnac, são exemplos frisantes do que avançamos: Obs. I. - Um pedreiro, de 71 annos' de idade, é levado ao hospital de Nantes, immediata- mente depois de uma queda da altura de um segundo andar. No exame obseíva-se diversas feridas na cabeça, vasto descollamento dos tegumentos do craneo, ferida da orbita e do lábio — 139 — superior, mobilidade e crepitação das apophyses espinhosas das primeiras vertebras dorsaes e ultimas cervicaes ; estupor, pelle fria, pulso raro e pequeno, dores violentas no peito e nos rins. Dous dias depois, respiração estertorosa, hemiplegia completa de movimento e sentimento do lado direito, suor, calor, prostração, conservação das faculdades, pulso freqüente e duro. Esse estado contiuúa a aggravar-se até o dia seguinte, em que o doente succumbe. Na autópsia encontra-se o encephalo normal; as seis primeiras vertebras cervicaes e a quinta dorsal acham-se fracturadas; a medulla, na altura da sexta vertebra dorsal, também fracturada, apresenta-se fortemente contisa e reduzida a uma espécie de papa avermelhada, cujo centro é occupado por sangue negro e espesso. Obs. II. —James Collins, 32 annos, queda da altura de vinte pés, acarretando uma barra de ferro, que cahiolhe transversalmente sobre a columna vertebral, quando o infeliz tocou ao chão. Fractura do craneo, da oitava vertebra dorsal e da cartilagem xiphoide; as partes abaixo da vertebra fracturada são paralysadas ; não ha compressão cerebral. Delirio; vomito; inconti- nencia de matérias fecaes; soluços ; morte no decimo-quarto dia. Na autópsia encontra-se fractura do parietal. Derramamento sangüíneo considerável abaixo da dura-mater, sobretudo do lado opposto á fractura. Entre a tenda e o cerebello o derramamento é mui abundante. Não ha inflammação do cérebro nem de seus invólucros. O corpo da nona ver- tebra dorsal está fracturado obliquamente, assim como suas apophyses transversas. Derramamentos purulentos.—Do mesmo modo que os sangüí- neos, offerecem os derramamentos purulentos intracraneanos va- riedades de sede, extensão, fôrma e profundidade. Susceptíveis de occupar todos os pontos que podem ser sede dos sangüíneos, elles, coeteris paribus, são de maior gravidade e occupam de preferencia a espessura das circumvoluções cerebraes ou o espaço entre as paredes do craneo e a dura-mater. Quer esparsos, quer infiltrados na substancia nervosa, quer derramados entre suas membranas, diffusos ou limitados, elles determinam constantemente accidentes gravíssimos pelo envenena- mento qne provocam na economia, pela irritação que occasionara nas partes, em cujo contacto se acham, pela compressão finalmente que operam em razão do próprio peso. Resultados de um trabalho mórbido inflammatorio na polpa cere- bral, elles são sempre a expressão de grandes desordens na sub- stancia nervosa, terminadas ordinariamente pela morte. Fluido, seroso, mais ou menos consistente, espesso, branco, esverdeado ou ennegrecido, inodoro ou acompanhado de cheiro infecto, o pus derramado por entre as membranas da encephalo ou na espessura de suas substancias, é sempre o effeito de uma inflammação, que complicou a lesão primitiva, nunca um phe- nomeno immediato ao accidente. — 140 — Algumas vezes derramados em camadas mais ou menos tênues sobre a superfície, na espessura do cérebro ou entre suas mem- branas, sem limites precisos, os derramamentos purulentos intra- craneanos são geralmente limitados, circumscriptos sob a fôrma de focos ou verdadeiros abscessos. Como taes os estudaremos. Como dissemos, o pus pode occupar todas as sedes dos derra- mamentos sangüíneos; o processo inflammatorio estabelece-se em • qualquer parle e a suppuração se forma. Esse resultado de observa- ção clinica é confirmado pelo que encontramos em Denonvil- liers, Velpeau, Chassaignac, Bauchet, etc. Conseqüência sempre da inflammação, o abscesso do encephalo reconhece as mesmas causas que esta e sua evolução depende do caracter que revestio o processo phlegmasico; ora rápida, ora lenta- mente formados, é sempre no correr da encephalo-meningite que elles se manifestam, revelando-se-nos por signaes de compressão, que dentro em breve estudaremos. No entretanto, convém lembrar que nem sempre assim acontece, pois grandes abscessos se têm formado sem que phenomeno algum os evidencie. Sua terminação ordinária é a morte; comtudo, ha alguns factos authenticos na sciencia, onde elles sevasaram espontaneamente no exterior, correndo o pus pelas fossas nazaes, orelhas, interstícios de uma fractura ou pela abertura produzida por necrose dos ossos do craneo. Seu diagnostico é de extrema difficuldade, maxirné por ser pre- ciso attender á sede do abscesso. No diagnostico da encephalo-me- ningite, apontaremos os melhores elementos de que podemos dispor para conseguil-o; por emquanto apenas diremos que os signaes, por meio dos quaes chega-se a esse resultado, são sensíveis e racio- naes; sensíveis, quando algumas gottas de pus apparecem na aber- tura do craneo, e racionaes, quando aos phenomenos inflammatorios succedem os de compressão, que era breve analysaremos. Como o diagnostico, discutiremos no da compressão o tratamento dos abscessos. Derramamentos serosos.—Unicamente na these do professor Chassaignac encontramos menção dos derramamentos serosos trau- máticos do encephalo. Admira-nos tanto mais essa omissão dos outros autores, quando — 141 — em algumas observações por elles próprios citadas, fora o accu- mulo considerável de serosidade no interior dos venlriculos cere- braes a única causa invocada, para explicar os phenomenos de compressão observados. Tratando desses derramamentos, taes são as expressões de Chas- saignac : « A anatomia pathologica ensina-nos que nas lesões graves traumáticas do encephalo, algumas acompanham-se freqüentemente de enormes derramamentos serosos intra-ventriculares. Por não ser esta affecção mais do que complicação de outra mais grave, nos tratados da pathologia cirúrgica tem sido desprezada. » Observação III. Queda da boléa de um carro» Ferida da cabeça. Erysipela: suppuração da ferida; delirio, phenomenos de compressão; morre trinta dias depois do accidente. Na autóp- sia encontra-se, além de outras alterações insignificantes no encephalo, grande e abundante derramamento seroso nos ventriculos, enormemente distendidos. (Chassaignac, loc. cit.) SYMPTOMATOLOGIA Marcha, duração e terminação.—Os phenomenos clínicos que traduzem a existência da compressão cerebral manifestam-se sempre secundariamente pouco ou longo tempo depois do accidente; antes de sua manifestação preexiste uma outra das lesões primitivas, que estudámos na segunda parte do nosso trabalho, e que a crêa pelas desordens materiaes que determina no seio da substancia ence- phalica. Quer próxima, quer remota, seus symptomas ou se patenteam instantaneamente, ou desenvolvem-se de um modo lento e pro- gressivo. No primeiro caso, si o doente está sob a influencia do coma, este torna-se mais intenso; si não, elle apparece rapidamente, to- mando proporções colossaes e assustadoras. As pupillas tornam-se fixas, contrahidas igual ou desigualmente; em outras circumstancias dilatam-se enormemente e deixam de sentir a influencia dos raios luminosos. Ha anesthesia e analgesia. A respiração é difficil, ruidosa, estertorosa; este estertor, devido á paralysia muscular do véo do paladar, é um phenomeno — 142 — caracteristico, e que não se raanifesta em nenhuma outra lesão isolada do encephalo. Á paralysia do véo do paladaT acompanham outras, quer limi- tadas a alguns organs, quer estendendo-se, como soe acontecer na maioria dos casos, a uma metade do corpo, constituindo a chamada hemiplegia. Nessas condições é sempre affectado o movimento e algumas vezes com elle a sensibilidade. No lado opposto do corpo desenvolvem-se contractura e convulsões, que em muitas circumstancias alternam com a paralysia. A circulação, ordinariamente normal, é algumas vezes lenta e enfraquecida. 0 tegumento externo e as mucosas se descoram e apresentam se pallidas, principalmente a face, banhada freqüentemente de suores frios e abundantes. Todos esses phenomenos progridem, o coma e a paralysia tornam-se em extremo intensos, a respiração é mui estertorosa e freqüente, as extremidades resfriam-se e o doente succumbe, em completa e absoluta depressão funccional, em um espaço de tempo que varia de dous dias a oito no máximo. No segundo caso, isto é, quando a compressão se forma lentamente, todos os phenomenos são menos pronunciados e muitas vezes escapam á perspicácia do cirurgião e á attenção do doente. Ordinariamente, porém, elles são apreciados desde suas primeiras manifestações ; o enfermo, até então raciocinando regularmente, começa a experimentar obtusão na intelligencia ; ao mesmo tempo ha fadiga physica e moral, cólera e somnolencia, diminue a sen- sibilidade e com ella as percepções dos sentidos. A cabeça torna-se pesada, e pouco a pouco o coma se apodera do individuo, augraen- tando constantemente de intensidade. Cessa a sensibilidade e com ella o movimento; ha paralysia de forma hemiplegica; constipação de ventre e dysuria, outras vezes emissões involuntárias e inconscientes de fezes e ourinas. A respiração é mui lenta e francamente estertorosa. A face torna-se pallida, o olhar langue, fixo, sem expressão. O pulso, quasi sempre normal, é algumas vezes pequeno, lento e concentrado. Diversas paralysias isoladas se manifestam; ha aphasia e dis- phagia ou mesmo aphagia. Esses phenomenos se incrementam. — 143 — O doente não vê, não ouve, não se move ; o lugubre estertor da respiração é o único signal apparente de vida, que não tarda a extinguir-se. A evolução mórbida consome de oito a muitos dias. Todos esses symptomas, entretanto, raramente são isolados e tão manifestos; freqüentemente uma lesão primitiva preexistente, ou outra consecutiva, que começa a formar-se, complica a marcha da compressão, accuraula os phenomenos e mascara consideravelmente suas manifestações, que além disso não se sujeitam a typo algum regular. Essas lesões concomitantes perturbam a evolução clinica da compressão e apressam ou retardam sua terminação ordinaria- mente fatal. A morte sobrevem muitas vezes inesperadamente ; na maioria dos casos, porém, esse resultado approxima-se lentamente, mais ou menos, segundo a intensidade das alterações intra-craneanas, e a natureza do agente compressor. Em condições oppostas, depois de um espaço de tempo variável, mas sempre longo, os symptomas diminuem de gravidade, as funcções revivem pouco a pouco, o movimento reapparece e o doente res- tabelece-se completa ou incompletamente. Em grande numero d ■ casos a inflammação se apodera do orgam já irritado e deprimido pela compressão, precipita a marcha fatal da lesão, e o doente succumbe mais ou menos rapidamente. DIAGNOSTICO E PROGNOSTICO Existe compressão no encephalo? Qual sua sede? Taes são as duas condições que deve preencher o diagnostico da compressão intra-craneana. Algum tempo depois de uma violência sobre o craneo, a marcha gradual dos symptomas, a respiração estertorosa e a paralysia, sem reacção febril, são signaes pathognomonicos de corapressão no encephalo. Nenhuma outra lesão, quer primitiva, quer consecutiva, apresenta esses phenomenos de modo tão caracteristico. Não se conclua, — 144 — porém, que de tal proposição se deve inferir extrema facilidade de diagnostico; em rarissimas condições a compressão desenvolve-se isoladamente ; na grande maioria dos casos, qualquer outra lesão concomitante mascara com seus symptomas próprios, o valor semeiologico dos que enunciámos; a evolução não reveste mais typo algum uniforme, os phenomenos que se desenrolam a nossos olhos contradizem-se e o diagnoslico cerca-se de grandes duvidas e immensas diíficuldades. E para vencermol-as, ura dos mais poderosos elementos é o conhecimento minucioso de todas as particularidades do accidente, a natureza do traumatismo, os hábitos e as condições sanitárias do individuo. Por essas indagações, sendo-nos patente a natureza da causa, facilmente supporemos seu modo de acção no interior do craneo. Successivamente a essas pesquizas, cabe-nos o dever de examinar a cabeça do doente, para nos certificarmos da existência ou não de lesões exteriores e compararmos o resultado dessa observação com a duração e intensidade dos phenomenos que houver apresen- tado o enfermo. Si a compressão é o resultado de um derramamento sangüíneo, consecutivo a uma ferida ou contusão do encephalo, os symptomas seguem a marcha lenta e progressiva, que assignalámos á compressão remota; si sobrevem no curso de uma encephalo-meningite, attnbuil-a-hemos a uma collecção purulenta que se formou no ence- phalo; si, finalmente, é o resultado da penetração de esquirolas ósseas, da presença de um ou mais corpos estranhos sólidos, ou da depressão de uma porção do craneo fracturada, no exame directo e rigoroso da cabeça, no conhecimento perfeito das circumstancias que acompanharam o accidente, encontraremos grande luz para o diagnostico da existência da compressão. Não é, porém, conhecer unicamente que ha compressão, o que mais importa ao clinico, e sim precisar, ao menos approxi- mativamente, seus limites, para dahi deduzir indicações therapeu- ticas do maior interesse pratico, e que sem esse conhecimento se tornam impossíveis de ser preenchidas, salvo por algum temerário, que menoscabe a vida do doente confiado a seus cuidados. As difüculdades agora centuplicam, como é intuitivo do esboço — 145 — que traçámos na primeira parte de nossa these, quando nos oc- cupamos das localisações funccionaes do encephalo. Além disso, dependendo o resultado da compressão mais dos effeitos que opera, mediata ou immediatamente sobre a base do orgam, do que de sua sede própria, a resolução desse problema clinico se reveste ainda de maior duvida e incerteza. No entretanto, algumas vezes o problema é resolvido e a sede do agente compressor, solido ou liquido, é precisada. Na interpretação dos caracteres da paralysia, convulsões e con- tracturas, no estudo das alterações limitadas a alguns organs cujo funccionalismo é abolido, e no exame