MIU11 li BUI 111111 Jililll THESE bO Ifflp f p n a 111 «.. • • . , , ,, Juào da Costa Lima e Castro ( Clinica cirurS,ca de adullos- Hilário Soares de Gouvêa Clinica ophthalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho Clinica obstétrica e gynecologica. Cândido Barata Bibeiro Clinica medica e cirúrgica de crianças, João Pizarro Gabizo Clinica de moléstias cutaneas s syptul- ticas. João Carlos Teixeira Brandão Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO DE ADJUNTOS Augusto Ferreira dos Santos Chimica medica e mineralogia. Antonio Caetano de Almeida Anatomia topographica, medicina opera- tória experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Oscar Adolplio de Bulhões Ribeiro Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade Hygiene e historia da medicina. José Benicio de Abreu Matéria medica e therapeutica especial- mente brasileira. ADJUNTOS José Maria Teixeira Physica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça Botanica medica e zoologia. Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz Chimica organica e biologica. Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes Anatomia e physiologia pathulogicas. Phannacologia e arte de formular. Henrique Ladisláu de Souza Lopes Medicina legal e toxicologia. Francisco de Castro \ Eduardo Augusto de Menezes / , , ,, Bernardo Alves Pereira Ch,nca medica de adultos. Carlos Rodrigues de Vasconcellos j Ernesto de Freitas Crissiuma \ Francisco de Paula Vailadares f m-,- • . , , Pedro Severiano de Magalhães i Clinica cirúrgica de adultos. Domingos de Góes e Vasconcellos J Pedro Paulo de Carvalho Clinica obstétrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Costi Chaves de Faria Clinica de moléstias cutaneas e syphili- ticas. Carlos Amazonio Ferreira Penna Clinica ophthalmologica. Clinica psychiatrica.' B.— A Faculdade não approva nem reprova as opiniões euiiuidas nas tuese aue lhe são apresentadas. l’yp. e litli. do J. D. de Oliveira — Rua do Ouvidor u. ltl. DISSERTAÇÃO CADE1IU DE PAXIIOLOGIA GERAL Da Icterícia. PROPOSIÇÕES CADEIRA DE MEDICINA LEGAL Caracteres das manchas de sangue CADEIRA DE CLINICA CIRURCICA Da ischemia cirúrgica e de sua influencia sobre 0 resultado das operações cirúrgicas CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E TIIERAPEUT1CA, ESPECIALMENTE BRAZILEIRA Acção physiologica e therapeutica do leite APRESENTADA A’ FACULDADE DE MEDICINA DO R!0 DE JANEIRO em 29 de Setembro de 1883 em 19 de Dezembro do mesmo anno PELO e4,^-0'7^1?/& ■, eJ rrA c/c- Natural de Minas-Geraes (S. Gonçalo do Sapucahy) Typ. tíc JT. JO. de Oliveira = Mn a do Ouvidor, 14 2. 1883 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO DIBECTOH Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia. VICE-DIRECTOIt Conselheiro Dr. Antonio Corrêa de Souza Costa. SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. Drs. : LENTES CATHERR ÁTICOS João Martins Teixeira Physica medica. Conselheiro Manoel MariadeMoraeseValle. Ghimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro Botanica medica e zoologia. José Pereira Guimarães Anatomia descriptiva. Cons ellieiro Barão de Maceió Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire Júnior Chimica organica e biologica. João Baptista Kossuth Vinelli Physiologia theorica e experimental. João José da Silva Pathologia geral. Oypriano de Souza Freitas Anatomia e physiologia pathologicas, João Damasceno Peçanha da Silva Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco Pathologia cirúrgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga Matéria medica e therapeutica, especial- mente brasileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior Obstetrícia. Cláudio Velho da Motta Maia Anatomia topographica, medicina ope- ratória experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Conselheiro A. C. de Souza Costa Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos Pnarmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima, Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem... ) p,. • m , , ,, Domingos de Almeida Martins Costa I 01luica medica de adultos‘ Cons. Vicente Cândido Figueira deSaboia.. ) ni;„• . , , João da Costa Lima e Castro í Ghmca cuurSlca de adultos. Hilário Soares de Gouvêa Clinica ophthalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho Clinica obstétrica e gynecologica. Cândido Barata Bibeiro Clinica medica e cirúrgica da crianças, João Pizarro Gabizo Clinica de moléstias cutaneas s syphil- ticas. João Carlos Teixeira Brandão Clinica psycliiatrica. Augusto Ferreira dos Santos Ghimica medica e mineralogia. Antonio Caetano de Almeida Anatomia topographica, medicina opera- tória experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade Hygiene e historia da medicina. José Benicio de Abreu Matéria medica e therapeutica e.q)ecial- mente brasileira. LEMES SUBSTITUTOS SEKYLXOO DE ADJUNTOS José Maria Teixeira Physica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça Botanica medica e zoologia. Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz Ghimica organica e biologica. Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes Anatomia e physiologia pathologicas. . Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladisláu de Souza Lopes Medicina legal e toxicologia. Francisco de Castro \ Eduardo Augusto de Menezes / Bernardo Alves Pereira i Clinica medica de adultos. Carlos Rodrigues de Vasconcellos ) Ernesto de Freitas Crissiuma \ Francisco de Paula Valladares / n,.„. „ . , . Pedro Severiano de Magalhães i G llca cirurgica de adultos. Domingos de Góes e Vasconcellos ) Pedro Paulo de Carvalho Clinica obstétrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Costi Chaves de Faria Clinica de moléstias cutaneas e syphilt* ticas. Carlos Amazonio Ferreira Penna Clinica ophthalmologica. Clinica psychiati ica.' ADJUNTOS N. B^—A Faculdade não approva nem reprova as opiniões euiitinlas ias ttiese uue lhe são apresentadas. Typ- e lith.de J. D. de Oliveira — Rua do Ouvidor n. IU, ERRATA Pagina Linha Onde se lê Leia-se 5 14 thoraxico thoracico 6 5 assentem assestem 14 33 formulada formulado 19 8 bilipheina hemapheina 32 2 idiopatica idiopathica 32 22 » » 33 11 >> » ICTERÍCIA Definição O phenomeno morbido que escolhemos para o assumpto da nossa dissertação—a icterícia—, phenomeno ao qual se tem ainda dado as denominações de aurigo, morbus regius, morbus arqua- tus,fellis suffusio, obstructio, etc., e que sempre attrahiu a atten- ção dos observadores em consequência de sua importância, tem sido por estes definido de vários modos. Em grande numero dTessas definições vê-se o pigmento biliar, a bilirubina, entrar como o elemento productor exclusivo do es- tado morbido de que nos vamos occupar. Murchison, por exem- plo, no seu excellente livro sobre moléstias do fígado, diz o se- guinte : « On donne le nom d’ictère à la coloration en jaune des tégu- ments et des conjonctives, et des tissus et des sécrétions en géné- ral, par suite de leur imprégnation de pigment biliaire. » E’ esta, com mui pequenas variantes, a definição que se lê em Frerichs (Moléstias dofigado), em J. Simon (Diccionario de me- dicina e cirurgia de Jaccoud—artigo icterícia), e em muitos ou- tros auctores. Mas, se é verdade que em grande numero de casos, ou antes na maioria d’elles. a reabsorpção biliar nos dá conta da ictericii, por outro lado parece que em muitos outros não podemos app 1- lar para a impregnação dos tecidos pela bilirubina como condição pathogenica d’este phenomeno. Com effeito, casos ha de icterícia em que, além da côr das urinas e da pelle não ser tão intensa, não se notão certo- pheno- menos (lentidão do pulso, prurido, erupções cutaneas etc que. como veremos, são commummente observados ao lado das icte- 4 ricias ligadas evidentemente á reabsorpção biliar. Ainda mais, e isto é de suinma importância, o exame das urinas por meio do acido azotico azotoso, que é o reactivo por excellencia da bilirubi- na, não denuncia em semelhantes casos traço algum d’esta maté- ria corante. Mais tarde diremos como se deve proceder para obter esta reacçao, que é conhecida pela denominação de reacçaó de Gmelin, assim como faremos ver de que modo por meio d’ella a matéria corante da bile se caracterisa. Por estas e muitas outras razões, queem occasião mais op' portuna serão expendidas, nos parece que a definição de MurchL son e as que d’ella se approximão não abrangem todos os casos de ictericia : não incluem em si aquellas icterícias á que o professor Gubler deu o qualificativo de hemapheicas. E como achamos que este auctor tem razão dividindo as icterícias em bilipheicas e he- mapheicas, conforme a impregnação do organismo se faz pela bilirubina ou por um pigmento diverso que elle denominou he- mapheina, adoptaremos a definição dada por Laveran e Teissier, definição que está perfeitamente em harmonia com a maneira de pensar de Gubler. Eis como aquelles auctores se exprimem : « L’ictére est un symptôme morbide caractérisé par une colo- ration pigmentaire spéciale des tissus et des liquides de Torganis- me, que ce pigment vienne du sang ou, ce qui est le cas le plus fréquent, de la bile. » 5 Pathogenia No estudo da pathogenia da ictericia seguiremos o methodo de Murchison, que considera todos os casos d’este estado morbido incluídos em uma das duas categorias seguintes: casos em que existe um obstáculo mecânico á passagem da bile para o duodeno, e casos em que isto se não dá, isto d, o liquido biliar continúa a ser lançado no intestino. I Conhecida desde Galeno e formulada em theoria por Monro e Van Swieten. a icterícia por obstáculo á excreção biliar foi de- monstrada em 1795 pelas experiencias de Saunders. que, ligando o canal choledoco de cães e sacrificando-os no fim de duas horas, vio que os lymphaticos das paredes dos conductos biliares e as veias superhepaticas apresentavão-se corados pela bile; a côr amarella própria d’esta secreção foi também observada no con- teúdo do canal thoraxico e nos ganglios lymphaticos circum- vizinhos. Heidenhaim, Frerichs, Audigé, Cl. Bernard, etc., repetirão as experiencias feitas por Saunders, e, divergindo apenas em rela- ção ao tempo necessário para que se effectue a reabsorpção biliar, confirmarão plenamente o que aquelle experimentador havia observado. Para comprovar as experiencias feitas relativamente á reabsor- pção da bile por este modo, Heidenhaim introduzio um tubo no canal choledoco, collocando-o verticalmente afim de augmentar a pressão nos conductos excretores, e por elle injectou uma solução de sulphato iodado de indigo. N’estas condições, notou este experimentador que as serosas, as mucosas e as urinas do animal se apresentavão coloridas de azul, do mesmo modo que se tingi- rião de amarello se, ao em vez de injectar aquella solução, tivesse elle praticado a ligadura do canal choledoco, 6 Desde então ficou conhecida a classe de icterícias dependentes da reabsorpção biliar, em virtude de um obstáculo á passagem da bile para fóra da glandula hepatica. Facilmente se comprehende que todos os obstáculos, quer se assentem no interior dos canaes biliares (cálculos, rolha mucosa da angiocholite, vermes, etc. ), quer exerção sobre estes uma compressão mais ou menos pronunciada {tumores do figado, tumores dos orgãos vizinhos, etc.), actuão do mesmo modo, isto é, produzindo a obliteração ou o estreitamento mais ou menos completo dos conductos biliares. Como consequência immediata d’esta obliteração ou d'este estreitamento temos, áquem do obstá- culo, uma dilatação dos canaes biliares por parte da bile. que con- tinha a ser segregada e que vae soffrendo uma stase mais ou menos completa. Esta distensão anormal e excessiva do apparelho biliar aug-menta a superfície por onde se fazia a diffusão physiolo- gica, a pressão exercida sobre esta superfície também cresce na razão directa da stase, e, pois, dá-se a absorpção da bile em grande quantidade. A consequência natural d’este facto é a icterí- cia, que será tanto mais intensa quanto mais pronunciado fôr o obstáculo. Passemos a tratar das differentes theorias que têm sido apre- sentadas para explicar os casos de icterícia em que não podemos appellar para um embaraço mecânico á passagem da bile para o intestino delgado. II Icterícia por falta de secreção. —Theoria de Budd. —A theoria da icterícia por falta de secreção biliar, por não funcção do figado, por não separação dos elementos da bile tem por base a hypothese de que estes elementos já se acham completamente formados no sangue, e o figado, á maneira dos rins em relação á uréa, não faz mais do que separal-os do meio interno. Ella já era conhecida e defendida por Glison, Morgagni e Van Swieten ; mais tarde Budd, Andral, Bamberg, Harley etc., adoptarão-n’a também, notando-se que este ultimo só considerava como preexistindo no sangue — o pigmento biliar. 7 Se, em consequência de uma causa qualquer, dizem os defen- sores d’esta theoria, o fígado não póde separar ou separa insuffi- cientemente do sangue a bile, quer em natureza, quer em seus elementos, estes se accumulão nos vasos saoguineos e, levados a todos os orgãos e tecidos da economia, vão produzir os phenome- nos que caracterisão a icterícia. A hypothese em que se baseão os auctores e defensores d’esta theoria, aliás tão simples e commoda,'não é verdadeira ; porquan- to, se é verdade que a cholesterina e outros principios constituintes da bile existem normalmente no sangue, os ácidos e a matéria corante, que são os principios caracteristicos d'aquelle producto de secreção, não teem sido physiologicamente encontrados ahi. E’ assim que Lehmann, depois Frerichs, Goroup-Bezanez e ou- tros, analysando com muito cuidado o sangue da veia porta, nunca conseguirão encontrar o mais leve traço dos elementos biliares ; d’onde legitimamente concluirão estes experimentadores que os principios da bile devião se formar na glandula hepatica. E com tanto mais razão assim pensarão, quanto essas mesmas analyses lhes demonstrarão que certos elementos que penetrão no fígado com o sangue da veia porta (globulos vermelhos, albumina, fi- brina, matéria graxa, saes mineraes, etc.), não são encontrados nos vasos efferentes (veias super-hepaticas), sendo de suppôr-se que tenhão sido gastos na formação da bile e da substancia glyco- genica. Mais concludentes ainda são as experiencias feitas por Muller, Kunde e Moleschot. Estes praticarão a ablação do fígado em rãs, e a analyse do sangue feita no fím de alguns dias e mesmo depois de duas ou tres semanas, não revelou existência de pigmento nem de ácidos biliares. Ainda com o fim de demonstrar que os principios da bile não existem preformados no sangue, tem-se tratado este liquido em es- tado normal pelo acido azotico azotoso, que denuncia traços de pigmento biliar nas urinas de certos ictéricos, e o resultado tem sido ausência completa dlesta matéria corante. Eis como se procede na reacção pelo acido azotico azotoso. Fazendo-se cahir gotta a gotta este acido em uma capsula contendo solução de bilirubina, embora a quantidade d‘este principio co- rante existente na solução seja pequena, o liquido passará neces- 8 sariamente pelas cores