FICMDE DE MEDICIIIE DE PMMCII DO 810 DE JHEIKO DO | t f |}t pattlino ile c~r íllentcdi RlO~TrEr-jAN£SRQ Papelaria Mendes, Marques & C.—Rua do Ouvidor n. 38 1 8 9 7 DISSERTAÇÃO 1“ CADEIRA DE CLINICA MEDICA TRATAMENTO DA NEURASTHENIA PROPOSIÇOES Tres sobre cada uma das cadeiras da Faculdade TH1SE APRESENTADA Á UHIUIE MB EII ESMEIJ1 Et1IE11B pM 22 DE pUTUBRO DE 1896 E sustentada em 13 de Janeiro de 1897, sendo approvada plenamcnte PERO Br. Paulino de Avellar Werneck NATURAL DO RIO DE JANEIRO FILHO LEGITIMO DO ‘(kMnte-GOtoruC Jgpuacio- ÍWtaí E ©. r\£erneclc RIO DE JANEIRO Papelaria Mendes, Marques & C.—Rua do Ouvidor n. 38 i 896 Faculdade Medicina e àe Pharmacia io Rio:: Janeiro DIRECTOR — Dr. Albino Rodrigues de Alvarenga. VICE-DIRECTOR — Dr. Francisco de Castro. SECRETARIO — Dr. Antonio de Mello Muniz Maia. Drs. : João Martins Teixeira Physica medica. Augusto Ferreira dos Santos Chimica inorgânica medica. João Joaquim Pizarro Botanica e zoologia medicas. Ernesto de Freitas Crissiutna Anatomia descriptiva. Eduardo Chapot Prevost Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz Chimica organica e biologica. João Paulo de Carvalho Physiologia theorica e experimental. Antonio Maria Teixeira Matéria medica, Pharmacologia e arte de formular. Pedro Severiano de Magalhães Pathologia cirúrgica. Henrique Ladisláo de Souza Lopes Chimica analytica e toxicologica. Augusto Brant Paes Leme Anatomia medico cirúrgica. Marcos Bezerra Cavalcanti Operações e apparelhos. Antonio Augusto de Azevedo Sodré Pathologia medica. Cypriano de Souza Freitas Anatomia e physiologia pathologicas. Albino Rodrigues de Alvarenga Therapeutica. Luiz da Cunha Feijó Júnior Obstetrícia. Agostinho José de Souza Lima Medicina legal. Benjamin Antonio da Rocha Faria Hygiene e mesologia. Antonio Rodrigues Lima Pathologia geral. João da Costa Lima e Castro Clinica cirúrgica—2? cadeira. João Pizarro Gahizo Clinica dermatológica e syphiligraphica. Francisco de Castro Clinica propedêutica. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro Clinica cirúrgica — 1? cadeira. Erico Marinho da Gama Coelho Clinica obstétrica e gynecologica. Hilário Soares de Gouvêa Clinica ophthalmologica. José Benicio de Abreu Clinica medica—2? cadeira. João Carlos Teixeira Brandão Clinica psychiatrica e de moléstias uer vos as. Cândido Barata Ribeiro Clinica pedriatica. Nuno de Andrade Clinica medita—1? cadeira. LENTES CATHEDRÁTICOS Dus. : 1? Secção Tiburcio Valeriano Pecegueiro do Amaral. 2’.' ,, Oscar Frederico de Souza. 3? ,, Genuine Marques Mancebo e Luiz Antonio da Silva Santos. 4? ,, Philogonio Lopes Utinguassú e Luiz Ri- beiro de Souza Fontes. 5? ,, Ernesto do Nascimento Silva. 6? ,, Domingos de Góes e Vaseoncellos e Fran- cisco de Paula Valladares. 7? ,, Bernardo Alves Pereira. 8? ,, Augusto de Souza Brandão. 9H ,, Francisco Simões Corrêa. 10? „ Joaquim Xavier Pereira da Cunha. 11? ,, Luiz da Costa Chaves Faria. 12? ,, Mareio Filaphiano Nery. N. B. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas. LENTES SUBSTITUTOS P RO EM IO E’ admiravelmente espantosa a fórma pela qual se faz diariamente o enriquecimento da neuropatho- logia, deixando marcada de modo bem triste a época que atravessamos ! Como se não fosse bastante o o-rande contingente que nos fornece diariamente o progresso em suas va- riadas formas de desenvolvimento para a creação das nevropathias, acarretando ao esgotamento as mais solidas constituições nervosas, encontramos a cada passo outras innumeras causas, perfeitamente dispen- sáveis,, geradas no proprio modo de ser do nosso meio social, em que temos a lamentar uma mal cotnprehen- dida e viciosa educação. Embora já bastante esparsas e com tendências ao alargamento de seus domínios, as nevropathias não constituem apanagio exclusivo da epocha actual, tendo sido dado aos nossos antepassados o gozo deli- cioso de uma perfectibilidade ideal. Se quizermos pas- sar em rapida revista a historia pregressa, da patho- logia nervosa iremos encontrando os factos bastante conhecidos e desoladores da idade média, unicamente diversos nas manifestações, do modo de ser actual. 2 Terríveis e isoladas, as nevropathias dos tempos passa- dos eram excepcionaes; nos tempos presentes, porém, o que ellas perderam em violência ganharam em diffu- são—são mais benignas mas muito mais espalhadas. Quanto mais complicada é a estructura de um orgão e quanto mais complexa e delicada é a sua funcção, tanto menos resistência vital oppõe ás diffe- rentes causas de destruição. E’ assim que o nosso sys- tema nervoso, em um estado de tensão permanente em que se acha e sempre solicitado, pelas actuaes con- dições de existência que nos cercam, não tardará e terá forçosamente, como consequência inevitável, que ceder ao menor excesso que virá actuar como a gotta cl'agua no copo cheio. E’, de observaçãoque o augmento progressivo do numero de nevropathas é correlato do desenvolvi- mento da civilisação e, tendendo sempre a crescer, já pela permanência das causas que o determinaram, já pela transmissão hereditária que se dará fatalmente, não estaremos longe da verdade se avançarmos que chegará um dia em que o numero de nevropathas so- brepujará o de homens sãos. A vida moderna, melhor que a de outro tempo qualquer, offerece campo vasto ao desenvolvimento de grande numero de nevropathias pela volubilidade com que se manifesta. Perfeitamente comparável ao kalei- doscopio, atravez o qual observamos ás bellas forma- ções súbitas succederem as mais desastrosas e extra- vagantes, a vida de hoje o que apresenta de mais es- tável é a sua instabilidade. 3 Das modificações bruscas e radicaes nas condi- ções de existência creadas pelas grandes difficuldades de occasião resulta o augmento sensível das per- turbações nervosas entre nós, animando-nos a tomar para assumpto de nossa dissertação o tratamento de uma d’essas nevroses que ameaça dominar o nosso meio social. Longe de pretendermos sujeitar á critica pela vez primeira uma novidade sobre o tratamento da neu- rasthenia, o facto de termos sido interno por bem tempo do Estabelecimento Hydro-Electrotherapico dos Drs. Avellar Andrade e Werneck Machado, onde tivemos occasião de nos occupar largamente do trata- mento de doentes d’essa nevrose, leva-nos a crer que é do nosso dever sujeitar á apreciação dos mestres os factos de nossa observação cuidada, tratando-os em o nosso trabalho de estréa. Como meio de nos approximarmos de uma boa norma e desejoso de seguirmos uma dissertação me- thodica tomámos a resolução de dividir o nosso tra- balho em tres partes, da fórma seguinte : em uma pri- meira parte procuraremos tratar da moléstia de um modo geral, apresentando algumas considerações so- bre as differentes fôrmas clinicas; em uma segunda parte trataremos do assumpto que dá o titulo ao nosso trabalho e fmalmente em uma terceira parte apresen- taremos algumas observações colhidas durante o nosso tempo de internato. DISSERTAÇÃO PRIMEIRA PARTE Da neurasthenia Occupando lugar proeminente no capitulo das sciencias medicas consagrado á pathologia nervosa, a neurasthenia, sob o mesmo aspecto proteiforme, pro- tegida por uma denominação nova, apresenta-se atre- vida avassallando assustadoramente o nosso mundo social. Na hora adeantada de um século de luzes em que toda a gente pondo em contribuição a maior somma de actividade em favor de uma ambição descura do preparo necessário a essa luta ingente, o desenvolvi- mento progressivo da nevrose faz crer na existência de um mal novo resultante de um excesso de civi- lisação. Si bem que diversa de hoje, a luta pela existenciá que fórma uma das múltiplas causas productoras do mal, existe de todo o tempo, portanto nada tem de novo a moléstia que nos occupa a não ser o nome e maneira de manifestar-se, de modo a crear aos autores antigos sérios embaraços de descripção. 8 A neurasthenia não é portanto um mal recente produzido pela surmenaee intellectual inherente á vida social e á civilisação hodiernas nem, como queria Beard, uma moléstia própria dos americanos — ella attinge indistinctamente a todos os povos, a todas as raças e a todas as camadas na ordem social. Tirada por Beard á protecção do vago e mal de- finido grupo do nervosismo, a neurasthenia é uma mo- léstia geral do systema nervoso, traduzindo-se por uma fraqueza irritável, um esgotamento persistente dos centros nervosos, deixando ignoradas a sua na- tureza e o seu mecanismo. Apezar do polymorphismo symptomatico, as per- turbações as mais disparatadas com que se apresenta e os differentes modos de associarem-se os phenome- nos, a moléstia de Beard é sempre acompanhada por um certo numero de symptomas geralmente tres dos seis a que o professor Charcot chamou stygmas da neurasthenia. Tão antiga quanto a medicina, a neurasthenia teve em Hippocrates um observador que descreveu com alguma clareza e precisão para o seu tempo os seus principaes symptomas. E’ assim que elle descre- vêra uma moléstia que se caracterisava pela insomnia, anciedade nervosa, dijjficuIdades na respiração, dores de cabeça, fraqueza das pernas, perturbações dyspepti- cas, etc., que constitue hoje mais ou menos a sympto- matologia classica da neurasthenia. Galeno, grupando essa serie de manifestações atiradas ao acaso no quadro das “ affecções internas ”, 9 filiava mais tarde á hypocondria todos esses estados nevropathicos e dava papel importante na genese da moléstia aos orgãos situados nos hypochondrios e, attribuindo ao atrabile enviado ao cerebro pelos or- gãos ahi contidos as suas desordens, faz com que se tornasse o precursor das theorias modernas da enteroptose de Glenard e da auto-intoxicação de Bouchard. Sob denominações diversas muito se tem escripto desde Galeno até nossos dias e não muito affastados de nós vamos encontrar autores que, descrevendo os proprios symptomas da moléstia, parecem indicar en- tidades mórbidas diversas: assim vemos a Irritação spinal de Stilling, nevralgia geral de Walleix, ne- vropathia cerebro-cardica de Krischaber, moléstia ce- rebro-gastrica de Leven, etc. Apezar do impulso fornecido por cerebros os mais bem formados ao estudo clinico d’essa forma de manifestações nervosas, é comtudo ás observações cuidadas de Beard que devemos a phase com que se nos apresenta hoje a neurasthenia gozando da auto- nomia de entidade mórbida distincta, independente, com seus limites clínicos bem estabelecidos. Chegamos finalmente a Charcot, que, começando as suas lições sobre a moléstia de Beard, em 1887, na Salpetrière, deixa vestígios de sua passagem atravez a historia clinica da moléstia, descrevendo como fizera para a hysteria, alguns signaes quasi constantes, ser- vindo de ponto de reparo para o diagnostico em meio de numerosas perturbações funccionaes que acompa- nham a entidade mórbida e a que elle chama “stygmas da neurasthenia”. Uma vez postas as bases para a edificação dia- gnostica, não podemos consentir que a neurasthenia continue a constituir o refugio onde se esquadre toda sorte de manifestações nervosas de natureza vaga e indefinida, em que ha difficuldade da sua inclusão em um typo nosographico conhecido. Esse diagnostico para ser formulado exige uma certa somma de dados, sem os quaes a denominação de neurasthenia é inadmissível, principalmente quando é feito pela exigencia da necessidade de fazer um dia- gnostico. Destruídas as poderosas barreiras que se manti- nham erguidas como linha divisória das differentes classes da sociedade, fazendo com que a cada indivíduo fosse apenas permittida a estreiteza de uma esphera em que o acaso os collocára e sob a protecção do lemma ideal da igualdade, uma nova phase se mostra em que tudo é accessivel a todos. Do alargamento da área primitivamente circum- scripta a um pequeno numero de indivíduos, nascem em todas as organisações as idéas grandiosas da .ambição. Grande somma de preoccupações, a movimenta- ção constante exigida pelas condições de existência, os revezes de fortuna, etc., e como corollario a exal- tação do gráo de impressionabilidade, taes são as condições inherentes á vida hodierna que exigem grande dispêndio de força nervosa. E’ portanto nos proprios accidentes da vida mo- derna, auxiliados pelos múltiplos defeitos da educação, que vamos encontrar os principaes agentes producto- res de grande numero de moléstias nervosas, das quaes a neurasthenia occupa a primeira plana, mere- cendo que a chamem ?nolestia do século e mais pitto- rescamente moléstia da ?noda. O esgotamento nervoso é a condição etiogenica indispensável e primeira na manifestação da neuras- thenia. Para que um indivíduo seja attingido pelo mal é portanto necessário que um certo numero de causas, actuando sobre elle, o façam predisposto e essa predisposição ou póde acompanhal-o desde sua manifestação vital primeira constituindo a predispo- sição congénita ou hereditária, ou é puramente acci- dental, sorprehendendo o indivíduo no seu melhor es- tado de saúde. Gozando papel preponderante na etiologia das diversas moléstias nervosas, a herança não tem esse valor imprescindível tratando-se da neurasthenia. E’ assim que a observação diaria nos mostra indivíduos neurasthenicos que na historia de seus antecedentes nada existe que possa explicar a influencia hereditária. Nas fôrmas graves da moléstia a herança existe quasi sempre e sob a forma de herança de transfor- mação, succedendo a nevropathias diversas e mesmo, segundo Huchard, ao rheumatismo e á gotta, que pertencem á grande familia nevropathica. O Dr. Vigouroux acaba de editar em Paris em 1893 um trabalho que tem por titulo—neurasthenia e arthritismo-—em que elle affirma a relação intima que existe entre essas entidades mórbidas considerando arthritico todo neurasthenico. Si bem que elle não considere o arthritismo como unica condição suffi- ciente, acha entretanto que é causa predisponente quasi indispensável. Ao lado do elemento etiologico representado pela herança vamos encontrar a cada passo causas que actuando sobre o systema nervoso, cream a pre- disposição á moléstia de Beard que irromperá de certo em todo o organismo em que o equilíbrio não se puder manter compensando os grandes dispêndios que o funccionalismo excessivo acarreta. E’ nas condições particulares e nas necessidades sociaes da vida moderna que encontramos mais fre- quentemente as circumstancias que representam as causas predisponentes á manifestação da neurasthenia. Nos grandes centros de população onde uma grande massa se agita impellida pela necessidade de viver, sujeita a toda a sorte de excitações, é ahi que encontramos profusamente espalhados os elementos etiologicos do esgotamento nervoso. Em face da herança vem geralmente collocar-se a educação viciosa commum, que tomando uma outra direcção melhor comprehendida viria modificar grande numero de manifestações de pouca gravidade. A nossa educação actual é dirigida de modo a desenvolver de modo exagerado as funcções do sys- tema nervoso acarretando-o ao esgotamento pelo seu excessivo funccionalismo. Desde a primeira idade a sollicitude materna cega e pouco intelligente, cercando a creança de ex- cessivos cuidados e de precauções descabidas, longe de protegel-as contra as funestas influencias do meio exterior, vem de modo notável, favorecer o depau- peramento de suas forças tornar-lhe de facil impres- sionabilidade abrindo por essa fórma um campo pro- picio ás manifestações neuropathologicas. Mais tarde, os defeitos de nossas casas de educação onde a educação physica é descurada, as attitudes viciosas, a sobrecarga intellectual precoce e os funestos effeitos do contagio moral completam o terreno de longa data preparado para, por occasião da época da puberdade em que novas sensações nascem e mal regradas, dar entrada a essas manifestações mórbidas. Passada essa idade primeira o indivíduo chega a idade adulta e ahi, grande somma de elementos de ordem physica e moral