minucioso do craneo encon- tramos os melhores elementos para chegar á obtenção desse resultado. Consentaneo com as conclusões a que chegámos no diagnostico geral das lesões traumáticas do encephalo, estudando as condições pathogenicas e valor semeiologico das alterações de motilidade, acreditamos, e comnosco todos os autores, que a paralysia se ma- nifesta no lado do corpo, opposto ao da sede da compressão no cérebro. Sendo assim, nesse preceito temos um facho brilhante para guiar-nos em tanta treva. Quer completa, quer incompleta, generalisada ou limitada, a hemiplegia oppõe-se geralmente á sede da compressão e, como ella, as contracturas e convulsões. Para que, porém, estas ultimas offereçam esse resultado, a hemiplegia não deve existir; em condições inversas, ellas affectam a metade do corpo opposta á hemiplegica, isto é, do mesmo lado em que existe a compressão no encephalo. Esse signal da sede da paralysia é incontestavelmente o mais elo- qüente e importante de que podemos dispor para conhecer o lado do cérebro affectado ; a confiança, comtudo, que nelle devemos depositar, não pôde ser absoluta, em virtude de numerosas excepções freqüentemente observadas. Não obstante esse facto, reunido a outros phenomenos auxiliares, elucidam quasi totalmente o juizo a emittir. Analyseraos esses elementos de auxilio. Si as funcções de um orgam são isoladamente abolidas, baseando- nos nos preceitos anatomo-physiologicos, procuraremos na origem 38 19 — 146 — ou trajecto do nervo, que o anima, a sede da compressão, isto é, a causa da paralysia. Si ha fractura acompanhada de todos os symptomas de com- pressão cerebral e de hemiplegia do lado opposto do corpo, póde-se ordinariamente affirmar que existe compressão e que esta lem sua sede no ponto fracturado (Boyer, GEuvres chirurgicales). Nos casos em que houver duas fracturas, uma directa, outra indirecta ou por contrapancada, a compressão por derramamentos oecupa muitas vezes o lugar da segunda. (Chassaignac, loc. cit.) Si sobrevem amaurose, quer de um quer de ambos os olhos, si se observa em uma ferida da cabeça uma fractura dirigida para o plano inclinado do craneo, si ha, finalmente, qualquer outro signal de fractura da base, devemos presumir a existência, havendo para- lysia, de uma compressão na parte inferior do encephalo. {Com- pendium de chirurgie pratique, pag. 626.) Si, em lugar de hemiplegia, ha estado de estupor profundo com coma e resolução muscular completa, freqüentemente a compres- são affecta os dous hemispherios e oecupa a parte inferior e cen- tral da cavidade craneana. {Ibidem^) Além das paralysias e outras perturbações funccionaes, auxi- liam poderosamente a determinação da sede da compressão, outros muitos signaes, enlre os quaes são salientes : a ferida e contusão dos tegumentos, a dôr fixa em um ponto da cabeça, a presença de tumor ou empastamento do couro cabelludo, o constante movimento automático do enfermo em levar a mão a um ponto determinado e sempre o mesmo do craneo. Esses elemenlos, reunidos á hemiplegia e interpretados com cri- tério, evidenciam na maioria dos casos a sede da compressão. Taes são os melhores indícios em que devemos basear-nos, para localisar a compressão intra-craneana, maxime quando formada por derramamentos sangüíneos. Prognostico.—Da interpretação dos symptomas, de sua intensi- dade, das circumstancias idiosyncrasicas individuaes, da determina- ção da sede da compressão, da natureza do agente compressor, da presença ou ausência de lesões cerebraes concomitantes, depen- dem as variantes do prognostico, sempre, comtudo, grave, em razão dos perigos a que se acha exposto o doente, tanto pela evolução da moléstia, como pela therapeutica perigosa que reclama. — 147 — Antes de passarmos ao tratamento, corroboremos, com observações nossas, as considerações que henios emittido sobre a compressão do encephalo. Observação N° 4. -Fractura da base do rochedo; compressão cerebral—Morte; autópsia.— José Gonçalves Rangel, brasileiro, casado, com 34 annos de idade, temperamento sanguineo e constituição forte, foi conduzido ao hospital da Misericórdia no dia 25 de Setembro de 1874, indo occupar um dos leitos da 2a enfermaria de cirurgia, a cargo do Sr. Dr. Pedro Affonso Franco. Anamnese. — Em rasão do estado de coma em que se acha o doente, nenhum dado commemo- rativo podemos colher; só dois dias depois, isto é, no dia 27, despertando do profundo lethargo em que se achava mergulhado, referio-nos que ao subir os degráos de uma escada de um prédio situado no Campo da Acclamação, chegando ao topo, faltara-lhe o equilíbrio e cahira sobre o lado esquerdo, perdendo immediatamente os sentidos. Examinando o doente, encontramol-o : em decubito dorsal; face vultuosa, congesta, pupillas fixas e contrahidas ; resolução muscular completa de instante a instante perturbada por movi- mentos convulsivos generalisados pelo corpo; ligeiras contracturas nos membros superiores, sobretudo sensíveis no lado direito; pulso normal; respiração estertorosa; abolição completa das faculdades intellectuaes ; não é possível fazêl-o despertar do coma intenso que o affecta; pela orelha esquerda ha corrimento de liquido sero-sanguinolento, e pelas commissuras labiaes, sahida de espuma viscosa e esbranquiçada. Marcha e tratamento.— Dia 25. — Em virtude da absoluta impossibilidade na deglutição (aphagia), nenhum medicamento interno lhe é prescripto; para uso externo ordena-se: Dous vesicatorios ás pernas. Dia 26. — Continua o estado do dia anterior. Pratica-se o curativo dos vesicatorios que produziram grande effeito. Dia 27. —A noite foi tempestuosa; comtudo o doente sente«se melhor, desperta do coma e refere-nos o accidente de que fora victima. As convulsões continuam; o membro inferior direito começa a lutar com difficuldades, para executar os movimentos ordenados; os flexores do braço direito são contracturados ; o pulso e temperatura normaes ; a respiração continua estertorosa ; persiste a disphagia, embora com menor intensidade; com algum esforço o doente consegue deglutir algumas gottas de água. Prescripção. — Uso interno : Água distillada....... Tintura de nox-vomica Ás colheres. Uso externo: Um vesicatorio á nuca. Dia 28. — Durante a noite reappareceram os phenomenos dos dias 25 e 26, e pela manhã incrementaram-se; ha hemiplegia direita e contracturas do mesmo lado; movimentos convul- sivos percorrem a metade esquerda do corpo; o olhar é fixo; as pupillas extremamente con- trahidas e immoveis ; face pallida, mucosas descoradas; pulso pequeno e duro; respiração mui estertorosa e difficil; aphagia; coma absoluto; temperatura abaixo da normal. Durante 200 grammas. 8 gottas. - 148 - o dia esses phenomenos revestem maior intensidade e á noite o doente succumbe, apresen- tando-os no máximo, isto é, completamente comatoso e hemiplegico. Autópsia. — Meningeas muito injectadas; diversos focos apopleticos disseminados pelo ence- phalo, maxime do lado direito; no lobo médio encontrámos grande derramamento sanguineo. Ha, além disso, fractura da base do rochedo, dirigida obliquamente de trás para diante e de fora para dentro; a trompa de Eustachio acha-se repleta de liquido sero-sanguinolento. Toda a substancia nervosa seccionada, dá sahida a pequenas gottas de sangue, verdadeira hemorrhagia capillar, sobretudo sensível, exercendo-se com os dedos ou com o cabo do escalpello branda compressão sobre o parenchyma nervoso. Observação N° 5.—Ferimento por arma de fogo na região auricular direita; compressão do en- cephalo; fractura do rochedo. — A 10 de Agtsto de 1874, pelas 9 horas da manhã, é conduzido á 9a enfermaria de cirurgia a cargo do Sr. Dr. Saboia, Diogo Antônio *de Araújo, portuguez, com 18 annos de idade, de constituição regular e empregado no commercio, que, em um ac- cesso de spleen, tentara duas horas antes, disparando um rewolver no ouvido direito, ter- minar seus dias. Examinando-o no mesmo dia do accidente, encoutrámos Araújo em decubito dorsal e em pro- fundo coma, de que unicamente por instantes desperta, para responder ás perguntas que lhe são dirigidas. Suas respostas, feitas com cólera e impaciência, são breves e justas. A face é ligeiramente decomposta e em excesso pallida ; lábios e conjunctivas descorados ; pupillas fixas e contrahidas, pulso lento, irregular e depressivel, sessenta pulsações por minuto. Respiração penosa e estertorosa; temperatura abaixo da normal; extremidades muito frias. Ordenando ao doente de executar movimentos com os membros thoraxicos, só fal-o com o direito; o membro esquerdo é completamente paralysado e insensível, e não pôde conter os objectos que se depõe sobre a mão. O funccionalismo dos membros inferiores é normal. Pelo conducto auditivo externo do lado direito, ha corrimento continuo de liquido seropurulento pouco tênue; introduzindo-se com precaução por esse conducto um estylete, este penetra quatro centímetros, determinando dores violentas, que o doente accusa por agudos gemidos. Não ha retenção de ourinas nem evacuações involuntárias. Ha grande cephalalgia e vômitos logo após a ingestão de qualquer substancia medicamentosa. Marcha e tratamento.— Uso interno.—Prescripção: Agoa de melissa.............. Acetato de ammonia.......... Tintura de belladona.......... Xarope de flores de larangeira Aos cálices. Uso externo.— Vesicatorios ás coxas. Dia 10 {d tarde).— Grande inquietação. Vômitos constantes do medicamento. Temperatura normal; pulso 70; continuam os outros phenomenos descriptos pela manhã. Dia 11.—Continuaram os vômitos durante a noite. Persiste o coma, interrompido intermit- tentemente por convulsões e contracturas; cephalalgia mais intensa e a paralysia do braço esquerdo mais pronunciada; a commissura labial e a lingua apresentam-se desviadas para o lado direito; a pupilla do mesmo lado é fixa e dilatada. 300 grammas. 12 » 8 gottas. 30 grammas. — 149 — A expressão do olhar é langue, e os olhos movem-se vagarosamente nas orbitas; ha para- lysia do terceiro par. Temperatura 37°,5; pulso 74 do lado direito e 84 do esquerdo Não ha paralysia de bexiga nem do recto. Continua a mesma medicação. Á tarde, persiste o mesmo estado ; cessaram os vômitos. Approximam-se os accessos de con- tracturas e agitação, succedidos por profundo coma. Temperatura 37°,5 ; pulso 64. Dia 12. — A noite foi má; a paralysia é no máximo de intensidade ; extremidades pelvianas muito frias ; cephalalgia intensissima. Diminue o intervallo que separa as contracturas, que são mais pronunciadas e longas. Temperatura 38°,5; pulso 72 do lado direito e 90 no psquerdo. Continua o mesmo tratamento. Algumas horas depois, todos os phenomenos aggravam-se; altera- se a intelligencía, ha deiirio ; logo após, coma absoluto; ,ás 3 horas da tarde, o doente succumbe em collapso profundo, e apresentando em gráo máximo a paralysia, que estendêra-se á perna esquerda. Por ordem da policia, nos foi vedada a autópsia, e apezar de todos os esforços do illustrado professor de clinica e da administração do hospital, essa ordem absurda não foi revogada. É para lastimar tal facto, pois nessa autópsia esperávamos encontrar alterações de acordo com o quadro clinico que tivemos occasião de observar, e que apresentamos como a expressão fiel e perfeita dos caracteres symptomatologicos da compressão do encephalo. Com effeito, todos os symptomas que anteriormente descrevemos em occasião opportuna, foram aqui encontrados com toda a evidencia, fazendo desta observação a melhor exposição que pudéramos apre- sentar da evolução clinica da compressão cerebral. Ella corrobora in totum as considerações que hemos eraittido e torna-se além disso um exemplo frisante do perigo que revestem as hemorrhagias traumáticas intra-craneanas. TRATAMENTO Sublata causa, tollitur effectus.—Fazer cessar a compressão solida ou liquida no interior do craneo, subtrahir a causa que deter- mina no encephalo a paralysação das manifestações vitaes, tal é a indicação urgente, para a qual devemos convergir todos os nossos esforços; e para obtermos tal resultado, ordinariamente o único recurso a nosso alcance consiste na resecção dos ossos do craneo ou trepanação, operação que nospermitte dar sahida aos líquidos extra- vasados e extrahir os corpos estranhos sólidos, que por ventura existam. Discutamos, pois, a opportunidade dessa operação. — 150 — Indicações do trepano. — Nas lesões traumáticas do encephalo a trepanação é sempre praticada para combater phenomenos geraes de compressão intra-craneana, devidos a lesões, quer primitivas, quer consecutivas. « A freqüência, a gravidade dessas lesões, de que é o remédio principal, a alta importância do orgam, cujos perigos deve subtrahir, seus resultados de algum modo maravilhosos, na phrase do professor Velpeau, têm feito da trepanação uma das mais vastas e diíficeis questões da cirurgia. » Lastimamos não nos ser licito entrar em grandes desenvolvimentos sobre esse assumpto, por já ir longo este trabalho, e assim apenas succinta e perfunctoriamente discutiremos o presente capitulo, formulando, em considerações geraes, segundo a opinião dos mais illuslrados autores, as indicações que exigem tal operação, não des- pida de gravidade, para o doente que a supporta. Com a totalidade dos cirurgiões modernos, repellimos o trepano preventivo, quer de derramamentos, quer de inflammação, quer de qualquer outra das lesões que hemos estudado, e encarando-o unica- mente como agente therapeutico da compressão, estudaremos suas indicações, referindo-as separadamente a cada uma das causas que a determinam, isto é, fracturas do craneo, corpos estranhos, derrama- mentos sangüíneos e derramamentos purulentos ou abscessos. Fracturas do craneo. — Em uma discussão provocada por ura caso de trepanação praticada pelo professor Broea, e inserida nos boletins da Sociedade de Cirurgia de Paris, vol. 18, pag. 70, depois de largas considerações, conclue o illustrado cirurgião, formulando as três seguintes proposições, que com ardor adoptamos e que resumem as indicações do trepano nas fracturas do craneo: í.a Não havendo accidentes cerebraes, as fracturas do craneo, mesmo com depressão, contra-indicam o trepano. 