verde, azul, violete, vermelho e amarello escuro. Esta reacção, que é conhecida pela denominação de rea- cção de Gmelin, terá logar sempre que houver a cautela de proce- der lenta e gradualmente. Se, pois, está demonstrado que os princípios da bile não pre- existem no sangue, mas são um producto da actividade da glân- dula hepatica, não parece razoavel a theoria que teve por base uma hypothese falsa. Além de que, se a theoria por não secreção hepatica fosse uma realidade, n’aquellas affecçóes que compromet- tem directamente o figado trazendo destruição mais ou menos com- pleta de seus elementos, deveríamos observar os phenomenos morbidos proprios da ictericia dependente da presença de bile no sangue (ictericia bilipheica). Isto porém não se dá, como de- monstrão as observações dos práticos, excepto em relação á cir- rhose hypertrophica em cujo quadro symptomatico a ictericia é tão frequente, que Hanot deu á esta affecção a denominação de cirrhose hypertrophica com ictericia chronica. Icterícia por alteração do sangue. — A reabsorpção da bile nem sempre, como já dissemos, explica a icterícia. E’ em taes Casos que os auctores appellão para uma alteração do sangue, va- riando entretanto o modo pelo qual a explicao. Já os antigos conheciao a necessidade d’isto ; porém as theo- rias que teem sido apresentadas—« só nos últimos tempos é que têm adquirido uma forma realmente scientifica ». Galeno dizia que o sangue se transforma em bile, e Grant, que na parte amarella do serum existia o sueco biliar. Muito mais explicito, Bianchi, que viveu no começo do século XVIII, affirma que a côr ictérica reconhece por causa, quer uma dissolução muito rapida das liematias, quer uma alteração do figado. Senac dizia : « a parte vermelha do sangue fórma a matéria própria da bile », formula algum tanto vaga, mas não completamente destituída de fundamento. Mais tarde Breschet assim se exprimia : « Je pre- sume que rictère est occasíoné bien rnoins par la bile que par le sang ». A icterícia por alteração do sangue não póde ser contestada ; a maneira, porém, de explical-a é que não é a mesma para todos. Uns seguem a theoria hematica ou dos pigmentos,e n’este numero 9 estão Breschet, Dubreuil, Virchow, etc.; outros, acompanhando Gubler, adoptão a theoria á que este deu o nome de hemapheica. Theoria hematica.—Aquelles que admittem a theoria cha- mada hematica ou dos pigmentos, explicão a icterícia dizendo que debaixo da influencia de condições pathologicas especiaes os gló- bulos sanguíneos são destruídos e sua matéria corante transfor- mada em pigmento biliar, independentemente do fígado, pigmento que vae tingir os orgãos e tecidos da economia. Antes de indagarmos da possibilidade ou nao das hematias dissolvidas na massa do sangue constituírem a bilirubina. sem a intervenção do fígado, como querem os que abraçao esta theoria, diremos algumas palavras á respeito das matérias corantes biliar e sanguinea. A matéria corante biliar — bilirubina ou cholepyrrhina, —- matéria de que se derivão outros chromogenos.taes como a biliver- dina, a bihprasina, a biíifuscina e a bilihumina de Stoedeler, apresenta muitos pontos de contacto com a matéria corante do sangue — a hematina ou hematoidina. Com effeito, de um lado a analogia de composição chimica entre ellas é grande, assim como a fórma cristallina, que é a de prismas oblíquos de bases rhom- boedricas; de outro, a reacção de Gmelin, qu é caracteristica para a bilirubina, tem também logar com a matéria corante san- guinea, segundo affirmão Virchow, Gubler e todos os auctores. Uma importante differença, porém, as separa, e é a seguinte : passando ambas pelas diíferentes cores que o acido azotico deter- mina ( verde, azul, violete, vermelho e amarello escuro), com- tudo, tratando-se da bilirubina a cor verde predomina e é persis- tente, ao passo que em relação á hematoidina a cor violete é a que persiste definitivamente. Isto posto, vejamos se as experiencias prestão apoio á theoria, segundo a qual, destruídos os globulos sanguíneos debaixo de influencias especiaes, a matéria corante d’estes globulos se transfor, ma em pigmento biliar sem a intervenção da glandula hepatica. pigmento que é levado com o sangue e vae determinar a ictericia- Zenker e Otto Funke dizem ter obti Jo da acção pro longada do ether, a transformação directa da matéria corante biliar em matéria corante sanguinea. VuUian procurou ver o 10 valor d‘esta asserção, submettendo á acçao do ether, como elles fizerão, bile fresca de boi ; porém os resultados forao negativos : não lhe foi possível obter hematoidina. Max Hermann affirma ter verificado côr ictérica nas urinas de um animal em cujas veias havia injectado agua ; porém Vulpian, Tarchanoffe, Naunyn. Steiner, etc., repetirão as experiencias de Max Hermann e de modo algum conseguirão os mesmos resulta- dos. Vulpian, por exemplo, injectou por diversas vezes agua distillada nas veias de gatos, e nunca conseguio traços sequer de pigmento biliar nas urinas, nem tão pouco vio a icterícia se manifestar. Em vez d'agua injectou sangue desíibrinado, como já tinhão feito Tarchanoffe Naunyn, e ainda como estes Vulpian não encon- trou pigmento biliar na urina. Vê-se, portanto, que os resultados experimentaes são contra- rios á theoria hematica ; que determinando a dissolução dos globulos vermelhos do sangue, já injectando agua, já injectando sangue desíibrinado nas veias de animaes, os experimentadores, excepto Max Hermann, não conseguirão fazer com que a icterícia se manifestasse, não lhes sendo possível mesmo descobrir pigmen- to biliar nas urinas. E como de outro lado não se tem conseguido transformar a hemoglobina do sangue em bilirubina por meio das reacçÕes chi - micas, não obstante a grande analogia que entre estas substancias existe, os auctores concluem que sómente o fígado é capaz de semelhante transformação, e que por isso a theoria de Breschet não deve ser acceita. Antes da theoria hemapheica de Gubler, exporemos uma outra — a de Kuhne — que acredita também n’uma alteração directa do sangue para explicar a ictericia. Mas como foi refu- tando uma interpretação dada por Frerichs á ictericia hematica, e servindo-se das experiencias d‘este auctor, que Kuhne apresen- tou sua theoria, diremos em primeiro logar algumas palavras á respeito da concepção d’aquelle illustre professor de clinica medica. Theoria dos chrdmogenos de Frerichs. — Para este pratico a ictericia está na dependencia, ou de uma retenção de bile, ou de 11 perturbaç5es da circulação hepatica trazendo como consequência diífusao anormal d’este producto de secreção, ou ainda de « per- turbações na transformação da bile, diminuição da quantidade consumida no sangue. » E’ esta terceira explicação que constitue a theoria dos chromo- genos, baseada por Frerichs na hypothese de que os ácidos copu- lados da bile (taurocholjco e glycocholico J se transformão em pigmento biliar. Vejamos como ella é concebida. No estado normal, diz elle, os ácidos biliares absorvidos pelos intestinos se transformão no sangue e dão origem á pigmento biliar ; este, á medida que se produz, soffre oxydação, muda de natureza e é eliminado com as urinas no estado de urochromo. Quando, porém, debaixo da influencia de certas causas, em con- sequência de estados morbidos especiaes, continúa elle, o traba- lho de oxydação não se faz com uma actividade sufficiente, o pigmento não é transformado ou destruído, e então passa para as urinas e para os differentes tecidos, ficando assim constituída uma icterícia mais ou menos pronunciada. Para confirmar sua theoria Frerichs tratava bile, completa- mente descorada, pelo acido sulphurico concentrado, e via que se formavão productos que, expostos ao ar ou debaixo da acção do acido azotico, adquiriao uma outra côr e apresentavão as propriedades que caracterisão a matéria corante biliar. A’ estes productos elle deu o nome de chromogenos. Ia mais longe : injectava na veia femoral ou na jugular de cães bile perfeitamente descorada, ou os saes biliares puros, e o exame das urinas lhe demonstrava a existência de pigmentos biliares. Cumpre, porém, notar que nem sempre isto se dava, pois em 29 experiencias que fez, 10 vezes Frerichs não encontrou traços sequer de matéria corante biliar nas urinas dos animaes em experiencia. O que contribuia ainda mais para Frerichs acreditar que os ácidos biliares por elle injectados se havião transformado em pigmento, era o facto d’estes ácidos não serem encontrados na urina dos animaes. Apezar da consideração que merece Frerichs, a theoria dos chromogenos é tida geralmente como ainda não demonstrada 12 expcrimentalmente, e nos parece que as impugnações que ella tem soffrido ao de bastante valor. Assim, como faz notar o professor Vulpian, a experiencia de Frerichs não convence, porque elle introduzia na circulação matérias que pódem actuar sobre o fígado e determinar pertur- bações funccionaes taes d’este ofgão que a icterícia seja a conse- quência. De outro lado os ácidos biliares são absorvidos pelos intestinos sómente depois de terem soffrido transformações, e Straus affirma que Frerichs acredita em sua absorpção em natureza. ‘ Finalmente, além dos resultados das suas experiencias não terem sido constantes, porquanto em 29 experiencias elle só encontrou pigmento na urina 19 vezes, ainda objectão que os ácidos biliares mjectados por Frerichs bem podião ter actuado sobre o proprio sangue. Theoria de Kuhne e Hoppe. — Estes auctores, para os quaes a icterícia ainda reconhece por condição pathogenica uma altera- ção directa do sangue, muito trabalharão afim de que a theoria dos chromogenos fosse posta á margem. Começarão dizendo que se nas experiencias de Freriehs os ácidos biliares não erão encon" trados na. urina, isto- dependia da insufíiciencia do reactivo de Pettenkofer, e não porque, como queria aquelle experimentador, se tivessem transformado no sangue em pigmento biliar ; que estes ácidos são encontrados desde que se torne o reactivo bem sensivel, e que de nenhum modo se transformão em matéria corante biliar para produzir-se a icterícia ; que, portanto, o modo de vêr de Frerichs é infundado. O reactivo de Pettenkofer é o melhor meio de descobrir-se ácidos biliares. Toma-se a urina ou o liquido suspeito, ajunta se- lhe algumas gottas de uma solução de assacar de canna. e em seguida faz-se cahir gotta a gotta acido sulphurico concentrado, d* maneira que a temperatura não vá além de 5o a 60 gráos. Se houver ácidos biliares, obtem-se por agitação uma côr verme- lha, que depois se torna violete. Hoppe e Kuhne partem do mesmo ponto que Frerichs na explicação que dão para a icterícia; isto é, como este, admittem que os ácidos biliares são reabsorvidos em natureza 13 pelos intestinos ; mas ao passo que Frerichs acredita que estes ácidos, uma vez em contacto com o sangue se transformão em pigmento biliar e este produz ictericia, aquelles auctores suppõem que elles dissolvem um numero mais ou menos considerável de globulos sanguíneos, libertão a hemoglobina e esta dá origem á hematoidina, que se transforma, no proprio sangue, em matéria corante biliar, produzindo se d’este modo a ictericia hematogena • Semelhante theoria apresentada em substituição á de Frerichs tem sido por sua vez contestada pela grande maioria dos aucto- res, visto como, se não se póde contestar a acção dissolvente dos ácidos biliares relativamente ás hematias, o mesmo não acontece quanto a outros pontos em que Hoppe e Kuhne se fundão. Primeiro que tudo, como faz Frerichs, elles admittem que os ácidos biliares são normalmente reabsorvidos em natureza, o que não é exacto. « Si cette théorie était fondée, on devrait, ce semble, voir se produire un ictère plus ou moins prononcé, toutes les fois que par une cause ou par une autre, la substance colorante du sang serait mise en liberté. » ( Vulpian. ) Tem se, por exemplo, injectado agua nas veias de animaes e assim posto em liberdade a matéria corante do sangue ; porém, a não ser Max Hermann, os experimentadores não têm encontrado na urina matéria corante biliar. Contra esta theoria temos ainda as experiencias, já citadas, de Naunyn e Vulpian, que injec(avão solução aquosa de hemoglo- bina no sangue, não só elles como muiios outros e o proprio Kuhne, e não encontravão absolutamente pigmento biliar nas urinas. N’este caso, como vê-se, em vez de começar por libertar a hemoglobina, já a injectavão dissolvida, porque « se bastasse que globulos vermelhos do sangue fossem destruídos para que pigmen- to biliar se originasse á custa da hemoglobina posta em li- berdade, a maneira a mais simples de realizar a experiencia consistiria em injectar nas veias do animal uma solução de hemo- globina. » (Straus. ) Theoria hemapheica. — Uns explicilo a ictericia ligada á uma alteração do sangue pela theoria hematica ou dos pigmentos, já o dissemos, outros pela theoria chamada hemapheica. 14 Foio professor Gubler quem, em 1867, creou esta ultima theo- ria, posta em duvida e objectada por homens eminentes como J. Simon, See e Vulpian, mas, por outro lado, aceita por grande numero de auctores não menos recommendaveis. Depois do de Gubler, vários trabalhos têm sido publicados relativamente á certos pontos da theoria hemapheica, taes como o de E. Michel ( Da icterícia hemapheica ), o de Dreyfus- Brisac ( Da icterícia hemapheica sobretudo debaixo do ponto de vista clinico), os de Porak (Icterícia dos recem-nascidos), Rousseau, Levy, etc. Vejamos, antes de tudo. de que modo se apresentão as urinas hemapheicas, e quaes os symptomas que, sendo commummente observados na icterícia dependente de reabsorpção biliar (icterí- cia bilipheica ), por via de regra faltão na especie de icterícia des- cripta por Gubler. As urinas hemapheicas se apresentao á observaçlo com uma côr vermelha mais ou menos intensa, e, quando agitadas em um vaso, em sua superfície observão-se reflexos de côr amarello- avermelhada e ligeiramente escura. Isto as distingue das urinas bilipheicas, que ordinariamente têm uma côr amarella doirada e ofíerecem sempre pela agitação reflexos esverdeados. Ao passo que as uriras bilipheicas gosílo de um poder colo- rante forte, e dão ao panno branco uma côr amarello-esverdeada muito pronunciada, as hemapheicas têm um poder colorante fraco e deixão sobre os pannos manchas amarello-avermelhadas, que Gubler compara á côr do melão ou do salmão. O acido azotico derramado nestas urinas não dá logar á rea- cção que se observa com as urinas bilipheicas, isto é, o precipitado resinoide e a successão de côres caracteristicas (verde, azul, violete, vermelho); 0 que se observa é uma côr vermelha carregada, que Gubler compara á côr do acajú, e, em vez de precipitado, trans- parência das urinas. Vulpian, que tem formulada objecçÕes á theoria de Gubler, mas que ao mesmo tempo parece não estar muito longe de adinittil-a, porquanto diz que « não se póde por certo negar de uma maneira absoluta a realidade da ictericia hemapheica », procura dar uma explicação do facto do acido azotico não produ- zir as reacçôes peculiares ás urinas bilipheicas. 