actuando sobre seu organismo diminuem de modo considerável a resistência do seu apparelho nervoso tornando-o facilmente accessivel á moléstia de Beard. Alcançado o outro período da vida em que cada um desenvolvendo maior somma de actividade, pro- cura por todos os meios elevar-se e elevar-se mais, as causas etiologicas augmentam e a ambição, a luta pela vida, o orgulho occupam a primeira plana entre as causas existentes no ambiente social. Si bem que o esgotamento nervoso não seja apanagio exclusivo das classes em que a cultura intel- lectual é sublimada, é comtuclo a sobrecarga do cerebro a causa maior do depauperamento nervoso. Sciencias, letras, artes, industrias etc., diariamente enriquecem as paginas das estatísticas e a observação demonstra que as profissões liberaes, aquellas em que grande cópia de trabalho intellectual é empregada são justa- mente as que mais concorrem para a explosão da nevrose. Em busca de uma posição saliente, de um nome respeitado, de uma descoberta, etc., o indivíduo não trepida em entregar-se a longos estudos, a medi- tações prolongadas ; sua tensão intellectual se exagera a excitação é grande e como consequência diminuição de horas de repouso, o som.no diminue e desde o mo- mento em que a fadiga não seja compensada o equi- líbrio rompe-se. E’ muito commum entre os estudantes a mani- festação da nevrose de Beard. em nossas differentes escolas, não é raro observarmos rapazes que chegados ao termo de suas aspirações, prestes a entrar com collocação nobre para a sociedade, sobrecarregados pelo accumulo de trabalho já preoccupando-se, com a sua vida de responsabilidades futuras, são verda- deiros esgotados. O accumulo de matérias, a duvida no successo das provas por que tem que passar, muitas vezes as diffi- culdades pecuniárias com que se vêm a braços, taes são as causas frequentes da neurasthenia n’esta classe. A classe medica paga largo tributo á nevrose pelas múltiplas condições inherentes á própria profissão. Além das innumeras causas que rápido passamos em revista, de ordem physica e intellectual, temos as de ordem puramente moral representadas pelas emo- ções vivas e pelas paixões depressivas. A poderosa acção que produz uma emoção viva e inesperada sobre os indivíduos dotados de grande im- pressionabilidade é bastante conhecida: basta dizer que o medo póde matar e é justamente o medo que vamos encontrar frequentemente como factor de gran- des nevroses. O habito frequente que existe de provocar ò ter- ror nas creanças com o fim de intimidai as, já para obedecer a uma ordem já para incutir-lhes no espirito os dogmas de uma religião etc , é bastante conhecido e seus effeitos funestos não são também ignorados. As paixões depressivas têm uma influencia fu- nesta sobre o systema nervoso e sobre ellas não temos necessidade de insistir, porquanto não existe ninguém que, tendo passado pela vida, não tenha experimentado um desgosto pequeno ou grande. A perda de um pa- rente, d’um amigo, uma enfermidade repugnante, os revezes da fortuna, as decepções do jogo etc., são causas muito communs do esgotamento nervoso. Bouchut, em seu livro Du nervosisme aigu et chronique, descreve muito bem as causas principaes que predispõem á neurasthenia e se exprime do modo seguinte: “ Toutes les passions, surtout celles que l’on qualifie si justement de passions depressives, celles que le remords, la jalousie, la haine, 1’envie e 1’avarice, les chagrins prolongés produits par la perte d’un en- fant ou d’un ami, par les revers de fortune, par les de- ceptions de jeu, de 1’ambition politique determinent des resultats à peu près semblables. Toutes ces impressions morales altèrent notable ment la santé, et de 1’etat dyspeptique qu’elles engen- drent dabord, a la faiblesse qui les suit et qui amène le nervosisme aigu ou chronique, il n’y a qu’un pas. En effet, le nervosisme avec les maladies nerveu- ses quil engendre est la maladie du siècle. C’est la souffrance des jolies femmes qui s’ennuient et des fem" mes qui commencent à vieillir. C’est aussi la maladie des gens de lettres absorbés dans le travail et la me- ditation. C’est la maladie des ambitieux, des gens qui perdent leur fortune en voulant aller trop vite ; c’est enfin une des formes de la fievre des esprits mo- dernes entrainés par la soif du gain et le desir des pouissances materielles. E’ precisamente pela frequência de abalos a que nos sujeitamos na vida de nossa época que o nosso systema nervoso tem tantas occasiões de succumbir. De um modo geral não podemos abandonar o papel etiologico saliente representado pelas diversas moléstias geraes e locaes na genese da moléstia de Beard e a acção deprimente de toda moléstia sobre o systema nervoso é facto conhecido. Na parte que diz respeito ao papel da idade na etiologia da neurasthenia verifica-se que é a idade adulta aquella em que commummente se observa; entretanto, como fez observar Charcot, ella existe também na infancia, mas raramente. O sexo nada influe, e parece-nos ser tanto o mas- culino como o feminino sujeito á manifestação da ne- vrose ; em vista, porém, das cansas a que se expõe mais commummente o homem, encontradas nas con- dições de vida, nos hábitos e mesmo no funccionalis- mo orgânico que differem em muito da mulher, nós vemos neste sexo o seu maior dominio. Como dissemos em começo do nosso trabalho, todos os povos, todas as raças e todas as classes são susceptiveis de esgotamento nervoso, porquanto toda sorte de fadiga em qualquer genero de trabalho póde produzir a sobrecarga. Se quizermos passar em revista uma a uma todas as causas do esgotamento a que nos sujeitamos te- ríamos que reproduzir aqui a historia de nossos cos- tumes actuaes; nossa actividade, nossa fadiga, nossas grandezas e nossas misérias moraes, nossos vicios, nossos excessos e nossas incontestáveis virtudes. Dei- xamos entretanto essa parte aos moralistas. Terminando, portanto, o expositivo perfunctorio das causas que entram na etiologia da moléstia de Beard e encontrando entre nós essas causas de um modo abundante e em crescente divulgação, applica- remos para o Rio de Janeiro a phrase com que Ziems- sen se referio á Rússia: “em nenhuma cidade do mundo encontra-se tantos cerebros gastos antes de tempo, tantos jovens velhos. Modalidades clinicas — Si bem que o esgota- mento nervoso seja uma entidade mórbida nosogra- phicamente bem delimitada e que graças a Charcot tem hoje os seus caracteres bem definidos e os seus limites bem estabelecidos pela descripção que fez dos seus stygmas, o varjado dos seus symptomas, a volu- bilidade das suas manifestações, os seus differentes modos de associação imprimindo-lhe o cunho protei- forme que lhe reconhecemos, tem creado aos trata- distas sérios embaraços quando pretendem descrever as suas differentes fôrmas clinicas para bem caracte- risar a moléstia e facilitar-nos o diagnostico. O Attendendo, ora á predominância de alguns dos phenomenos morbidos, ora á influencia decisiva de certas condições etiologicas que com effeito imprimem á nevrose uma physionomia especial, cada autor que tem tomado a si a descripção clinica da neurasthenia apresenta a sua classificação que nos parece de ac- cordo com os factos clínicos dominantes da observação pessoal o que se advinha pelo desaccordo com que cada um se manifesta. Não nos sentimos competente para fazer uma critica de todas as classificações que têm sido pro- postas por todos os autores para distinguir clinica- mente a moléstia de Beard. entretanto, o nosso em- baraço é grande na escolha de uma delias, tal é o desaccordo que entre ellas é manifesto. Assim se veri- fica reunindo aqui todas as classificações dos autores que a isso se entregaram. Beard—Considerava 7 variedades clinicas : cere- 19 brasthenia, myelasthenia, fórma gastrica, fórma genital neurasthenia traumatica, hemineurasthenia. hystero- neurasthenia. Bouveret—Estuda a neurasthenia cerebro spinal, neurasthenia cerebral, neurasthenia spinal, neura- sthenia aguda, neurasthenia hereditária, neurasthenia feminina, neurasthenia genital, hystero neurasthenia, e hystero neurasthenia traumatica ; ao todo 9 fôrmas clinicas diversas. Levillain — Faz a sua classificação de accordo com a predominância de certos symptomas ou segundo as causas etiologicas predominantes e assim descreve 13 modalidades da nevrose:—Fórma cerebro spinal commum, hemineurasthenia, cerebrasthenia, myela- sthenia, neurasthenia cerebro gastrica, neurasthenia cerebro cardiaca, nevrose gastrica e neurasthenia sexual de Beard como variedades clinicas; neura- sthenia traumatica, hystero neurasthenia, neurasthenia hereditária, neurasthenia feminina e neurasthenia dos homens e dos operários como variedades etiologicas. Blocq—descreve uma neurasthenia geral em que não ha predominância de symptoma algum e mais a neurasthenia cerebral, spinal, sympathica e peri- pherica de accordo com os symptomas predominantes, produzindo assim 5 typos clínicos diversos. Mathieu — Entende considerar uma neurasthenia simples evoluindo independente de stygmas super- postos de outras nevroses e também baseado na pre- dominância de certos symptomas sobre tal ou tal parte do systema nervoso ou sobre tal ou qual apparelho elle descreve 7 typos, sendo 4—neura- sthenia cerebro spinal, neurasthenia cerebral, neura- sthenia spinal e neurasthenia peripherica com pre- dominância sobre o systema nervoso e 3 com predominância sobre os diversos apparelhos: neu- rasthenia dyspeptica, do apparelho digestivo, neu- rasthenia cardíaca, do apparelho circulatório e neura- sthenia genital do apparelho genito urinário. Em segfundo limar elle descreve a neurasthenia ligada a signaes de degeneração hereditária e em terceiro lugar elle occupa-se da neurasthenia super- posta a symptomas de estados nevropathicos diversos e descreve a hysthero neurasthenia. Georges Guinon - Divide as fôrmas da neuras- thenia em duas debaixo do ponto de vista de sua evolução e considera uma neurasthenia que se cura mesmo chegada a um certo gráo de gravidade, é a neurasthenia accidental ordinariamente gerada pela fadiga, sobrecarga emoções etc.; e uma outra incurável é a neurasthenia hereditária, de desenvolvimento precoce, muitas vezes na adolescência com exagero dos phenomenos de depressão cerebral. Ao lado dessas duas fôrmas estabelecidas debaixo do ponto de vista de sua evolução elle descreve ainda 8 typos clinicos seguintes : fórma cerebral, fórma spinal, fórma cerebro spinal que elle considera como associação das duas fôrmas precedentes, fórma gastrica fórma gastro intestinal, fórma genital, hemineurasthe- nia e neurasthenia locaes de Huchard e Weill nas quaes exclusivamente um symptoma chama aattenção. 2 I Pela divergência de vistas que notamos entre todos os autores nesta parte de descripção clinica, da neurasthenia podemos nos aperceber da difficul- dade que existe na organisação satisfatória de um quadro clinico completo e com seus limites bem estabelecidos. Cada autor que disso se tem occupado, baseado na predominância de um symptoma que se salienta na scena mórbida, tem estabelecido a sua classificação de accordo com os phenomenos que observa. Ora, os symptomas da moléstia de Beard são múltiplos e 'o seu modo de associação innumeros. Para estabelecer portanto um quadro em que a classificação clinica fosse completa e impeccavel, se- guindo o preceito que tem sido adoptado, seria neces- sário não esquecer um só dos symptomas d’entre os múltiplos que podem acompanhar a manifestação da nevrose. E ainda mais, acompanhando o exemplo de Levillainque além das variedades clinicas propriamente ditas descreve as variedades etiologicas, teríamos, para sermos completo, que descrever tantas fôrmas quantas fossem as causas etiologicas da moléstia. D’ahi, a desharmonia nas classificações apre- sentadas que peccam ou por exageradas ou por defi- cientes. De facto, se tomarmos como ponto de partida a classificação elaborada pelo espirito clinico mara- vilhoso de Beard veremos que ella recente-se de lacunas que a tornam insufficiente parecendo ter sido trabalhada tendo em vista a predominância das per- turbações symptomaticas e de certos apparelhos. 22 Considerando elle uma fórma genital, uma fórma gas- trica, não nos parece justo esquecer uma fórma cardíaca. Bouveret descreve uma fórma agúda de accordo com a gravidade e modo de evolução dos symptomas, entretanto não falia de uma neurasthenia chro- nica, etc. Diante da diversidade de classificações crean- do-nos embaraços na escolha, a ligação intima que existe entre os differentes symptomas que caracterisam cada fórma clinica leva-nos a acreditar na possibili- dade da reducção do numero dessas formas clinicas baseando-nos no facto unico de ser a neurasthenia um estado morbido de dependencia nervosa. Ora, todas as manifestações symptomaticas existentes para o lado dos differentes apparelhos na moléstia de Beard correm por conta das perturbações do funccionalismo nervoso, portanto não vemos necessidade dos typos clínicos formados conforme a proeminência dos phe- nomenos morbidos neste ou naquelle apparelho con- stituindo as fôrmas gastrica, cardíaca etc. Sómente tres typos clínicos são bastantes para abraçar todas as fôrmas clinicas que têm sido propostas : A fórma cerebral quando ha predominância de perturbações ligadas á alteração funccional desse centro—a fórma spinal com predominância dos phenomenos medullares e a fórma mixta que como a palavra indica é reservada aos casos mais completos e complexos em que as duas fôrmas precedentes se associam. SEGUNDA PARTE Tratamento Do tratamento em geral—Si, para a instituição therapeutica a cada caso clinico que se nos apresenta, temos em vista o doente e não a moléstia de que é por- tador, d’onde o adagio commum “ ha doentes e não moléstias ”, tratando-se da neurasthenia e em geral das nevroses, um tratamento systematico não pód-e ter cabimento e o clinico terá que dirigil-o de accordo com a observação quotidiana de cada doente, tendo em vista a diversidade de fôrmas pela qual a nevrose se pode apresentar. Na impossibilidade de estabelecermos regra fixa, um tratamento systematico em que possamos depositar confiança segura preenchendo todas as condições de uma therapeutica efficaz, nos subordinaremos aos re- cursos vários de que o clinico poderá lançar mão, mos- trando a nossa predilecção pelos meios ensinados pela nossa observação como mais capazes de contrapôr-se ás differentes manifestações da neurasthenia. De todas as moléstias do apparelho nervoso é sem duvida a nevrose de Beard aquella onde a in- fluencia do moral sobre o physico exerce o seu maior papel, tendo em vista já a susceptibilidade do já a sua tolerância pelos differentes meios therapeu- ticos exigindo da parte do clinico que o acompanha uma observação paciente, um espirito attento e per- scrutador. Antes da prescripção de qualquer tratamento e para que possamos contar com seu exito é necessário que o medico saiba captar a sympathia e a confiança do seu doente e por essa fórma exercer sobre elle in- fluencia incontestável. Para attingir esse desideratum deve o medico re- lacionar-se com o seu doente, procurando interessa- damente collocar-se ao par de todas as suas condições de vida e depois de ouvil-o attentamente na descripção da sua historia e soffrimentos, o que elles fazem mi- nuciosamente, constituindo um verdadeiro symptoma infallivel nos portadores dessa nevrose, fazer-lhe mi- nucioso exame, convencendo-o por essa forma de que foi sufficientemente examinado, nada tendo escapado ao clinico. Uma vez convencido de que fora conveniente- mente examinado, com mais facilidade o doente rece- berá bem a indicação formulada e cumpril-a-á com mais persistência, o que não é muito facil de se obter. A grande tendencia que tem essa variedade de doentes a raciocinar sobre o seu estado, a estudar a moléstia de que está affectado, a