2.a Si, pelo contrario, a depressão do osso fracturado acarreta phenomenos cerebraes graves, o trepano é perfeitamente indicado. 3.a Não sendo urgentes os symptomas encephalicos, deve-se, antes de tentar qualquer operação, esperar quinze dias. Justifiquemos essas conclusões Com effeito, si a fractura do craneo, mesmo acompanhada de depressão, não determina phenomeno algum para o encephalo, — 151 — que vantagem auferirá a operação? Contrario á theoria do trepano preventivo, nessas condições, julgamos temerário aquelle que em- prehende uma operação cheia de perigos, e que muitas vezes acar- reta conseqüências graves para o enfermo; a trepanação, em nossa opinião, é um agente therapeutico, que só deve ser empregado in extremis, quando as circumstancias o exigirem formalmente. A segunda conclusão de Broea é de fácil intuição, e, para satisfazêl-a, devemos operar o mais rapidamente possível; o perigo é imminente, exige meios promptos e rápidos. Nessas condições, applicar uma ou mais coroas de trepano sobre a fractura, levantar os fragmentos que comprimem a polpa nervosa, darsahida aos líqui- dos que por ventura achem-se derramados, tal deve ser nosso pro- cedimento em face de uma fractura do craneo com depressão, pro- duzindo phenomenos graves de compressão para o encephalo. Quanto á terceira conclusão que referimos, opiniões contrarias têm-se apresentado para a resolverem. Sem entrar na apreciação de taes divergências, adoptamos a opinião de Broea, tal qual se acha enunciada, por conhecermos grande numero de factos, onde os phenomenos de compressão não muito intensos pouco e pouco se desvaneceram, permiltindo, em breve tempo, ao doente restabelecer-se, Nessas circumstancias, o perigo não é imminente como no caso precedente ; a vida não é ameaçada e, antes de em- pregarmos meios graves e extremos, aconselhamos a prudência, a espectativa ; nunca é tarde para intervir eas operações intempestivas geralmente acarretam conseqüências funestas. Em face de uma lesão do encephalo, que agite a opportunidade do trepano, temos sempre, diante de nós, um grave problema a resolver, cuja solução só nos pôde fornecer o estudo consciencioso e a interpretação Gel dos phenomenos clinicos ; si estes não offe- recerem gravidade extrema, nosso espirito não pode vacillar e sem hesitação deve repellir energicamente a opportunidade da opera- ção, conservando-se em rigorosa espectativa para intervir quando os symptomas o exigirem e a vida do doente perigar. Por essas considerações, aceitamos a terceira proposição de Broea, como fizemos para as duas primeiras, terminando assim o que pretendíamos dizer sobre as fracturas do craneo, como indicação e contra-indicação do trepano. Corpos estranhos. — Por varias vezes, no correr de nossa - 152 — dissertação, tivemos occasião de citar observações, onde corpos estra- nhos de natureza e dimensões diversas, permaneceram longo tempo no interior do craneo, sem despertar phenomenos graves e pas- sando mesmo algumas vezes desapercebidos. Devemos, por essa razão, abster-nos de trepanar, quando ti- vermos conhecimento exactoda presença de taes corpos no interior do encephalo ou em sua superfície ? Não, certamente. Si verdade é que esses corpos não occasionam muitas vezes ac- cidentes primitivos, não o é menos que, posteriormente, após um espaço de tempo variável, phenomenos secundários se patenteam, a suppuração apodera-se da substancia nervosa e o doente suc- cumbe. Para impedir esses funestos resultados, cumpre que, sempre que houvermos diagnosticado a existência de um corpo estranho no interior do craneo, procuremos exlrahil-o trepa- nando. A indicação será plenamente justificada, si phenomenos er aes de compressão se manifestam. No entretanto a posição, que oecupa o corpo, modifica esse preceito geral, contra-indicando a operação ; examinemos os casos mais fre- qüentes. Si a uma fractura do craneo, sem depressão, acompanharem phenomenos graves de compressão, devemos trepanar, porquanto mui freqüentemente nessas condições houve fractura da taboa interna com deslocamento de fragmento que comprime o ence- phalo. Si o corpo estranho provém do exterior e engasta-se na espes- sura da parede óssea, sendo infruetiferos todos os meios empregados para extrahil-o e determinando a sua presença accidentes de com- pressão, recorreremos ao trepano, applicando sobre o corpo uma coroa que reseccione o disco ósseo que o contém e que com elle é extraindo. Fora dessas circumstancias, preexiste necessariamente solução óssea determinada directameute pelo accidente, e por ella, antes de tentarmos a trepanação, devemos procurar pela vista ou pelo tacto, directo ouindirecto, apreciar as dimensões, natureza e sede do corpo estranho que pretendemos extrahir. Só então ser-nos-ha licito, si fôr necessário, augmentar ou regularisar, cora o auxilio do trepano, a solução óssea, por onde daremos egresso ao corpo estranho que - 153 buscávamos, uma vez que, sem grave perigo para o doente, for accessivel aos meios de que dispuzermos. Em conclusão, sempre que um corpo estranho intracraneano fôr apreciável á vista ou ao tacto e principalmente quando produ- zir symptomas geraes graves, é nosso dever procurar immediata- mente extrahil-o, soecorrendo-nos de todos os meios a nosso alcance e cercando-nos de toda a prudência que as circumstancias da occasião reclamarem. Derramamentos sangüíneos.—Como em occasião própria re- ferimos, o sangue derrama-se traumaticamenle nas lesões da cabeça enlre o craneo e a dura-mater, entre as meningeas, no interior dos ventriculos cerebraes, e finalmente no seio da polpa encephalica ; todas essas diversas sedes modificam a opportunidade do trepano, diflicultando suas indicações. Além disso, outra difficuldade considerável se nos antolha nessas circumstancias e obscurece em extremo a solução da questão : referimo-nos á impossibilidade em que ordinariamente nos achamos de precisar a sede do derramamento. Em taes condições, formular indicações é em excesso difficil, e a essa razão attribuimos o pouco successo que o trepano lem offerecido nas mãos dos mais notáveis cirurgiões europeus, aponto de alguns, como Malgaigne e Desault o considerarem completa menle inútil nos derramamentos sangüíneos intra-craneanos. Abstrahindo Io exagero de tal opinião, ella é em parte justifi- cada, já pelas diíliculdades do diagnostico da sede, como princi palmente porque, muitas vezes derramamentos abundantes ou são reabsorvidos ou permanecem, dissipando-se dentro em pouco tempo os phenomenos de compressão, em razão de cuja existência pro- curávamos intervir; daqui, comtudo, a repellir energicamente e sempre a opportunidade do trepano,vae alguma differença, que esses autores não quizeram enxergar. Nas condições figuradas, seria temeridade trepanar ; em quaes quer outras, porem, tornar-se hia incúria criminosa deixar-se de fazei-o. Si conhecermos com precisão a existência de um derramamento sanguineo intra-craneano, determinando phenomenos gravíssimos de compressão, paralysando todas as manifestações vilães da economia dependentes do encephalo, e resistindo aos agentes therapeuticos — 154 - empregados, nunca hesitaremos em tentar a trepanação, como o ultimo recurso, a única probabilidade de salvação para o doente. Nessas circumstancias, joga-se a ultima carta e muitas vezes a partida é ganha de modo-esplendido para o enfermo e para o cirurgião. Tal é o momento em que julgamos opportuno o trepano nos derramamentos sangüíneos traumáticos do interior do craneo; nem pessimista como Malgaigne e Desault, nem optimisla como Velpeau e a antiga Academia de Cirurgia de Paris. Precisemos o diagnostico, a indicação se patenteará. Derramamentos purulentos.-—É fácil diagnosticar a encephalo- meningite traumática; pois bem, sempre que a ella se juntarem phenomenos graves de compressão, indicando suppuração collec- cionada, é indicação urgente dilatar o abscesso, roubando ao ence- phalo o elemento que o comprime. A indicação aqui é mais urgente do que na compressão por derramamentos sangüíneos; mui raramente o pus é absorvido, e sempre sua presença no seio da polpa nervosa é extremamente grave, quer pelos phenomenos de compressão que determina,quer pela /rritação e desordens que provoca seu contacto com organs essenciaes á integridade funccional da economia. No entretanto, apezar da imminencia do perigo, essa indicação algumas vezes deixa de ser preenchida, em virtude das difficul- dades que ordinariamente cercam a determinação precisa da sede do abscesso, que ora communica com o exterior pela solução óssea produzida directamente pelo traumatismo, ora deixa de fazel-o, con- servando-se intactas as paredes craneanas. Daqui novas hypotheses a considerar na opportunidade da ope- ração. No primeiro caso, islo é, quando o foco purulento communica com o exterior, é fácil dar sahida ao pus accuraulado, quer aug- raentando com o trepano a solução externa, quer fazendo por ella penetrar um instrumento, que rompa as paredes do abscesso. No segundo caso; isto é, conservando-se intactas as paredes do ovoide craneano e sendo bem patentes e graves os signaes de compressão, ainda devemos operar, restando-nos comtudo a grande -~ 155 — duvida na escolha do ponto sobre que faremos actuar o instru- mento. Em taes transes, aconselhamos e seguimos os preceitos de Bérard e Denonvilliers. {Compendium de chirurgie pratique), cuja integra inteiramente partilhamos. Dizem esses autores á pagina 640 :— 1. ° e Si existe (conservando-se o craneo intacto ) ferida dos legumentos e com ella phenomenos geraes graves, dependentes da compressão, applicaremos o trepano ao nivel da ferida . 2.° « Si não existe ferida e sim um ponto edemaciado e pas- toso, turaefacto e sensível nos tegumentos do craneo, persistindo symptomas geraes graves, sohre esle ponto deve-se applicar o tre- pano, que será plenamente justificado, si, pela incisâo dos tegu- mentos, encontrarmos o pericraneo ennegrecido, pouco ou não adherente ao osso, mais ou menos alterado em sua côr e tex- tura. » 3.a * Si nenhum desses signaes locaes existe, havendo, entre- tanto, conhecimento exacto do ponto perculido e sendo a paralysia e contracturas mais pronunciadas do lado opposto, ainda sobre essa parte nos é permiltido applicar o trepano. » 4/ « Finalmente, na ausência de todos esses phenomenos, a tre- panação é formalmente contra-indicada. » Taes são as conclusões que adoçtamos, para a opportunidade do trepano nos derramamentos purulentos do interior do craneo. Não param comtudo aqui as difíiculdades. Os abscessos intra-craneanos podem, como tivemos occasião de referir, occupar todas as sedes que assignalámos aos derramamentos sangüíneos; sendo assim, muitas vezes acontece que, praticada a trepanação e extrahido o disco ósseo, nenhum foco purulento é desvendado, persistindo os phenomenos geraes. Nessas condições o que fazer? Devemos abandonar o doente a uma morte infallivel, ou fender a dura-mater e mesmo o encephalo em busca do abscesso ? Para responder a essa questão ainda nos apropriaremos das palavras dos autores do compendium, que são o Iransurnpto da opinião geralmente aceita pelos cirurgiões modernos e que exprimem nossas ardentes convicções. Com elles diremos: Io, « Si, praticada a resecção óssea, não encontrarmos pus, devemos fender a dura-mater, principalmente — nfi ,i a encontrarmos alterada, amarellada, rija e tensa; 2o, si ainda, depois de haver tendido essa membrana, não descobrirmos o abscesso, continuando os symptomas geraes e reunindo todas as probabilidades de que nos achamos no ponto correspondente ao foco de suppuração, imitando Dupuytren, devemos mergulhar com pre- caução o bisturí no interior da polpa nervosa. » Por mais ousado que pareça tal procedimento, elle é justificado pelas condições criticas do doente e pelo precedente de Dupuytren, que, em idênticas circumstancias, deveu á sua arrojada resolução a salvação de um enfermo, votado irremediavelmente á morte. Lapeyronie e Maisonneuve, em casos análogos, teriam prova- velmente conseguido resultado semelhante, si não houvessem desanimado, retirando o instrumento do cérebro, quando apenas algumas linhas o separavam do abscesso. Aqui terminamos o que pretendíamos dizer sobre o trepano nas lesões traumáticas do encephalo; de caso pensado, evitámos certas considerações, que nos pareceram alheias ao objecto e natureza do nosso ponto e que encontram pleno desenvolvimento em mo- nographias especialmente dedicadas a seu estudo. Ém um trabalho como o nosso fora censurável dar lhe impor- tância capital. II Encephalo -meningite traumática A inflaramação do encephalo, quer só, quer acompanhada da de suas membranas, como de ordinário acontece, constitue o mais terrível e o mais freqüente dos accidentes consecutivos ás diversas lesões traumáticas que hemos, no correr de nosso trabalho, estudado. Podendo ser produzida por todas as lesões encephalicas e até pela própria commoção, é comtudo mais freqüentemente obser- vada nas contusões e feridas da polpa nervosa. Circumscripta, diffusa ou total* as alterações que determina são idênticas ás crea- das pelo processo inflammatorio espontâneo do encephalo ; sobre ellas não nos demoraremos É na marcha e terminação da moléstia que, debaixo do ponto de vista que nos oecupa, encerra-se todo o interesse clinico; por isso será sobre esses caracteres, mais do que sobre quaesquer outros, quede preferencia insistiremos Nenhum signal existe que nos revele, de um modo positivo, si a inflammação affecta tão somente o encephalo ou as suas membra- nas, ou si os compromette conjunetamente. Esse principio, formulado por Boyer, á primeira vista falso, é na inflammação consecutiva ás lesões traumáticas do encephalo de pura verdade pratica, e até hoje todos os esforços empregados para o destruiiem, têm sido infruetiferos Assim o reconhecem os autores que se têm occupado das lesões da cabeça, comprehendendo sob a denominação de encephalo- meningite traumática, a inflammação encephalica consecutiva ás diversas lesões, que fizeram o assumpto da segunda parte de nossa