15 Eis em que eonsiste esta explicação : « Je croirais volontiers pour expliquer le faít que, dans cer- tains cas, la matière colorante de la bile qui se trouve danshuri- ne, a subi des modifications suffisantes pour que Tacide uitrique ne produise plus les réactions ordinaires. » Não ha observações concludentes, diz Gubler, da possibilidade da bilipheina modificada furtar se áquella reacção, que é um caracter essencial da bile. Casos ha em que a cor communicada ás urinas pelo acido azotico fica entre o vermelho escuro e o verde, isto é, entre as cores dadas por este acido ás urinas hemapheicas e ás urinas bilipheicas. Em taes casos dá se o que Gubler chama icterícia rnixta, e a côr das urinas é por elle comparada á côr de folha morta. Eis os principaes caracteres das urinas hemapheicas, ou do pigmento n’ellas contido—a hemapheina de Gubler,—que é repre- sentada por um pó amarello avermelhado, solúvel n’agua e no álcool. Mas, objectão alguns (Bouchard, Lecorche e Vogel), a hema- pheina de Gubler não será a própria matéria corante urinaria, o urochromo augmentado pathologicamente ? Se assim fosse, diz o professor Gubler, desde que lançássemos acido azotico sobre taes urinas deveria se produzir a côr rozea da China, côr própria do pigmento urinário ; ora, ainda mesmo que as urinas sejão muito aquosas, a côr que se observa então é vermelha escura, e esta é a côr da hemapheina quando tratada por aquelle acido. Demais, o ether dissolve a hemapheina dando lhe uma coloração amarellada, reacção que não tem logar com o urochromo. A icterícia hemapheica se distingue ainda da bilipheica por outra ordem de factos—os symptomas. N’esta variedade de icterícia a pelle apresenta-se amarellada, assim como as scleroticas e as mucosas ; porém não é uma côr pronunciada como a que determina a bilipheina. E’ antes, em geral, uma tinta subicterica,uma côr paIlida de enxofre, que, como diz Dreyfus-Brisac, poderia mesmo passar ás vezes desapercebida á um exame ligeiro, se as urinas não attrahissem a attenção para a coloração da p lie. 16 Não se observa o prurido e as erupções cutaneas, que tantas vezes acompanhao a ictericia bilipheica e á cuja existência os auctores dão grande importância. Por via de regra não se nota lentidão do pulso, phenomeno tão frequente na outra especie de ictericia. Em relação ás matérias fecaes, que em certos casos de ictericia bilipheica se tornão completamente descoradas, de côr argilosa, nunca,, diz Dreyfus-Brisac, as observei com este descoramento completo. Eis, entre outras, as differenças que os auctores assignalão ás duas especies de ictericia. O ultimo auctor citado prevê a seguinte objecção : não será uma questão de mais ou menos, isto é, não poderemos fazer de- pender a ausência de taes phenomenos na ictericia hemapheica, de uma pequena quantidade de pigmento biliar espalhado nos tecidos, d’onde também a pouca intensidade da ictericia ? Não, responde eile, porque nas icterícias hemapheicas as mais pronunciadas nunca observamos estes phenomenos ; além do que, os caracteres das fezes e sobretudo os das urinas nos levão a affirmar que •'pig- mento biliar nada tem que ver com a pathogenia d’estas ictericias. Pito isto, que julgamos dever assignalar em primeiro logar, vejamos como o professor Gubler explica a variedade de ictericia por elle denominada hemapheica, a qual, como se vê, não póde ser devida á presença de matéria corante da bile no sangue. Sabe-se hoje que o pigmento biliar ou bilipheina resulta da matéria corante do sangue, posta em liberdade em consequência da destruição continua dos globulos sanguíneos ; e é geralmente admittido que esta transformação da hemoglobina em pigmento biliar se effectúa no íigado, e não no sangue, como alguns têm pretendido. Por outro lado sabe-se a estreita relação que existe entre a hemoglobina, a hematina e a bilipheina, assim como co- nhece-se a grande analogia das duas u timas substancias entre si. No estado physiologico, pois, a hemoglobina proveniente da destruição dos globulos sanguíneos se transforma em pigmento biliar, e « encontra na bile humor eminentemente excrementicio, uma via de eliminação segura.» Isto posto, diz Gubler, se, em consequência de um estado mor- bido qualquer, de um envenenamento por exemplo, tem logar 17 uma destruição muito rapida dos globulos sanguineos, uma des- globulisação exaggerada, o fígado, embora funccionando regular- mente, torna-se incapaz de transformar em bilipheina toda a hemoglobina assim dissolvida ou posta em liberdade. Outras vezes a reducção da hemoglobina se faz normalmente, mas a glân- dula hepatica, como no primeiro caso, é incapaz de transformal-a toda em bilipheina ; vem a ser quando este orgao é súbita ou pro- fundamente embaraçado em seu funccionalismo, ou em virtude de lesões organicas hepaticas (cancro, cirrhose, steatose), ou em con- sequência de perturbações circulatórias (stase cardiaca, congestão alcoolica) ou nervosas (cólica de chumbo.) Na primeira hypothese trata-se, segundo Gubler, de urna in- sufficiencia hepatica relativa ; na segunda, de uma insufficiencia hepatica absoluta. Uma parte da hemoglobina, aquella que o fígado não conseguio queimar, continúa elle, fica então no serum do sangue, « não sem soffrer diversas modificações atravez da torrente circulatória.» (Dreyfus Brisac). E1 á esta porção de hemoglobina não combusta que Gubler dá o nome de hemapheina ou pigmento da insufficiencia hepatica, pigmento que, accumulando-se no sangue constitue o hema pheismo, e, não encontrando os emunctorios normaes em estado de o eliminarem sufficientemente, produz ictericia. A urobilina de Jaffé, o pigmento escuro descripto por Méhu no seu tratado de chimica clinica, o pigmento bilioso imperfeito de Trincaven, diz Straus, não são outra cousa sinão a matéria que dá ás urinas hemapheicas sua coloração especial, matéria que M. Gubler reconhece clinicamente. Os adversários da theoria do hemapheismo, além de outras objecções, ás quaes já nos referimos,ainda dizem que a hemapheina de Gubler não é um composto chimico definido, e que portanto não póde servir de base á uma theoria. Na realidade não se tem conseguido uma formula chimica exacta para esta matéria corante. Mas será isto uma razão bastante para que deixemos de admittil-a ? Suas reacçÕes não são tão caracteris- ticas,ao ponto de por meio d‘ellas podermos estabelecer differenças notáveis entre as urinas bilipheicas e as urinas hemapheicas ? Seus effeitos sobre o organismo não são tão bem caracterisados clini" 18 camente, de modo a que Gubler tenha podido dividir as icterícias em bilipheicas e hemapheicas ? Além d’isso, « parece que um auctor allemão, Nasse, tem por assim dizer realisado experimentalmente o hemapheismo.» (Drey- fus-Brisac). Aquelle physiologista injectou 5oo grammas de sangue no estomago de um animal, e pelo acido azotico encontrou nas urinas a reacção caracteristica da hemapheina. O mesmo succedeo á Poncet (T/iese sobre a icterícia hematica traumatica). que por vezes injectou sangue desfibrinado na jugular de animaes. Em conclusão : nos parece que a theoria de Gubler explica os casos de icterícia ligada á uma alteração do sangue. Icterícia por polycholia.—Vimos que um grande numero de icterícias dependentes de reabsorpção biliar, tem sua explica- ção n’um obstáculo material em virtude do qual este producto de secreção não póde ser lançado no duodeno. Pois bem, casos ha em que não existe propriamente obstáculo, a bile continúa a che- gar ao intestino delgado, e entretanto a icterícia dependente de reabsorpção d’este liquido se produz. Isto tem logar quando, havendo um estado irritativo do fígado, a bile é abundantemente segregada, e n’este caso a icterícia recebe a denominação de poly- cholica ou hypercrinica. Eis, em taes casos, como se effectúa a reabsorpção do liquido biliar : accumulando-se nas cdlulas hepaticas, elle produz a dis- tensão de suas paredes, e, encontrando relativamente diminuidas de calibre as vias de excreção, passa para os capillares sanguíneos. Muitos auctores acreditão que, nos casos de polycholia, a reab- sorpção biliar se effectúa não só no interior da glandula hepatica, como também pela superfície intestinal. Dizem elles que a exces- siva quantidade de bile lançada no intestino faz com que nem toda possa soffrer as transformações normaes, sendo uma parte reabsorvida em natureza pelas paredes dos intestinos. A questão não é duvidosa, diz Straus, e Nannyn injectando no intestino del- gado de um cão matéria corante e ácidos biliares, encontrou estes mesmos princípios nas urinas. De tudo quanto até aqui temos dito em relação á pathogenia da icterícia resulta que, acompanhando Gubler, Dieulafoy, Lave- 19 ran e Teissier, Behier e Hardy e muitos outros, adoptamos a divi- são da icterícia em bilipheica e hemapheica. Que a icterícia bilipheica reconhece por condição pathogenica quer um obstáculo mecânico a progressão da bile, quer um estado irritativo do figado produzindo polycholia ; Que a icterícia hemapheica ou hematogena é a consequência da destruição rapida dos globulos vermelhos do sangue, acompa- nhada da producção d’um pigmento especial—a bilipheina—, que vae impregnar o organismo. 20 AFFECÇQES QUE PRODUZEM ICTERÍCIA Cálculos biliares. — Os cálculos biliares ou cholelithos são concreções de fórma, dimensões e numero muito variaveis, con- stituídas á custa de certas substancias que entrão na composição da bile. D’estas substancias as que predominão nos cálculos são as matérias corantes biliares, os saes calcareos e, sobretudo, a cholesterina, que desde as experiencias de Flint é geralmente con- siderada um producto de desassimilação do systema nervoso. Debaixo da influencia de certas condições os saes biliares, que no estado physiologico mantêm em dissolução o pigmento biliar e a cholesterina, se decompoem, pelo que estes principios se pre- cipitão, agglomerão-se e tomão uma consistência mais ou menos petrea, ficando assim formados os cálculos. Estes podem se formar em todos os pontos em que a bile se demora, nos canaes biliares intra e extra-hepaticos ; porém a séde mais commum de sua formação é a vesícula, onde tem logar uma stagnação physiologica da bile. E assim devia ser, visto como sabe-se que uma condição essencial para a formação dos cálculos é o retardamento da bile em sua progressão. Esta precipitação e agglomeração petrea dos principios biliares —a lithiase biliar—, é uma causa bastante frequente de icterícia bilipheica, que se produz do seguinte modo : o cholelitho deter- mina obstrucção do canal biliar, a bile stagna-se e a reabsorpção d’este liquido tem logar no proprio figado. Aquelles cálculos que têm por séde a vesícula não impedem que a bile continúe a ser derramada no duodeno, e ordinaria- mente só trazem perturbações quando sua migração atravez do canal choledoco tem logar. São excessivamente raros os casos de cálculos detidos no con- ducto hepático, porque, n’estes casos, provindo elles quasi sem- pre das vias biliares intra-hepaticas, seu volume é muito insigni- ficante e sua passagem se faz para canaes cada vez mais espaço- sos. Entretanto o facto é possivel, e teremos então os mesmos phenomenos de stase e retenção biliar que se dão quando a séde 21 do obstáculo é o canal choledoco, menos a distensão da vesicula biliar (esta fica inteiramente livre). A parada dos cálculos é mais frequentemente observada no :anal choledoco, e, segundo Straus, uma de trez eventualidades póde então se dar. Em primeiro logar póde acontecer que, não obstante o numero e volume dos cálculos que enchem o canal cho- ledoco, ao ponto de muitas vezes este canal tomar as dimensões do intestino delgado, haja comtudo ausência de icterícia, visto como a bile continúa a ser lançada no intestino, passando por entre os interstícios dos cálculos ou entre o calculo unico volumoso e a parede do canal. Em segundo logar, apezar do obstáculo ser suffi- ciente para determinar uma stase permanente da bile, comtudo não ha uma parada absoluta, uma porção do liquido continúa a chegar ao intestino; n’este caso a icterícia será persistente, mas as matérias fecaes nem por isso deixão de se apresentar coloridas. Em terceiro logar, finalmente, ha casos de retenção absoluta e de- finitiva, de nenhum modo a bile é derramada no intestino ; d’onde icterícia persistente com descoramento completo das maté- rias fecaes. Um calculo pequeno relativamente ao calibre do canal chole- doco póde, por uma irritação da mucosa do conducto biliar, determinar uma angiocholite, seguindo-se á esta inflammação a coloração dos tecidos pela bile. Quando se effectúa a migração de um calculo atravez do canal choledoco, se a concreção tem um certo volume, o indivíduo é acorumettido de dores, em geral fortíssimas, conhecidas pela denominaçio de cólica hepatica, dores que por via de regra pre- cedem de algumas horas o apparecimento da icterícia, e que são sempre de grande valor para o diagnostico d’este phenomeno morbido ligado á lithiase biliar. Angiocholite. — A inflammação dos canaes excretores da bile ( cholecystite de Monneret, angeiocholeite de Luton ), é hoje geralmente conhecida pelo nome de angiocholite dado por Jac- coud, que reserva o termo — cholecystite — para designar a inflammação da mucosa da vesicula biliar. A mucosa das vias biliares póde ser affectada de inflammação 22 fibrinosa, fórma sempre secundaria e que se observa em algumas affecçoes geraes e em certos estados morbidos do figado. A inflammação catarrhal d’esta mucosa, diz Jaccoud, é muito mais commum. A angiocholite catarrhal é uma causa muito frequente de ictericia mecanica, cujo modo de producção foi estudado por Vir- chow e mais tarde por muitos outros observadores, entre os quaes o professor Vulpian. Dous são os factores que concorrem para a reabsorpção da bile nos casos de angiocholite catarrhal: a tumefacção da mucosa dos canaes biliares e o accumulo no interior d’estes mesmos canaes, dos productos de secreção da mucosa, os quaes espes- sando-se pódem determinar a obstrucção completa do canal excretor. Tumores diversos. — Muitos são os tumores que, exercendo uma compressão mais ou menos pronunciada sobre os conductos biliares, produzem a stagnação da bile, sua reabsorpçao e uma ictericia bilipheica mais ou menos intensa. Comecemos pelos aneurismas da cavidade abdominal. São as dilatações das artérias mesenterica superior e hepatica aquellas que por via de regra trazem ictericia. Um aneurisma da artéria mesenterica superior póde com effeito determinar uma stase biliar por compressão dos conductos biliares, e á esta stase seguir-se ictericia. Mas, como diz Murchi- son, os casos de dilatações d’esta artéria são raros, e as mais das vezes o symptoma ictericia falta. Em relação aos aneurismas da artéria hepatica, que o professor Frerichs considera muito raros, diremos que ha factos bem observados de dilatações d’este vaso. como os de Crisp, Lebert, Stokes e muitos outros. Em Julho de 1881, o dr. Martins Costa, actualmente lente da 2a cadeira de clinica medica da faculdade, praticando a autopsia do cadaver de um individuo que falleceu na enfermaria de clinica, entre outras lesões, encontrou um aneurisma da artéria hepatica, e á proposito d’este caso publicou uma memória sobre os aneuris- mas (Testa artéria. 