discutil-a mesmo e a inconstância com que se submette aos diversos tra- tamentos, ouvindo a opinião de differentes facultativos, ao mesmo tempo que não segue com regularidade uma prescripção therapeutica, é bastante observada como causa de retardamento da cura. A primeira condição, portanto, para o resultado feliz de qualquer indicação therapeutica é a perseve- rança no tratamento, o que se obterá facilmente de- pois de adquirida autoridade sobre o moral do doente, submettendo-o á vontade do medico. Vários têm sido os recursos até hoje propostos para o tratamento da moléstia de Beard; entretanto, a observação de cada dia tem demonstrado que esses devem resumir-se aos meios geraes que se proponham a levantar as forças, actuando sobre a nutrição e in- nervação conjunctamente e meios especiaes applica- veis a cada caso particular em que procuramos com- bater uma fórma, um symptoma da moléstia. Para obtermos a cura de um neurasthenico, duas são as indicações geraes que temos a preencher : em primeiro lugar procuraremos tanto quanto possível affastal-o das causas determinantes da nevrose e do meio em que vivem, se nesse meio existirem essas causas; em segundo lugar, devendo o nosso trata- mento ser dirigido a uma desordem psychica, como geralmente succede nesses doentes, não nos devemos esquecer do tratamento moral ao lado dos diversos meios physicos. Ouanto ao tratamento pelas indicações pharma- ceuticas, collocal-o-emos em lugar bastante affastado, como recurso de pouca valia a lançar mão para com- bater algum phenomeno que, por muito rebelde, possa obstar o resultado dos outros meios. A respeito do tratamento pharmacologico para a neurasthenia julgamos, para manifestar nosso modo de sentir, dever reproduzir aqui a expressiva phrase de Tissot: “ on peut se montrei grctnd practicien sans ordonner de medicaments ; le meilleur remede est son- vent de rien prescrire ancun. Resumindo, dividiremos o tratamento em trata- mento moral, aquelle de quejá fallámos, em que o me- dico procura exercer sua influencia sobre seu doente, captando-lhe a sympathia e a confiança; tratamento pelos agentes physicos e em ultimo lugar, unicamente como meio palliativo e puramente occasional e sym- ptomatico, o tratamento medicamentoso. Como agentes therapeuticos physicos faremos o estudo detalhado da hydrotherapia e electrotherapia que, ou applicados isoladamente um ou outro, ou ap- plicados conjunctamente em auxilio mutuo, constituem, em nosso modo de vêr, recursos poderosos e únicos capazes de lutar de frente com as sorprezas apresen- tadas pela moléstia de Beard. Hydrotherapia—Após um periodo puramente empírico em que as suas praticas eram exercitadas sem methodo e sem formulas racionaes, a hydrotherapia ha quasi meio século vio os seus limites traçados, as suas regras bem estabelecidas e a sua acção physiolo- gica bem estudada, attingindo na hora actual o gráo elevado de verdadeira sciencia de utilidade superior. Se passarmos uma revista retrospectiva, iremos encontrar a origem da hydrotherapia perdendo-se nas paginas da historia tendo o emprego da agua, quer sob o ponto de vista da hygiene quer como meio the- rapeutico, gozado papel preponderante na evolução dos povos primitivos. Já nas cerimonias religiosas do Egypto, vários séculos antes de Christo, tanto entre os Persas como entre os Hebreus, os padres e os prophetas tinham entre as mãos, como symbolo, um vaso cheio d’agua. Fieis aos preceitos e recommendações traçados por Moysés, os Hebreus faziam o uso constante das abluções. Foi sómente no V século antes de Christo, século de Pericles, que com Hippocrates appareceram os primeiros escriptos sobre as qualidades da aguà e sua utilidade em differentes moléstias. Não tendo sido nunca atirada ao abandono, o uso da agua acompanhando os povos em sua evolução tem sido trazido até os nossos dias atravessando e experimentando phases diversas de enthusiasmo e de esquecimento. E’ assim que no XVIII século Frede- rich Hoffman, na Allemanha, faz vir á luz da publici- dade o seu trabalho intitulado — De aqua medicina universali— em o qual demonstra que o uso da agua mtus et extra é o remedio para todas as moléstias tanto agudas como chronicas, obstrucções das vísceras, a nephrite, a gotta, o escorbuto, as febres diversas etc. Considerando elle as moléstias como resultado da obstmcção dos orgãos pela impureza e pela stagnação dos humores, não podia comprehender medicação su- perior a esta que actuava, no seu dizer, como dissol- vente universal. Mais tarde ainda o mesmo Hoffman publica um segundo trabalho com o titulo—De aqucefrigidezpotu salutari, no qual elle torna publico o resultado co- lhido pelo emprego da agua fria na febre biliosa, cholera, etc Apezar do enthusiasmo com que alguns médicos procuravam fazer executar a hydrotherapia nas diffe- rentes moléstias, as suas applicações continuavam sempre dominadas pelo empirismo de então. Apezar de todos os trabalhos apparecidos estabe- lecendo a hydrotherapia sobre bases experimentaes e scientificas, não podemos negar que este methodo therapeutico teria cahido no esquecimento, se um sim- ples camponez, oriundo de humilde aldêa da Silesia, não tivesse se encarregado da vulgarisação desse meio therapeutico, hoje introduzido na pratica da medicina despertando a attenção dos doentes e a indifferença dos médicos. V. Priessnitz, nascido em GraAenberg, que se- gundo a opinião de uns, do professor Fleury por exemplo, recebera uma boa educação e segundo outros como Scoutteten que o conhecera, era um ignorante que apenas sabia ler e escrever, entregava-se ao trata- mento pela agua fria, dos animaes confiados á sua guarda. Sobre o motivo pelo qual Priessnitz fora levado a praticar a hydrotherapia em tão larga escala e á di- vulgação de seu methodo varias são as hypotheses correntes e existentes nos livros de hydrotherapia das quaes referirei a seguinte: em uma queda que levara de um cavallo que montava, Priessnitz fora victima de graves contusões e da fractura de duas costellas ; de- pois de ouvida a opinião de diversos cirurgiões de seu paiz que declararam que nunca se daria a conso- lidação; elle toma a resolução de applicar em si o tratamento pela agua fria que dava aos animaes e coaptando os fragmentos e immobilisando-os por meio de uma facha que elle tinha o cuidado de humedecer constantemente teve occasião de verificar o feliz resul- tado de sua experiencia, curando-se em pouco tempo. Esta cura, que no dizer de Fleury, nada de extra- ordinário apresentaria ao espirito de um medico, feriu vivamente a imaginação de Priessnitz fazendo com que elle se dedicasse com verdadeiro ardor ás suas pesquizas sobre os effeitos geraes produzidos pelo frio e sobre as leis que presidem sua applicação no tra- tamento das moléstias que attingem o homem. Reconhecendo a grande efficacia do uso da agua fria sobre grande numero de moléstias, acreditou que seria condição indispensável para o feliz resultado, fazel-o preceder de fortes e frequentes transpirações a que elle submettia a pelle, e da combinação desses dois methodos elle*assentava a base de sua medicação. O feliz resultado das suas intervenções, formaram a sua reputação e o seu nome era acobertado de glorificações. O ruido das suas curas, franqueando os limites das montanhas da Silesia, faz chegar de todas as partes da Europa doentes que em busca de allivio para os seus soffrimentos vem augmentar o numero de seus successos. Ao lado de tantas glorias não tardaram a appa- recer inimigos e desaffectos que o cercavam de toda a sorte de perseguições. As suas praticas, que a principio eram limitadas a simples abluções com esponjas ou á applicação de compressas, tiveram de soffrer modificações com a adopção de novos processos graças ao seu grande espirito de observação. E’ assim que Priessnitz applicava a agua sob uma infinidade de fôrmas; em affusões,banhos de immersão, semi banho, banhos de pé, de assento, duchas etc., variando todos esses processos conforme os doentes. Além da applicação da agua por estes diffe- rentes processos elle prescrevia o uso da agua inter- namente e em altas doses ao lado de um regimen hygienico rigoroso. A partir desse tempo a hydrotherapia tornou-se um meio therapeutico corrente em todos os paizes tendo adquirido hoje os foros de verdadeira sciencia que exercitada convenientemente constitue uma das bases mais seguras no tratamento de muitas molés- tias, principalmente nas moléstias nervosas. E’ entretanto, admiravel que na hora adeantada em que se acha a hydrotherapia perfeitamente esta- belecida sobre bases scientificas solidas, seus effeitos bem conhecidos, a sua pratica bem estudada, um profano pretenda ainda com o atrevimento do seu empirismo zombar da credulidade de uns e da.condes- cendência de outros, apresentando como methodo novo as praticas hydrotherapeuticas de que elle teve conhe- cimento, segundo sua própria declaração, após a leitura do tratado de hydrotherapia do Dr. Hahn inti- tulado—Kraft und Wirkung der frischen Wassers— (poder e effeito da agua fria) titulo que lhe impressio- nara vivamente em momento em que renunciava a toda esperança de ver-se curado da asthenia psychica» impossibilidade de ler e abatimento moral, pheno- menos esses que no momento actual não poriamos ein duvida o diagnostico da verdadeira neurasthenia. A hydrotherapia Kneipp que após o ruido estre- pitoso com que se communicou ao mundo, vai sendo objecto de reflexões mais apuradas para occupar em breve o logar restringido á sua importância, nada apre- senta de novo além do empirismo ousado do cura de Wõrishofen no findar do século de Charcot, Pasteur e tantos outros. Os processos das abluções, affusões compressas etc., preconisados por Kneipp o que constituem a base do seu processo de cura pela agua são bastante conhecidos corno formando a base da hydrotherapia classica e a unica novidade existente que Levillain encontra em seu methodo e que vem a ser o seu conselho de não enxugar o corpo e de ter os pés des- calços, para nós não parece novidade porquanto estamos acostumados a ver essas praticas commumente seguidas pelos nossos povos de interior, não como meio therapeutico indicado por Kneipp mas como habito adquirido, e geralmente pela impossibilidade de meios pecuniários. D’ahi a robustez constitucional da nossa gente de interior para a qual concorre como factores natu- raes os climas das nossas montanhas e dos nossos campos ao lado da vida calma e despreoccupada fóra da movimentação dos grandes centros, sem que entretanto tenham conhecimento do abbade Kneipp e do seu pretendido methodo. A aldêa de Wõrishofen receb.endo o favor de uma natureza pródiga em benefícios indispensáveis ao tra- tamento hygienico das differentes enfermidades, em nosso modo de vêr, por si só se encarregaria de modi- ficações extraordinárias operáveis em muitos casos morbidos. A figura veneranda do cura — que a principio se impõe em um povo de aldêa pela sacra posição que lhe fôra conferida, cresce de valor com as praticas humanitarias de seu processo de cura e o appareci- mento de grande numero dos já fanaticos não se faz esperar, auxiliando-o na propaganda universal. A parte primeira do seu successo está garantida. Uma vez dictador do espirito do povo, é facil de pre- vêr os resultados colhidos ! Uma romaria se estabelece de toda a gente do mundo inteiro que, já tendo renunciado a toda espe- rança de cura por aquelles que tendo subido á posição dos que lutam pelo saber e que se veem inermes ante lesões irreparáveis, procuram na nomeada de Kneipp, a restituição á vida. Não é rara a attenção dos soffrimentos favorecida por diversas circumstancias de ordem hygienica e suggestiva em concurso mas em breve terão que voltar aos cuidados da scienciae mui- tas vezes em condições bastante deploráveis. Esses doentes que quasi sempre impacientes para todo o tratamento scientifico e mesmo ingratos para aquelles que põem em jogo interessadamente todos os recursos da sua sciencia, são os mais fanaticos propa- gandistas de Wõrishofen ! Conhecedor de rudimentos de anatomia e phy- siologiahumanasmas confiante no poder magico da sua apresentação, Kneipp consegue verdadeiro dominio so- bre seus clientes, o que não é facil a todos os médicos, e ordenando-lhes prescripções hygienicas communs contando com a influencia benehca do clima da locali- dade, consegue a cura de alguns doentes geralmente hystericos, neurasthenicos, etc., que, si tivessem se submettido do mesmo modo cego ao tratamento me- dico em localidades idênticas, ter-se-iam curado mais rapidamente ainda. Fazendo nossas as palavras de espirituoso escri- ptor e referidas por Levillain (i), diremos:—“os doentes de Kneipp que se curam, admirados e felizes vão por toda a parte propalando o milagre operado pelo padre e tornam-se fanaticos proselytos do seu methodo. (1) Leviixain — Essais de neurologie clinique. Os que não se curam, ou em reconhecimento á boa vontade do cura ou pelo receio que têm de passar por imbecis, nada dizem conservando as bocas fechadas. Os que morrem... nem uma piada—de modo que só a primeira cathegoria desses doentes é ouvida» explicando-se assim o indiscutível successo.” Uma vez regeitados os processos já bastante conhecidos da hydrotherapia empírica com que o Padre Kneipp, cura de Wõrishofen pretendeu consti- tuir em methodo de sua propriedade inventiva e dei- xando que o tempo se encarregue de corroborar em favor das nossas asserções, entremos a estudar os processos hydrotherapicos applicaveis ao tratamento da moléstia que nos occupa e fallemos dos processos hydrotherapicos por percussão, da hydrotherapia projectiva, das duchas. O termo ducha que geralmente era empregado para exprimir a ducha fria, tem uma significação muito mais lata e comprehende a utilisação da agua como processo therapeutico sob pressão e em temperaturas diversas. Filiando-nos aos processos de hydrotherapia fran- ceza e baseado no que temos visto e nos resultados admiráveis da sua pratica exclusiva, podemos afifirmar que são improcedentes os preconceitos existentes da sua influencia perigosa e que, pelo contrario, os mais brilhantes resultados têm sido registrados uma vez exercitados convenientemente e de modo racional. As modificações racionaes imprimidas aos pro- cessos de hydrotherapia projectiva no tocante á. duração da applicação, temperatura, pressão, localisa- ção, etc., permittem ao methodo preencher as indicações as tnais diversas, abrangendo todas as operações hydrotherapicas, uma vez exercitadas conveniente- mente em cada caso clinico diverso e em cada doente em particular. Mesmo nos processos hydrotherapicos por per- cussão a modificação dos apparelhos pelas exigências da pratica e da observação tem sido necessária e o uso das duchas verticaes em chuva, laminas concên- tricas, em sino, columna etc., pela falta de indicações precisas e pelos inconvenientes apresentados, foi sendo pouco a pouco abandonado e hoje o methodo póde resumir-se á ducha horisontal movei fria, quente ou combinadas, constituindo este processo o das duchas escossezas. A ducha fria em jacto movei constitue nos pro- cessos hydrotherapicos um methodo de vantagem superior em que ao operador é permittido localisar á vontade usando de intensidades variaveis segundo a necessidade, a acção percussora da agua em partes differentes do corpo. A sua applicação preenche perfeitamente todos os fins da hydrotherapia porquanto, além da locali- sação que podemos obter em qualquer parte do orga- nismo, um membro, um orgão um grupo de musculos e mesmo cada musculo isoladamente, conseguiremos também conjunctamente um processo de massagem em que, no dizer de Leroy Dupré, a ducha representa a mão húmida do operador percutindo, massando o indivíduo ou parte delle em uma direcção, ascen- dente, descendente, transversal sempre graduada, variando a todo instante em