dissertação. Á imitação, pois, de todos os cirurgiões modernos, aceitaremos essa denominação, e sob ella estudaremos os phenomenos clínicos, próprios a phlogose cerebral traumática consecutiva. Diversa é a epocha em que se manifesta a inflammação do ence- phalo ; umas vezes, como se dá freqüentemente nas contusões e — 158 - feridas, ella apparece quatro, cinco dias depois do accidente ; outras, porém, é só um mez, quarenta dias depois que os pheno- menos inflammatorios se patenteam. Daqui a divisão estabelecida pelos autores em encephalo-meningite aguda e chronica. No primeiro caso, o processo inflammatorio é provocado rapida- mente, ou em razão da violência do traumatismo, ou em virtude de circumstancias especiaes inherentes ao individuo. Os phenome- nos desenvolvem-se com toda a energia e revestem um caracter de gravidade assuslador. No segundo caso, tudo progride lentamente; a marcha dos symptomas próprios á lesão primitiva não é perturbada, o restabe- lecimento parece operar-se regularmente, iiludindo o pralico e o doente, que muitas vezes julga-se curado. Perfeito engano; os elementos, que não tardara a fazer erupção, accumulam-se lentamente, pouco a pouco habituando a substancia a essa desorganisaçâo constante, lenta e progressiva; e o ence- phalo não protesta, não reage. Chega, porém, o ponto em que elle desperta; uma parte acorda, e o primeiro phenomeno se manifesta; outros se lhe seguem, e a moléstia palentèa-se, augmenta de in- tensidade aos poucos, e em alguns dias um quadro symploraato- logico perfeito e horrível se desenrola aos olhos do cirurgião. Todo o trabalho, todo o soffrimento de tantos dias, de tantas noites é destruído e substituído por novos cuidados, novas dores, novo soffrer. É, pois, com razão e estribados era phenomenos clínicos, que todos os autores têm admitlido modalidade diversa na manifestação, marcha e terminação da encephalo-meningite traumática, segundo a epocha em que se declara. Estado agudo ou próximo. — Três, quatro, cinco dias depois de um traumatismo directo ou indirecto sobre o encephalo, muitas vezes ainda não dissipados os phenomenos próprios á lesão pri- mitiva, outras, sem que nenhum accidente se tenha manifestado nos focos da innervação, o doente começa a experimentar peso de cabeça e hallucinaçõespouco intensas; logo uma dor obtusa, ainda fraca, manifesta-se em um ponto do craneo e propaga-se á fronte. Apparece então tendência ao somno e a temperatura augmenta alguns décimos de gráo. Algum tempo depois, a dôr, circumscripta — 159 — a um ponto, espalha-se por lodo o craneo, as carótidas pulsam com força e a intensidade da cephalalgia augmenta. A respiração é normal. Carregam-se as cores do quadro e os phenomenos vagos, que acabamos de citar, e que, de ordinário, duram vinte e quatro horas, incrementam-se: a cephalalgia é gravativa, forte, intolerável; os olhos brilhantes, injectados ou não; a face córada ou pallida, exprime o espanto. Sobrevem verligens, hallucinações, sensações diversas nos apparelhos dos sentidos, declara-se o delirio, a prin- cipio manso, loquaz e que pouco a pouco vai-se exasperando, alé lornar-se em muitos casos furioso; o doente procura levantar-se, agita os braços, geme e falia constantemente de um modo confuso e inintelligivel. Declaram-se os vômitos e a noite é tumultuosa. A temperatura sobe um, dous gráos; o pulso é amplo, cheio, duro, outras vezes pequeno, freqüente e resistente. A respiração continua no estado normal, apenas um pouco suspirosa. No dia seguinte, diversas sympathias apparecem para os appare- lhos orgânicos da economia. Desordens gaslricas, dor no epigaslro e vômitos; demora nas secreções, evacuações raras, voluntárias ou não, aridez e calor da pelle, difficuldade de respirar, perversões nos organs dos sentidos desenvolvera-se. Continua o delirio. Ha momentos de perfeito collapso, logo substituídos por agitação no leito e exaltação das faculdades. Mantem-se a temperatura no gráo da véspera. Ligeiros movimentos espasmodicos erráticos cruzam-se na ex- tensão do apparelho muscular. Ao mesmo tempo que se observa esses phenomenos inflamma- torios, si existe ferida nos tegumentos do craneo, ella toma um aspecto particular; os bordos lividos tumefazem-se, os botões carnosos tornam-se fungosos, escuros e amollecidos e a suppuração saniosa, mal ligada, espalha um cheiro infecto nas proximidades do enfermo. Algumas vezes descolla-se o pericraneo, e o osso a nú alterado, necroseia-se. No terceiro dia, a pelle ainda mais árida é extremamente quente, sobretudo na parte correspondente á fronte; em algumas occasiões torna-se insensível ás excitações e picadas. — 160 — A temperatura sobe ainda. Começa o embaraço nos movimentos da lingua, difficuldade de deglutição e abolição do paladar. Ainda ha delirio. A circulação é muito irregular e traduz-se no pulso por inter- mittencia e irregularidade; ora amplo, ora contrahido, é sempre freqüente. Ainda incrementam-se todos esses symptomas. Começa a cessar o delirio ; o doente não falia, apenas de espaço a espaço solta gemidos pungentes. O coma é completo; o enfer- mo despertado descerra com difficuldade as palpebras, encara com o olhar fixo e langue quem o desperta, e recahe na lethargia. Todos os sentidos acham-se abolidos. A temperatura conserva- se elevada. Começam as contracturas e tremores pelo corpo. Inteiramente estranho a tudo quanto o cerca, impossibilitado de fallar, vêr e ouvir, o único movimento que executa o doente é levar, como diz Gama, a mão a um ponto fixo da cabeça. Logo um membro é paralysado, depois outro, a metade inteira do corpo. A paralysia estende-se aos sphinleres ; ha evacuações involuntárias. Ligeiros calefrios intermittentes mais ou menos fre- qüentes percorrem o corpo. Cores mais negras carregam .ainda as já tão afílictivas de lão negro quadro. Augmentam-se as contracturas e os movimentos convulsivos ; continua a paralysia ; outras limitadas declaram-se em certos mús- culos, resfriam-se as extremidades, accelera-se a circulação e a respiração, um suor viscoso banha o corpo do moribundo, que pouco a pouco se debate na agonia e morre. Eis a evolução clinica da encephalo-meningite traumática aguda, tal como a delineam os autores modernos e como observámos. Mais ou menos rápida e activa, ella offerece ordinariamente a maior parle dos phenomenos que assignalámos eé, no estudo clinico das lesões traumáticas do encephalo, a entidade mórbida melhor caracterisada. Estado chronico ou remoto. — Um mez ou mesmo mais tempo depois do accidente, muitas vezes quando o doente e o próprio cirurgião julgara começar a convalescença, manifestam-se os phe- nomenos de cerebrite traumática. - 161 — Começa por queixar-se o enfermo de experimentar um máo estar indisivel, que fal-o tornar-se moroso em seus actos e mo- vimentos. Ao mesmo tempo cephalalgia profunda e pouco intensa palenlêa-se, revestindo typo intermittente. As faculdades intellectuaes tornam-se obtusas e começa a faltar a memória. A essas perturbações ligeiras acompanham a anorexia e insomnia, ao passo que o caracter do individuo modilica-se e se altera. Algum tempo depois exasperam-se os phenomenos. A cephalalgia torna-se contínua e intensa; pontos fixos doloro- sos assestam-se no craneo, impedindo o doente de conciliar o somno e executar o menor movimento com a cabeça. Ha vômi- tos, náuseas, constipação, inappelencia absoluta ; os olhos hume- decem-se e suores parciaes correm em diversas partes do corpo. Si consegue dormir, o somno é agitado por pesadelos, de que o individuo desperta sobresaltado e que lhe augmentam a cephalal- gia. A luz e os ruidos o incommodam. 0 paladar e o olfacío conservam se ; algumas vezes, porém, al- teram-se e o doente diz experimentar sensações gustativas extra- vagantes e accusa sentir dores que não existem ; interrogado, res- ponde com incoherencia, de máo humor e contrafeito. Começa a haver difficuldade na audição, outras vezes manifes:a-se surdez completa. Todos esses phenomenos, que se succedem mais ou menos len- tamente, são agora acompanhados de alguma elevação de tem- peratura e de exasperação da cephalalgia, que, ora se conserva em um ponto fixo, ojra se espalha em pontos diversos, mudando constantemente de sede. A circularão arcelera-se ; as conjuncti- vas e a face injectam-se. Ha impossibilidade de andar e si o doente tenta fazêl-o, tropeça como um ebrio e cahe. Têm começo a somnolencia e indifferença aos agentes exte- riores. A partir desse momento, a moléstia reveste o caracter agudo, de que já nos occupamos, e sua evolução é preenchida mais ou menos rapidamente, raras vezes de modo uniforme, sempre pro- gressivo. Então patenteam-se todos os terríveis symptomas, que já descre- vemos, alé a morte. Como acabamos de vêr, é apenas na evolução e na epocha de 38 21 — 162 — seu apparecimento que differem as duas fôrmas da encephalo-me- ningite traumática ; todos os demais são idênticos, sujeitos, comtudo, ás modificações de intensidade e violência do traumatismo e, mais do que a quaesquer outras, ás condições especiaes inherentes aos diversos indivíduos, isto é, de temperamento, constituição, idade, etc. A evolução clinica que consignámos é a de todo o processo mórbido; nem sempre, porém, ella se effectua inteira, e diversas terminações, que a moléstia crêa, imprimem-lhe modificações que ou precipitam os phenomenos falaes, ou proporcionam tempo para que os primeiros, retardados, sejam combalidos, trazendo o resta- belecimento do doente. Como qualquer inflammação, termina-se a encephalo-meningite traumática pela resolução, por suppuração e por gangrena; em algumas condições ella passa ao estado chronico, creando alte- rações do domínio da medicina e sobre as quaes não nos demo- raremos. Conta a sciencia, felizmente, grande numero de terminações de cerebrite secundaria ; nós mesmo tivemos occasião de observar um facto desse gênero, que mais tarde citaremos. Terminando-se pela resolução, esse resultado é o effeito da absorpção dos exsudatos na torrente circulatória, e que se traduz muitas vezes pela diminuição na intensidade dos symptomas, que caracterisam o quadro clinico da moléstia; o pulso torna-se mais regular, a cephalalgia diminue, a febre decresce, e depois de um espaço de tempo variável, todas as funcções restabelecem-se gra- dualmente. Mesmo quando á inflammação acompanhar ferida do encephalo, combatida aquella, esta cicatriza. No entretanto adherencias extensas se formam, muitas vezes, entre a arachnoide e a dura-mater, e, apezar de haver a inflam- mação desapparecido, continuam a manifestar-se alguns pheno- menos insólitos; este accidente, porém, é raro e, quando tenha lugar, a destruição das adherencias formadas traz completo restabe- lecimento. A resolução da encephalo-meningite pôde ainda ser devida ao apparecimento e desenvolvimento de outra affecção inflam- matoria inlercurrente em organs distantes do craneo ou nos tegu- mentos que o cercam; a erysipela do couro cabelludo, a gastrite, - 163 — acham-se nessas condições, como tivemos occasião de apreciar em observações estrangeiras. Resultado mais freqüente do que qualquer outro, é a suppuração, na inflammação traumática do encephalo, sobretudo quando é cir- cumscripta, como ordinariamente sóe acontecer. Na primeira e actual parles da nossa dissertação, analysando o pus no seio da substancia intra-craneana e estudando os derrama- mentos purulentos na etiologia da compressão, occupámo-nos desse gênero de terminação da encephalo-meningite; para ahi con- vidamos a attenção do leitor, para não repetirmos as considerações que então expuzemos. Diremos apenas que essa terminação, geralmente lenta a pro- duzir-se, é algumas vezes mui rápida, podendo, como ha exemplos, manifestar-se em vinte e quatro horas, e em abundância tal de fazer succumbir o doente. Sejam quaes forem as condições, que presidam a seu desenvol- vimento, a suppuração no encephalo é sempre de extrema gravi- dade, ordinariamente mortal. A terminação por gangrena, de todas a menos freqüente, é ordi- nariamente devida á interrupção da circulação, dependente quer de ruptura vascular, quer de interposição de coalhos que interceptem a luz do vaso, que distribue-se na parte, encontrada na autópsia, gangrenada. No entretanto, mesmo em tão graves circumstancias , não se acha excluída para o doente toda a esperança de salvação; alguns exemplos que encontrámos justificam essa asserção; nelles a queda da eschara, acarretando porções de polpa nervosa desorganisada, fa- vorece a cicatrização, restabelecendo-se o enfermo. Quando a encephalo-meningite, despindo seu caracter de acuida- de, passa ao estado chronico, determina constantemente alterações diversas, como sclerose, amollecimento, etc, que mais tarde, como teremos occasião de ver, vão ser a origem de perturbações das faculdades intellectuaes, alienação, manias, etc. Todas essas alterações creadas lentamente, sem phenomeno al- gum de acuidade, são muito freqüentemente, na ignorância do trau- matismo e longo tempo depois, suppostas espontâneas. Innumeros factos que encontrámos esparsos e colleccionados em tratados sobre moléstias do encephalo, comprovam a veracidade do que avançamos. — 164 - Entre outros, Esquirol, Calmeil , Lallemand citam observações, onde a autópsia verificou as alterações anatômicas de encephaliles chronicas, que duraram muitos annos, e haviam sido a conseqüên- cia de cerebrites traumáticas, em qualquer das duas fôrmas com que a estudámos. Ignoramos as razões pathogenicas que transformam, nessas con- dições traumáticas, a encephalite aguda em chronica, e só pode- mos explical-as pela influencia da therapeutica, obstando o desen- volvimento ou modificando o typo de acuidade. DIAGNOSTICO E PROGNOSTICO A anamnese do individuo, a natureza dos accidentes e a epocha tardia de seu desenvolvimento, a reacção febril e o caracter in- flammatorio que revestem os symptomas, tornam fácil o diagnostico da encephalo-meningite. Dous a três dias depois o typo especial, único e exclusivo nas condições a que nos referimos, exclue toda a duvida. Alguma difficuldade, porém, manifesta-se, a inflammação affecla os tecidos exteriores do craneo; alguma attenção, comtudo, escla- rece facilmente o diagnostico. Na encephalo-meningite a reacção é mais viva, os phenomenos cenbraes mais intensos {Compendium de chirurgie). Além disso, si esses phenomenos acompanham-se de descolla- mento do pericraneo e eoipastamento limitado dos tegumentos exte- riores, e sobretudo se precedera o apparecimento da erysipela do couro cal elludo, necessariamente são a expressão da inflammação intracraneana. (Boyer, ceuvres chirurgicales, t. I, pag. 37.) Quanto á localisação da inflammação, nenhum signal infallivel nos pode auxiliar; todos os apresentados por alguns autores, como Pott e Boyer, são freqüentemente contrariados; para nós, só quando a suppuração se lem formado, na ausência de signaes physicos, podemos determinar a sede da inflammação, pelos effeitos de com- pressão que então determina. Mesmo assim os signaes são sempre prováveis. Prognostico.