23 Na maioria doS casos de dilatações d’estê vasô erldontra-Sè á ictericia no numero de seus symptomas, icterícia que é sempre de origem mecanica, isto é, dependente da obliteração dos con- ductos biliares que a compressão do tumor aneurismal determina. No caso observado pelo dr. Martins Gosta, por exemplo, o tumor comprimia directamente o canal choledoco e a cor amarella do tegumento externo era intensa. Um tumor muito commummente acompanhado de ictericia, vem a ser o que tem por séde o pancreas. O tumor pancreatico, principalmente quando se assesta na cabeça do orgão, exerce compressão sobre os canaes biliares atravéz da fenda hepatica ; outras vezes invade o duodeno, diz Murchison, e obtura o orifício do canal choledoco. Já se tem observado um tumor do utero ou do ovário trazen- do ictericia em virtude de compressão exercida sobre o canal biliar, porém, como diz Murchison, raratnente. O proprio utero gravido póde, nos últimos períodos da gestação, actuar do mesmo modo. No numero d’estas causas de ictericia póde-se ainda incluir o tumor que ás vezes é determinado por um accumulo de matérias fecaes em certa região do intestino, n’um ponto em que a com- pressão do canal choledoco possa ter logar. Frerichs refere um caso em que o augmento de volume do abdómen por accumulo de matéria fecal, foi a principio tomado por uma prenhez, e mais tarde, quando sobreveio uma ictericia intensa, attribuido á um augmento de volume do fígado ; porém, diz elle, os purgativos fizerão com que a doente perdesse não só o receio de uma affec- ção hepatica, como a esperança de vêr um filho. Os ganglios lymphaticos da fenda hepatica quando, em virtu- de de cancro, cirrhose, lymphoma, tubérculos,- etc., augmentão de volume e comprimem as vias biliares, são capazes de produzir ictericia, e, como é facil de comprehender-se, do mesmo modo por que o fazem os differentes tumores de que nos temos occupa- do até aqui : estreitando ou mesmo obliterando a luz das vias biliares. 24 N’este grupo de causas de icterícia póde*se ainda fazer entrar os tumores cancerosos do fígado que, em periodo adeantado de sua evolução, são frequentemente acompanhados de tal sympto- ma. Segundo Frerichs,, em 91 casos d’esta affecção a icterícia manifestou-se 39 vezes. Ainda aqui, apezar de não ser o unico modo por que o cancro do fígado produz icterícia, este phenomeno corre por conta de uma compressão dos conductos biliares, sobretudo nos casos em que o tumor tem por séde o hilo do fígado. Em vez de exercer esta compressão sobre as vias biliares, o tumor póde irritar lhes a mucosa, e assim produzir um catarrho das mesmas vias, o qual explica a icterícia. Os kystos hydaticos do fígado, que no estado de completo desenvolvimento são constituídos por um env ducro contendo um liquido em que fluctuão kystos de pequenas dimensões, echino- coccus, etc., só produzem ictericia quando alveolares. O kysto hydatico alveolar, também chamado echinococcus- multilocular, variedade em que as hydatides não se reúnem em uma vesicula mãi, porém formão grupos disseminados no paren- chyma hepático, o kysto hydatico alveolar, digo. por via de regra traz ictericia, principalmente quando sua séde é o hilo do fígado. bTestas condições tem logar a stase do liquido biliar, em vir- tude da compressão que elles exercem sobre os canaliculos bilia- res, vindo em seguida a ictericia. Obliteração do orifício do canal choledoco em consequên- cia de uma ulcera do duodeno. — Esta affecção é capaz de deter- minar ictericia, facto que não é muito raro, e que se explica pela propagação ao canal choledoco da irritação que tem por séde a mucosa duodenal inflammada. Acontece algumas vezes que a ulcera acha-se situada na parte do duodeno correspondente á abertura do canal, que então é obstruído por productos infiammatorios susceptiveis ae organisa- ção, e n’este caso a obstrucção é permanente. Outras vezes a ictericia se explica pela propagação aos condu- çtos biliares do catarrho duodenal que a mesma ulcera produz. 25 Estreitamento do canal choledoco por cicatrisaçao de ulcerações das vias biliares. — A cicatrisação de ulceras situa- das na face interna do canal choledoco é algumas vezes causa do phenomeno que estudamos. Se, por exemplo, um calculo trans- põe o canal depois de ter produzido em sua parede uma ulcera- ção, dá-se a formação de um tecido cicatricial, que é capaz de estreitar ou obliterar mesmo o canal ; d’onde ictericia por absor- pção da bile retida em seus conductos. Estreitamento spasmodico do canal choledoco. — Em certa epocha pensou-se que um estreitamento spasmodico das vias biliares podia ser causa de uma icterícia temporária (icterícia spasmodica ), e era assim que procurava-se explicar aquelles casos de icterícia, em que a autopsia não tinha revelado obstáculo algum mecânico ao curso da bile. Ninguém contesta a contractilidade dos canaes biliares, e é mesmo muito possível que a passagem de um corpo irritante atravéz do canal traga irritação spasmodica d’este ; todavia, diz Murchison, duvido muito que uma contracção spasmodica d’este genero possa ser causa de ictericia. E esta asserção elle a basêa na difficuldade em que se acha em admittir um spasmo persistin- do tempo sufficiente para que a ictericia appareça. Do mesmo modo que Murchison pensa a grande maioria dos auctores. Estreitamento dos canaes biliares por perihepatite. — Na perihepatite, a lympha que é exsudada se organisa no fim de um certo tempo, produz o espessamento da capsula e dá origem a solidas fachas fibrinosas que ligão o figado ás partes circumvizi- nhas. De tempos em tempos acontece que tecido areolar de nova formação se desenvolve d’esta maneira na fenda porta e exerce uma constricção sobre os canaes biliares e muitas vezes também sobre a veia porta, e o resultado é, de um lado a icterícia, e de outro a ascite ( Murchison ). Ausência ou obliteração congénita do canal. — Variaveis sao as causas da icterícia nos recem-nascidos. Murchison admitte para explical-a, quer uma obstrucção do canal por bile espessada; 26 quer uma falta de oxygenação do sangue, impedindo a bile de soffrer suas metamorphoses normaes ; quer ainda uma pyohemia, uma peritonite, ou uma phlebite da veia umbelical ; quer final- mente uma obliteração congénita ou a ausência do canal biliar, que é então representado por um pouco de tecido areolar entre a artéria hepatica e a veia porta. Estes vicios de conformação já têm sido observados por diffe- rentes vezes em uma mesma familia ( a ausência e obliteração congénitas do canal ), pelo que alguns têm querido muitas vezes explical-os por uma perihepatite devida á syphilis hereditária. Afim de fazer vêr o valor d’esta opinião, o gráo real da frequência da ictericia syphilitica nos recem-nascidos, Murchison cita uma estatística de ioo casos observados e autopsiados pelo professor Parrot de syphilis infantil, em que a ictericia verdadeira só foi observada 4 vezes, sendo que d’estes quatro casos só 1 podia ser legitimamente attribuido á syphilis hepatica. A estes 100 casos elle addiciona mais 5o bem observados de syphilis infantil sem ictericia, de modo que nos i5o só 1 corria por conta de syphilis. Cirrhose hepatíca. — A hepatite intersticial ou sclerose hepá- tica, affecção que se caracterisa essencialmente por uma inflamma- ção chronica do tecido conjunctivo intersticial do fígado, e á qual Laennec deo o nome de cirrhose hepatica para lembrar sómente a côr especial que o orgão toma, foi durante muito tempo conside- rada como um estado pathologico unico. Assignalavão-lhe dous períodos distinctos, o primeiro caracterisado pela hypertrophia do orgão e o segundo pela atrophia. Actualmente, porém, cirrhose hepatica não quer dizer unica- mente hyperplasia do tecido conjunctivo do fígado terminando-se sempre pela atrophia do orgão : isto é, além da cirrhose atrophica de Laennec é forçoso admittir-se uma modalidade clinica diversa — a cirrhose hypertrophica, — na qual o tecido conjunctivo neo- formado se locahsa em ponto differente d’aquelle em que se asses- ta tratando-se da cirrhose atrophica. E é justamente o phenomeno de que nos occupamos, a icterí- cia, uma das differenças capitaes, como veremos, entre as duas especies de cirrhose. 27 Em 1853, em sua these de aggregação, Gubler estuda a cirrhose atrophica de Laennec e faz ver a necessidade que ha de admittir-se uma outra especie de cirrhose — a hypertrophica. Alguns annos depois o dr. Paul Olivier, em um trabalho sobre o mesmo assumpto, conclue que a cirrhose hypertrophica é uma moléstia á parte «et non pas une des périodes de la cirrhose, une cirrhose qui tíaurait pas le temps d"arriver d Vétat parfait». Hanot, finalmente, em sua these inaugural, trata de um modo completo d'esta affecção, e dá-lhe a denominação de cirrhose hy- pertrophica com icterícia chronica. Isto posto, tratemos separadamente de cada uma d’estas duas especies de hepatite, principalmente no que diz respeito á icterícia. i° cirrhose hypertrophica. — A cirrhose hypertrophica ou hepatite intersticial hypertrophica é tão commummente acompa- nhada de icterícia, que Hanot deu-lhe a denominação de cirrhose hypertrophica com icterícia chronica. O processo morbido n’esta especie de hepatite consiste na hyperplasia e proliferação do tecido conjunctivo que cerca os canaliculos biliares. Este augmento de volume do tecido conjunc- tivo, exercendo constricção mais ou menos pronunciada sobre os conductos biliares, é claro que a luz d’estes canaes se estreitará, a bile encontrará difficuldade em seguir seu curso, e d’este modo teremos stagnaçãó e augmento de pressão sufficiente para que a bile seja reabsorvida e vá colorir os tecidos. Ainda dão uma outra explicação da icterícia n’esta affecção, um outro mecanismo. Admitte-se a existência de uma angio- cholite generalisada, interessando de preferencia as vias biliares interlobulares, em virtude da qual estes conductos, multiplicados e dilatados, ficão mais ou menos completamente obstruidos por catarrho, cellulas agglomeradas, pigmento, etc. A inflammação limitada de preferencia ao tecido conjunctivo que cerca os canaliculos biliares, nos dá a razão da icterícia existir sempre que a hepatite intersticial hypertrophica segue sua mar- cha habitual. 2o Cirrose atrophica. — Na cirrhose atrophica, também cha- mada cirrhose vulgar ( Charcot), cirrhose alcoolica (Inglezes ), 28 cirrliose porta, etc., em vez da hypertrophia e hyperplasia dos elementos conjunctivos se assestarem ao redor dos canaes biliares como na primeira especie de cirrhose, é de preferencia em torno e na vizinhança dos vasos venosos e arteriaes queellas se processão. Esta séde especial do processo morbido explica a frequência da ascite na cirrhose vulgar, ascite observada por Frerichs em dous terços dos casos. Com effeito, n’estas circumstancias ha embaraço de circulação n’aquelles vasos, a tensão sanguinea da veia porta augmenta se, e uma transsudação de sero se effectua atravéz das paredes vas- culares. Ao passo que na cirrhose hypertrophica ha augmento de volume do fígado, na cirrhose atrophica este orgão torna-se menor, não só porque a retracção do tecido neo-formado sobre- puja sua abundancia, como ainda pelo facto da glandula não receber o material necessário a nutrição e conservação de seus elementos histologicos. Pelo que diz respeito á icterícia, diremos que poucas vezes tem-se occasião de observal-a n’esta moléstia. Entretanto o facto é possivel. Assim, no começo da affecção, uma ou outra vez apparece aquelle symptoma, devido á uma congestão que não raras vezes se effectúa para a glandula hepatica no primeiro pe- ríodo da cirrhose atrophica. E1 uma icterícia que se desenvolve rapidamente e vae desapparecendo á medida que a affecção se vae processando como de habito, icterícia por polycholia e que está incluída na classe das bilipheicas. Outras vezes, porém muito mais raramente, é uma ictericia hemapheica que tem logar; uma subictericia, manifestando-se na pelle e nas scleroticas. Aqui o exame da urina não demonstra a presença da bilirubina, porém sim a da hemapheina. Vejamos como se explica esta ictericia . Quando a cirrhose atrophica está adeantada, a hemapheina elim ina se com o fluxo intestinal então muito exaggerado ; se, porém, a diarrhéa supprime-se ou a secreção urinaria escassêa, o pigmento hemapheico é em parte retido, d’onde ictericia. Congestão hepatica. — A riqueza vascular do fígado e suas relações anatomo-physiologicas com os orgãos thoracicos e abdo' 29 minaes, são circumstancias que explicão o facto d'este orgao ser aquelle que está mais sujeito ás hyperemias de toda sorte. Estas hyperemias não poucas vezes constituem-se causa de ictericia. As congestões hepaticas, quando activas (fluxÕes), ordinaria- mente reconhecem por causa o abuso da mesa, dos condimentos e do álcool; o uso immoderado de purgativos ; certos miasmas, como o palustre ; as affecçÕes do intestino actuando sobre a glân- dula hepatica por acção reflexa ; a habitação em climas quentes, etc., etc. Quando passivas (stases), ellas se effectúão em conse- quência de lesões cardíacas em periodo adeantado, ou em virtude de moléstias do pulmão e da pleura, as quaes embaração a circu- lação do sangue na veia cava inferior. Por via de regra a ictericia falta nas congestões hepaticas pas- sivas; nas congestões activas, porém, este symptoma é muito frequentemente observado, e, como passamos a demonstrar, corre por conta de uma hypercrinia ou hypersecreção biliar. Com effeito, no estado de hyperemia activa trazendo augmento de pressão nos vasos sanguineos intrahepaticos, o fígado adquire maior actividade funccional, porquanto seu estimulo physiologico — o sangue — chega-lhe também em maior abundancia, e uma hypersecreção biliar tem logar. A influencia d’esse augmento de pressão nos vasos intra-hepaticos relativamente á secreção biliar, sobre ser muito racional, foi experimentalmente demonstrada por Heidenhaim, Roehrig, Ranke e Vulpian. (Injectando agua nas veias de um animal, ou ligando a aorta abaixo do tronco coeliaco, notarcão algum augmento da secreção biliar ; esta, pelo contrario, diminuia, quando tiravão algum sangue ao animal por meio de uma sangria, e ( Vulpian ) era detida quasi instantaneamente quando a aorta era ligada acima do diaphragma.) Dá-se, portanto, uma hypersecreção biliar, e como n’este caso a bile não póde soffrer uma metamorphose completa, a ictericia se produz. Para sua producção concorre ainda a compressão que os cana- liculos biliares soffrem por parte dos vasos sanguineos dilatados, visto como em taes condições aquelles canaes ficão com um calibre insufficiente para a passagem da bile tão abundantemente segre- gada e a consequência é a stase d’este liquido e sua reabsorpção. 