espessura, densidade, direcção etc., segundo as circumstancias referentes á idade, ao sexo, ao gráo maior ou menor de sensi- bilidade, á moléstia de que se acha affectado o indi- víduo etc. A pressão, elemento importante para a appli- cação da ducha em jacto póde ser obtida natural ou artificialmente e varia segundo a applicação re- quisitada, a moléstia que a exige e o doente que a recebe. Os autores francezes acreditam que a pressão média a ser utilisada deva ser de 15 metros, acredi- tando que uma pressão maior seja nociva podendo mesmo produzir traumatismos ; Levillain, porém, em seu ultimo trabalho nos diz que as suas duchas são applicadas sob a pressão de 22 metros de altura os quaes se reduzem a 20 metros (duas atmospheras), levando em linha de conta o desperdício causado pelo attrito no interior do tubo e que corresponde a 1 metro para cada 10 metros. Aqui entre nós, no Estabelecimento Hydro e Electrotherapico onde fomos interno, pela collocação do reservatório geral collocado na parte supe- rior de uma torre de 30 metros, nos é permittido obter essa pressão que, si bem que utilisada em con- dições muito especiaes com vantagem, não observámos entretanto em caso algum, traumatismo produzido pela applicação. A vantagem dessa alta pressão está no facto de podermos obter em qualquer organismo uma reacção energica e prompta. Collocado a uma distancia variavel do seu doente (2 metros geralmente) e alguns centímetros acima do sólo em uma tribuna, o operador dirigirá sobre seu doente o jacto graduado á necessidade da applicação e começando da parte inferior dos membros abdo- minaes para a parte superior elle terá a cautela de ter sempre á entrada do orifício de sahida do jacto o seu dedo indicador afim de poder com facilidade modificar a intensidade desse jacto-quebrando-o. Assim como a pressão tem grande influencia sobre os resultados colhidos nos differentes doentes a duração da applicação não póde ser esquecida por- quanto, além da variedade extraordinária de doentes na mesma moléstia em que temos de tactear a me- dicação, a acção da ducha se manifesta de modo diverso conforme a sua duração. Assim, a ducha em jacto rápido e com alta pressão tem uma acção alta- mente estimulante, excitante mesmo e tónica, a ducha em jacto prolongado exerce também a sua acção tónica ao mesmo tempo que é sedativa. O outro processo por percussão também com muitas vantagens utilisado é o processo de duchas mornas e quentes que, applicadas por meio de um ir- rigador, produz também effeitos differentes segundo o modo pelo qual é utilisado, permittindo ao medico obter segundo o caso uma acção sedativa ou excitante conforme a duração e a temperatura. 38 O terceiro processo de que dispõe a hydrothera- pia projectiva é constituído pela reunião dos dous pri- meiros, constituindo as chamadas duchas escossezas e que são de um auxilio extraordinário no tratamento da neurasthenia. Concebida de modo erroneo mesmo por grande numero de médicos, a ducha escosseza não é a appli- cação alternativa de jactos frios e quentes, mas a ap- plicação fria em jacto movei, mais ou menos rapida, precedida de uma applicação em irrigador da agua cuja temperatura foi elevada gradativamente. A essa applicação, que foi abandonada pela sua pouca importância, foi dado o nome que nos dá uma indicação exacta, de ducha alternativa. A ducha escosseza consiste na applicação da agua quente a partir de 36o ou 37o, feita por um apparelho irrigador, e elevando-se gradativamente a tempera- tura, attingiremos o máximo supportavel e tendo man- tido n’esse gráo a temperatura por espaço de tempo, variavel até obtermos a coloração rosea da pelle, fa- remos a applicação fria em jacto mais ou menos rá- pido. Attendendo ainda a idiosyncrasias e susceptibili- dades diversas não podemos indifferentemente indicar aos nossos doentes a ducha escosseza tal qual ella é, porquanto existem indivíduos em que a reacção é fácil, não havendo necessidade de elevarmos tanto a tempe- ratura, como em outros em que ella é mais difficil; outros têm uma hyperexcitabilidade extraordinária pela agua quente e o maior augmento da temperatura produz-lhes um mal extraordinário ; outros ainda, não toleram a passagem brusca da applicação quente para a applicação fria, obrigando-nos á passagem lenta e gradual. Os autores francezes dividiram por esse facto a ducha escosseza em ducha escosseza com transição e ducha escosseza sem transição conforme fazem seguir á applicação quente a fria bruscamente ou pelo abai- xamento lento e progressivo da temperatura. Nós, porém, preferimos considerar sob a denomi- nação de ducha escosseza unicamente a classica, isto é, a sem transição dos francezes e reservamos ao pro- cesso de ducha escosseza com transição a denominação de ducha degradada que define perfeitamente o facto. A neurasthenia, extremamente complexa em suas manifestações symptomaticas e caracterisacla por um esgotamento nervoso, ao mesmo tempo que por uma nutrição insufficiente ou retardada, apresenta-se aos olhos do clinico sob formas differentes de excitação ou de depressão e, qualquer que seja a interpretação que se queira dar a essa fadiga pathologica, ou perturba- ção intima dos elementos nervosos, como admitte Erb, ou a falta de equilibrio entre a receita e a despeza do tecido nervoso, como pensa Beard, ou finalmente uma diminuição da vibratilidade por esgotamento conse- cutivo ao excesso ou a falta de excitação, como quer Feré,—o agente hydrico cujo effeito principal é for- necer tonicidade aos tecidos e imprimir a todo o orga- nismo resistência vital sufficiente, tem uma indicação immediata no tratamento da affecção que nos occupa. 40 O seu emprego constitue recurso poderoso de que o clinico poderá lançar mão, uma vez que seja applicada com a maxima propriedade, os differentes processos indicados precisamente em cada caso es- pecial. Esse meio opulento de que dispõe a therapeutica tem sido por vezes posto em duvida, devido certa- mente ás indicações mal aconselhadas e mal dirigidas. Não é raro observarmos a prescripção da ducha fria ou da ducha escosseza instituidas indifferentemente a todos os casos clínicos e d’ahi os desastres que ge- ralmente são attribuidos ao methodo empregado. Na neurasthenia predominam ora os phenomenos de excitação, ora os de depressão e o tratamento deve ser dirigido de accôrdo com o modo de manifestar-se. N’essa primeira classe de neurasthenicos, os ex- citados, nós procuraremos obter os effeitos sedativos ; nos outros, os deprimidos, os effeitos excitantes. Além da necessidade de uma indicação precisa, essa deve ser executada por mão pratica, habil e expe- rimentada, imprimindo-lhe o cunho scientiíico neces- sário. A presença do medico e a sua intervenção nos differentes processos de applicação, constitue neces- sidade imprescindível para o bom exito do tratamento. Muitas vezes, applicando uma ducha, mesmo que preenchendo uma indicação formal, somos obrigados a modifical-a em um momento dado, attendendo a condições individuaes de occasião. Não devemos des- viar a nossa attenção do doente ; o menor movimento, a minima modificação da sua physionomia não nos deve passar despercebida, porquanto não é raro ter- mos que modificar a nossa applicação e mesmo paral-a muitas vezes. Nas fôrmas da moléstia em que ha predominância dos phenomenos depressivos procuramos na ducha fria geral o estimulo que desejamos e conforme o sym- ptoma que temos em vista combater e que domina a scena mórbida, localisamos a nossa applicação n’este ou n’aquelle ponto. Assim, nas formas da neurasthenia com predomi- nância das perturbações gastro-intestinaes, dyspepsia, constipação do ventre, etc., localisamos o jacto sobre a região abdominal; na fórma com predominância dos phenomenos amyosthenicos fazemos a nossa applica- ção de preferencia n’esses pontos. Ha uma classe de doentes entre aquelles que accusam predominância dos phenomenos de depressão em que a ducha fria não produz o minimo resultado, obrigando-nos a recorrer ás duchas escossezas. Nas diversas fôrmas de neurasthenia em que pre- dominam os phenomenos de excitação devemos pro- ceder com muito mais cautela quando procuramos preencher uma indicação hydrotherapica, porquanto’ muitas vezes temos necessidade de, com muita tactica, habituarmos o doente á prescripção indicada. A ducha morna prolongada na temperatura de 36o e 37o constitue um recurso poderoso n’essa forma de manifestação da nevrose e d’ella temos conseguido resultados admiráveis quando procuramos a sedação. Antes de chegarmos á ducha escosseza que re- presenta a ducha tónica por excellencia, fazemos pas- sar os nossos doentes excitáveis por esse processo de sedação primeira. Para combater a insomnia e muitos outros phe- nomenos resultantes da excitação, na fórma cerebral da moléstia de Beard a sua indicação impõe-se. Para combater certos symptomas ha indicações especiaes cujo resultado não se faz esperar. Nos doentes em que ha frequência de vertigens temos observado que a indicação existe da ducha es- cosseza e entretanto não podemos Nesses casos pre- encher immediatamente a indicação, porquanto nos sujeitaremos a augmentar esse estado vertiginoso. Tacteando a sua sensibilidade devemos iniciar as applicações pelas duchas mornas, passando com muita cautela ás duchas degradadas e finalmente ás duchas francamente escossezas. Quando nos achamos em presença de phenome- nos dolorosos como a rachialgia, dor precordial e ou- tras localisadas, empregaremos com vantagem a ducha escosseza com elevação maxima de temperatura nos pontos dolorosos. Para terminar, e resumindo, diremos que a hy- drotherapia projectiva offerece ao clinico um recurso therapeutico admiravel em todas as fôrmas da molés- tia de Beard, uma vez indicada convenientemente e executada com a maxima propriedade. A sua acçao é demorada, sendo portanto neces- sário um tratamento longo para ser efficaz. As applicações das difierentes variedades de du- chas na neurasthenia em suas difierentes manifesta- ções não podem ter uma indicação systematica a cada fôrma clinica em particular e as duchas frias, mornas e escossezas são applicaveis a todas as modalidades da nevrose, mas não a todos os doentes muitas vezes in- cluídos em um mesmo quadro clinico. Uma outra pratica hydrotherapica que conta grande numero de apologistas é constituída pelos banhos de mar, que apezar de serem preconisados com grande ardor por muitos clínicos não nos parece me- recer essa consideração em que é tida. Temos observado em muitos doentes a quem têm sido prescriptos os banhos de mar, resultados tão de- sastrosos que leva-nos a recusar esse methodo como imprestável, principalmente nas fôrmas da moléstia em que ha predominância dos phenomenos de excitação. A electrotherapia, processo de que vamos tratar, ao lado da hydrotherapia constitue a base do trata- mento da nevrose de Beard. Electrotherapia—Esse modo de ser da energia manifestada por phenomenos cuja essencia é ainda hypothetica mas sublime, representa no momento actual a mira suprema para onde convergem todas as vistas do mundo scientifico em busca de mais uma das suas múltiplas vantajosas fôrmas de applicação. Datando a sua existência do primordio da crea- ção e a sua presença verificada por Thales de Mileto 600 annos antes da éra Christã, a electricidade teve no século que vae findando a sua utilisação e utilidade assignaladas em todos os ramos da actividade humana, marcando a sombra desmaiada do colosso das suas glorias a que o século vindouro terá que assistir. As suas variadas applicações aos differentes ramos da industria, de que ha um século não se cogitava, tiveram n’este instante, depois das descobertas de Gal- vani e de Volta, o seu máximo aproveitamento, fa- zendo-nos prever que ao século que chega está con- ferida a gloria de assistir á influencia benefica da sua revolução na sciencia. Graças ainda ás notáveis pesquizas de Volta e Galvani devemos a rara felicidade das suas applica- ções á therapeutica que, embora embryonarias, vão tendo entrada e aceitação felizes na sciencia de curar, fazendo sentir o beneficio do seu influxo no tratamento de diversas affecções que attingem o homem. A energia electrica manifestando-se sob fôrmas diversas e conhecidos ainda mal os laços que ligavam as modalidades electricas, acreditava-se na existência de agentes physicos distinctos sem relação alguma, sendo então creados os termos de electricidade statica ou electricidade dynamica conforme a fonte d’onde emanam. Na opinião do professor Gariel, a denominação de electricidade statica dada á electricidade geral- mente produzida pelo attrito é mal escolhida, por- quanto, desde o momento que rompe-se o equilíbrio pela producção de uma scentelha pela approximação de um corpo ao outro carregado dessa forma electrica, a statica rompe-se para transformar-se em dynamica. O doutor Larat acha preferível chamar-se de ele- ctricidade de tensão á electricidade statica e electricidade de quantidade á electricidade dynamica por isso que, haveria mais commodidade na exposição dos pheno- menos therapeuticos e maior facilidade na sua com- prehensão. Ambas as formas da energia electrica tanto a ele- ctricidade statica como a dynamica prestam incal- culáveis favores á therapeutica de muitas moléstias e embora o conhecimento do seu modo de actuar deixe ainda muito a desejar, os vantajosos resultados da sua applicação são inegáveis, como provam os factos registrados diariamente. o Nas affecções do apparelho nervoso principal- mente, ella preenche largas indicações e constitue em nosso modo de ver, a base segura do tratamento da nevrose de Beard. Infelizmente os nossos conhecimentos sobre o modo exacto pelo qual se produzem os phenomenos de ordem therapeutica são insignificantes em face dos successos obtidos. Entretanto, a electrotherapia, cura inquestionavel- mente grande numero de affecções, principalmente as do systema nervoso e produz em outras, as in- curáveis, resultados os mais sorprehendentes, me- lhorando consideravelmente os que delia necessitam. Da indicação prescripta e dos conhecimentos da technica desse methodo de cura, amparada pela observação de factos clínicos depende o resultado que pretendemos colher, porquanto, arma de dous gumes como já foi dito, a electricidade mal dirigida póde ser a causa de verdadeiros desastres. Não só da fórma como da dosagem depende geralmente o seu successo. Nessa manifestação mórbida do funccionalismo nervoso estudada por Beard e que tende ao alar- gamento de seus domínios, a electrotherapia offe- rece ao clinico o meio poderoso de acção com o auxilio do qual poderá observar sorprehendentes resultados em todas ás fôrmas clinicas da nevrose. Approveitando-se da acção de uma vez estimu- lante e reguladora da electricidade statica sobre a innervação e nutrição, o Dr. Vigouroux teve a felicidade de vêr coroado de todo exito o seu em- prego no tratamento da hysteria e neurasthenia ; e observando os resultados admiráveis principal- mente nessa segunda nevrose, estabeleceu o seu processo de cura pelas differentes fôrmas da fran- klinisação baseando-o na observação de muitos neurasthenicos e por muitos annos no hospital da Salpetrière. A exemplo do eminente especialista e para felicidade d’aquelles que d’ella necessitam, a sua pra- tica tem sido largamente seguida e nós mesmo tivemos occasião de appreciar o seu magno valor em grande numero de doentes a que tivemos occasião de acompanhar durante o tempo de nósso internato. O grande valor therapeutico da electricidade statica, os brilhantes resultados colhidos da sua ap- plicação não nos autorisa a desprezar o concurso também valioso dos outros recursos de que dispõe a electrotherapia porquanto, tendo em vista o trata- mento dos neurasthenicos e não da neurasthenia, os demais processos de electrisação sob as fórinas de electrisação por correntes continuas e faradicas são outros tantos meios capazes de apresentar combate a muitas manifestações symptomaticas, como ás fôrmas clinicas da nevrose que tenham resistido á acção da electricidade statica. D’esse facto temos conhecimento pela observa- ção de alguns doentes em que tivemos occasião de empregar ora a faradisação generalisada, ora a voltaisação e faradisação localisadas com o fim de combater uma forma mixta da nevrose que tem resistido a todos os outros meios, a spermatorrhéa com impotência ou uma atonia gastro intestinal re- belde, etc. Em primeiro logar nos occuparemos do emprego da electricidade statica aproveitando os seus admi- ráveis effeitos sobre a nutrição e innervação cpie a tornam uma medicação geral de primeira ordem e evitando os muitos detalhes de technica diremos entre- tanto algumas palavras sobre o material de que temos que lançar mão e sobre os differentes processos de que tivemos occasião de praticar. Differentes apparelhos tem sido imaginados para a producção da electricidade statica e entre esses fi- guram como typos as machinas de Holtz, Ramsdem, Carré e Wimshurst existindo outras que constituem modificações diversas apresentadas com o fim de nullificar os effeitos prejudiciaes que certas con- dições extrínsecas exercem sobre o funccionamento regular d’esses apparelhos, humidade etc. Em nosso serviço sempre nos utilisamos dos apparelhos de Carré que em numero de dous são ins- tallados em gabinetes apropriados, onde por um pro- cesso artificia] de dessecamento do ar atmospherico nos dias húmidos, nos é permittido obter o seu func- cionamento regular. Uma vez funccionando o nosso apparelho, estabe- lecemos a sua ligação por uma haste metallica ao accessorio da machina que é representado pelo tam- borete isolado do sólo por pés de vidro, onde collo- camos o doente sentado em uma cadeira. Conforme a ligação da machina com o tamborete de pés de vidro se faz do pólo positivo ficando o ne- gativo em communicação com o solo ou pelo contrario collocamos o paciente recebendo a carga electrica do pólo negativo fazendo o positivo corresponder-se com o sólo, teremos as duas fôrmas de applicações electri- cas, positiva ou negativa cuja acção é bastante diversa como demonstraremos no decorrer do presente ca- pitulo. 