— De extrema gravidade é o prognostico da cere- brite traumática ; a terminação fatal é a regra, embora não absoluta, 165 — mas sufficientemente freqüente, para considerar a resolução como excepção. Cceteris paribus, a inflammação que succede á commoção cerebral é mais grave do que a consecutiva a qualquer outra lesão encephalica. A violência do traumatismo, as condições que o acompanham, e as circumstancias individuaes idiosyncrasicas, modificam poderosa- mente o prognostico, que aliás sempre deve ser reservado, mesmo quando o doente pareça restabelecer-se. Comtudo a existência de derramamentos purulentos e da própria gangrena não exclue absolutamente toda a esperança de cura para o enfermo. Esses factos, porém, são mui raros e, como dissemos, constituem verdadeiras excepções e de modo algum attenuam a gravidade da mo- léstia, tanto mais terrível em virludeda marcha insidiosa que algumas vezes apresenta, A inflammação circumscripla e accessivel aos meios cirúrgicos é muito menos grave do que a das partes profundas do encephalo em condições oppostas. TRATAMENTO 0 tratamento é medico e cirúrgico, de conformidade com o periodo em que se acha a inflammação. No primeiro é intuitivo o emprego 3os anliphlogisticos. Emissões sangüíneas geraes ou locaes, mais ou menos abundantes, derivativos e revulsivos, serão alternativamente aconselhados, em maior ou menor energia, conforme a intensidade dos symptomas e as condições do doente. No segundo e terceiro períodos, isto é, quando ha suppuração e compressão, na trepanação encontraremos o melhor auxiliar, se- gundo as indicações que expendemos no capitulo especial que trata de;se assumpto. Nos seguintes factos que tivemos occasião de observar, eviden- ciam-se as considerações que apresentámos no correr do presente artigo. Observação N° 6.— Ferida contusa do frontal.—Meningo encephalite consecutiva.— Erysipela da face e couro cabelludo.—Cura. Manoel Martins Camp. s, Portuguez, com 19 annos de idade, casado, temperamento sanguineo e — 166 - constituição forte, canteiro,entrou para a 7* enfermaria de cirurgia do hospital da Misericórdia no dia 21 de Agosto de 1871. Referio-nos o doente que ha cinco dias (16), achando-se trabalhando na ilha das Cobras, cahira- lhe sobre a cabeça uma p^di a, proveniente de uma mina, que rebentara; sobre as dimensões da pedra nenhum dado nos pode ministrar, em razão de haver immediatamente perdido os sentidos. O primeiro curativo foi lhe feito na mesma ilha, pouco depois do accidente. Exame.— Manoel Martins apresenta na parte superior á esquerda da região frontal, uma ferida, tendo cinco centimetros de exten>ão, obliquatnente dirigida de dentro para fora e de diante para traz, interessando toda a espessura do couro cabelludo e aponevrose epicraneana. Ha echymose e edemacia nas palpebras inferiores; rubor na região frontal, echymose no lado externo da conjunctiva ocular direita e descollamento dos tecidos nas proximidades da ferida da cabeça. Accusa dores intensas em toda a cabeça, sobretudo na porção próxima e cor- respondente á solução externa, resoluç io muscular nos membros inferiores, anorexia e vertigens. Ha delirio brando e ligeiro tremor convulsivo pelo corpo. A face é pallida e com ella os lábios e mucosa buccal; pequena contracção das pupillas; tendência ao coma. Marcha e tratamento. Dia 21 (entrada).— É prescripto pelo medico de serviço: Bebida de Stoll..................... 360 grammas. Água de louro cerejo................. 8 » Ás colheres. Du 22.—Continuam as dores de cabeça; vertigens; tremores convulsivos nos membros; anorexia ; delirio loquaz ; o doente procura sahir do leito ; face vultuosa, injectada, rubra. Respiração freqüente, pulso cheio, 90 pulsações; temperatura elevada ; lingua sêcca. Prescripçâo.— Calomelanos.... ........................ 60 centigrammas. Para tomar de uma só vez, e uma hora depois : Óleo de ricino....................... 60 grammas. Água distillada de tilia............... 120 grammas. Tinctura de belladona ................ 50 centigrammas. Xarope de meimendro................ 30 grammas. Ás colheres. Externamente.—Glycerina............................. 60 grammas. Água de louro cerejo................. 8 » Para loções na face. Dia 23.—Duas dejecções diarrheicas abundantes ; lingua saburrosa.Pulso 100 ; febre ; respira- ção difficil, freqüente e suspirosa ; fortes convulsões clonicas ; delirio vivo. Contínua a poção do dia anterior. Día 2!.—Decubito dorsal; cephalalgia intensa, propagando-se para pontos diversos, delirio, lingua sècca; lábios encrustados de enducto escuro e muito espesso; grande rubor na face- convulsões generalisadas intermittentes; palpebras cerradas; pupillas immoveis, contrahidas! insensíveis ; pulso 96 ; temperatura 38»,5; respiração freqüente e ruidosa. Prescripião. —Água de louro cerejo................... 6 grammas. Água distillada........................ 180 » Tinctura de belladona.................. 50 centigrammas. Xarope de lactucario......,............ 30 grammas. Ás colheres. — 167 — Dia 25.—Pulso 88, temperatura 38°,4; delirio brando; durante a noite houve collapso; lingua saburrosa, sêcca ; fossas nasaes obstruidas por mucosidades concretas, que difficultam em extremo a respiração; convulsões; contracção pronunciada das pupillas; cephalalgia intensissima ; começa a descamação em alguns pontos da face. Prescripçffo.—Continua a poção e mais : Sulphato de qq.................... 1 gramma. Valerianato de qq................ 30 centigrammas. Extracto de valeriana.............. q. b. Para seis pílulas, três por dia. Mesmo dia (á tarde), pulso 100, temperatura 39°,6. O dia foi máo; persiste a cephalalgia, continuam as convulsões e delirio loquaz; a febre augmentou ; houve uma evacuação; tomou três pilulas. Ha completa indifferença a tudo que o cerca. Dia 26. — Pulso 88; temperatura37°,4. A noite foi regular; continua a descamação; houve outra dejecção ; a lingua é menos sêcca e saburrosa ; persiste a cephalalgia; ha tendência ao coma e difficuldade no movimento dos membros. Á tarde, continuam os mesmc s phenomenos. Dia 27 (manhã).—Pulso 72 ; temperatura 37°. Continuam as convulsões e delirio. A erysipela acha-se quasi resolvida. Á tarde.—Pulso 96, temperatura 39°,4. Incrementou-se durante o dia a cephalalgia, que oecupa toda a cabeça. A face é de novo turgida; pupillas contrahidas e fixas; coma; paralysia; tomou quatro pilulas. Repentinamente cessa o coma e volta o delirio e convulsões ; desassocego. Dia 28 (manhã).—Pulso 72.—Temperatura 37°.—Lingua pouco saburrosa, humida, suor vis- coso, delirio brando. A ferida da região frontal conserva-se de máo caracter; lábios tumidos, descorados; sup- puração fétida, saniosa, continua a cephalalgia e a contracção das pupillas; insomnia. Conti- nua o uso das. pilulas. Á tarde; Pulso 80.—Temperatura 37°,8. Continua o estado descripto pela manhã. Prescripção -. Solução de gomma........................... 180 grammas. Hydrato de chloral........................... 4 » Ás colheres, durante a noite, até dormir. Dia 29 (manhã).—Pulso 72.—Temperatura 37°. A noite foi boa; houve somno com o uso da poção. O delirio é muito brando;cephalalgia menos intensa; paresia muscular. Continua o uso da poção do dia 24 e do hydrato de chloral. Á tarde.—Pulso 76.—Temperatura 37°,6.—Mesmo estado da manhã. Dia 30.—Pulso 76.— Temperatura 37». Melhoras consideráveis. As pupillas moveis são normaes; a cephalalgia é pouco intensa ; cessaram as convulsões; sub delirio.—A ferida da cabeça começa a tomar bom aspecto; ainda ha anorexia. Continua o mesmo tratamento. Á tarde.—Pulso 76.—Temperatura 37*. Nada de notável. Dias 1, 2, 3, 4 e 5 de Setembro.—Progridem as melhoras ; ha pyrexia; noites calmas ; peso da cabeça; a ferida quasi cicatrizada ; suspende-se o uso das pilulas de quinina; continua o da poção calmante e o do hydrato de chloral. O pulso e a temperatura têm-se mantido normaes. 168 — No entretanto os gânglios sub-linguaes, sub-maxillares e parotidiano direito, acham-se algum tanto engorgiiados e-seu>iveis á pressão. Prescripção: Óleo de amêndoas doces camphorado......... 100 grammas. Para friccionar os gânglios tumefactos. Dias 6, 7 e 8.—Continua o mesmo estado; ha compressão do esophago, dysphagia qunsi completa; agitação. A ferida da cabeça está cicatrizada. Nenhum phenomeno cerei ral tem-se manifestado. Prescripção : Vesicatorio em fôrma de gravata na parte anterior do pescoço. Dias 9. 10 e 11.—Continua o mesmo estado. dia 12.—A ingestão dos líquidos já é po;sivel, embora difficilmente. Prescripção: Outro vesicatorio que cubra os gânglios engorgita — complicado de estertor e principalmente de hemiplegia, traduz quasi constantemente compressão intra-craneana (Follin, loc. cit) Examinemos os outros phenomenos: Si ha solução de continuidade ossoa com phenomenos geraes, Iratar-se-ha ordinariamente de contusão ; a commoção está na razão directa da resistência offerecida pelas paredes do craneo. Si ha depressão dessa parede, penetração de uma ou mais esquiro- las ósseas, admitliremos de preferencia uma contusão ou compres- são ; esta, si ha esterlor e hemiplegia; aquella, no caso inverso. Si a marcha dos phenomenos tende constantemente a diminuir de intensidade, diagnosticaremos geralmente commoção ; si os symptomas não se manifestam em relação com o traumatismo, con- tusão ; si a gravidade dos phenomenos clínicos augmenta e novos se patenteam, compressão. A respiração é lenta e regular? Commoção.— Normal? Contu- são.— Estertorosa ? Compressão. — Ha contracturas, convulsões pa- ralysias? Compressão.— Manifesta-se tendência aos phenomenos inflammatorios, elevação de temperatura, cephalalgia fixa, intensa e rebelde, desassocego ? Contusão.— Declaram-se francamente esses phenomenos? Enccphalo-meningile. — Desenvolvem-se symptomas insólitos sem reacção febril? Compressão.— Ha pallidez dos tegu- mentos exteriores, descoramento das mucosas? Commoção.— Ao contrario: existe injecção das conjunctivas, brilho no olhar, pulsa- ções arteriaes enérgicas? Contusão.— Ha dilatação da pupilla com imraobilidade e insensibilidade? Commoção.— Ha contracção da iris, coincidindo com paralysia do globo ocular? Compressão. Ha aphagia ou dysphagia, evacuações involuntárias logo após ao accidente? Commoção.—Declaram-se esses phenomenos algum tempo depois ? Compressão ou contusão. Infelizmente todos esses symptomas, por mais verdadeiros, não possuem o cunho de certeza que fora para desejar; nenhum delles é bastante eloqüente para por si só resolver o diagnostico, e só a reunião de muitos delles pôde esclarecer-nos em questões duvidosas. Quantas autópsias têm demonstrado essa infeliz verdade, acarre- tando a cirurgiões distinctos decepções cruéis! E não estranha que assim seja ; os symptomas das diversas lesões encephalicas, além de guardarem relação com a extensão e profun- didade da alteração orgânica, no momento em que esta é - 17fi — produzida confundem-se, combinam-se muitas vezes de tal sorte, que mesmo ao pratico mais aguerrido torna-se impossível distin- guil-a. Ha compressão sem paralysia, paralysia sem compressão; ha resolução muscular sem contusão e vice-versa; e duvidoso no valor semiologico, que se deve attribuir a tão diversos symptomas, ordinariamente hesitamos no juizo a formular, temendo os funestos desenganos que soem geralmente acompanhar ás opiniões intem- pestivas e temerárias. Em tamanha incerteza, a única base solida para formar um diagnostico certo, é a evolução que segue o processo mórbido ; apreciando-a, observaremos si os symptomas decrescem ou aug- mentara; si marcham isolados ou si combinam-se : si conservam a mesma physionomia ou se a modificam ; por ella unicamente podemos interpretar as alterações observadas de modo claro e ma- nifesto, surprehendermol-as no momento em que fazem explosão; compararmol-as aos symptomas preexistentes e dahi precisarmos sua natureza, referindo-as de preferencia a esta ou áquella lesão em^ particular. É este espirito de reserva que nos tem sempre acompanhado no correr deste trabalho e folgamos de confessar, o caracter essencial que deve presidir ao diagnostico differencial das lesões encephalicas. Para auxilial-o, indagaremos sempre dos commemorativos, pres- tando-lhes bastante consideração ; ao mesmo tempo procuraremos conhecer o estado de saúde do individuo anterior ao accidente. A embriaguez, o abuso dos líquidos alcoólicos, epilepsia, hysteria, etc, podem comprometter o diagnostico, fazendo-nos acreditar na existência de phenomenos puramente transitórios, sob cuja influen- cia se achava o doente, no momento da violência. Kestar-nos-hia agora estudar o diagnostico da sede da alteração, questão da maior importância clinica, ambição constante dos pa- thologistas; entretanto não o fazemos pelo muito que já desen- volvemos este assumpto na primeira parte do nosso trabalho, nada adiantando em repetir considerações feitas do domínio da physio- logia hodierna. Na pathologia externa de Follin, á pag. 543, em um resumo admirável, é resolvida essa questão, segundo o estado actual de — 177 — nossos conhecimentos; da leitura attenta dessa exposição concluímos o que por vezes temos declarado, isto é: serem ainda muito incom- pletos e duvidosos os elementos a nosso alcance para o diagnostico da sede das lesões encephalicas. 