30 E é mesmo por este mecanismo que alguns auctores têm procurado explicar a icterícia de toda especie de congestão hepatica. Uma terceira circumstancia á que podemos recorrer para explicar a icterícia da congestão activa do fígado, vem a ser a in- flainmação catarrhal com exfoliação epithelial dos conductos biliares, admittida por J. Simon. E para muitos é este o unico mecanismo da icterícia nas congestões activas. Na congestão hepatica passiva, cujo mecanismo se explica por um embaraço de circulação na veia cava inferior, quer este emba- raço dependa de uma lesão organica do coração, quer de affecções do pulmão ou da pleura, quer ainda ( raramente) de um tumor comprimindo directamente aquelle vaso, n’esta especie de con- gestão, digo, raríssimas vezes se notará icterícia. E não é para admirar que assim aconteça, porque de um lado não se observa mais a polycholia do primeiro caso, pois os capillares do systema porta têm sua circulação embaraçada ; de outro lado os elemen- tos da glandula se achão compromettidos em virtude da compres- são exercida pelo sangue venoso sobre os capillares arteriaes, em cujo interior circula o sangue que vae nutrir os elementos do orgão. De modo que tudo contribue para que o liquido biliar ou não seja elaborado, ou seja-o em quantidade muito pequena. Hepatite suppurada. — Abcesso do fígado. — A hepatite suppurada é uma affecção frequentemente observada nos climas intertropicaes e que ás vezes conta a icterícia no numero de seus symptomas. A icterícia é um symptoma possível da hepatite aguda, diz Jaccoud, não é um symptoma ordinário. N’esta affecção, com effeito,. ás vezes se observa, ao lado de calafrios repetidos, de febre, de dor no hypochondro direito fpontada de lado hepatica), de alguma dyspnéa, de uma pequena tosse secca (tussis hepatica de Galeno). de vomitos biliosos, etc., uma coloração mais ou menos carregada da pelle e das conjuncti- vas, côr que é uma consequência de reabsorpção de bile. Esta reabsorpção ora é devida á stase que resulta da compres- são e obturação dos pequenos canaes biliares em torno do fóco inflammatorio, ora corre por conta de um catarrho concomitante das vias biliares ; é n’este ultimo caso que mais vezes se observa 31 a icterícia como symptoma de hepatite suppurada, e ella apresen- ta-se também mais intensa do que na primeira hypothese. Na hepatite aguda, quando os pequenos fócos amollecidos se reúnem e suppurão, forma-se um abcesso de tamanho variavel, o qual, sendo volumoso, comprime os canaes biliares e d’este modo produz icterícia. Hepatite parenchymatosa . — A hepatite parenchymatosa, atrophia amarella aguda do fígado ( Rokitanski e Frerichs ), icte- ricia grave, icterícia maligna (Ozanam), icterícia typhoidéa (Le- bert) e icterícia hemorrhagica, é uma affecção constantemente acompanhada de icterícia. Os auctores a fazem depender do abuso do álcool, dos exces- sos venereos, das más condiçoes hygienicas, da preexistencia da febre typhoide ou do typho, etc., e muitos a considerão determi- nada por um miasma especial, que para uns origina-se no proprio organismo, sendo para outros de procedência tellurica. E’ uma affecçao muito rara entre nós ; « pertence mais parti- cularmente á nosologia dos climas frios. » (Cons. Dr, Torres Homem ), e se caracterisa anatomo-pathologicamente por um exsudato que se assesta no interior das cellulas hepaticas. Estas são por elle distendidas e estranguladas, seu funccionalismo se perturba, a acholia se manifesta, e a gravidade da moléstia então se ostenta com toda a intensidade. Como se explica a icterícia na hepatite parenchymatosa ? Frerichs diz que na generalidade dos casos de atrophia ama- rella aguda do fígado existe concomitantemente um exsudato intersticial, que tem por séde a peripheria dos lobulos da glandula hepatica ; que este exsudato comprime as origens dos canaliculos biliares, produzindo assim uma icterícia precoce por insuficiência da excreção e reabsorpção do producto segregado. Em quanto só existe o estado inflammatorio inicial, e então a icterícia apresenta-se benigna durante muitos dias, a reabsorpção biliar nos explica perfeitamente o phenomeno icterícia. Quando, porém, começa o trabalho atrophico da glandula, e com elle a acholia e os phenomenos ataxo -hemorrhagicos assustadores, se a icterícia se manifesta, parece que devemos fazel-a depender de uma alteração do sangue e consideral-a uma icterícia hemapheica. 32 Icterícia essencial. — Esta especie de icterícia, também cha- mada idiopatica, nervosa, etc., icterícia a que não corresponde lesão alguma do apparelho hepato-biliar e que se manifesta mais ou menos subitamente, — tem sido observada depois de uma impressão moral viva e violenta, depois de um accesso de cólera, de terror, etc. Se é verdade que muitos casos de icterícia reputados de causa moral têm podido, em virtude de um exame mais attento, ser attribuidos á uma outra qualquer causa d’essas mais conhecidas, nito é menos verdade que factos ha bem observados de icterícia de causa moral, succedendo-se á uma violenta cólera, etc. Refere-se, por exemplo, o facto de um soldado que durante uma lucta foi bruscamente acommettido de icterícia, delirio, con- vulsões e morte. Ha um outro de um moço, que ficou subitamente ictérico por occasião de travar um duello. Iguaes a estes poderíamos citar outros factos, como o de um moço que, querendo saltar de uma janella á baixo, de noite, como esta fosse muito alta, viu se obrigado a ficar suspenso ás grades até pela manhã, apresentando-se então completamente ictérico. Até agora não tem sido possivel filiar positivamente a icterícia idiopatica á este ou áquelle mecanismo pathogenico, e é mesmo por isto que as explicações á tal respeito são em tão grande nu- mero. Uns dizem que ella depende de um spasmo dos conductos bi- liares ; outros attribuem-n’a á uma paralysia d’estes conductos ; outros, á perturbações da inervação hepatica, e não são estas as únicas hypotheses que têm sido apresentadas com o fim de expli- cal-a. Embora se tenha provado que certas porções das vias biliares possuem fibras musculares, diz Vulpian, comtudo sua contracção spasmodica nunca é sufficiente para determinar a stagnação da bile e sua reabsorpção. Quanto á paralysia dos conductos biliares, já admittida por Galeno, diremos que ella também nTo explica o facto. Além dos elementos musculares d’estes conductos serem insuflicientes para, contrahindo-se, determinar o escoamento da bile para o intestino, escoamento que, como diz o professor Vulpian, se faz natural- 33 mente pela vis d tergo, Frerichs e Reichert provarão experimen- talmente o nenhum valor da paralysia de taes canaes na pro- ducção da icterícia. Seccionarão os dois nervos splanchnicos de um gato e extirparão-lhe a maior parte do ganglio coeliaco pelo processo de Ludwig ; no fim de 3 dias o animal morreu, e pela autopsia nenhum signal de icterícia foi encontrado. O primeiro d’estes experimentadores chegou ao mesmo resultado negativo seccionando a medulla acima dos pontos d’onde emergem os ner- vos da glandula hepatica. Uma theoria que conta grande numero de adeptos vem a ser a que explica a icterícia idiopathica por uma perturbação da iner- vação vaso-motora, trazendo como consequência uma polycholia. « Gomo Bence Jones, achamos mais provável que se passem na cellula hepatica phenomenos analogos aos observados nas cel- lulas da glandula sub-lingual, por Glaude Bernard. Assim, segundo Bence Jones, « a irritação dos filetes sympa- thicos ou a paralysia dos ramos do pneumo-gastrico, provavel- mente, faz contrahirem-se os capillares e diminuir a secreção da bílis, ao passo que a paralysia dos filetes sympathícos ou a irritação dos ramos do pneumogastrico faz relaxarem-se os capillares san- guíneos e activa a rapidez da circulação atravez do fígado e a secreção biliar. » A icterícia é, portanto, biliar e produzida como nas congestões do fígado » (dr. Álvaro Baptista). Envenenamentos.—Todos os auctores assignalão a icterícia no numero dos symptomas de varias intoxicações. Em certos casos, no envenenamento pelo chloroformio ou pelo ether por exemplo, a glandula hepatica exaggera suas funcçÕes, a bile é abundantemente segregada, e a polycholia nos vem dar conta da icterícia. Outras vezes, e estas são em maior numero, a substancia toxica determina uma desglobulisação exaggerada do sangue, e, se as vias normaes de eliminação do pigmento são insuficientes, a icterícia hematica se constitue. A icterícia hematica ou hemapheica é frequenternente obser- vada nos casos de envenenamento pelo chumbo. A cor que então se observa, podendo ás vezes ser pronunciada, é por via de regra pouco intensa.—subicterica. 34 Alguns auctores acreditão que em certos casos a ictericia saturnina é bilipheica ; Dreyfus-Brisac porém affirma nunca ter encontrado bile nas urinas dos ictéricos saturninos, á excepção dos casos em que existia concomitantemente uma outra causa de ictericia, um embaraço gástrico por exemplo. A intoxicação pelo arsénico e seus compostos não raras vezes é acompanhada de ictericia, que parece ser de origem hematica, visto como r.’este envenenamento a glandula hepatica se altera profundamente e a acholia é a regra. O mercúrio, cobre e antimonio excepcionalmente produzem este symptoma, segundo Murchison, que o explica por uma obs- trucção provável do canal choledoco em virtude da inflammação da mucosa. Em relação ao phosphoro, uns acreditão que a icterícia, tão commum nos envenenamentos por esta substancia, é devida á uma inflammação catarrhal das vias biliares intra-hepaticas; no numero d’estes se acha Straus. Outros são de opinião que ella é hemapheica, o que nos parece mais razoavel. Eis o que diz Mur- chison á este respeito : « Na realidade, o aspecto do figado tem, em muitos casos, apresentado a maior semelhança com o da atro- phia amarella. Além d’isso, os symptomas de envenenamento agudo pelo phosphoro—sopor, seguido de delirio violento, con- vulsões e coma, vomitos, albuminúria ou hematúria, e presença na urina d’uma substancia descoberta por G. Schultzen, se appro- ximando da tyrosina, ao mesmo tempo que um certo gráo de fluidez do sangue, acompanhado de petechias e hemorrhagias— são completamente differentes dos da icterícia catarrhal, e se pare- cem tanto com os da atrophia aguda do fígado que se tem mesmo admittido a opinião de que um grande numero de casos publica- dos com o nome de atrophia aguda erão realmente casos de envenenamento pelo phosphoro. Parece pois provável que a icte- rícia do envenenamento pelo phosphoro tem sua origem no san- gue, e, do mesmo modo que a da febre amarella e do typho, deve ser attribuida á um estado anormal das metamorphoses que teem logar no sangue. » Os que admittem a theoria hemapheica acre- ditão que com eífeito se dá uma alteração do sangue no envena- mento pelo phosphoro ; que em virtude d’esta alteração a hema- 35 toidina posta em liberdade se transforma em hemapheina, que vae tingir os tecidos e líquidos do organismo. Pyrexias.—As febres palustres, quer simples, quer revestin- do-se de phenomenos perniciosos trazem uma congestão mais ou menos intensa da glandula hepatica. Por isso não admira que phenomenos ictéricos venhão ás vezes occupar um logar no qua- dro symptomatico d’estas pyrexias. A febre remittente paludosa typhoidéa, affeccão que facil- mente se póde confundir com a febre typhoide, apresenta ás ve- zes um certo gráo de icterícia. Isto tem logar quando ha compli- cação biliosa, constituindo o que Griesinger chama febre biliosa typhoidéa. Na febre typhoide a icterícia é rara, e quando se manifesta, diz Murchison, acha-se ligada á um catarrho das vias biliares. A febre biliosa grave dos paizes quentes, ou febre remittente biliosa dos paizes quentes (denominação dada pelo professor Tor- res Homem em consequência de ser o typo remittente o mais commummente observado n’esta pyrexia), é uma affeccão em que a icterícia é um dos symptomas constantes; muitos práticos dizem mesmo que sua ausência faz excluir do diagnostico esta pyrexia. Este symptoma se apresenta no segundo dia, « raras vezes antes e algumas vezes depois. » A cor ictérica é então pouco pronunciada, e se manisfesta « nas conjunctivas oculares, nos regos nazo-labiaes, no mento, nas faces lateraes do pescoço e na parte superior do thorax. » Com os progressos da moléstia esta cor vae invadindo todo o tegumento externo e tornando-se cada vez mais pronunciada. Ella persiste em quanto dura a affec- ção e, segundo diz o professor Torres Homem, acompanha mesmo o doente durante a convalescença, « e só no fim de muito tempo é que o deixa completamente. » A icterícia occupa logar importante entre os symptomas da febre amarella, não só por causa de sua frequência, senão também pela intensidade com que muitas vezes se ostenta sobretudo nos últimos periodos da moléstia. No primeiro periodo ella é quasi imperceptivel; no segundo, porém, a pelle e conjunctivas do doente vão se tornando de côr mais carregada, e no terceiro nota-se 36 uma coloração amarella intensa, a qual fez com que esta affecção fosse denominada febre amarella. Cumpre notar que ás vezes semelhante cor só se manifesta claramente depois que o indivíduo succumbe, outras vezes nas proximidades da morte. O modo pathogenico da icterícia na febre amarella varia con- forme se trata do primeiro ou dos últimos períodos. Assim, em começo, quasi todos os auctores a explicão por uma intoxição do sangue, isto é, a considerao hemapheica ; nos últimos periodos, porém, lesões profundas do apparelho hepato-biliar se processão, e a icterícia é então devida em grande parte a presença de bile no sangue. « A icterícia do terceiro periodo não reconhece por causa sómente as modificações por que passa o sangue estagnado nos capillares (alteração dos globulos vermelhos, decomposição da hematina e producção do principio corante vermelho amarello que tinge a superfície cutanea); esta causa infiue proderosamente, é verdade; porém, admittindo-se que n'esse periodo o fígado se apresenta extensa e profundamente alterado em suas condições anatomo-physiologicas, como demonstrão as observações do dr. Costa Alvarenga, confirmadas pelas minhas e as de outros práticos brazileiros, não posso deixar de conceder uma parte importante no mechanismo da cor ictérica ao embaraço que soffre a bilis em seo curso no interior da glandula hepatica, bem como á retenção no sangue dos princípios que concorrem para a secreção biliar. » (Cons. dr. T. Homem). Icterícia grave.