0 doente collocado em uma cadeira sobre o tam- borete em communicação com a fonte productora, sobre elle dirigiremos todos os processos da franklini- sação que variam segundo a indicação a cada caso es- pecial, processos que são representados pelo banho simples, sopro, scentelhas e fricção electrica. O Dr. Vigouroux refere-se a um outro processo —aigrette—, cuja traducção que exprima bem o facto não encontramos, e que vêm a ser o mesmo sopro mais intenso, provocado pela approximação de uma haste menos afilada do que a utilisada para a produc- ção do sopro. A aigrette é portanto o ponto intermediário entre a faisca e o sopro, isto é, é um verdadeiro sopro mais condensado do qual poderemos lançar mão quando temos em vista a sua localisação em um ponto para produzir uma revulsão moderada. A acção sedativa do banho simples é obtida pela collocação do doente isolado do sólo em contacto com a machina electrica. O doente carrega-se de electri- cidade e como todas as saliências do corpo e de suas vestes constituem fócos de desperdício, a machina sempre funccionando suppre essas faltas e temos assim o paciente sempre carregado do fluido. Se approximarmos do doente extremidades afi- ladas, em virtude do poder das pontas a electricidade tende a escoar-se e para isso exerce uma repulsão energica sobre as camadas de ar deslocando-as e da producção multiplicada do phenomeno nasce o sopro electrico outro processo da franklinisação. Se, em vez de nos utilisarmos das extremidades afiladas, procuramos superfícies maiores, uma bola por exemplo e approximarmol-a do doente á distancia variavel conforme o potencial electrico, obteremos as 50 scentelhas explosivas que constituem um outro pro- cesso de franklinisação que no tratamento da neuras- thenia encontra muita occasião de ser applicado com vantagem. O outro processo de franklinisação de que nos resta fallar, vem a ser a fricção electrica, que é obtida pela passagem de uma bola metallica sobre as vestes do paciente como se quizessemos friccionar o corpo. A interposição dos tecidos das vestes dá lugar a que se produza uma serie de pequenas scentelhas que va- riam com a espessura dos tecidos. A fricção electrica é um tanto incommoda, mas apresenta algumas vantagens pelos effeitos estimu- lantes que possue. Todos esses processos descriptos offerecem van- tagens reaes no tratamento da neurasthenia, mas não devem ser applicados indifferentemente ou de um modo systematico, porquanto seus effeitos variam consideravelmente segundo o caso clinico que temos em presença, o doente que se submette ao tratamento e a duração das applicações. Os efifeitos sedativos do banho simples, são incon- testáveis na fórma da moléstia com manifestações cerebraes caracterisadas por impressionabilidade exa- gerada, insomnia etc., o sopro é vantajosamente appli- cado como calmante para combater a cephaléa, sen- sação de constricção, insomnia etc., entretanto temos tido occasião de observar alguns doentes em que esses processos falham por completo ou aggravam-se mesmo, contrariamente ao dizer do Dr. Vmouroux que affirma de modo cathegorico que o sopro faz ceder em poucos minutos a sensação de constricção, compressão dolorosa da cabeça a casque emfim. Nós te- mos observado doentes em que o simples banho appli- cado com o fim de calmar, não supportam essa appli- cação, mesmo os de mais curta duração. N’estes doentes notáveis pela sua hyperexcitabilidade ner- vosa o tratamento é por nós iniciado pelos bànhos positivos que, muito mais brandos, offerecem pro- priedades sedativas muito mais notáveis e começando por sessões de 5 minutos nas primeiras applicações, levamos a sua duração a 20 e 30 minutos obtendo os mais sorprehendentes resultados. O banho positivo é portanto para nós o meio se- dativo por excellencia. Esses processos geraes de banho e sopro, alem dos effeitos calmantes que possuem exercem influencia notável sobre a nutrição geral removendo muitas vezes por esse motivo muitas das manifestações locaes. Se quizermos remover muitas d’essas manifesta- ções locaes rebeldes, nos utilisaremos com vantagem dos outros processos de franklinisação. Assim, nos neurasthenicos com manifestações de sensação habi- tual de depressão e de fadiga muscular, paresias, ato- nia gastro-intestinal etc., o uso da franklinisação por scentelhas é o aconselhado para combater esses phe- nomenos. A applicação das scentelhas não só provoca a excitação cutanea como, provocando a contracção do musculo sobre o qual é produzida age sobre os ramos e troncos nervosos. E’ assim que, para combater muitas vezes uma constipação de ventre rebelde nos utilisamos com vantagem da franklinisação por scen- telhas sobre o ventre. Ainda como estimulante geral favorecendo a funcção da pelle applicaremos a fricção electrica que praticada na porção inferior do corpo faz dissipar os symptomas de congestão spinal taes como, spasmos, exageros dos reflexos, perdas seminaes etc. O Dr. Vigouroux nos diz que a fricção electrica ao longo da columna é vantajosa nos casos de perdas seminaes e que as scentelhas pelo contrario aug- mentam. Esse facto foi por nós observado de modo di- verso em alguns doentes que, acommettidos de perdas seminaes frequentes tendo resistido a todas as appli- cações locaes e geraes indicadas, tiveram explendido resultado côm a applicação de faiscas ao longo da columna. Mais esse facto vem provar que um tratamento systematico é impossível tornando necessário o trata- mento por tentativas. Em alguns casos clínicos que tivemos ensejo de acompanhar no tratamento, o emprego da electrici- dade statica sob todas as fôrmas foi improfícuo obri- gando-nos a suscitar o auxilio da electricidade dy- namica e conseguindo resultados bastante satisfató- rios em alguns casos, não desprezamos o seu concurso mesmo como meio principal de tratamento. Beard, desconhecedor do emprego da franklini- sação e tendo feito estudo desenvolvido da therapeu- tica da nevrose reíere-se parcimoniosamente ao em- prego da electricidade como meio curativo levan- do-nos a acreditar que não foram animadores os resultados colhidos pelos processos de faradisação e galvanisação. Entretanto é incontestável que o pro- cesso de faradisação generalisada pelo methodo de Beard e Rockwell applicado ao tratamento geral e principal da neurasthenia póde ser aproveitado assim como as applicações locaes das correntes voltaicas e faradicas constituem meios poderosos para combater a muitas manifestações symptomaticas rebeldes. Faradisação generalisada.—A faradisação gene- ralisada pelo processo de Beard e Rochwel cujo resul- tado beneíico foi por nós observado em alguns doentes em que foi nullo o tratamento pela electricidade sta- tica, é por nós empregado da fórma seguinte: o doente completamente desprovido de suas vestes é collocado na stacção de pé sobre uma placa revestida de camurça humedecida posta em comunicação por um dos pólòs com uma bobina de inducção. O outro pólo é ligado a um excitador cylindrico também reves- tido de camurça com o qual percorremos toda a'super- fície cutanea utilisando-nos de uma corrente branda, o sufficiente para produzir uma excitação moderada dos plexos sensitivos da pelle. Para a applicação sobre a cabeça e mesmo diante de doentes cuja excitabilidade é excessiva, costuma- mos nos utilisar da mão electrica segundo o methodo de Ziemssen que consiste em estabelecer o circuito por intermédio da mão do operador. Collocado o doente em communicação com um dos pólos da machina, tomamos em uma das mãos o excitador ligado por um fio ao outro polo da bobina e com a outra percorremos a cabeça e o corpo do doente. A faradisação generalisada praticada por esse methodo offerece uma dupla vantagem; não só a applicação torna-se muito mais supportavel, mesmo nos casos de hyperesthesia cutanea ou excitabilidade geral exagerada, como o operador, pela mão póde avaliar da intensidade da corrente que emprega. Começamos a nossa electrisação pela fronte pas- sando em seguida ao vertex onde permanecemos por mais tempo dirigindo depois a nossa applicação para o occiput e nuca. Usando de correntes um pouco mais fortes pas- seamos o electrodo ao longo da columna vertebral podendo nos demorar um pouco mais em differentes pontos que julgarmos conveniente. Com uma corrente um pouco mais fraca fazemos a faradisação do pescoço produzindo pequena exci- tação do pneumogastrico, phrenico e musculos do pes- coço Em seguida faradisamos a parede-anterior per- correndo o nosso excitador pela região peitoral e depois electrisamos a parede abdominal nos utili- sando de correntes mais energicas, insistindo sobre o epigastro, as fossas illiacas e o trajecto do grosso in- testino. Por esse processo conseguimos despertar a to- nicidade muitas vezes diminuída das túnicas mus- culares do apparelho digestivo. Depois de termos electrisado pelas correntes fa- radicas a cabeça, columna vertebral, paredes anterior do torax e abdominal, electrisamos rapidamente os membros thoraxicos e abdominaes. A duração de cada sessão varia de io a 20 ou mesmo 30 minutos tendo ainda em vista certas cir- cumstancias inherentes á moléstia e principalmente ao proprio doente. Os effeitos beneficos resultantes da applicação faradica generalisada muitas vezes faz-se sentir imme- diatamente diminuindo as dores, sensação de fadiga, regularisação do pulso e o doente sente um bem estar geral. Em um doente que faz objecto da nossa XVI observação tivemos occasião de ver produzir-se me- lhoras consideráveis após alguns dias de tratamento. Assim, observamos as melhoras do apparelho gastro intestinal caracterisando-se pela regularisação das suas funcções intestinaes, melhora das perturba- ções genito-urinarias, regularisação do somno etc. O Dr. Bouveret diz em seu livro que nos neuras- thenicos muito excitáveis esse processo de trata- mento, produz muitas vezes tremores, dores de cabeça, vertigens, tendencia ás lipothymias, insomnia etc., e attribue esses effeitos desastrosos á demasiada du- ração das sessões e ao emprego de correntes muito energicas. Nós não tivemos ensejo de observar esses resultados nos doentes em que tivemos occasião de empregar o methodo, entretanto, acreditamos que esses resultados tenham lugar desde que não seja uti- lisado convenientemente com prudência, tacteando a sensibidade do doente. O proprio banho electrostatico que é preconisado como o meio sedativo por excellencia, pode em muitos casos ser intolerável ao doente e produzir effeitos in- teiramente diversos d’aquelles que procuramos obter, como já vimos. Acompanhamos alguns doentes nestas condições que obrigaram-nos a procurar um meio mais brando com que pudéssemos iniciar o tratamento e estabe- lecer assim a tolerância do doente; esse meio é o banho statico positivo com o auxilio do qual podemos começar o tratamento de qualquer neurasthenico mesmo os mais excitáveis. Segundo as opiniões de Beard e Rockwell a in- dicação principal desse methodo de applicação elec- trica reside precisamente no gráo de enfraquecimento da força nervosa, insufficiencia da nutrição e retarda- mento das funcções vitaes, convindo portanto o me- thodo aos estados neurasthenicos com predominância dos phenomenos de depressão. A electricidade statica exercendo a sua acção sobre a nutrição e a innervação a um tempo é vanta- josamente applicada a esses casos reservados por Beard e Rockwell á faradisação generalisada e sendo o tratamento de que colhemos melhores resultados, achamos a sua applicação melhor indicada, reservando o processo das correntes faradrcas generalisadas como recurso nos casos de insuccesso do methodo da Sal- petrière ou na falta da electricidade statica. Alsfuns autores aconselham as correntes o-alva- o o nicas também generalisadas como meio de tratamento do esgotamento nervoso e a ellas attribuem as mesmas vantagens que da faradisação generalisada. Nós nunca nos utilisamos desse methodo. A faradisação generalisada pode ser feita também pelo processo imaginado pelo Dr. Baraduc, que con- siste em uma cadeira apropriada em que o doente uma vez sentado é electrisado geralmente. Desco- nhecemos as vantagens ou desvantagens do methodo porquanto, cbelle só temos noticia pela descripção dos jornaes de electrotherapia. O tratamento electrico da neurasthenia muitas vezes não é seguido de successo immediato devido a symptomas recalcitrantes da nevrose que por muito rebeldes são o obstáculo á marcha da cura. Se conseguirmos remover alguns a’esses symp- tomas que preoccupam principalmente o espirito dos doentes, o seu moral é influenciado beneficamente e a medicação triumpha. Ainda é na electrotherapia que vamos encontrar os meios que, dirigidos a cada um d’esses symptomas são seguidos de resultados sorprehendentes. Já falíamos, quando nos occupamos do trata: mento pela electricidade statica, das vantagens d’esse methodo no tratamento geral dos neurasthenicos assim como das suas applicações com o fim de com- bater muitos dos symptomas. Assim é que salientamos os seus effeitos não só calmantes como estimulantes constituindo meio efficaz para combater a insomnia, cephalalgia, amyosthenia etc. Pois bem, não só nas correntes faradicas como nas voltaicas encontramos outros tantos recursos de que não prescindiremos em applicações localisadas. Nos casos de neurasthenia com predominância dos phenomenos de excitação delineando-se por dores disseminadas, nevralgias múltiplas e exagero da exci- tabilidade vaso motriz, encontramos nas applicações das correntes continuas um meio seguro de comba- tel-as. Nos casos de priapismo, geralmente nocturno que constitue phenomeno raro, e em casos de perdas seminaes, phenomeno commum nos estados neuras- thenicos, ainda a acção benefica das correntes conti- nuas descendentes applicadas sobre o rachis, faz-se sentir. Outro symptoma bastante grave que, quando existe, constitue grande obstáculo aos benefícios de qualquer tratamento pela influencia que exerce sobre o moral do doente é representado pela impotência aos actos genesicos. Por ser uma manifestação hoje muito commum, tivemos occasião de observar innumeros doentes e ao mesmo tempo nos felicitamos pelos resultados sor- prehendentes que sempre obtivemos com o emprego das correntes faradicas applicadas localmente sobre o perineo, penis, bolsa scrotal e symphise pubiana. A esse tratamento fazemos sempre acompanhar uma parte suggestiva que em grande parte .concorre para o restabelecimento da funcção, fazendo-nos acreditar ser essa manifestação tão somente psychica. A constipação rebelde acompanhando muitas ma- nifestações neurasthenicas reclamando uma attenção especial é combatida pela faradisação energica da parede abdominalque, produzindocontracção dos mús- culos abdominaes, age-ao mesmo tempo por excitação sobre a innervação intestinal. As correntes galvanicas interrompidas levando a sua acção mais intima mente, produzem também re- sultados magníficos quando empregadas com o mesmo fim. Para combater os symptomas cerebraes cuja reunião constitue a cerebrasthenia dos autores, Erb (i) aconselha a galvanisação da cabeça nos casos de ce- phaléa, insomnia, depressão cerebral etc. Elle uti- lisa-se de correntes brandas em sessão de curta du- ração. A faradisação do craneo também tem sido acon- selhada por esse autor como tratamento das manifes- tações cerebraes na moléstia de Beard. Além de não serem esses meios destituídos de perigos as suas vantagens não correspondem ao favor que alguns au- tores lhe emprestam e pensamos que para esses casos de excitação cerebral nenhum processo poderá subs- tituir o emprego da electricidade statica. (I) Erb—Traite d'electrotherapie. 