38 23 QUARTA PARTE mm WMM REMOTOS AS LESÕES TRAUMÁTICAS DO ENCEPHALO De acordo com o plano que adoptámos, cumpre-nos estudar nesta ultima parte de nossa these os diversos e multiplicados phenomenos que constituem a vasta serie de accidentes tardios que se manifestam como conseqüência das lesões traumáticas do encephalo. Variados como são, esses phenomenos não podem ser estudados em tratados clássicos e didacticos; por essa razão mui poucos elementos encontrámos para auxiliar-nos, resentindo-se dessa lacuna as considerações que vamos encetar. Ainda aqui synthetisamos e fazemol-o pela irregularidade e in- constância que revestem geralmente os fados de que nos vamos occupar, e que serão o complemento da árdua tarefa que nos im- puzemos. Correspondendo a lesões variadas, esses accidentes reconhecem sempre uma origem comrnum : um traumatismo directo ou indirecto sobre o craneo. Todas as differentes espécies de lesões primitivas e secundarias que formara o objecto do nosso ponto, podem determinal-os, e sua duração depende ordinariamente da lesão que os crêa, não exigindo grande numero de vezes sua therapeutica indicações especiaes. A epocha em que se manifestam é completamente irregular e varia desde dias até mezes e annos, depois da lesão pri- mitiva . Intermittentes ou contínuos, os accidentes consecutivos ás lesões encephalicas revestem algumas vezes um caracter de gravidade — 182 - assustador, que nem sempre é proporcional á extensão e pro- fundidade da lesão material; ordinariamente, porém, elles são pouco graves e desapparecem em breve tempo. Lesões muito consideráveis podem deixar de produzil-os. Em seu estudo, não entraremos em grandes desenvolvimentos, por já ir longo este trabalho, e por considerarmos suas manifestações pouco importantes sob o ponto de vista que presidio á confecção desta these. Como temos feito em occasiões anteriores com os phenomenos primitivos, subdividil-os-hemos em grupos, a saber: Accidentes da intelligencía, sensibilidade, motilidade, organs dos sentidos e diversos apparelhos orgânicos. I Accidentes de intelligencía Desenvolvimento insólito das faculdades intellectuaes, amnésia, idiotismo e demência, taes são as alterações de intelligencía, mais ou menos freqüentemente consecutivas ás lesões traumáticas do encephalo. Bauchet [loc cit.) refere a observação de um homem, cujas faculdades intellectuaes desenvolveram-se consecutivamente a uma percussão violenta sobre a cabeça ; Samuel Cooper {Traité de path. chirurgie. pag. 44) diz que um doente affectado de loucura re- cuperou o uso de suas faculdades após uma commoção encephalica; esses factos, comtudo, são raros; ordinariamente a intelligencía é abolida, pervertida ou diminuída por espaço de tempo va- riável . Os doentes tornam-se irasciveis ou dóceis em excesso; uns são inaccessiveis a todo o gênero de sensações, vivem em constante melancolia, procuram o maior isolamento a seu alcance, e esquecem absolutamente tudo quanto é posterior ao accidente; outros expe- rimentam vertigens, julgam vêr objectos imaginários, aceusam a sensação de um circulo de ferro ao redor do craneo e arrastam sua existência chorando e lastimando-se constantemente; muitos tor- nam-se maníacos,* coléricos e procuram no suicídio um termo a seus intoleráveis dias. Todas essas perturbações, si ha cicatriz no craneo resultante da trepanação, por ella ouvem os ruidos exteriores; ao mesmo tempo cephalalgias rebeldes continuas ou intermittentes, sensações diversas, extravagantes ou dolorosas atormentam o individuo, que victima de accidentes graves, traz sellado no facies o idiotismo e a estupidez, ou, com o olhar espavorido e ardente, mostra a alteração que lhe corróe as faculdades. 184 — A memória aííecla-se igualmente de modo variável; uns esquecem as palavras; outros o nome das pessoas que conheciam. Posteriormente e longo tempo depois de uma commoção do segundo gráo, diz Dupuytren {loc. cit.), os indivíduos experimentam fraqueza, incapacidade para ler, para sustentar uma conversação demorada, para qualquer preoccupação de espirito; começam uma carta e não podem terminal-a. Essas perturbações, que sobrevem brusca ou lentamente, pro- gridem, e em breve a alienação mental se patentêa. Pinei {Traité médico-philosophique sur Valiénation mentale; pag. 44) admitte a influencia de uma percussão sobre a cabeça para produzil-a. Esquirol {Des maladies mentales, etc, pag. 64), em 730 casos de alienação mental, encontrou 18 produzidos por traumatismos sobre o craneo. No hospital da Salpêtrière, em Paris, em 800 alienados, ha 18 por lesões traumáticas do encephalo (Delfau e Dufour, Thèses de Paris.) No hospício de Pedro II, segundo nos referio seu illustrado director, ha igualmente alguns casos, cujo numero não pôde pre- cisar. Em uma visita que fizemos a esse bello estabelecimento, examinámos um dos alienados em tratamento, cuja loucura foi consecutiva a uma queda da altura de alguns metros, sobre pedras angulosas ; houve fractura do craneo no frontal, commoção cerebral, e cinco annos depois manifestaram-se os primeiros accessos de delirio; é um individuo moço, intelligente e forte; ha esperanças de que se restabeleça. Como Pinei e Esquirol, Dagonet e Marcé, em seus tratados sobre moléstias mentaes, confirmam as opiniões que emiltimos; ao ul- timo desses autores pertencem as seguintes palavras, inseridas á pag. 128 de sua importante obra: « Durante muitos mezes, muitos annos depois do accidente, os doentes experimentam cephalalgia e vertigens; sua intelligencía enfraquece, ha momentos de ausência, e, como elles próprios confessam, sentem qualquer cousa de in- sólito; bruscamente a loucura declara-se sem causa apreciável. Na maioria de taes casos, a alienação reveste* uma fôrma mal definida e offerece alternativas irregulares de estupor, agitação e lucidez imperfeita, sera idéas delirantes systematisadas; nunca a cura, nessas condições, é completa e ordinariamente esses doentes — 185 — chegam progressivamente á demência. Na autópsia, ora encontra-se hemorrhagias das meningeas, abscessos do encephalo, exostoses dando a razão dos symptomas observados durante a vida; ora nenhuma alteração é desvendada, mesmo com o auxilio do mi- croscópio. » Antes de declarar-se a alienação mental, geralmente ha hal- lucinações diversas; o individuo vive constantemente sobresaltado com imagens imaginárias; muitas vezes a essas alterações limita-se a moléstia, tal é o caso que observámos no hospício de Pedro II. Em conclusão todas essas perturbações da intelligencía, ora desapparecem era pouco tempo, ora perduram por longos annos. Qual a natureza da causa immediata de tão singulares accidentes? Ignoramol-a, salvo si a fizermos residir na lesão intima das cel- lulas nervosas, como querem alguns autores; ou em encephalites chronicas diffusas, que hajam succedido á fôrma aguda ignorada, como aíErmara outros em maior numero, cujas opiniões somos inclinado a seguir. lie '2i II Accidentes de sensibilidade Diversas perturbações de sensibilidade manifestam se e persistem, durante tempo variado, posteriormente a lesões traumáticas do encephalo; esses phenomenos, mais ou menos tardios, consistem em dores locaes rebeldes, analgesia, torp< r, etc. A dôr fixa, local, persistente, estudada pela primeira vez por Quesnay, tem, mais do que qualquer outro accidente de sensibilidade, prendido a attenção dos cirurgiões. Ella reveste os dous typos intermittente e continuo e declara-se, ora logo após, ora longo tempo depois da lesão primitiva, per- durando muitas vezes durante annos. A dôr intermittente, ver- dadeira nevralgia, em tudo semelhante á nevralgia espontânea oecupa um ou vários pontos do craneo, de onde se irradia seguindo direções diversas. Ordinariamente segue o trajecto dos filetes nervosos e parle do ponto onde teve lugar a violência, sendo na grande maioria dos casos devida a causas apreciáveis que residem quasi sempre na cica iíz do* tegumentos, onde é comprimido ou preso um file te nervoso. Em a gumas condições, opera se na extremidade do nervo um trabalho hypertrophico, verdadeiro nevroma, trazendo augmento de volume para a cicatriz e determinando dores horrivelmente tenazes e intensas. Quando a dôr é fxa e contínua, como sóe freqüentemente acontecer, a causa que a entretem consiste ou em lesões do encephalo e suas membranas, ou em alterações das paredes do craneo e seu invólucro, c uno necrose, carie, descollamento do pencraneo, etc No entretanto, muitas vezes, a origem da dôr intermittente ou — 187 — contínua nos é inteiramente desconhecida e todos os meios empre- gados para combatel-a permanecem infructiferos. A intensidade que qualquer dos typos reveste é variável ; em muitos casos é tão intensa que chega, como observou Scultet, a produzir syncope; em taes condições uma therapeutica prompta e enérgica deve ser immediatamente prescripla e executada. O tratamento dessas perturbações de sensibilidade, aconselhado pelos autores, limita-se á incisão do couro cabelludo, á ruginação do osso e em alguns casos á trepanação. Não discutiremos esses meios, todos elles têm opportunamente sido coroados de successo; nas seguintes palavras dos autores do compendium todas as indicações s"o satisfeitas. Dizem elles á pag. 468: « Si houver um trajecto íistuloso que termine no osso e permilta pelos meios convenientes precisar sua alteração, dever-se-ha augmentar a fistula e pôr a superfície óssea a descoberto. Do mesmo modo se obrará si a dôr fôr muito in- tensa, si corresponder exaclamente ao lugar ferido, si finalmente os tegumentos estiverem edemaciados e sensíveis á pressão. Des- coberto o osso deve-se estudar as alterações que a vista e o lacto fornecerem; si o pericraneo se achar descollado, a superfície óssea avermelhada ou ligeiramente dolorosa, cnservar-se-ha os lábios da ferida separados e esperar-se-ha a esfoliação ; si a carie for superficial, rugmar-se-ha de modo a extrahir a parte affectada. Só se deverá trepanar: 1°, quando a alteração óssea fôr profunda, o que se reconhecerá pela côr suja que tinge o osso, ou pelo amolle- cimento de seu tecido; 2o, quando o catheterismo fizer descobrir um foco purulento ou urn corpo estranho no interior do craneo; 3o, finalmente, quando a ruginação e esfoliação não houverem pro- duzido melhora alguma. Si os ossos descobertos parecerem sãos, nunca se deverá progredir na operação. » Eis reunida toda a therapeutica. a empregar, para combater a cephalalgia intensa, consecutiva ás lesões do encephalo e corres- pondente ao ponto que soffreu a violência. Si a dôr fôr insignificante e não conservar sede fixa, a medi- cação anti-nevralgica tem inteira applicação, e os narcóticos, an- tispasmodicos, injecções sub-cutaneas, revulsivos, etc, serão alterna- tivamente aconselhados, como si houvéssemos de combater uma nevralgia espontânea. - 188 — Além da dôr local, a sensibilidade posteriormente a um trau- matismo encephalico pôde alterar-se, manifestando-se anesthesia ou analgesia e sensações de torpor ao longo dos membros e tra- jectos nervosos. Nessas condições, é extremamente raro que esses phenomenos permaneçam isolados; em todas as observações que compulsámos, acompanhavam sempre outras perturbações de motilidade de inten- sidade variada; não nos demoraremos sobre elles. III Accidentes de motilidade De um numero colossal de factos recolhidos pela sciencia, resulta a freqüência dos accidentes de motilidade consecutivos ás lesões traumáticas do encephalo. D'entre elles destacam-se a epilepsia, as paralysias, os tetanos, as convulsões e as contracturas. Epilepsia.—Grande numero de observações tivemos occasião de consultar, onde accessos epileptiformes francamente caracteri- sados, manifestaram-se consecutivamente a lesões encephalicas. Suas causas são communs ás das dores nevrálgicas; alterações materiaes do encephalo, corpos estranhos, que comprimam e ir- ritem a substancia nervosa, lesões dos tegumentos e paredes do craneo têm sido alternativamente consideradas e invocadas como causa dos accessos epilépticos observados. A clinica confirma taes asserções, pois muitas vezes eliminada a causa, cessa o effeito; no entretanto, era algumas circumstan- cias, não se pôde absolutamente descobrir a origem do pheno- meno Qual a natureza da epilepsia traumática consecutiva? E o que procuraremos explicar; antes, porém, seja-nos per- miltido estudar os caracteres que reveste, comparar sua modali- dade á de fôrma espontânea. Durante longo tempo acreditava-se que a verdadeira epilepsia não se declarava consecutivamente a traumatismos encephalicos e que estes só determinavam convulsões de fôrma epiléptica, mal ca- racterisadas; hoje grande numero de factos attesta o contrario, e prova que a epilepsia pura e franca, tão intensa como a — 100 — chamada idiopathica, pôde sobrevir secundariamente e ligar-se a uma causa traumática sobre o cérebro. De facto, ora todo o mal limita-se a alguns phenomenos isola- dos, ora o accesso em nada differe da nevrose essencial, e todo o cortejo de symptomas que esta patentéa, é igualmente naquella observado. Não os descreveremos. A epocha de seu apparecimento é em extremo variável; os- cilla entre algumas horas e muitos mezes e annos. Idêntica irre- gularidade refere-se á duração; comtudo, ordinariamente a mo- léstia subsiste com a causa que a entretem. Natureza.