—Frequentemente observão-se individuos acommettidos de icterícia por espaço de tempo rnais ou menos considerável, os quaes nenhum symptoma serio apresentão em consequência d’esta mesma icterícia. Casos ha, porém, em que, depois de certos symptomas que poderião fazer suppôr o começo de diversos estados morbidos, uma icterícia mais ou menos intensa se declara, e com ella phenomenos hemorrhagicos e perturbações nervosas, que na grande maioria dos casos acarretão a morte do indivíduo : é este conjuncto de phenomenos que constitue a ícte - ri cia grave. Isto que se póde dar independente da preexistencia de um estado morbido qualquer, e çntão constitue o que os auctores 37 classificao de icterícia grave primitiva, ás vezes se observa no decurso de diversas affecçÕes como o cancro do fígado, a cirrhose hypertrophica, a icterícia dependente de um calculo ou de um catarrho duodenal, etc., constituindo a icterícia grave chamada secundaria. O individuo acommettido d’esta affecção em geral apresenta uma ictericia rnais ou menos accentuada, ictericia que nem sempre é bilipheica, diz Dieulafoy, pois ha casos em que o exame das urinas pelo acido azotico não denuncia matéria corante biliar, e sim hemapheina. Apresenta hemorrhagias quasi que constantes, ora desde o começo, ora sómente no ultimo periodo, hemorrha- gias favorecidas pelo estado de dissolução do sangue, e mais fre- quentemente representadas por epistaxis, purpura, echymoses, melcena, hematemese, etc. Apresenta perturbações nervosas de excitação, taes como delirio, dyspnéa, soluço, insomnia, tremor dos lábios, sobresaltos tendinosos, movimentos convulsivos, etc., e phenomenos nervosos depressivos—somnolencia, torpor intel- lectual, coma, etc., que ora se combinão com os de excitação, ora os seguem sem regra fixa. A predominância de phenomenos typhicos ás vezes observados n’esta moléstia fez com que Lebert a denominasse ictericia typhica; os phenomenos hemorrhagicos, quasi constantes, e a terminação quasi sempre pela morte, eis em que se baseou Monneret para dar-lhe as denominações de ictericia hemorrhagica, ictericia fatal. A natureza e etiologia da ictericia grave teem sido objecto de sérios e constantes estudos, mas nem por isso taes questões se achão perfeitamente resolvidas. A’ principio considerou-se a ictericia grave como uma ictericia qualquer á que vinha ajuntar-se o phenomeno gravidade. Mais tarde procurou-se tornal-a uma entidade mórbida distincta> e Rokitansky deo-a como o resultado de uma atrophia aguda do fígado. Frerichs confirmou o que havia dito Rokitansky, e ainda hoje muitos acreditão que a ictericia grave é o mesmo que atrophia amarella aguda do fígado. Objectarão que nem sempre existe atrophia, que a lesão das cellulas do fígado não consiste essencialmente em uma atrophia, etc. Pensou-se, então, na Allemanha sobretudo, que tratava-se de uma hepatite parçn- 38 chymatosa com ou sem atrophia, o que por sua vez foi con- testado. Bright, Budd e Trousseau admittirão um principio infeccioso actuando sobre toda a economia, alterando o sangue e aífectando uma predisposição especial para o fígado. Muitas outras explicações teem sido apresentadas ; mas para abreviar esta questão, que não é propriamente do nosso ponto, citaremos Dieulafoy, que em relação á icterícia grave se exprime do seguinte modo : « E’ preciso, pois, eliminar as theorias exclusivas que procu- rão explicar os accidentes da icterícia grave. Estes accidentes não são devidos exclusivamente á cholemia ou choletoxemia (pre- sença da bile no sangue) ; as experiencias têm demonstrado que esta theoria é muito absoluta, e a passagem da bile para o sangue, como se observa na icterícia simples, nunca chega a produzir os symptomas da icterícia grave. Filies não são devidos á acholia (ausência de secreção biliar;, porque os ácidos biliares não pre- existem no sangue, são secretados pelo fígado. Não são devidos á cholesteremia, theoria imaginada por Flint, que suppunha que a cholesterina procedente do cerebro não é mais sufficientemente eliminada pelo fígado, accumula-se no sangue, e provoca acciden- tes consecutivos. Não são devidos á uremia, e, ainda que as lesões do rim desempenhem aqui um papel muito considerável, este papel todavia é de segunda ordem. Cada uma d’estas causas especiaes deve de ser substituída pela noção mais geral da alteração primitiva e secundaria do sangue com suppressão mais ou menos completa das funcçÕes múlti- plas do fígado ; o sangue é viciado por um principio infeccioso, de natureza ainda desconhecida, e além d’isso recebe influen- cia das alterações do fígado. » Pelo que diz respeito á icterícia grave secundaria este auctor admitte que os phenomenos graves correm antes por conta das alterações do sangue consecutivas a suppressão mais ou menos completa das funeções múltiplos do fígado, do que mesmo pela influencia de um principio infeccioso. 39 PHENOMENOS MORBIDOS QUE ACOMPANHÃO A ICTERICIA Com a icterícia coincide o apparecimento de certos pheno- menos morbidos, que muito nos auxilião na determinação do valor semeiotico d’este symptoma. Uns correm directamente por conta d’ella, outros não. E’ dos primeiros que nos vamos occupar, deixando de lado os segundos, que dependem antes da affecção em cuja symptomatologia entra a icterícia. f Estes phenomenos, ligados em sua grande maioria á ictcricia dependente de reabsorpção biliar (ictericia bilipheica), consistem em certas manifestações para a pelle, perturbações para o lado das vias digestivas, perturbações de circulação, modificações de temperatura, etc. Antes de estudal-os, porém, fallaremos á respeito do elemento o mais caracteristico do syndroma ictericia—a coloração da pelle, —que, como muito bem diz Straus, « implica a própria idéa da affecção. » O mesmo faremos em relação á coloração que tomão outros tecidos. Coloração da pelle e de outros tecidos.—O phenomeno que em primeiro logar attrahe a attenção do medico e leva mesmo as pessoas extranhas á medicina a estabelecerem o diagnostico de icterícia,vem a ser a coloração amarella da pelle, a qual por via de regra é precedida de igual coloração das escleroticas. Esta colo- ração, que é devida ás substancias corantes depositadas na rede de Malpighi, principalmente nas cellulas mais profundas do derma, tem diversas gradações ; varia desde o branco amarellado, quasi imperceptivel (cor subicterica), até o amarello carregado, escuro. Esta ultima côr ás vezes é tão accentuada, que tem-se dado em taes casos á icterícia o qualificativo de negra. 40 A’ principio pouco perceptivel, a coloração vae progressiva- mente augmentando-se, e, conforme trata-se de ictericias agudas ou de ictericias chronicas, assim também a côr da pelle dura mais ou menos tempo. Citão-se factos de icterícia circumscripta á certas regiões do corpo, á um lado, aos seios, ás unhas, etc., e J. Simon admitte mesmo uma icterícia parcial. Taes factos, referidos por homens como Behier e Hardy, etc., e admittidos por Julio Simon e ou- tros, Straus os não acceita, e diz que a icterícia parcial seria « physiologicamente incomprehensivel, a matéria corante da bile sendo transportada á todos os orgãos pelo sangue. » Para este auctor a icterícia é sempre geral, affecta todo o organismo, sendo porém mais perceptivel em uns pontos do que em outros. Ella se manifesta em primeiro logar nas conjunctivas, no angulo interno dos olhos, d’onde passa para a região temporal, azas do nariz, sulco nazo-labial, fronte, mento e bochechas. Logo depois as unhas tomão a mesma côr, as mãos, os ante-braços, o pescoço, a parte superior do tronco, o ventre e os membros infe- riores. Além da pelle, muitos outros tecidos são impregnados pelo pigmento e apresentão uma coloração mais ou menos carregada ; podemos mesmo dizer que a impregnação do pigmento attinge á todas as partes do organismo. A côr amarella invade a conjunc- tiva ocular, onde é geralmente intensa e se manifesta antes mesmo de ter apparecido na pelle ; invade quasi sempre a mucosa bucal tornando-se mais pronunciada na parte inferior da lingua e no véo do paladar. Uma côr mais ou menos intensa se observa igual- mente nas membranas serosas e fibrosas, no tecido conjunctivo, nas paredes dos vasos sanguíneos e lymphaticos, no tecido carti- laginoso em gráo não muito considerável, e até mesmo no tecido osseo. Em relação á substancia nervosa, que os auctores geral- mente considerão como participando da impregnação pigmen- taria, Murchison é de opinião que a coloração apresentada por ella « é devida á exsudação do serum ictérico pelas extremidades dos vosos seccionados. » Straus acredita que raríssimas vezes ella se apresenta de um modo accentuado no cerebro e nos nervos, e é este também o modo de pensar do professor Frerichs. 41 Manifestações cutaneas.—Ao lado da coloração de que aca- bamos de fallar outras particularidades se observão para a pelle do individuo ictérico, as quaes muito concorrem para caracte- risar o symptoma que estudamos. E1 assim que muitas vezes apparece um prurido não acompa- nhado de erupções, prurido que póde invadir toda a superfície cutanea, mas que por via de regra assesta se na palma das mãos, na planta dos pés e entre os dedos. Este prurido, que muito in- commoda o doente, principalmente durante a noite impedindo- lhe o somno, e que não poucas vezes o leva a coçar-se ao ponto de apparecerem excoriações e mesmo ulceras, póde preceder de alguns dias a manifestação da icterícia, como já se tem observado, desapparecendo logo que esta se tenha desenvolvido de um modo completo. O que é habitual, porém, é elle coincidir com a apparição da ictericia ou seguir-se logo depois, persistindo ás vezes emquanto a coloração da pelle dura, desapparecendo outras vezes para mais tarde se patentear de novo. O prurido, segundo Murchison, raras vezes é observado na ictericia independente de obstrucção das vias biliares. Ignora-se, diz o mesmo auctor, qual o elemento da bile que o provoca ; mas pelo facto d’elle preceder ás vezes á ictericia e apresentar-se muitas vezes nas perturbações hepaticas independentes de ictericia, poder-se-hia concluir que não é determinado por pigmento biliar. A urticaria, o lichen e outras erupções cutaneas, e algumas vezes furunculos e anthrazes podem em um ou outro caso se manifestar conjunctamente com a ictericia. Estas manifestações cutaneas se observão nas icterícias devidas á reabsorpção de bile, icterícias bilipheicas, e, segundo alguns auctores, entre elles o dr. J. Lachaize, que escreveu uma these intitulada — o furunculo e a rozeola na ictericia, — ellas se produzem do seguinte modo : a bile circulando com o sangue é levada á pelle, e ahi deter- mina irritação dos elementos glandulares, produzindo o furunculo e o anthraz, ou a irritação dos elementos nervoso e vasculo- lymphatico, dando origem ao lichen, urticaria, rozeola e erysipela. No numero das erupções cutaneas que se observão no curso da ictericia conta-se um estado morbido chamado — vitiligoidea 42 ou xanthelasma, — que, sendo devido á icterícia, quasi sempre indica uma icterícia chronica. A denominação de xanthelasma deve ser preferida á de placas amarellas das palpebras, diz Dieulafoy, porque a erupção em grande numero de casos se generalisa e não fica limitada ás palpe- bras. Observado muitas vezes na icterícia hepatogena, mas podendo apresentar-se independentemente da icterícia, e n’este caso é be- nigno, o xanthelasma, no dizer de Murchison, apresenta-se debaixo de duas fôrmas, que forão indicadas por Addison e Gull. A pri- meira fôrma se caracterisa por placas opacas, brancas, cujos bor- dos e superfície são ligeiramente elevados e contrastão com as partes vizinhas, placas que se assestão na pelle das palpebras, da palma da mão, da face palmar dos dedos e na mucosa das gengivas: vitiligoidea plano ; a segunda consiste em tubérculos ou nodulos elásticos, de volume e consistência variaveis e de cor mais ou menos avermelhada : vitiligoidea tuberoso. O aspecto das placas do vitiligoidea plano, continua o mesmo auctor, faz ver que este é devido a um deposito oleoso na subs- tancia do derma, muito abundante nas partes vizinhas dos folicu- los pillosos ; o outro, o vitiligoidea tuberoso, ao microscopio vê-se que consiste em um deposito fibroso, duro, formado na pelle e infiltrado de um liquido opalino contendo granulações gor- durosas. O xanthelasma começa pelo grande angulo do olho, estende-se ás duas palpebras, apparece na palma das mãos, planta dos pés, cotovellos, joelhos, etc., com umatendencia bem manifesta á sy- metria. Secreções e humores. — Não são só os tecidos que, em um individuo ictérico, soffrem a impregnação pigmentaria ; a presença da matéria corante é também verificada nas differentes secreções, d’entre as quaes sobresahe a urinaria. E’ n'esta secreção, com effeito, que a matéria corante se apresenta em primeiro logar e de um modo mais pronunciado ; ella se manifesta mesmo antes que a pelle e a própria conjunctiva ocular indiquem icterícia, podendo mesmo acontecer, diz Murchison, que, sendo passageira a causa da ictericia, o pigmento seja totalmente eliminado pelo emunctorio 43 renal, sem que coloração alguma se manifeste para o lado da pelle. O contrario póde ter logar, isto é, a urina não revelar mais a existência de bile, ao passo que a pelle ainda se apresenta sensi- velmente corada de amarello. Este facto, que se observa nos últi- mos períodos da icterícia, tem sua explicação na lentidão com que se faz a descamação das cellulas coloridas pelo pigmento, o qual se deposita em maior abundancia nas cellulas mais profundas da rede de Malpigbi. Além de certas reacçÕes chimicas muito importantes para o reconhecimento da urina ictérica, esta apresenta caracteres physi- cos e organolepticos capazes de, por si sós, indicar uma icterícia. As urinas tornão-se menos fluidas, são turvas, perdem a sua limpidez. As bilipheicas tomão uma côr amarella intensa, uma côr de açafrão ou amarella esverdeada ; tornão-se espumosas e de um sabor mais ou menos amargo ; apresentão reflexos esver- deados, e communicão ao panno branco côr amarella intensa. As hemapheicas teem uma côr menos intensa, não são espumosas quando agitadas, nem offerecem reflexos esverdeados. As urinas ictéricas expellidas em 24 horas varião muito em sua quantidade. Sua densidade, em geral, está na razão inversa da quantidade, excepto nos casos de eliminação exaggerada de matérias azotadas (Straus). Tendo em vista a theoria de Meisner, segundo a qual o fígado goza de um grande papel na formação da uréa, Brouardel, Bou- chard, Valmont e outros tratarão de ver qual a quantidade d’este principio contido nas urinas ictéricas. A solução d’este problema muito auxiliaria o pratico no estudo da icterícia ; porém na icte- rícia, diz Straus, a uréa póde diminuir, conservar-se normal ou augmentar, sem que seja sempre possível dar conta d’estas va- riações. Quanto aos chloruretos, prosegue o mesmo auctor, parece que estão em relação com a quantidade de urina, e que geralmen- te varião no mesmo sentido que a uréa. Sobre o assucar e a albumina nada de positivo se póde dizer. Reservamos para tratar em outro logar das reacçÕes chimicas caracteristicas das urinas ictéricas, a respeito do que aliás já disse- mos algumas palavras. 