6o Esse nosso modo de pensar é baseado exclusiva- mente na observação dos factos, porquanto em grande numero de doentes com essas manifestações de exci- tação cerebral nunca observamos um em que dei- xássemos de obter resultado favoravel. Esses meios que acabamos de descrever auxi- liados por um regimen hygienico bem estabelecido, são os meios mais seguros e talvez únicos com que podemos contar para debellar a nevrose de Beard. Weir Mitchell associando esses differentes meios estabeleceu um methodo de tratamento que tem o seu nome, o qual elle applicava systematicamente a certas formas graves da neurasthenia. O seu methodo consiste na prescripção do isolamento, repouso, ma- sagem. electr icidade e regimen dietético superalimentat segundo as modificações mais tarde feitas por Play- fair. E’ verdade que cada um desses meios consti- tutivos do methodo póde ser applicado ao tratamento da moléstia mas, applicado systematicamente mesmo nas formas graves como quer Weir Mitchell não nos parece razoavel porquanto, como já dissemos, no tra- tamento da neurasthenia, múltiplas são as condições a que temos que attender. Pharmacotherapia — Como já tivemos occasião de dizer, os elementos pharmaceuticos, sem vantagens apreciáveis no tratamento da neurasthenia, devem ser collocados em ultima plana e o seu emprego deve ser o mais reservado possivel com o fim unica- mente de remover, ao menos temporariamente, certos symptomas que possam obstar os resultados do tra- 61 tamento instituído, ou por conveniência inherente aos proprios doentes que não podem comprehender a sua cura sem as prescripções internas dirigidas contra as as affecções e lesões graves, partidas da sua imagi- nação. Nos doentes desta natureza ha geralmente uma verdadeira pharmacomania isto é, portadores imagi- nários de moléstias imagináveis entregam-se ao uso constante de medicamentos ora para combater uma affecção pulmonar, ora uma lesão cardíaca etc. Comprehende-se portanto, os inconvenientes que dahi podem emanar, pela facilidade com que esses doentes entregam-se abusivamente ao uso dos me- dicamentos, attingindo, na phrase de Huchard a ver- dadeira surmenage therapeutica. Vários tem sido os medicamentos empregados para o tratamento do esgotamento nervoso e como esse esgotamento patenteia-se aos olhos do clinico em modalidades diversas de excitação e de depressão a medicação é dirigida no sentido de restabelecer o equilíbrio ao funccionalismo do systema nervoso desviado da sua statica physiologica. D’ahi o uso dos calmantes ou dos excitantes conforme o caso que temos em vista. Para amainar os phenomenos de excitação, os bromuretos alcalinos e os medicamentos hypnoticos tem sido os aconselhados. O uso dos bromuretos é feito muito commum- mente de modo intempestivo e temos visto mesmo o seu emprego abusado contra certos phenomenos de 62 excitação caracterisados por cephaléas, insomnias etc. sem prévio conhecimento do doente e do seu estado. O emprego dos bromuretos contra a insomnia é baseado na propriedade que tem esses medica- mentos, de produzir em fortes doses um estado de estupor lethargico, senrcomatoso mesmo. Ora, esse estado differe muito do somno natural, é antes produzido por uma alteração da camada cor- tical do cerebro por conseguinte o seu emprego pode tornar-se nocivo e os phenomenos de bromismo já tem sido observados. Ainda com o fim de calmar são aconselhados os hypnoticos e entre esses encontramos o chloral, o sulfonal e outros cuja acção também é nulla quando não é prejudicial. As preparações de opio também tem sido empregadas mas os seus effeitos occasionaes são muito mais perigosos. Muitos outros medicamentos tem sido ensaiados no tratamento da moléstia de Beard porém aquelles que podem prestar algum beneficio são poucos e estes encontram-se na classe dos tonicos reconstituintes. O arsénico, a coca, a kola, os phosphatos de zinco, cálcio etc., o ferro e os glycero-phosphatos de cálcio, sodio, potássio ferro e magnésio tem sido os medicamentos ultimamente mais commummente em- pregados sob formas pharmaceuticas diversas. Nos casos de neurasthenia a que se vem juntar a chlorose e anemia, o uso dos saes de ferro são de grande utilidade assim como o uso do arsénico e dos cinco glycero-phosphatos (cálcio, sodio, potássio, ferro e magnésio) que administrados conjunctamente e em doses menores do que geralmente se aconselha (io centigrammos do primeiro e 20 centigrammos dos outros) devem produzir os melhores resultados. Nós os temos empregado em vinho de noz de kola. As injecções subcutâneas de líquidos orgânicos preconisadas por Brown-Sequard e que despertaram a attenção da sciencia, tem sicio também preconisadas aos casos de neurasthenia; entretanto tendo tido occa- sião uma unica vez de ver applical-o e observando produzir-seos resultadosmais desfavoráveis, porquanto após as grandes melhoras passageiras e talvez resul- tantes da sugestão, vimos succeder a aggravação de todos os phenomenos que o doente apresentava. Não condemnamoso meio assim como não o preconisamos. Da influencia moral e da tonificação depende o resultado que pretendemos. TERCEIRA PARTE OBSEVAÇAO I A. C. branco, de 35 aimos de idade, brazileiro comrner- ciante e residente nesta capital é enviado a tratamento no estabelecimento Hydro Electrottierapico e matriculado no re- gistro clinico do mesmo Estabelecimento a 12 de Fevereiro de 1892. Historia clinica — Diz estar doente lia dons aimos e questionando-o sobre seus antecedentes morbidos vimos a saber que em 1878 contraliiu uma infecção sypliilitica (cancro duro seguido de manifestação para a pelle.) Refere-nos que ba tempos expeli ira uma solitaria (tcenia solium) do com- primento de 6 metros. Yive do commercio e preoccupa-se grandemente com os seus negocios. Etiologia. — Além do depauperamento produzido pelos estados morbidos anteriores devemos assignalar como ele- mento etiologico importante a profissão do nosso doente, que é negociante e que nessa occasião de jogatina doentia en- tregara-se também a arriscadas transações da Bolsa. Estado actual. — O nosso doente apresenta nesse mo- mento : Placa occipital. — Ceplialéa localisada na região occipital irradiando-se lateralmente pelas regiões temporaes, ceplialéa bastante forte que o doente compara ao aperto, ao repu- cliamento produzido por uma mão de ferro. 66 Insomnia. — Tem insomnias, mas não constantemente, somnos ])enosos acompanhados de sonhos mãos. Fica a rolar na cama sem somno até 3 e 4 horas da madrugada e se con- segue dormir é logo dispertado por sonhos e pesadellos e quando acorda sente-se fraco e abatido. Amyosthenia. — Apresenta fraqueza pronunciada nos membros tlioraxicose abdominaes, formigamentos nas pernas. Rachialgia. — Pouco pronunciada. Perturbações di/spepticas. - Bealisando o typo da dys* pepcia flatulenta. Estado mental.—As funcções do cerebro não se acliam deprimidas, o nosso doente é portador de um genio irritável e apresenta phobias. Assim, quando se recolhe a seu quarto é possuído de grande medo e está sempre desconfiado, scismando com uma ou outra cousa. Além d’estas perturbações accusa vertigens ou antes, ligeiros, atordoamentos; sensação de luzes flutuantes para o lado da vista; tremor das mãos, quando fica um pouco agitado. Na esphera dos phenomenos auditivos accusa uma per- turbação interessante : sente um rumor longínquo, ás vezes assemelhando-se a uma conversa, e este phenomcno as vezes apresenta-se tão pronunciado que o doente fica attento a ouvir aquellas vozes, ás vezes bastante claras e assim passa muito tempo esquecido como se também tomasse parte naquella reunião ficticia. Diante desse quadro symptomatologico foi estabelecido o diagnostico de Feurasthenia e estatuído o seguinte tratamento FranJclinisação; duchas frias geraes em jacto. Após as seis primeiras applicações recebidas nos dias 12, 13, 14, 15, 16 e 17 de Fevereiro o nosso doente apresenta as seguintes melhoras: desapparecimento da casque dos neurastlienicos, attenuação considerável do atordoamento, que sente de longe em longe uma ou outra vez, apezar do calor proprio á estação o doente deita se as 11 horas, concilia o somno e dorme até pela manliã, o que não conseguia, pois, só dormia depois de 3 horas da manhã. Sente-se mais forte, não se queixa mais da fraqueza dos braços e das pernas, amyosthenia tem se modificado consi- deravelmente. Tem, desapparecido a rachialgia e os formigamentos das pernas, acha-se mais calmo, delibera com mais autonomia e tem mais lucidez de espirito. As suas evacuações são mais regulares e as digestões muito menos penosas. Persistem ainda — as perturbações do ouvido, ainda ouve claramente pessoas conversarem acompanliando-as na con- versação. Com a continuação do tratamento as melhoras persistem e se aecentuam e a 5 de Março sendo interrogado refere-nos que se acha em excellentes condições existindo ainda o phe- nomeno auditivo ja bastante attenuado. Em 11 de Março o doente julgando-se curado abandona o tratamento tendo feito um total de 19 applicações. A nitidez dos symptomas, as melhoras rapidamente colhidas e o resultado promptamente obtido após restrieto numero de applicações tornam a presente observação bas- tante interessante mostrando-nos até certo ponto a grande vantagem do tratamento hydro-electrotherapieo que adop- tamos. OBSERVAÇÃO II Dr. A. F. medico, verdadeiro desiquilibrado do ventre, apresenta splanclmoptoses. O seu estomago grandemente dilatado, chega abaixo da cicatriz umbellical. E’ um dyspep- tico de lònga data, soífre de dyspepsia íiatulenta que tem re- sistido a todos os tratamentos desde o regimen o mais severo até o das lavagens e antisepeia gastro intestinal. Queixa-se de amyosthenia, cepbaléa neurastbenica (cas- que) etc. 68 Foi-lhe instituído o tratamento Hydro electrotherapico sob a fórma de duchas frias em jacto movei, voltaisação e fa- radisação alternadas do estomago e intestinos. Durante os mezes de Abril, Maio e Junho de 1891 recebeu 50 applicações. De Julho em diante passou a usar da electri- sação statica e recebeu de Julho a Outubro 38 applicações retirando-se completamente curado. OBSERVAÇÃO III Conego F. apresenta como symptomas capitaes, ceplialéa, atonia intestinal e perturbações dyspepticas. Tendo sido aconselhado o uso da electricidade statica sob a fôrma da franldinisação o nosso doente fez apenas 15 applicações e independente dos bons resultados que nos disse ia colhendo, abandonou o tratamento. OBSERVAÇÃO IV Dr. P. B. medico, apresenta como phenoinenos capitaes, a casque neurastlienica, vertigens etc. Tratamento. — Electrisação staiica—ducka statica na ca- beça. De Junlio a Novembro de 1891 recebe 9G applicações findas as quaes tem desapparecido completamente a casque e vertigens, pkenomenos que muito o incommodavam. Em fins de Janeiro de 1892, tem uma recahida e voltando ao trata- mento recebeu até Março 21 applicações, com as quaes me- lhorou deixando de vir a 11 de Março. Em 25 de Abril reappa- receu e fez neste mez 5 applicações e em Maio 3 applicações continuando o tratamento. N’este doente nota-se o seguinte facto interessante: a neurastlienia pronuncia-se, começa o tratamento electrico todas as perturbações desapparecem, abandona o tratamento, passa bem por algum tempo mas, se continua no mesmo sys- tema de vida, volta novamente a moléstia que é ainda combatida por novas applicações. OBSEBVAÇÃO V Dr. S. E. medico, representa um interessante typo de neurasthenia de fórma cerebral. Durante muito tempo as considerações dirigidas ao caso precedente eram perfeita- mente applicaveis ao nosso doente que toda vez que sentia-so mal procurava o remedio e promptamente encontrava o allivio. Entrega-se aos seus trabalhos e immediatamente é assaltado pela moléstia. Após a tentativa de muitos dos processos electrotherapicos tivemos a felicidade de vel o me- lhorar e restabelecer se com o uso dos banhos electro-staticos positivos. OBSEKVAÇAO VI J. 11. de 39 annos, portuguez, casado, chegado ao Brazil em Agosto de 1891, matriculado no registro do Estabeleci- mento em 1° de Setembro do mesmo anuo. Pelo questionário que lhe propuzemos sobre seus ante- cedentes vimos a saber que: da idade de 12 até a de 18 annos entregou-se apaixonadamente ao jogo, experimentando grande emoção quando a sorte lhe era favoravel e profundo abalo quando perdia, se lhe escasseavam os meios para pro- seguir em tão hediondo vicio, entregava-se a mil macliinações cujo objectivo era o dinheiro. Frequentava então um Lyeeu, sendo sempre máo estudante, nunca tendo feito caso dos livros. Aos 18 annos começou a ter sonhos eroticos seguidos de perdas seminaes; se succedia dormir durante o dia acordava banhado por uma copiosa ejaculação, estado este que pro- longou-se até aos 20 annos. Sentia grande dificuldade de decorar e comprehender qualquer assumpto, devido em parte, cremos, á pouca prodi- galidade da natureza; abandonou os estudos e diz que procurou regularisar a sua vida, estabelecendo uma boa alimentação, procurando raramente mulheres e evitando tanto quanto 7o possível as bebidas alcoólicas e assim procedeu até os 26 annos, não obtendo melhora alguma. Tendo seu pai passado por certas infelicidades perdendo a fortuna, isso concorreu para aggravar os encommodos no nosso doente que entretanto accrescenta que “nunca lhe faltou o bom peixe do qual abusava e o bom vinho que bebia regular- mente ”, Começou nessa época a ter dores de cabeça, fraqueza de memória, falta de presença de espirito, etc. e perdas seminaes diurnas. Passou por grandes abalos moraes, quer em seus negocios quer em questões de familia, chegando a pensar no suicidio. Aos 29 annos casou-se e diz o doente que quiz começar vida nova, regularisando as relações com sua mulher, sem excessos; instituindo uma boa alimentação, fazendo exercícios a pé e ao ar livre, sem applicação intcllectual, etc.; os resul- tados, porém, não foram grandes e por essa época começou a sentir grandes difficuldades em evacuar e se fazia grandes esforços, resultava uma ejaculação. Assim foi vivendo, ora melhor, ora peior, sendo os seus encommodos aggravados por encommodos de familia até que dos 35 aos 38 annos peiorou consideravelmente por ter passado por um grande revez, perdendo tudo quanto possuía. Aecentuaram-se então as perturbações dyspepticas, ma- nifesta-se enfraquecimento genital chegando muitas vezes á impotência 5 constipação, chegando a passar tres, quatro, cinco e mais dias sem evacuar e se fazia esforços para preencher o acto, tinha perdas seminaes; estado mental proprio, aborreci- mento da vida, contrariedades sem motivo, idéa de suicídio, etc. Aos 38 annos esteve em Paris e consultou ao Dr. PouilleP com cujo tratamento melhorou um pouco, continuando depois no mesmo estado. Voltando íinalmente ao Brazil aqui encetou o tratamento pela electricidade. Etiologia — Como elementos etiologicos, destacam-se as emoções produzidas pelos lances arriscados do jogo desde tenra idade, attribulações commerciaes e desgostos de familia. 