—O eminente physiologista Brown-Séquard e com elle Kussmaul, Jenner, Nothnagel e IVIarshall-Hall, em curiosas experiências sobre animaes, varias vezes repetidas e confirmadas pela pathologia, estabeleceram de modo evidente e inconcusso que a epilepsia era o resultado da excitação mórbida do bulbo (centro das acções reflexas), por incitações periphericas ou cen- traes. Baseado em suas notáveis e eloqüentes experiências, Brown- Séquard admitte que nos epilépticos o bulbo, era estado mórbido contínuo, espera apenas uma irritação qualquer para patentear sua excitabilidade anômala e produzir um accesso ; esta irritação, continua o mesmo autor, virá ora sem causa efficiente {epilepsia essencial), ora de modo tal que a irritação de um nervo centri- peto torna-se evidente {epilepsia secundaria, symptomatica ou reflexa). Estabelecidos taes dados, é ocioso applical-os, e a epilepsia consecutiva, que parecera um phenomeno sobrenatural, torna-se intuitiva ; a lesão, quer interna, quer externa, produz sobre os filetes nervosos irritação, que se propaga ao bulbo, tendo lugar o accesso. E tanto assim é, que, conhecida a causa que entretem e pro- voca a irritação, e eliminada pelos meios convenientes, os acces* sos desapparecem. Dessas considerações resulta que o tratamento da epilepsia con- secutiva ás lesões encephalicas é dictado pela natureza da causa que a determina; mas esta é comrnum á das nevralgias se- cundarias; logo, os mesmos meios que por occasião destas acon- selhámos, têm naquella inteira applicação. — 191 — A incisão do couro cabelludo, a ruginação e o trepano serão empregados de acordo com a extensão, natureza e profundidade da alteração. Si a causa não é conhecida, o tratamento será todo medico e idêntico ao da epilepsia espontânea ou essencial. Nessas condições, é escusado lembrar que raramente o doente se restabelecerá, porquanto a causa de irritação subsiste igno- rada e impossível de ser destruída. Paralysias. — Ainda partindo dos preceitos estabelecidos na primeira parte de nossa these, quando desenvolvemos as paraly- sias primitivas, attribuirenios ás conseculivas as mesmas causas que áquellas referimos, e as faremos depender ora de desorgani- sação considerável, ora de qualquer das causas de compressão, assestadas, quer sobre a substancia nervosa, quer sobre o trajecto e origem dos nervos craneanos. 0 que dizemos das causas, estendemos aos caracteres clínicos, variáveis com o typo da paralysia e com a sede que ellaoccupa. Segundo Antonin Martin {Thèse de Paris, paralysies à Ia suite des traumatismes du crdne), as fôrmas mais communs que se des- envolvem secundariamente são: Ia, paralysia geral; 2a, hemi- plegia facial; 3a, hemiplegia complela; 4a, paralysias ; 5a, pa- ralysias cruzadas ; 6a, paralysias dos organs intellectuaes ; 7a, final- mente, paralysias limitadas a um ou mais pares de nervos craneanos. Estas ultimas são as mais freqüentes e as que ordinariamente subsistem longo tempo após as lesões cerebraes ; as outras fôr- mas já nos occuparam anteriormente com considerações que não repetiremos; apenas, relativamente ás isoladas a alguns nervos, referimos o que nos resta dizer. 0 olfactivo, o óptico, o motor ocular commum, o pathetico, o motor ocular externo, o facial, o auditivo, o trigemio, o glosso pharingeo, o pneumogastrico, o espinhal e o grande hypoglosso são os nervos geralmente compromettidos pela paralysia conse- cutiva aos traumatismos sobre o encephalo. Seus effeitos patenteam-se brusca ou lentamente, desapparecem do mesmo modo, perduram tempo variável e raaniíestam-se pouco ou longo tempo depois do accidente. Ausência da percepção dos odores, diminuição ou abolição da — 192 - visão, prolapso da palpebra superior, immobilidade do globo ocu- lar, diplopia, raydriase, paralysia da face, vertigens, etc, taes são os resultados das paralysias dos nervos que assignalámos, variáveis segundo a sede da causa que as determina. Contracturas, convulsões.— Estes phenomenos não offerecem importância capital; sua palhogenia, valor semeiologico e caracteres clínicos, já foram referidos na primeira parte de nossa dissertação; não os reproduziremos. IV Accidentes nos organs dos sentidos São de extrema freqüência as perturbações que sobrevem nos organs dos sentidos, consecutivamente a lesões encephalicas de ori- gem traumática. Phenomenos mais ou menos remotos á epocha do accidente, affectam modalidade inconstante, refractaria a qualquer descripção methodica, quer por sua duração e intensidade variá- veis, quer pela marcha irregular que os caracterisa. Comecemos estudando o apparelho da visão, sede predilecta de todas as alterações, que as lesões do cérebro soern crear. Apparelho da visão.—Amaurose.—Assignalada por Plenk e por outros autores da antigüidade, a amaurose consecutiva ás lesões do encephalo é muito commum, sobretudo quando o traumatismo ac- tua sobre a região peri-orbitaria. Algumas vezes devida á lesão do nervo óptico ou dos nervos do quinto par, ella é freqüentemente a expressão de alterações encephalicas que se propagam ao globo ocular e principalmente á retina, congestionando-a ou mesmo dila- cerando-a. No entretanto, em muitos casos nenhuma causa mate- rial pôde explical-a ; nessas condições Vic d'Azir, Sabatier, Beer, Chopart, Royer, Makenzie e outros, attribuem seu desenvolvimento á commoção cerebral ou á alteração reflexa ou sympathica dos nervos do quinto par sobre o globo ocular. Seja como fôr, a moléstia só pôde ser materialmente explicada, quando pelo opthalmoscopio descobrirmos lesões diversas no fundo do olho ; taes como : echymoses, hemorrhagias da retina, edema peripapillar, engurgitamento das veias retinianas, escoriações e mesmo dílacerações dessa membrana, congestões do nervo óptico, 38 25 — 194 — etc, em quaesquer outras circumstancias, todas as theorias palho- genicas da amaurose consecutiva ás lesões do cérebro , são hypo- theticas. Além disso, muitas outras occasionaes intercurrentes po- dem produzil-a, e em taes condições debalde procuraríamos no encephalo a razão de ser do phenomeno. A amaurose secundaria é mais ou menos tardia ; manifesta-se ora lenta, ora bruscamente e desapparece após espaço de tempo variável. Seja qual fôr sua origem, ella é completa ou incompleta; esta ultima fôrma é lambem chamada amblyopia amaurotica. Dispensamo-nos de maiores considerações; seus symptomas, diagnostico e tratamento, não merecem estudo detalhado. Diplopia. — Igualmente freqüente, como accidente consecutivo ás lesões traumáticas do encephalo, a diplopia é ordinariamente devida a paralysias ou paresias dos nervos do 3o e 6o par craneano. Monocular ou binocular, ella se manifesta geralmente alguns dias depois do accidente, começando então o doente a vêr imagens duplas, de um ou de ambos os olhos. Nesse momento o exame ophtalmos- copico revela apenas congestões ou hemorrhagias limitadas da retina, e acompanhadas ou não de alterações insignificantes na papilla e disco óptico; o estado exterior do globo ocular é apparentemente normal, e desprezando se o valioso auxilio do ophtalmoscopio e o lestemunho do individuo, nos é inteiramente impossível nessas con- dições diagnosticar a moléstia. No entretanlo, na grande maioria dos casos, as alterações do fundo do olho são mais graves e melhor pronunciadas; o exame rigoroso patentéa dílacerações do nervo óptico ou derramamentos em seu trajecto, comprimindo-o e abolindo-lhe as propriedades vitaes ; essas lesões ora são creadas directamente pelo traumatismo, ora pelos progressos da lesão intra-craneana. Para verificarmos a existência da diplopia, devemos sempre afas- tar a imagem, alguns centímetros do globo ocular; conservando-a mui próxima, o phenomeno ou não se manifesta, ou fal-o incomple- tamente. A diplopia, uma vez combatida, pôde reapparecer algum tempo depois; nessas condições, ordinariamente encontramos uma razão material para explicar a reincidência da moléstia. Seu tratamento depende do da lesão na qual se patentéa ; su- hlatâ causa, tollitur effectus. — 195 Mydriase.— Menos freqüente do que a amaurose e diplopia, a mydriase desenvolve-se, comtudo, após traumatismos sobre a cabeça; sobre seus caracteres, de pouco interesse, não nos demoraremos, e apenas contentar-nos-hemos em repetir com Makenzie ( Traité des maladies des yeu.r, t. III, pag, 181), que esse phenomeno é de pe- quena importância, desapparecendo geralmente dentro em pouco tempo, e sendo substituído, ora por verdadeira amaurose, ora, o que é mais comrnum, por paralysia dos músculos rectos superior e inferior. 0 exame com o auxilio de um diaphragma, facilita o diag- nostico differencial. Durante a evolução das lesões do encephalo e muitas vezes de- pois, além das alterações visuaes que referimos, nota-se nos doen- les um desvio conjugado dos olhos, diverso e sem relação com o estrabismo, Esse phenomeno, que se acompanha freqüentemente de rotação da cabeça, attrahio a attenção dos pathologistas, que debalde procuram explical-o ; entre estes Prevost, em uma memória dedi- cada a este assumpto, depois de apresentar todas as theorias que a sciencia tem creado, conclue confessando não haver uma que satisfactoriamente interprete o mechanismo ou a razão de ser deste facto tão extraordinário. Diz esse autor (Dieulafoi, thèse de Paris, 1875): «Esse desvio con- jugado de ambos os olhos é muitas vezes acompanhado de rota- ção da cabeça sobre seu eixo. Quando a lesão se assesta sobre um dos hemispherios cerebraes, o desvio segue uma regra invariá- vel e constante, manifestando-se do lado opposto á hemiplegia, islo é, do lado do hemispherio doente; quando a lesão oecupa o islhmo do encephalo segue a mesma marcha, e finalmente quando a lesão é superficial e isolada, o phenomeno tem lugar do mesmo lado lesado.» Taes são as conclusões de Prevost, que não commentamos, por não havermos tido ainda occasião de verifical-as; seja como fôr, o desvio dos olhos, no dizer dos autores, geralmente passageiro, persiste em alguns casos por longo tempo, despertando a idéa de uma lesão do encephalo unilateral. Em conclusão, amaurose, diplopia, mydriase e desvio conjugado dos olhos, taes são cora a hemiopia e triplopia mono ou binocu- lar, os accidentes mais communs, que experimenta freqüentemente o apparelho da visão consecutivamente a traumatismos encephalicos; — 196 — a razão de sua existência reside quasi sempre em paralysias, creadas por alterações directas ou indirectas dos nervos craneanos do terceiro ou quinto par, algumas vezes de ambos. Apparelho da audição.—Os accidentes da audição consecu- tivos ás lesões traumáticas do encephalo, diz Dufour em sua inte- ressante these cilada, consistem ora em phenomenos subjectivos, como zumbidos, ora em perturbações mais pronunciadas, surdez, exaltações e perversões diversas. Qual a causa de factos tão insólitos ? Follin {loc. cit.) os attribue em grande parle a congestões inten- sas da mucosa da caixa do tympano, caracterisadas por injecção vascular dessa membrana. Km muitas condições, porém, é força confessar, essa explicação não satisfaz, e só em lesões do ence- phalo ou do labyrintho podemos encontrar a origem dos pheno- menos observados, tanto mais porque ordinariamente outras per- turbações puramente encephalicas as acompanham, taes como vertigens, cephalalgias, etc. Em seu gráo máximo de intensidade, o accidente constitue a surdez absoluta, dependente de desordens facilmente reconhecí- veis, quer no nervo acústico, quer nos elementos orgânicos do próprio apparelho da audição. Não dependendo de lesões materiaes produzidas directa ou indirectamente pelo traumatismo, as perturbações acústicas são rapidamenle combatidas com o uso dos antiphlogisticos e revulsivos. Ainda poderíamos estender-nos sobre o phenomeno da audição atravez da cicalriz dos operados pelo trepano, de que falia Larrey em suas lições de clinica cirúrgica e sobre o conhecido com o nome de vertigem de Menière ; esses factos, porém, não oíferecem interesse clinico, não foram ainda suflicientemenle explicados, e seria ocioso e censurável desenvolvel-os em um trabalho pura- mente pratico ; não incorreremos na censura e passamos imme- diatamente a oecupar-nos com accidentes de outros apparelhos. Apparelhos da olfação e ftustação. — Raramente compro- metidos após as lesões encephalicas, esses apparelhos oíferecem algumas vezes perturbações mais ou menos intensas, desde a — 197 — simples perversão até a abolição completa de seu funcciona- lismo. Essas alterações ligam-se geralmente a lesões dos nervos que presidem á manifestação de suas propriedades, quer por lesão directa, quer por propagação da do encephalo. Comprehendemos as duas funcções englobadamente, porque na grande maioria dos casos, ellas se aftectam simultaneamente. Era algumas observações que consultámos as vimos sobrevir, ora lenta, ora bruscamente e serem sempre devidas a lesões diversamente intensas do nervo olfativo. Larrey {loc. cit.), Nota {Arch. de médecine) citado por Dufour, referem observações curiosas de anosraia traumática secundaria, acompanhada ou não de fractura do craneo, massempre devida a uma lesão do encephalo. 0 tratamento antiphlogistico combateu a quasi sempre, salvo em dous casos onde jamais desappareceu, e zombou de toda a therapeutica empregada. V Accidentes em diversos apparelhos orgânicos Simubaneamente com as lesões do encephalo por causa trau- mática, todos os apparelhos orgânicos da economia podem e devem soffrer; consecutivamente, porém, o mesmo não acontece e apenas o apparelho ourinario conserva ou crêa alterações, que persistem longo tempo offerecendoem seu esludo grande interesse clinico.Sobre ellas unicamente nos demoraremos; as perturbações que todos os outros oíferecem dependem da fraqueza ou ausência da innervação central e eliminam-se com esta como em occasião opportuna demonstrámos. Apparelho ourinario.