44 Ainda que em menor escala, a eliminação do pigmento biliar se effectúa também pelas glandulas sudoriparas e sebaceas ; pelo que se tem visto o suor de certas regiões, sobretudo d’aquellas em que estas glandulas abundão, como a axilla, região inguinal, etc., communicar uma cor amarella evidente ás vestes do doente. Cheyne observou o facto de um individuo, que vio o lenço tingir- se de amarello ao limpar o suor da fronte. Andral refere o de um doente em que o suor era amarello, sem que entretanto a pelle e a conjunctiva ocular se apresentassem com côr ictérica. A secreção lactea póde também ser impregnada pelo pigmen- to, porém (Straus) o facto é muito raro. Villeneuve refere os factos de duas creanças que tornarão-se ictéricas por serem ama- mentadas por amas acommettidas d’este estado morbido. Goroup-Besanez pôz em evidencia a presença do pigmento biliar no leite de uma ictérica. Outros factos como este têm sido observados. A eliminação de matéria corante pela saliva nunca Frerichs poude observal-a. Wright teria entretanto encontrado cholepyr- rhina na saliva, porém sobretudo quando á ictericia juntava-se salivação mercurial. W. Legg fez a mesma observação» (Straus). Frerichs ainda não conseguio verificar coloração ictérica nas lagrimas. Também se encontra grande quantidade de matéria corante nos exsudatos albuminosos e fibrinosos dos ictéricos ; as exsuda- ções serosas a encerrão em proporção considerável, e, depois do sangue e do fígado, são ellas que se colorão mais cêdo. Xanthopsia. — Phenomeno muito interessante, porém exces- sivamente raro, a xanthopsia consiste n’uma anomalia da visão em virtude da qual certos ictéricos vêm os objectos de côres diffe- rentes, sobretudo os objectos brancos, coloridos de amarello. Frerichs, apezar do muito que tem observado em relação ás questões que dizem respeito á pathologia hepatica, nunca encon- trou esta curiosa anomalia. J. P. Franck a observou cinco vezes. A xanthopsia, transitória por via de regra, não guarda relação alguma com a intensidade da ictericia ; é muitas vezes intermit- 45 tente e cessa de manifestar-se sem que por isso a icterícia se mo- difique de modo algum. De que modo explica-se este phenomeno ? Os auctores dis- cordao a tal respeito. Muitos attribuem-n’o á impregnação dos humores do globo ocular pelo pigmento, J. Simon, por exemplo, que diz o seguinte : « Algumas vezes os doentes veem os objectos coloridos de amarello, facto real, porém pouco frequente, e que é devido á cholepyrrhina espalhada no humor vitreo do globo ocular. » Se os humores do olho se impregnassem de pigmento biliar, diz Murchison, em todos os casos de icterícia a xanthopsia deveria apparecer ; porém, mesmo na icterícia intensa, geralmente estes humores não são invadidos pela bile, e o mesmo se dá com o cristallino. Thomaz Watson, tendo notado a coincidência de um caso de xanthopsia com a existência de uma dilatação dos vasos da con- junctiva, e appellando para uma observação semelhante do dr. Elliotson, na qual a visão amarella se limitava a um só olho coberto de vasos varicosos, Watson conclue que é só quando os vasos do globo ocular se achão dilatados sufficientemente que a xanthopsia se produz : porque, em taes condições, os vasos dão passagem ao pigmento existente no sangue e este vae tingir os meios do olho. Murchison, á proposito da explicação de Watson, refere a observação de um doente seu em que, tendo havido uma dilatação considerável dos vasos conjunctivaes e ao mesmo tempo xanthopsia, este phenomeno desappareceo rapidamente, e entre- tanto a dilatação vascular continuou a ser observada. O facto da xanthopsia muitas vezes apresentar-se com caracter intermittente sem modificação alguma no gráo de intensidade da icterícia, e outras vezes faltar quando ha uma icterícia intensa da cornea e dos outros tecidos do olho ; ainda mais, o facto d’ella já ter sido observada concomitantemente com febres graves ífebre typhoide, etc.) não acompanhadas de icterícia, assim como ter muitas vezes se mostrado associada a outras perturbações da visão como a nycthalopia, estes factos, digo, são razoes que Fre" richs allega para considerar o phenomeno em questão puramente nervoso. Murchison, Frank e outros partilhão este modo de pensar. 46 A santonina provoca também 0 apparecimento d’uma xantho- psia, que cessa logo que a matéria corante é eliminada do sangue pelo emunctorio renal. Sua acção ainda não está bem explicada. Com a ictericia ainda se póde observar o phenomeno do escu- recimento da vista durante a noite—a hemeralopia. O dr. Mouly que escreveo uma these sobre a hemeralopia nas aífecçÕes hepáti- cas, entre outras conclusões, apresenta as seguintes: a hemeralo- pia é encontrada em um certo numero de aífecçÕes chronicas do figado ; parece ser de preferencia produzida pela cirrhose hyper- trophica e talvez também pelas outras aífecçÕes em que a cellula hepatica é compromettida, etc. Perturbações da circulação. — Entre as perturbações que a ictericia imprime á circulação, ha uma muito frequente e de gran- de valor — a considerável diminuição que se observa no numero das pulsações arteriaes. O primeiro que chamou a attenção para este facto foi o profes- sor Bouillaud. Um phenomeno muito curioso e que ha muito tempo nos prende a attenção, diz elle, phenomeno que está em opposição com certas idéas, é o seguinte: geralmente nas icte- rícias puras o pulso offerece uma lentidão notável ; cahe de 72 a 60, 5o e mesmo 40 pulsações por minuto. Frerichs refere um caso em que o numero de pulsações arte- riaes baixou a 25 e um outro em que chegou mesmo a 21 ; Mur- chison é de opinião que elle póde descer mesmo a 20. Em dous doentes de angiocholite catarrhal com ictericia por nós observa- dos este anno, na enfermaria de clinica, havia grande diminuição no numero das pulsações ; em um d’elles apenas contavão-se 34 pulsações da radial por minuto. Em geral, porém, o numero de pulsações fica entre 40 e 5o. Esta lentidão do pulso, que dura mais ou menos tempo, e é sobretudo manifesta quando o indivíduo conserva-se em decúbito, desapparece desde que sobrevem um estado pyretico qualquer, e então ha, pelo contrario, acceleração. N’estas condições, porém, a acceleração do pulso não é a mesma que seria se os symptomas febris não coincidissem com o estado ictérico ; é muito menor. E’ por esta razão e pelo facto de que a ictericia, apparecendo depois que já existe o estado febril, faz immediatamente cahir o numero 47 de pulsações, que Jaccoud faz notar que devemos considerar como febril o pulso do indivíduo ictérico que apresenta numero physio- logico de batimentos. Porém nem sempre se observa retardamento do pulso ; ha casos em que elle falta durante todo o curso da affecção. E’ na icterícia hemapheica que o retardamento do pulso deixa de mani- festar-se; quando elle é observado, trata-se de uma icterícia verdadeira, bilipheica (Gubler). Uma vez conhecido o facto da lentidão do pulso na icterícia, lentidão de pulso que geralmente coincide com um abaixamento mais ou menos pronunciado da temperatura, a primeira idéa que occorreo ao experimentador foi a de injectar bile no sangue dos animaes, afim de procurar uma explicação para aquelle facto. Foi o que fez Roehrig e mais tarde repetirão Feltz, Ritter e outros, provando todos elles que d’este modo se obtem os mesmos effeitos, que por occasião da icterícia são observados. Mas, esta modificação da circulação correrá por conta de todos os princípios da bile, ou será apenas devida á alguns d’elles ? Ro- ehrig provou que a cholesterina e a bilirubina não a produzem ; que a taurina e a glycocolla são a este respeito absolutamente inertes ; que são os ácidos biliares que, exercendo uma acção deprimente sobre o orgão central da circulação, fazem com que se observe semelhante modificação dos batimentos arteriaes, assim como mudanças para o lado da calorificação e respiração. Pelo facto da digitalis produzir, como os ácidos biliares, retar- damento dos batimentos cardiacos, alguns auctores entenderão que se podia considerar estes ácidos como tendo uma acção idên- tica á d’aquella substancia relativamente ao apparelho circulatório. « O primeiro pensamento que vem ao espirito, diz J. Simon, é que os ácidos biliares e a matéria corante desempenhão no sangue o papel da digitalis, que o nervo vago é excitado pela reabsorpção biliar. Este modo de pensar é mais seductor do que perfeitamente exacto. » Com effeito, se é verdade que, quer a digitalis, quer os ácidos biliares retardão os batimentos cardiacos, comtudo as experiencias de Roehrig, Feltz e Ritter deixarão bem patente que o modo de actuar de um e de outro sobre o apparelho circulatório apresenta differenças bem notáveis. E1 assim que ao passo que com a dimi- 48 nuição na frequência do pulso produzida pela digitalis geralmente se nota ao mesmo tempo os movimentos respiratórios mais fre- quentes, com os ácidos biliares o retardamento do pulso coincide com movimentos respiratórios também retardados, menos fre- quentes, não na mesma proporção que o coração, é verdade, porém de um modo bem apreciável. O retardamento produzido pela digitalis nunca se prolonga por muito tempo ; o contrario tem logar com os ácidos biliares, isto é, estes determinão retarda- mento muito prolongado. Uma terceira differença, e esta parece capital, é a seguinte : é por intermédio dos nervos pneumogastri- cos que a digitalis determina estas modificações no apparelho circulatório (seccionados estes nervos ella não tem a mesma acçao sobre o coração); os ácidos biliares, mesmo depois de seccionados os nervos vagos, continúão a exercer sua acçao deprimente sobre o musculo cardíaco. D’onde concluirão aquelles experimentadores que é sobre o myocardo, por intermédio do sangue, que os ácidos biliares actuão determinando o phenomeno do retardamento do pulso. Ao lado do enfraquecimento do pulso, que muitas vezes acom- panha a icterícia, ha casos em que observa-se a producção de um ruido de sopro cardíaco, á proposito do qual Gangolphe escreveu uma these, em 1875, intitulada do sopro mitral na icterícia. N'este trabalho Gangolphe cita nove observações de icterícia de causas diversas, no curso da qual tinha-se notado um sopro systolico, ora permanente, as mais das vezes passageiro e tempo- rário, que apresentava seu máximo de intensidade na ponta do coração, no quinto espaço intercostal e abaixo e para dentro do mamelão. Baseando-se na séde do ruido anormal, que em geral se de- nunciava de um modo brando, elle 0 considera como um ruido de sopro symptomatico de uma insuficiência da valvula mitral sem lesões organicas e puramente temporária. Refere este auctor que nas diversas observações se notava que o sopro cessava com a moléstia que lhe tinha dado origem, e que a sua apparição coincidia quasi sempre com o enfraquecimento do coração. O ruido de sopro ictérico da insuficiência mitral, continúa elle; se distingue dos ruidos de sopro orgânicos, no 49 mesmo orifício, por ser elle intermittente e cessar com a affecção durante a qual se produzio; além de que, não tem a mesma in- tensidade que muitas vezes os sopros orgânicos manifestão, e soffre alternativas bruscas de apparição e desapparição. Não se confunde também com o sopro que alguns auctores considerão como podendo se produzir no mesmo orifício em consequência da anemia. O sopro symptomatico da inocclusão mitral devida á ictericia não se observa absolutamente no momento em que a anemia acha-se no máximo de sua intensidade. Ainda mais, no curso de uma ictericia febril, quando o pulso accelera-se e a tem- peratura sóbe, muitas vezes o. sopro ictérico desapparece e só volta com a queda do movimento febril. Tendo admittido uma insufficiencia mitral temporária para explicar o sopro cardíaco, que ás vezes se nota no curso de uma ictericia, Gangolphe, como era natural, procurou ao mesmo tempo dar uma explicação d’esta insufficiencia. Além das parti- cularidades, já mencionadas, do sopro ictérico, elle faz notar que nunca teve logar o apparecimento de complicações pulmonares nem asystolia, nas observações por elle referidas. D’cnde con- cluio que semelhante insufficiencia mitral é devida pura e sim- plesmente á uma dilatação do coração esquerdo, determinada pela paresia momentânea dos musculos papillares. Por sua vez esta paresia seria uma consequência da intoxicação do musculo por um sangue sobrecarregado de bile, e em apoio d’esta hypothese Gangolphe cita as experiencias de Roehrig, Grol- lemund, Kleinpeter, etc., relativas á acção dos saes biliares sobre a fibra muscular. Assim, pois, para Gangolphe—intoxicação do myocardo pela bile, paresia dos musculos papillares, dilatação do coração es- querdo e insufficiencia mitral consecutiva, eis os factos que ex- plicão a bulha de sopro systolico, que ás vezes acompanha a ictericia. « M. Gangolphe avait bien indiqué Texistence d’un bruit de soufffe dans Pictère, et il le plaçait à 1’orifice mitral; ce bruit de soufflé parait devoir être placé à 1’orifice tricuspide. » (Dieulafoy). Ao mesmo tempo que apparecia a these de Gangolphe, o pro- fessor Potain, que então se occupava do estudo do papel patho- genico das affecçÕes hepaticas sobre certas cardiopathias, veio dar uma outra explicação do sopro ictérico : concluio que este passa- se no fóco tricuspide. A1 proposito d’esta asserção de Potain ci- taremos o seguinte trecho, extrahido de um excellente trabalho de H. Rendu, intitulado—Da influencia das moléstias do coração sobre as moléstias do figado e reciprocamente. « Gomme M. Gangolphe, il (M. Potain) avait eu à plusieurs reprises, d'entendre des bruits de soufflés systoliques de la pointe, manifestement sous la dépendence de Tictère. Mais il remarqua que ce soufflé avait son maximum au niveau du bord droit du sternum, qu'il se propageait peu vers Paiselle; en un mot, qu’il semblait occuper le foyer des bruits tricuspidiens. Ce qui fflétait qu’une présomption devint pour lui une certitude, lorsque chez un malade, atteint d'ictère chronique symptomati- que d’un câncer du pancréas, il put constater une véritable in- suffisance tricuspidienne, accompagnée de pulsations hépatiques et de battements des jugulaires. Le trace de ces pulsations, com- parativement enregistrées avec celui de la pointe du coeur, mon- tra l’isochronisme parfait de la systole ventriculaire et de la ré- gurgitation jugulaire, c'est-à-dire tous les caractères du pouls vei~ neux vrai. II paraissait donc probable que le soufflé mitral de M. Gangolphe se passait en réalité au niveau du coeur droit, par le fait d’une dilatation passagère de Torifice auriculo-ventri- culaire.» Perturbações gastro-intestinaes.