71 Estado actual—E’ uma recapitulação destas perturbações todas que ternos assignalado : Gephaléa (placa occipital), per- turbações dyspepticas, ptyalismo, spermatorrhea com perdas diurnas, impotência, sensação de fadiga geral, enfraqueci- mento da memória, genio excêntrico, etc. Tratamento—Foi-lhe prescripta a electrisação statica gene- ralisada e o doente recebeu do mez de Setembro ao mez de Dezembro—88 applicações. No dia 9 de Dezembro suspendeu o tratamento por ter de retirar-se para a Eiuopa e apresentava as seguintes melhoras: desapparecimento da cephaléa desde as primeiras applicações; estado geral muito melhorado ; evacuações mais regulares. As perdas seminaes que eram diurnas, passaram a ser de dois em dois dias, de quatro em quatro, de oito em oito e mais. Quando retirou-se para Europa havia seguramente 15 dias que não tinha perdas. Neste doente como em alguns outros, um facto interes- sante foi por nós observado em contradicta ao que afflrma o Dr. Vigouroux. Este eminente clinico affirma que a electri- sação statica do rachis augmenta a spermatorrhea 5 pois bem, neste doente em que era praticada a electrisação spinal, as perdas semiuaes diminuíam progressivamente depois de ter resistido aos demais processos empregados com o fim de com- bater essa manifestação symptomatica. O doente em ‘questão retirou-se satisfeitíssimo pelas melhoras sensíveis que experimentou, promettendo voltar ao tratamento caso não completasse o seu restabelecimento 11a Europa para onde partiu em excursão necessária. OBSERVAÇÃO VII St., de nacionalidade allemã, 39 annos de idade, apresen- tou-se ao estabelecimento em Janeiro de 1892. Refere que acha-se doente ha muito tempo, tendo sido aqui no Brazil vietíma de accessos remittentes palustres du- rante este anno. Desanimado,julgando-se portador de moléstia muito grave o doente em questão apresenta como phenomenos symptoma- ticos as manifestações seguintes : Perturbações dyspepticas—Digestões difficeis, sensação de urencia na garganta (pyrosis) ; mal estar geral; Amyostlienia—Fraqueza pronunciada nos braços e nas pernas ; Cephaléa occipital ; Perturbações vaso motrizes e se- cretorias—suores, ptyalismo e lacrymejamento. Sensação de constricção e spasmos na garganta. Bachialgia e formigamentos nas pernas. Perturbações na vista. Tratamento—Duelias frias geiaes—Franklinisação. No fim das nove primeiras applicações o doente sentia-se muito melhor e nos disse : u vou indo tão bem que tenho medo de dizel-o ”. Mais cinco dias de tratamento, ao cabo de 14 applicações o doente refere-nos que a amyosthenia tem desapparecido assim como a cephaléa occipital, entretanto seguiu a pratica commum a tantos outros—abandonou o tratamento privando- nos da apreciação do resultado do metliodo que neste caso de- lineava-se rapidamente em 14 dias de tratamento. OBSERVAÇÃO VIII T. J. P., brazileiro, commerciante, de 45 annos de idade apresenta como symptomas principaes, perturbações dyspep- ticas, cephaléa neurastbenica, tonturas e zumbido nos ouvidos- Sugeitou-se ao tratamento pela electricidade statica sob a fórma de franklinisação e recebendo de Setembro a Dezembro, retira-se completamente curado ao cabo de 59 applicações. OBSERVAÇÃO IX F. S. N., brazileiro, commerciante, um tanto avançado em idade, contando 60 annos approximadamente. Accusa grande quebrantamento de forças o que torna penoso o menor exer- cício muscular, amyostlienia, perturbações dyspepticas e ee- phalalgias intensas. Prescreveu-se-lhe o uso das duehas escossezas e a frankli- nisação e tendo recebido de Setembro de 1891 a Março de .1892 um total de 105 applicações eonseguio melhoras conside- rabilíssimas apezar da sua avançada idade. OBSERVAÇÃO X A. S. moço de 25 annos de idade queixa-se de ceplialalgia occipital diaria, raehialgia, insomnia e tristeza intensa sem causa apreciável. Submettido ao tratamento pela frankli- nisação no fim de 15 applicações jnlgou-se completamente curado e abandonou o tratamento. Xão tendo esse doente vol- tado ao Estabelecimento acreditamos que a cura se tenha es- tabelecido por completo e a rapidez com queella accentuou-se, torna ocaso bastante interessante. OBSERVAÇÃO XI A. F., brazileiro, casado, de 40 annos de idade, eomrner- ciante. Ha muitos annos sente-se doente. Victima dos caprichos de um figado indomável, em certas occasiões eram enormes os seus padecimentos; apezar d’isso conserva o genio alegre e a custa de purgativos salinos ia supportando as crises conges- tivas que se repetiam com intervallos de 20 dias, de um mez, emíim, sem regularidade, sendo em geral provocadas pela in- gestão de certos alimentos ou por alguma preoccupação de espirito. Ha dous annos, porém, tendo se collocado á testa, de uma casa commercial que o obrigava a grandes trabalhos, começou a ver amiudarem-se os aecessos; agora era atacado todas as se- manas, passando ás vezes dous e tres dias seguidos em deplo- rável estado de superexeitação, mergulhado entretanto em grande hypocliondria. Completamente desaminado, tendo perdido a expansibili- dade que llie era própria, nem ao menos tinha animo de en- cetar qualquer tratamento. A instancias do Dr. Werneck 74 Machado, procurou o Estabelecimento e ahi pudemos observar o seguinte: pallidez cutanea, massas musculares bem desen- volvidas; zona de matidez hepatica excedendo de 4 dedos o rebordo das falsas costellas e estomago um tanto dilatado. O doente queixa-se de constipação rebelde, passando tres e quatro dias sem evacuar, accusa a casque, principal- mente na região occipital, raehialgia mais notável nas regiões cervieaes e sacra, esmorecimento geral. Este estado exacerbava-se quando tinha a menor contra- riedade. Havia já algum tempo que abandonara as occupa- ções que pareciam causa do seu estado e apezar d’isso conti- nuava a soffrer. Sempre em uso de medicamentos, entretanto, nenhum allivio ífelles encontrava. Estabelecido o diagnostico de neurasthenia foi instituído o seguinte tratamento: Duchas frias em jacto rápido sobre toda a superfície cuta' nea e demorado sobre a região hepatica; electricidade statica sob a forma de franldinisação. Recebeu com muita irregularidade durante o anuo de 1891—111 applicações e retirou-se completamente curado. OBSERVAÇÃO XII A. M. moço de 28 anuo» de idade, brazileiro, casado, alferes de cavallaria do exercito. Apresenta como symptomas principaes—dyspepsia fla- tulenta, atonia intestinal rebelde, dilatação do estomago, pro- lapso do recto; genio irritável e impressionavel, cephaléa, tonturas e palpitações. Tratamento.—Ducha fria geral movei—franklinisação, fa- radisaçao rectal e massagem faradica do ventre. Recebeu em Outubro e Novembro de 1892 11 applicações e como obtivesse poucas melhoras abandonou o tratamento voltando em Janeiro. Recomeça a tratar-se e depois de uin anuo de tratamento muito irregular apresentou-se curado. OBSERVAÇÃO XIII 0.0. homem de seus 85 aunos de idade, portuguez, ca- sado, negociante residente nesta Capital. Apresentava como symptomas principaes—dyspepsia flatulenta, amyosthenia, cephaléa neurasthenica. Tratamento—Duchafria geral em jacto—Franklinisação— Recebeu apenas 40 applicações de Outubro a Abril e apezar da irregularidade com que tratava-se, obteve sensíveis melhoras. OBSERVAÇÃO XIV Dr. V. M. brazileiro, casado, advogado nesta Capital queixa-se de dyspepsia flatulenta, cephaléa neurasthenica e insomnia. Submetteu-se a tratamento pela hydro e electrotherapia sob a forma de duchas frias em jacto e franklinisação. Ao cabo de 15 applicações sente-se muito melhor mas apezar disso abandona o tratamento eleetrico continuando en- tretanto, a fazer uso das duelias. I)ous mezes depois dis- se-nos que achando-se completamente curado abandonava o tratamento e ia entregar-se ás suas occupações com maior regularidade. OBSERVAÇÃO XV Cornmendador O. P. homem de idade avançada em o qual o professor Charcot diagnosticara tabes ãorsalis ha 14 annos, apresentava plienomenos de pura neurasthenia. Fez uso do tratamonto hydro-eleetrotherapico por espaço de 14 diqs. Ia colhendo resultados sorprehendentes quando aban- donou o tratamento por occasião da morte de sua mulher. 7 6 OBSERVAÇÃO XVI J. P. B. branco de 35 annos de idade, portuguez, guarda livros. Historia clinica—Refere-nos que desde menino foi muito nervoso, entrando na idade de 8 annos para um collegio de padres onde entregou-se com certo enthusiasmo ao vicio da masturbação. Aos 16 annos foi energico e trabalhador, possuindo certa força de vontade; tinha a intelligencia lúcida, mas resentia- se já da memória que era fraca. Foi sempre muito iiupres- sionavel, lítive sempre scismas. diz o doente, e urnas monomanias, que julgo herança de minha mãi, a qual, supponho, é hysterica, mas sem ataques.v Desde menino fui sempre doente do estomago, tendo digestões difficeis, acompanhadas de grande desenvolvimento de gazes e sensação de ardor na garganta. Aos 18 annos começou ater sonhos eroticos seguidos de perdas seminaes e quando acordava pela manhã sentia-se fraquíssimo e alagado em suor. Apezar de nunca ter sido gordo nesta época o seu emagrecimento accentuou-se. Aos 27 annos teve sypliilis (cancro unico que foi tratado localmente, seguido algum tempo de rheumatismo). Vntes, porém, aos 21 aunos, levado por desgostos de fa- mília deixou a patria e veio para a Bahia onde, logo após a chegada, começou a ter dores nevrálgicas na testa e perdia de dia para dia a vitalidade. Em 1885, estando em Lisboa, para onde fôra da Bahia, diz o doente que apanhou uma forte constipação, acompa- nhada de febre, nevralgias na testa e dores de ouvido, tão fortes que estivera 3 dias de cama e 5 dias depois, quando já se .achava melhor acordou paraplégico, com retenção de urinas sendo necessário retiral-as com auxilio da sonda. Foi diagnosticada por seu medico assistente uma congestão medullar, consistindo o tratamento na applicação de um caus- tico na espinha, com que melhorou bastante, conseguindo, porém, sahir á rua só no fim de dous mezes. Tres annos depois (1888) foi a Paris e esteve em tratamento na Salpetriòre com o professor Charcot, que prescreveu-lhe pontas de fogo ao longo do racliis, bromureto de potássio e gottas amargas de Beaumó; mas o doente não colheu grandes resultados. Diz o doente que desta época em diante aggravaram-se todos os incommodos antigos, fazendo datar d’ahi o começo da moléstia que tanto o aftiige hoje e que o inutilisa para o trabalho. Etiologia — Desta historia minuciosa que nos foi referida pelo doente destacam-se como elementos etiologicos: o ona- nismo, os desgostos de família, o abalo de uma longa viagem para um clima tropical e o depauperamento trazido por estados morbidos anteriores, sendo cada uma destas causas por si, suf- ficientes para determinar a nevrose de Beard. Além destes elementos, já poderosos, a influencia here- ditária até certo ponto e a residência nos grandes centros populosos luetando pela vida. Quando o doente iniciou o tratamento era este o seu — Estado actual — Homem de estatura regular, bastante magro, um tanto calvo, com um fácies insípido, se assim me posso exprimir, contraindo, indicando que por ali ha muito não passava o riso. Apresentava : Perturbações dyspepticas — Consistindo na demora das digestões, que são preguiçosas, sentindo o doente após as refeições, grande affrontação, calor no rosto, prostração e grande somnolencia, acompanhando a este estado palpitações do coração — Tem eructações gazozas e pyrosis. O estomago apresenta-se dilatado, destendido, apreciando-se perfeitamente o phenomeno da clapotage. Gargarejo na fossa illiaea esquerda atonia intestinal, passando o doente 6 e 8 dias sem evacuar. Perturbações genito-urinar ias — Impotência, desde que ficou paraplégico e em certas oeeasiões — incontinência de urinas. As urinas são pallidas, rudimentares, acidas, sem albumina, de densidade — 1016 — Perdas seminaes. 7 Cephaléa — Casque dos neurastlienicos, constituindo a placa occipital. Perturbações do somno—Som no acompanhado de sonhos eroticos, com perdas seminaes $ o doente desperta fatigado e abatido. Bachialgia e hyperesthesia spinal— Acentuando-se bem a placa sacra. Enfraquecimento muscular (amyosthenia). Sensação da fraqueza geral, aggravando este estado para a tarde. Vertigens, tremor das mãos, perturbações da vista, dimi- nuição dos sentidos do gosto e da olfação. Estado mental — Caracter sombrio, hypochondriaco, irri. tavel, pensamentos sinistros, desanimo geral, falta de auto» nomia e iniciativa, plienomenos de depressão intellectual. Tratamento—Foi-lhe prescripto : Franklinisação geue- ralisada. O doente recebeu em Outubro 24 applicações e em Novembro 6. Como ao cabo de 30 applicações o doente não apresentasse melhora alguma, a franklinisação foi posta de lado e substituída pela faradisação generalisada. A appli- cação era feita da seguinte fórma : um pólo era collocado no rachis e com o outro passeavamos rapidamente por todo o corpo. Recebeu durante o mez de Novembro 23 applicações e em Dezembro 18. Com estas applicações o doente começa a melhorar, havendo maior regularidade nas evacuações. D’alii por diante as applicações começam a ser feitas segundo o processo commum, isto é, collocando uma placa sob og pés do doente. Depois fazíamos particularmente a electrisação do estomago e dos intestinos alternando a vol- taisação negativa, 10 milliampéres, por 5 minutos com a massagem faradica. Todos os dias voltaisação descendente da medulla por 3 minutos e de 3 em 3 dias um banho statico- simples. Ao cabo de 22 applicações por esse metliodo as me- lhoras aceentuaram-se, as evacuações foram-se tornando mais- regulares, conseguindo o doente evacuar todos os dias; di- gestões mais fáceis, estado geral melhor, etc. Como persistisse ainda certa quantidade de gazes no es- tomago e o doente accusasse pyrosis, foi-lhe prescripto : Naplitol B. Magnesia. Salycilato de bismutho. Carvão. ana 5 granis. Em 25 capsulas. Para tomar tres por dia. De 18 de Janeiro em diante o doente deixou de vir ao Estabelecimento onde reappareceu em C de Fevereiro. Inda- gando do motivo das faltas vimos a saber que fôra por ter sido accommettido de febriculas e que depois, indo ao Banco Rural e Hypotliecario fazer um pagamento, fora roubado em 7:()00$000. Esse prejuízo para um homem que vive do seu ordenado foi de um effeito terrivel, aggravando-se o estado do doente com o abalo que experimentara, reapparecendo muitos dos symptomas que já se tinham quasi apagado. Quando recomeçou o tratamento estava magro e abatido tendo-se exagerado as perturbações nervosas. Entretanto, apezar de tudo persistiram as melhoras para o lado do appa- relho digestivo. Continuamos a fazer-lhe as applicações do seguinte modo: Fevereiro 