—De ha muito observa-se alterações funccionaes freqüentes no apparelho ourinario, como conseqüên- cia de lesões traumáticas do encephalo; nenhuma explicação, comtudo, interpretara o phenomeno, até que Cl. Bernard, em suas interessantes experiências physiologicas sobre o systema nervoso, picando o soalho do quarto ventriculo cerebral, demonstrou-o com toda a evidencja. Após Cl. Bernard, Fritz, Fischer, Schiff, Pavy, Trousseau, Brown-Séquard e Szokalsky, em memórias curiosissimas authentificaram e ampliaram as indagações desse distincto physio- logista, evidenciando factos, que, por serem do domínio universal, não reproduzimos, sobre a influencia do encephalo na producção da glycosuria. Em um artigo de seu diccionario de sciencias médicas, assim se expressa Jaccoud: « O que é certo e constante é a importân- cia desta categoria de factos, para o problema geral da glycogenia; a clinica aqui concorda perfeitamente com a physiologia, e a experiência demonstra de modo inconcusso a influencia de certas — 199 - lesões arlificiaes dos centros nervosos sobre a glycosuria ; o clinico observa e verifica o mesmo phenomeno. e, seja qual fôr a opinião que se adopte em relação ao mecanismo intermediário que liga a causa ao effeito, uma conclusão capital surge e subsiste: é a influen- cia do systema nervoso sobre a producção e evolução do assucar na economia. » Para explicar a producção do phenomeno, sob o ponto de visla que nos oecupa, diversas theorias têm sido apresentadas; citaremos as mais salientes. Szokalsky attribue a glycosuria, nas lesões do encephalo, á commoção por contra-pancada do soalho do quarto ventriculo, centro glycogenico de Cl. Bernard. Para Regnoso (Dufour, loc. cit.), o assucar, em idênticas condi- ções, é produzido pela falta de oxigenação do sangue e insuffi- ciente destruição da matéria assucarada sob a influencia do enfra- quecimento da respiração e circulação, causada pela commoção cerebral. Finalmente, segundo Cl. Bernard {Path. e physiol. du système nerveux), a circulação abdominal, augmentada pela lesão do bulbo, junto á origem dos pneumogastricos, seria a causa do excesso de assucar derramado no sangue pelo fígado super-excitado; este assucar passaria para a ourina. Para Cl. Bernard, o centro glycogenico, como já o dissemos, é o quarto ventriculo do cérebro; essa theoria em absoluto é falsa; as investigações modernas a combatem, demonstrando a presença de assucar, não só nas lesões do quarto ventriculo e mesocephalo, mas também em outras partes diversas do encephalo, sobretudo lesadas por traumatismos. Além disso, Schiff demonstra igualmente que, também como o encephalo, a porção dorso-lombar da medulla lesada, pôde ser causa de glycosuria secundaria. Seja como fôr, a glycosuria consecutiva ás lesões encephalicas é geralmente simples, embora algumas vezes tenha sido observada juntamente com polyuria e polydipsia, chegando em alguns casos mesmo, como quer Griesinger, a constituir o diabetes franco cora todos os seus terríveis caracteres. Frischer {Arch. de méd., 1862), citado por Dufour, de cuja these extrahimos grande numero das considerações que hemos feito no presente artigo, reunio grande cópia de factos que provam a - 200 - influencia dos traumatismos encephalicos sobre o desenvolvimento da glycosuria e do diabetes, e aífirma que aquella pôde sobrevir por simples abalo do systema nervoso. Trousseau confirma taes opiniões e, com elle Griesinger, Bauchet, Follin, Bérard, Chassaignac e Denonvilliers ; em 225 casos de gly- cosuria, Griesinger encontra 20 consecutivos a lesões traumáticas do encephalo, e Bauchet, em sua these, refere dezeseis observações de glycosuria, polyuria e diabetes em idênticas condições de causa. Todos esses accidentes ourinarios manifestam-se em epochas differentes ; ora acompanham a evolução da lesão primitiva, ora suecedem-lhe mais ou menos proximamente ; de ordinário, é alguns dias depois que se patenteam, persistindo por espaço de tempo variável. Si se declara francamente o diabetes, a moléstia segue uma longa marcha e termina-se quasi sempre pela morte; fora dessas condições, seu termo é favorável e facilmente obtido. PROPOSIÇÕES 38 26 SECÇÃO ACCESSORIA SEGUNDO PONTO GLYCERINA (CADEIRA DE CHIMICA ORGÂNICA) I A glycerina C6 H8 O6, descoberta por Scheele em 1779 é o pro- ducto da saponificação dos corpos gordurosos; ella é igualmente obtida das águas mais na preparação do ácido estearico. II A glycerina é o typo dos alcools triatomicos. III Chimicamente pura, a glycerina é um liquido viscoso, incolor, inodoro, de sabor assucarado e tacto unctuoso. Na temperatura de 15° tem densidade equivalente a 1,26. IV A glycerina é um excellente dissolvente dos alcalóides e seus saes, dos sulphatos de zinco e cobre, do azotato de prata, do acetato de chumbo e do chlorato de potassa; ella dissolve-se bem na água e no álcool, e é insoluvel no ether. V Na temperatura de 380° a glycerina pura distilla em grande parte; no vácuo a distillação é completa. VI Em temperatura muito elevada, a glycerina decompõe-se em productos diversos, entre os quaes figura a acroleinaC6 H4 O2. — 204 — Vil. Em contacto com uma camada de acido azotico, no lim de alguns dias de repouso, raislura-se a glycerina com o acido e fôrma, por oxydação lenta, acido glycerico. (Debus). C6H8 OHO4 = Cc H6 Os + Ha O* ' Glycerina Acido glycerico VIII Combinada com os ácidos sulphurico e phosphorico, a glycerina fôrma os ácidos sulphoglycerico e phosphoglycerico. (Pelouse) IX Aquecida com grande numero de ácidos, fôrma productos cha- mados etheres da glycerina; estes compostos neutros estão para ella, como os etheres compostos para os alcools monoatomicos. X O composto deixa de ser neutro, si so.bre a glycerina actuam ácidos polybasicos; os etheres formados são então denominados etheres ácidos da glycerina. XI Exercendo-se a combinação com o acido chlorhydrico, cream-se diversas chlorhydrinas; na reacção um ou mais equivalentes de bioxido de hydrogeneo são substituídos por numero correspondente de átomos de chloro. C6H806 C6H704C1 C6H602CP, etc. Glycerina Monochlorhydrina Dichlorhydrina XII Si simultaneamente com o acido chlorhydrico reage sobre a glycerina um outro acido qualquer, o producto é então um ether mixto, onde a um átomo de hydrogeneo substitue um radical de acido. (Berthelot.) — 205 — XIII A glycerina é o vehiculo de grande numero de soluções medi- camentosas intituladas Glyceroleos; reunida ao amido, fôrma glyceratos. XIV A glycerina é de immensas vantagens therapeuticas e seu uso muito freqüente, principalmente em affecções cutâneas. SECÇÃO CmüEGICA TERCEIRO PONTO DQS ESTREITAMENTOS DO INTESTINO (CADEIRA DE CLINICA EXTERNA) I De todo o tubo digestivo é o intestino recto o mais freqüente- mente affectado de estreitamento. II Os estreitamentos do intestino são congênitos e adquiridos ; estes reconhecem por origem quer uma ulcera dysenterica, hemorrhoidal ou cancerosa, quer hypertrophia, endurecimento ou retracção chronica do tecido sub-mucoso. III Producções estranhas ao intestino podem igualmente estrei- tal-o. IV Abaixo dos estreitamentos do intestino, a mucosa é coberta de pus ou muco-pus; acima, na extensão de alguns centímetros é injectada ou ulcerada (Gosselin), Dores violentas pelo ventre, constipação rebelde, distensão das paredes abdominaes, tympanismo, vômitos ; outras vezes evacua- ções diíficeis, dolorosas, purulentas, serosas ou mucosas, pallidez dos tegumentos, depauperamento rápido, anorexia, diarrhéa taes são os symptomas dos estreitamentos do intestino. — 208 — VI Após as perturbações funccionaes e como conseqüência destas, os estreitamentos do intestino acarretam escoriações na mucosa, fistulas, ruptura de suas paredes e peritonite super-aguda, mortal. VII O diagnostico é algumas vezes difficil, não attingindo o instru- mento explorador a sede do estreitamento : nessas condições a apalpação das paredes abdominaes presta muitas vezes grande auxilio ao diagnostico, revelando-nos a presença de um tumor duro e sensível, formado por accumulo de fezes, junto ao ponto coarc- tado. VIII O prognostico é sempre grave, freqüentemente fatal. IX Sendo accessiveis a instrumentos próprios, a dilatação gradual é o meio mais efficaz, para combater os estreitamentos do in- testino . X Esses meios deixam de ter applicação, quando a sensibilidade do intestino é exagerada. XI As incisões simples ou múltiplas são indicadas quando fôr infructifera a dilatação gradual. XII Em condições extremas de gravidade, havendo sido todos os meios improficuos, a colotomia e o ânus artificial são o único recurso para prolongar os dias do individuo. SECÇÃO MEDICA QUARTO PONTO CHLOROFORMIO CONSIDERADO PHARMACOLOGICA E THERAPEUTICAMENTE (CADELRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA) I O chloroformio, C2 H Cl3. (Chlorureto de methyla bichlorado), foi descoberto em 1831 por Liebig e Soubeiran. II O processo deste autor é o melhor para a preparação do chlo- roformio. III O chloroformio é um liquido incolor, muito movei, de cheiro ethereo particular, agradável, mais pesado do que a água, de sabor a principio acre e ardente com resaibo assucarado. Ferve a 60°8, e possue densidade equivalente a 1,48. IV 0 chloroformio é muito solúvel no álcool e no ether, pouco na água e insoluvel em certos ácidos orgânicos em estado de concentração. V Em contacto prolongado com um excesso de chloro, na tem- peratura ordinária e sob a influencia dos raios solares, o chloro- formio fôrma perchlorureto de carbono C2 Cl3. 38 27 — 210 — VI O chloroformio puro, agitado com água distillada conserva a transparência; agitado com tintura de tournesol não a enverme- lhece nem a descora ; reunido ao azotato de prata não produz precipitado; misturado com seu volume de acido sulfurico a 1,84 de densidade e agitado, sobrenada e não cora o acido; aquecido finalmente com uma dissolução de potassa ou misturado com oxydo de prata hydratado, não produz modificação alguma de côr ou volume nesses líquidos. (Soubeiran). VII Foi Sympson o introductor do chloroformio na therapeutica. VIII O chloroformio é o mais poderoso anesthesico conhecido, um antispasraodico precioso, e um revulsivo fraco. IX Na producção da anesthesia, o chloroformio obra directamente sobre os elementos nervosos. X Alguns alcalóides do ópio, administrados simultaneamente com o chloroformio, augmentam a duração da anesthesia. (Cl. Bernard). XI 0 chloroformio é empregado para produzir anesthesia nas ope- rações cirúrgicas dolorosas; internamente, como antispasraodico, contra as affecções convulsivas e nevrálgicas; topicamente, como anesthesico local. XII Nas operações que podem acarretar asphyxia e nos indivíduos predispostos á syncope, é prudente não empregar o chlorofor- mio. — 211 — XIII Salvo raras excepções, a anesthesia pelo chloroformio não deve ser completa; as inhalações serão suspensas ao terminar o periodo de exaltação. XIV A queda do pulso, dilatação das pupillas, insensibilidade abso- luta e respiração estertorosa, indicam excesso de absorpção do chloroformio. XV Prescripto internamente, o chloroformio deve sempre ser reunido a ura excipiente. XVI Nas applicações tópicas, os vapores do chloroformio devem ser directamente dirigidos sobre o ponto que se procura insensibi- lisar. HIPPOCRATIS APHORI1I 1 Ad extremos morbos, extrema remedia exquisitè optima. (Sect. 1, aph. VI.) II Ubi somnus delirium sedat, bonum. (Sect. II, aph. II.) III Ex vigília convulsio vel delirium, malum. (Sect. VII, aph. XVIII.) IV A sanguinis fluxo delirium, aut etiam convulsio, malum. (Sect. VII, aph. IX.) V Febris spasmos solvit. (Sect. IV, aph. LVH.) VI Spontanaoe lassitudines raorbos denunciant. (Sect. II, aph. V). Esta these está conforme os Estatutos. — Rio, 29 de Setembro de 1875. Dr. Caetano de Almeida. Dr. João Damasceno Peçanha da Silva Dr. Kossuth Vinelli. I3ST1DIOE PREFACK). PAGS. IlíTRODUCÇÃO...................... 1 Ia PARTE—CONSIDERAÇÕES GERAES SOBRE AS LESÕES TRAUMÁTICAS DO ENCEPHALO Etiologia e mecanismo ..*'............... 7 Anatomia pathologica................. 16 Symptomas..................... 20 Diagnostico..................... 25 Condições pathogenicas e valor semeiologico........... 29 Coma..................... 29 Alterações de intelligencia............... 32 Alterações de motilidade............... 33 Alterações de sensibilidade.............. 44 Organs dos sentidos................. 45 Diversos apparelhos orgânicos............. 47 Marcha, duração, terminação e prognostico........... 48 Tratamento.................... 50 2a PARTE—LESÕES TRAUMÁTICAS DO ENCEPHALO EM PARTICULAR Commoção do encephalo.................. 61 Anatomia pathologica e definição.............. 61 Pathogenia..................... 83 Symptomatologia................... 85 Diagnostico e prognostico................ 95 Tratamento..................... 96 Contusão do encephalo .................. 98 Anatomia pathologica................. 99 Pathogenia..................... 101 Symtomatologia.................... 102 Diagnostico e prognostico................ 111 Tratamento..................... 112 Feridas do encephalo................... 114 Feridas do cérebro por instrumentos cortantes.......... 115 Feridas do cérebro por instrumentos perfurantes......... 118 Feridas do cérebro por instrumentos contundentes......... 118 Complicações das feridas do encephalo............. 120 Corpos estranhos................... 120 Hemorrhagias.................... 125 3a PARTE—ACCIDENTES CONSECUTIVOS PRÓXIMOS ÍS LESÕES TRAUMÁTICAS DO ENCEPHALO PAGS. Compressão do encephalo................. 131 Etiologia............ . ■........ 132 Derramamentos sanguineos............... 132 Derramamentos purulentos............... 139 Derramamentos serosos................ 140 Symptomalogia................... 141 Diagnostico e prognostico................ 143 Tratamento.................... 149 Indicação do trepano................. 150 Fracturas do craneo................ 150 Corpos estranhos................. 151 Derramamentos sanguineos.............. 153 Derramamentos purulentos............... 154 Encephalo-meningite traumática............... 157 Estado agudo ou próximo................ 158 Estado chronico ou remoto................ 160 Diagnostico e prognostico................ 164 Tratamento .................... 165 Diagnostico differencial entre as lesões traumáticas do encephalo .... 174 4a PARTE.—ACCIDENTES CONSECUTIVOS REMOTOS AS LESÕES TRAUMÁTICAS DO ENCEPHALO Considerações geraes................... 180 Accidentes de intelligencía................. 183 Accidentes de sensibilidade................. 186 Accidentes de motilidade................. 189 Accidentes nos organs dos sentidos.............. 193 Accidentes nos diversos apparelhos orgânicos.......... 198 PROPOSIÇÕES Secção accessoria.................... 203 Secção cirúrgica................... 207 Secção medica................... 209 Aphorismos.................... 213 Rio de Janeiro. 1875. Typographia Universal de E & H. Laemmert, rua dos Inválidos n. 71, \