5 — Yoltaisação descendente do rachis, 3 minutos, faradisação generalisada e massagem faradica dos intestinos. Banho statico; 6 — Yoltaisação do rachis, 3 minutos ; faradisação gene- ralisada; voltaisação negativa do estomago e intestinos, 10 milliampéres, 5 minutos; 7 — Yoltaisação do rachis, 3 minutos ; faradisação gene- ralisada e massagem faradica dos intestinos; 8 — Yoltaisação do rachis, 3 minutos ; faradisação gene- ralisada e voltaisação do estomago e intestinos, 10 milliam- 8o péres, 5 minutos. Banho statico. E assim por diante durante os dias 9, 10, 11, 12. Dia 12 — Evacuações regulares e diarias digestões mais fáceis, estomago menos distendido. Desappareceram as ver- tigens e o tremor das mãos assim como a cephaléa. Estado geral melhor, mais vivacidade de espirito, pliysionomia mais expressiva e genio mais communicativo. Para o lado das funcções genitaes continúa a impotência. O doente sente se perfeitamente melhorado, não accusa mais placas occipal e sacra persistindo ainda alguma amyosthenia; sensação de quebrantamento de forças. Continua em tratamento até o dia 28. As melhoras per- sistem e o doente tem dormido bem. Em Março além do tratamento instituído o doente faz uso do iodureto de potássio em pequenas doses a titulo de tonico. As melhoras continuam e a 9 de Março o doente deixa de comparecer. Em resumo : em sessões de um quarto de hora fazíamos a voltaisação do rachis aproveitando o poder tonico calmante da corrente voltaica ; a faradisação generalisada substituindo vantajosamente a franklinisação e massagem faradiea do estomago e intestinos. Oollocada uma placa na região sacra tomamos a outra com a mão esquerda e com a direita fazemos a massagem do estomago e dos intestinos. E’ um meio admiravel e por elie se combate a atonia gastro intestinal. Pelo emprego das correntes fracas desafiamos as contracções peristalticas dos intestinos; as correntes fortes comquanto provoquem contracções enérgicas dos musculos da parede abdominal, susta, entretanto a dos intestinos como magistralmente demonstraram Onimus e Legros. Em uma outra sessão também de um quarto de hora repetíamos a voltaisação do rachis e a faradisação generalisada e substituíamos a massagem faradiea gastro intestinal pela voltaisação. Com esta pratica obtemos não só os effeitos assigualados para a faradisação como, sendo o pólo negativo alcalino modificamos a acidez do estomago. De tres em tres dias era applicado o banho statioo como tonico e calmante. O processo descripto é complicado mas praticado é simples e diante dos resultados colhidos nesse doente o seu emprego deve ser aproveitado em muitos casos de neurasthenia. PROPOSIÇÕES Cadeira de Fhysica Medica I Devido á producção de correntes secundarias as pilhas perdem progressivamente a energia inicial, a este phenomeno dá-se o nome de polarisação. II Na pilha de volta nota-se claramente a dimi- nuição rapida da corrente. III O hydrogeno accumulando-se sobre o cobre e por sua affinidade pelo oxygeno, oppõe-se á decom- posição da agua, dando origem ás correntes secun- darias. Cadeira de Chimica Inorgânica Medica I O enxofre encontra-se na Sicilia e na Islandia em estado nativo. II O melhor dissolvente do enxofre é o sulfureto de carbono. III O enxofre fundido em um tubo fechado á lam- pada, pode permanecer liquido abaixo de seu ponto, ordinário de solidificação, denominando-se a este estado — superfusão. Cadeira de Botanica e Zoologia I Na luta pela vida só logram subsistir os animaes que reúnem maior somma de recursos, quer de força, quer de astúcia. II Como meio de defeza certos animaes dispõem da faculdade de mudar o colorido da pelle, de accordo com os objectos que os cercam. III A luta pela vida é um poderoso meio de selecção natural. Cadeira de Anatomia Descriptiva o . . . ... I O nervo de Cyon, descoberto por Ludwig e os irmãos Cyon é confundido no homem com o tronco do pneumogastrico. II Elle nasce por duas raizes sobre o laryngeo su- perior e sobre a porção cervical do pneumogastrico. III E’ um nervo moderador e de parada do coração. Cadeira de Histologia Theorica e Pratica I Dos corpos restiformes parte um grande numero de fibras que podem ser distinctas em internas e ex- ternas. II As fibras internas, descrevem no interior do bulbo, alças de concavidade superior e se continuam na linha mediana com as do lado opposto consti- tuindo a raphe mediana do bulho. III As fibras externas contornam as partes lateraes do bulho e vão se lançar no sulco mediano anterior. Cadeira de Chimica Organica e Biologica I O cyanogeno, CAz ou Cy, é um radical mono- atomico resultante da união de um atomo de azoto com um atomo de carbono. II Este radical entra em muitas combinações, deno- minadas cyanicas, entre outras: o acido cyanhydrico- ou prussico. III Os compostos cyanicos são raros na natureza. 88 Cadeira de Pathologia Geral I A herança goza de papel importante e muitas vezes preponderante na etiologia das moléstias ner- vosas. II A predisposição creada pela herança pode ser li- mitada em uma familia, a uma mesma parte do sys- tema nervoso, o encephalo por exemplo e manifestar- se por uma alteração d’essa parte, ou estender-se a todo o systema, dando lugar a que as moléstias dos descendentes se localisem sob formas diversas. III E’ assim que explica-se a transmissão integral de certas vesanias a varias gerações, bem como o facto de, em uma mesma familia, um individuo poder ser attingido pela alienação mental, outro de ataxia, outro de epilepsia, choréa, etc. Cadeira de Physiologia I Se excitarmos (com um mesmo excitante) dois pontos successivos de um nervo motor, obteremos duas contracções no musculo, sendo a rnais forte aquella produzida pela excitação do ponto mais affas- tado do centro. II O mesmo dá-se com os nervos sensitivos. Ch. Richet demonstrou que a excitação periphe- rica produz mais effeito que a excitação feita num tronco nervoso, mais proximo do centro. III Essa propriedade especial da fibra nervosa mo- tora ou sensitiva constitue o objecto da theoria da avalanche ou theoria de Pfliiger. Cadeira de Anatomia e Physiologia Pathologicas I O neurona de Waldeyer lesado é uma unidade physiopathologica. II As alterações do núcleo do neurona se reflectem sobre o cylinder axis e as outras partes constitutivas da fibra ou fibras nervosas. III A nevrite Wallerianna é observada nas fibras nervosas myelicas todas as vezes que estas são sepa- radas do seu centro trophico. 90 Cadeira de Chimica Analytica e Toxico- logica I D’entre os methodos geraes de pesquizas do ar- sénico figura o processo pelo apparelho de Marsh. II O pfocesso de Marsh consiste em transformar em hydrogeno arseniado volátil os compostos oxygena- dos ou chloruretados do arsénico, em presença do hy- drogeno. III Uma vez funccionando o apparelho de Marsh, obtemos pelo esmagamento da chamma resultante da inflammação do hydrogeno arseniado manchas sobre as quaes operamos para a caracterisação do arsénico. Cadeira de Fathologia Medica I A myelite aguda é caracterisada por perturbações da motilidade, sensibilidade e de nutrição. II A myelite aguda póde ser primitiva ou secundaria. III O frio é geralmente a causa da myelite primitiva e a myelite secundaria resulta da propagação de uma lesão visinha — mal de Pott, etc. 9i Cadeira de Pathologica Cirúrgica I O mal de Pott é uma affecção chronica da co- lumna vertebral reconhecendo geralmente por ponto de partida a tuberculisação das vertebras. II As suas causas predisponentes são todas as con- dições capazes de enfraquecer o organismo. III O mal de Pott se encontra ordinariamente nas crianças e nos adolescentes sendo muito mais raro nos adultos e nos velhos. Cadeira de Matéria Medica, Pharmacologia e Arte de Formular I Cliama-se dóse á quantidade de substancia medi- camentosa necessária para produzir um effeito thera- peutico desejado. II Essa quantidade que é variavel, tem seus limites máximos e minimos dentro dos quaeso clinico deve-se manter. III A acção do medicamento varia muitas vezes conforme a dóse empregada. 92 Cadeira de Operações e Apparelhos I A’ destruição dos tecidos aproveitando-se da acção chimica da corrente electrica, dá-se o nome de electrolyse. II O material empregado para a electrolyse cirúrgica varia conforme o fim a que se propõe. III Devido á acção oxydante da corrente electrica sobre certos metaes, se quizermos fazer a electrolyse de diversos tumores usaremos das agulhas de ouro ou de platina. Cadeira de Anatomia Medico-Cirurgica I Na medulla distingue-se tres substancias: a substancia parda que occupa a parte central, a sub- stancia branca envolvendo a primeira e a nevroglia que é constituída por tractos finíssimos que se insinuam entre os elementos medullares. II A substancia parda da medulla compõe-se de um substratum formado por fibras nevroglicas, cellulas nervosas, tubos nervosos e vasos. III A substancia parda é um centro para as acções reflexas. 93 Cadeira de Therapeutica I A tf initf ina (nitro glycerina) é empregada com vantagem no primeiro periodo da arterio-scleróse. II Baixando a tensão no interior do systema arterial augmenta, entretanto a diurese. III A sua solução ao centesimo na agua distillada segundo a formula de Huchard, constitue o modo commum de administração. Cadeira de Hygiene I A camada d’agua existente a certa profundidade da superfície do solo enchendo todos os seus vacuolos e repousando sobre a primeira camada impermeável constitue 'o lençol d'agua subterrâneo. II E’ com os accidentes da camada impermeável que lhe serve de leito e não com os accidentes de con- figuração exterior que o lençol chagua subterrâneo guarda relação. III D’ahi deduz-se que o lençol d’agua subterrâneo de uma localidade pode em vários pontos de seu tra- jecto contribuir para a formação de pantanos. 94 Cadeira de Medicina Legal I Da immunidade conferida pelo codigo penal aos indivíduos que tenham praticado um delicto em es- tado de loucura, resulta a frequência da simulação d’esse estado morbido perante os tribunaes. II Para que o medico legista possa julgar com segu- rança do estado mental d’um indivíduo, cumpre pos- suir além do conhecimento perfeito das different-es formas clinicas da alienação mental, uma certa pra- tica de lidar com criminosos. III Do interrogatório formulado pelo perito depende muitas vezes o diagnostico da loucura falsa ou verda- deira; como diz Guislain : é preciso saber prescrutar o entendimento da pessoa, sondar o receptaculo de suas idéas, explorar o seu pulso moral. I Chama-se aborto á expulsão do producto de con- cepção durante os seis primeiros mezes de gravidez ou á expulsão dum feto que não tenha attingido a termo de viabilidade. II O aborto póde ser natural ou provocado. Cadeira de Obstetrícia III As indicações para provocação de aborto residem principalmente nos accidentes que façam perigara vida da mulher—vomitos incoercíveis, alterações do sys- tema nervoso etc. Cadeira de Clinica Propedêutica I Os dados propedêuticos fornecidos pela explo- ração electrica da excitabilidade neuro-muscular são de duas ordens: quantitativos e qualitativos. II A alteração quantitativa da excitabilidade elec- trica nem sempre indica existência de lesão porquanto está também ligada á múltiplas causas de resistência, tanto que é observada em pleno estado hygido. III A alteração qualitativa, isto é, a inversão da lei dos abalos indica sempre existência de lesão porque, não dependendo de causas de resistência, só se observa em estado pathologico. Segunda Cadeira de Clinica Cirúrgica I A incisão da parede abdominal com o fim de pôr a descoberto em maior ou menor extensão as vísceras abdominaes constitue a operação denominada lapa- rotomia. II O mais das vezes a laparotomia representa o pri- meiro tempo de uma outra operação; ella é feita al- gumas vezes a titulo de operação exploradora. III Com os progressos da antisepsia pode-se dizer que desappareceu a gravidade da laparotomia. Cadeira de Clinica Dermatológica e Syphiligraphica I Os estudos sobre o envolucro cutâneo, constituem sem duvida uma das divisões da Pathologia Medica, que mais importante desenvolvimento tem tomado n’estes últimos tempos. II De todo esse vasto capitulo, porém, salienta-se com extrardinario brilho o importante e extenso grupo das dermatonevroses inquestionavelmente uma das mais bellas conquistas da dermopathologia frclnceza con- temporânea. III Os resultados práticos que esses estudos vieram trazer á sciencia medica, rompem por completo a tenue barreira que já difficilmente se conservou entre a neuro e a dermophathologia. 97 Cadeira Clinica Ophtalmologica I A keratite neuro-paralytica é uma consequência de paralysia do 50 par. II Esta keratite é geralmente chronica e desenvol- ve-se pouco tempo depois da paralysia. III As paralysias parciaes raramente determinam essa affecção. Primeira Cadeira de Clinica Cirúrgica I A laringectomia ou ablação do larynge pode ser total ou parcial. II Ordinariamente a ablação parcial consisiste na excisão da metade lateral do orgão. III Para esta operação é indispensável a tracheotomia. Segunda Cadeira de Clinica Medica I O tétano é uma moléstia de natureza microbiana devida ao bacillus tetanigeno ou de Nicolayer. II Para o tratamento do tétano vários agentes têm sido empregados tendendo todos a moderar o poder excito motor da medulla. w.—13 98 III A electricidade applicada sob a fórma de correntes continuas descendentes no rachis tem conseguido esse desideratum. Cadeira de Clinica Pediátrica I A broncho pneumonia é uma moléstia que ataca frequentemente as creanças na primeira infancia. II Dadas as condições de uma medicação conve- niente, o prognostico é em geral benigno. III Facilitar por todos os meios hygienicos a funcção respiratória, apressar a sahida dos exsudatos—eis de um modo geral como se deve combater essa phleg- masia. Primeira cadeira de Clinica Medica I D’entre as nevrites infecciosas primitivas, des- taca-se como typo a—beriberica. II Além dos symptomas proprios ás nevrites, esta especie ainda apresenta: o desdobramento da se- gunda bulha no fóco da artéria pulmonar e a zona tri- angular externa perimalleolar de Pekelharing. 99 III O seu tratamento consiste na remoção do doente para longe do foco morbigenico, tonificação e ele- ctricidade. Cadeira de Clinica Obstétrica e Gí-ynecologica I Nos casos de placenta previa, constituindo a hemorrhagia genital o accidente mais perigoso, o tratamento é feito nesse sentido. II Dentre os numerosos methodos de tratamento, salientam-se—o tamponamento vaginal pelo processo de Leroux e a ruptura das membranas precedida ou seguida da applicação de um sacco de Barnes. III Nos casos em que a placenta previa se denunciar durante a prenhez nunca se deve fazer a ruptura das membranas. Cadeira de Clinica Psychiatrica e Moléstias Nervosas I Para muitos autores, hystericos e degenerados hereditários se confundem. II A hysteria é una e indivisa, ella conserva sua autonomia na esphera psychica como na esphera dos symptomas physicos. IOO III Quando os hystericos tornam-se alienados trata-se de uma combinação da hysteria e da degenerescencia evoluindo lado a lado. IMITIS IPfflMI I Quoe medicamenta non sanant, ea ferrum sanat, quce ea ferrum non sanat ea ignis sanat; quoe vero ignis non sanat, Insanaoilia existimare opportet. Sect. VIII Aph. VI. II Ubi somnus delirium sedat, bonum. Sect. II. Aph. II. III Somnus, vigilia, utraque modum excedentia ma- lum denunciant. Sect. II. Aph. III. IV Metus et tristitia, si diu perseverent, melanco- licoe, istud indicium est. Sect. VI. Aph. XXIII. V Spontanoe lassitudines morbus denunciant. Sect. VII. Aph. XI. VI Si cui convulsione aut distentiones nervorum detentes febris succerit, morbum salvit. Sect. IV. Aph. V. Visto. — Secretaria da Faculdade de Medicina e Pharmacia do Rio de Janeiro, 22 de Outubro 1896. O secr etário, Dr. Antonio de Mello Muniz Maia.