—Não raras vezes a icterí- cia traz comsigo perturbações digestivas, mais ou menos pronun- ciadas, d'entre as quaes sobresahem as que são uma consequên- cia da ausência de bile no tubo intestinal. Isto se comprehende facilmente, porquanto a bile não é tão sómente um sueco excre- menticio, ella tem também um papel a desempenhar nos phe- nomenos da digestão. As outras perturbações correm por conta de um estado saburral ou catarrhal de toda a mucosa do tubo di- gestivo. A lingua do indivíduo ictérico geralmente apresenta-se sabur- rosa, com côr amarella mais ou menos carregada em sua face inferior; o véo do paladar, a mucosa do pharynge, etc., também tomão uma certa coloração. Ordinariamente este indivíduo queixa-se de gosto amargo, que Murchison attribue á presença do 51 taurocholato de sodio no sangue. Sente que seu appetite tem di- minuído, e em geral repelle as substancias gordurosas; algumas vezes tem nauzeas, vomitos, etc., e por via de regra sua digestão se faz languidamente. Nem sempre, porém, se observao todos estes symptomas; ás vezes acontece que os indivíduos não só não se queixão de suas digestões, comem regularmente, etc., como até mesmo adqui- rem um appetite extraordinário. Isto se observa principalmente na icterícia de longa duração, e ás vezes coincide com um estado de emmagrecimento mais ou menos serio do indivíduo. « La mai- greur est extrème et cependant les malades mangent beaucoup: ils disent que leur digestion se fait trop vite, et 1’appétit repa- rait promptement avec une sorte de voracité.» (Straus). Este em- magrecimento, observado sobretudo na obstrucção prolongada do canal choledoco, diz Murchison, se explicaria em parte por uma parada completa da funcção glycogenica do fígado, parada de funcção glycogenica demonstrada por Wickham e von Wittich. Geralmente admitte-se que a bile goza de uma acção anti- septica em relação aos alimentos; e então, desde que houver acho- lia intestinal, estes não soffreráÕ mais semelhante acção, isto é, entraráÕ em decomposição pútrida. O resultado d’isto será a producção de grande quantidade de gazes, e estes, accumulando-se nos intestinos e distendendo-os de um modo mais ou menos con- siderável produziráõ um tympanismo abdominal proporcional á mesma distensão. Uma outra propriedade que quasi todos attribuem á bile vem a ser a de stimulante physiologico das contracçÕes peristal- ticas dos intestinos. Portanto, desde que a bile não fôr mais der- ramada no duodeno ou o fôr insufficientemente, teremos cessa- ção ou diminuição dos movimentos peristalticos, e o resultado d’isto será constipação mais ou menos rebelde ao lado da icte- rícia. Outras vezes, porém, as matérias fecaes pútridas actuão ir- ritando os intestinos, e, em vez de constipação, pelo contrario, sobrevem diarrhéa. Como é sabido, as substancias graxas só são absorvidas de- pois de perfeitamente emulsionadas, e é opinião corrente que esta emulsão, sobretudo reservada ao sueco pancreatico, corre também por conta da bile. Sendo assim, é natural a conclusão de que’ 52 havendo acholia intestinal, só uma parte das substancias gordu- rosas poderá ser absorvida, sendo a outra eliminada com as fezes e constituindo a chamada steatorrhéa. Havendo embaraço á penetração do sueco pancreatico no in- testino, comprehende-se, a steatorrhéa será intensa. A ausência de bile no tubo intestinal faz com que as maté- rias fecaes tornem-se descoradas, phenomeno este de summa im- portância pratica, como diz Frerichs, porquanto só por elle quasi que se póde affirmar a existência de uma icterícia mecâ- nica, e não poucas vezes o gráo mesmo de obstrucção. Esta coloração varia desde a côr de cinza até a cor de argila. Casos ha em que o obstáculo ao corrimento da bile para o in- testino não interrompe completamente a passagem d'este liquido, e então as fezes, embora descoradas, têm entretanto uma certa proporção de bilirubina. A’s vezes, no curso de uma icterícia intensa com descora- mento completo das matérias fecaes, de um momento para o ou" tro estas se apresentão tintas pela biíe. Isto se observa nos casos de cálculos engasgados, ou porque elles se tenhão deslocado dando assim passagem a bile entre si e a parede do canal biliar, ou porque tenhão sido lançados no intestino ou na vesícula. A retenção póde ser total, pondera Straus, mas haver san- gue nos intestinos, sangue que tingirá as fezes. Do mesmo modo, continúa elle, é possível que o indivíduo tendo tomado uma preparação mercurial, esta, determinando a formação de sulphu- reto de mercúrio que é verde, tinja as matérias fecaes. 53 DIAGNOSTICO A natureza do nosso ponto não nos permitte entrar em consi- derações á respeito do diagnostico pathogenico da icterícia, pois um tal estudo nos levaria a tratar do diagnostico de todas as affecções em que este symptoma póde ser observado, o que é da alçada da pathologia interna, e o ponto sobre o qual escrevemos é de pathologia geral. Não trataremos também do diagnostico dif- ferencial entre a icterícia bilipheica e a icterícia hemapheica, por- que julgamos já o ter feito sufficientemente por occasião do estudo da pathogenia e de outras questões relativas á icterícia. Resta-nos, portanto, dizer alguma cousa sobre o diagnostico symptomatico, que não poucas vezes póde ser feito pela simples inspecção do doente. Quando, com eífeito, a cor do tegumento externo é bem pro- nunciada e a coloração amarella das conjunctivas se manifesta claramente, as mais das vezes as próprias pessoas que cercão o doente estabelecem logo o diagnostico de icterícia. Não poucas vezes, porém, acontece que o diagnostico não póde ser feito tão facilmente, visto como a cor da pelle não se apresenta de um modo tão franco como na primeira hypothese. Para taes casos existem dous meios que devem ser postos em pratica, meios de um grande valor e que são aconselhados por todos os auctores que se occupão da icterícia ; são os seguintes: o exame das conjunctivas e a analyse chimica das urinas. A coloração amarella própria da icterícia é tão frequentemente observada para o lado das conjunctivas, que o professor Frerichs diz ter encontrado apenas duas excepções. E’ uma côr amarella uniforme, geralmente bem accentuada, que começa pelo angulo interno do olho e se manifesta antes mesmo que o tegumento externo tenha sido invadido. Cumpre não confundil-a com a côr amarella que ás vezes apparece no tecido cellulo-adiposo sub-con- junctival. Evita-se esta causa de erro attendendo-se a que: 54 achando-se este tecido gorduroso limitado a certos pontos, a côr amarella por elle produzida é circumscripta, ao passo que na icte- rícia esta coloração se diffunde. Passemos a tratar das reacçÕes chimicas, em virtude das quaes as urinas ictéricas se caracterisão. Quando se trata do reconhecimento do pigmento biliar na urina, é do reactivo de Gmelin que em geral se lança mão, por- que, além de simples, elle tem a grande vantagem de ser extrema- mente sensível. Eis como se deve proceder : em um provete contendo a urina suspeita, faz se cahir pela parede do vaso, gotta a gotta, acido azotico contendo em dissolução vapores nitrosos. Se a urina é biliosa, tem logar a formação de uma zona de côr verde, que vae successivamente passando pelas cores azul, violete, vermelho e amarello escuro. Esta gradação de côr, que é devida á oxidações, por que o pigmento biliar vae passando, não se observa, já o disse- mos, se se trata de urinas hemapheicas. Estas produzem em con- tacto com o acido azotico uma côr vermelha que Gubler compara á côr do cajú. Diversas modificações têm sido feitas no reactivo de Gmelin ; porém elle continúa ainda a ser o mais commummente empregado. Neubauer manda que se trate a urina por uma mistura de partes iguaes de acido sulphurico e acido azotico. Brucke serve-se d’esta mistura, porém em primeiro logar ajunta á urina algumas gottas de acido azotico, quanto seja suffi- ciente para que a côr verde se produza ; em seguida faz cahir i5 a 3o gottas de acido sulphurico. Diz elle que d’este modo a suc- cessão de cores próprias do pigmento biliar tem logar. Pelo processo de Vitali deve-se ajuntar á urina uma solução de azotito de potássio e addicionar em seguida um pouco de acido sulphurico. A côr verde se produzirá, se houver bilirubina na urina. Heller manda que depois de se misturar a urina com um pouco de albumina, se addicione acido nitrico, que coagula a albumina, tinta de verde pela matéria corante biliar. Segundo Marechal, deve-se lançar sobre a urina algumas gottas de tintura de iodo, que determina a côr verde própria do pi- gmento. 55 Outros mandão que se trate a urina pelo chloroformio, depois de tel-a acidulado pelo acido chlorhydrico. Uma porção do chlo- roformio fórma uma mistura amarella com a urina e a outra porção fica descorada ; decanta-se esta ultima, e trata-se a parte colorida pelo processo de Brucke. Gomo o chloroformio pesa mais que o acido, é de cima para baixo que as zonas coloridas se produzem. Este processo tem por base a propriedade de que goza o chloroformio de dissolver a bilirubina, libertando a bili- verdina. Para se determinar a presença dos ácidos da bile na urina o melhor processo é o de Pettenkofer. Toma-se a urina, ajunta-se- lhe algumas gottas de uma solução de assucar de canna, e depois faz-se cahir gotta a gotta acido sulphurico concentrado, de modo que a temperatura não vá além de 5o a 6o gráos. Pela agitação se obtem uma côr vermelha que em seguida torna-se violete. Ha certos estados morbidos que á primeira vista poderiao se confundir com a icterícia. Assim, a cor de palha amarella dos cancerosos, a côr dos cacheticos palustres, a das chloro-anemicas, etc., poderia em certos casos se impor como côr ictérica. Mas, além da symptomatologia do cancro, da cachexia palustre, da chloro-anemia, ete., ser toda especial, accresce que, n’estas affe- cçoes, a conjunctiva e a esclerotica dos indivíduos se apresentão com sua côr branca normal, que é tanto mais apreciável, ponde- ra Straus, quanto contrasta com a côr amarella da face. Em casos de duvida teríamos ainda o grande recurso represen- tado pela analyse das urinas, que n’estas aífecções de nenhum modo revelao a existência quer de pigmento biliar, quer de pigmento hematico. 56 VALOR SEMEIOTICO l)A ICTERÍCIA No estudo das causas da icterícia vimos que numerosas e va- riáveis são as affecções que apresentão este symptoma; d’onde podemos concluir que a icterícia, por si só, não nos fornecerá grandes esclarecimentos em relação ao diagnostico de taes mo- léstias. E’ combinada aos differentes symptomas de que cada uma d'estas se reveste, que a icterícia apresenta toda a sua impor” tancia semeiotica. Mas como não nos é possível tratar do diagnostico de cada uma d’estas affecções, seremos breve no es- tudo da semeiotica d’este symptoma. O apparecimento de uma icterícia precoce e generalisada em geral reconhece como causa uma angiocholite catarrhal, ou um calculo, ou ainda uma perturbação nervosa. Se com este apparecimento repentino coincide descoramento das matérias fecaes, evolução progressiva da icterícia, lentidão do pulso, ausência de febre, etc., temos razoes para suppôr que se trata de um catarrho das vias biliares. Se o apparecimento brusco da icterícia no decurso de uma saude perfeita é precedido de cólicas violentas, nauzeas frequen- tes, vomitos, etc.; se a cor ictérica coincide com descoramento das matérias fecaes, lentidão do pulso e com um tumor na região do fígado correspondente á vesicula biliar, é que pro- vavelmente existe um calculo biliar obstruindo o canal choledoco. Em semelhantes casos nota-se ordinariamente depois do paro- xysmo uma sensibilidade exrranha na região da vesicula, e se pelo exame das fezes se descobre o calculo, este então representa a peça de convicção. Veremos então que a remoção do calculo é acompanhada do reapparecimento brusco de fezes coradas, e que em poucos dias a cor ictérica por via de regra se dissipa. Quando se observa icterícia ligada á uma tal causa, vê-se que na maioria dos casos existe uma ou algumas das seguintes condições : ve. lhice, vida sedentária, profissão de lettras, abuso do álcool, so- bretudo moléstias hereditárias como a asthma, a gotta, etc., etc. 57 Quando a apparição rapida da icterícia, estando o indivíduo em pleno gôzo de saúde, não pouder ser filiada á uma das duas causas acima citadas ; ainda mais, se coincidir com um accesso de cólera, com um susto, etc., trata-se provavelmente de uma perturbação nervosa. Estes casos porém são raros. A icterícia que desenvolve-se de um modo lento, apresentando pouca intensidade e gastando mezes ou mesmo um anno e mais em generalisar-se, indica por via de regra a existência de uma causa que actua lentamente, podendo esta causa se assestar no apparelho hepato-biliar ou fóra d’elle. Em taes casos, trata-se ordinariamente de affecçÔes chronicas do figado ou de tumores, e estes ás vezes podem ser percebidos pela apalpação. Tratar-se-ha provavelmente de um tumor canceroso assestado na empola de Vater, se ao lado de ictericia lenta se observar enteroorrhagia, emmagrecimento progressivo, dôr localisada na região correspondente ao duodeno, dôr que em geral apparece duas ou tres horas depois da refeição. Uma ictericia intensa e persistente, acompanhada de expulsão de fezes de côr argilosa, de hemorrhagias gastro-intestinaes e muitas vezes de dôres bastante intensas, é em muitos casos o indicio de um cancro do figado, o qual tem por séde o hilo d’este orgão e comprime os conductos biliares. Podemos presumir que se trata de uma congestão hepatica, quando apparece uma ictericia pouco intensa, de evolução rapida e acompanhada não só de dôr surda na região hepatica—uma sen- sação de pêso,—como ainda de abundancia de bile no intestino. Se á estes symptomas vem se addicionar dôr mais intensa e em geral localisada, movimento febril, etc., temos dados para suppôr que uma hepatite aguda se processa. A ictericia que é acompanhada de cephalalgia, delirio, coma, carphologia, sobresaltos tendinosos, crocidismo, adynamia, etc., póde indicar uma ictericia grave ou certas pyrexias. Quando cila coincide com conjunctivas injectadas, brilho espe- cial dos olhos, cephalalgia sobretudo supraorbitaria, rachialgia, dôres nos membros inferiores, febre, falta de parallelismo entre o pulso e a temperatura elevada, além de outros symptomas, o diagnostico de febre amarella tem razão de ser. 58 Se com a icterícia se observa vomitos, evacuações e urinas ca- racteristicas do estado bilioso, phenomenos cerebraes, hemorrha- gias, etc., deve-se pensar em uma febre remittente biliosa grave, na qual estes symptomas são pronunciados e persistentes e a ictericia existe sempre. CADEIRA DE MEDICINA LEGAL USMSlNlSm I Graças aos aperfeiçoados processos da chimica, da microsco- pia e da spectroscopia, o medico legista está habilitado a afhrmar se certa mancha é ou não de natureza sanguínea. II A questão das manchas de sangue exige muita attençao e pe- ricia, sobretudo nos casos em que o tempo ou uma lavagem in- tencional tenhão privado a mancha de seus caracteres physicos mais salientes. III Com tal exame o perito denuncia muitas vezes um crime, do mesmo modo que póde negal-o, affirmando que a mancha, sup- posta sanguínea, foi imitada por uma outra substancia corante. IV Quando a mancha é recente, seus caracteres physicos são de grande valor; porém, deve-se sempre completar o exame pelo mi- croscopio e pelos ensaios chimicos. V A analyse chimica, tão precomsada nos tempos idos, a ponto de affirmar-se que uma mancha era sanguínea só pelo facto d’ella ser albuminosa, ferruginosa e azotada — está hoje collocada de- pois do exame pelo microscopio e pelo spectroscopio. VI Tinha-se muita confiança no acido hypochloroso (reactivo de Persoz), porque dizia-se que elle não ataca as manchas sanguí- neas, ao passo que modifica rapidamente as não-sanguineas. 62 VII A reacçao de Van Deen, apezar de boa, não merece inteira confiança, porque, de um lado nem só a hemoglobina tem proprie- dade ozonifera, e de outro lado ha corpos que por si mesmos são capazes de colorir em azul a tinctura de guaiaco. VIII O processo mais simples e exacto para determinar a natureza de uma mancha, que se suppÕe sanguínea, é sem contestação a pesquiza dos globulos vermelhos do sangue ao microscopio, e n’isto ainda ha a vantagem de muitas vezes se poder dizer se o sangue é ou não humano. IX Um outro processo rigoroso é o chamado cliimico-microscopico, o qual consiste na producção e descoberta dos crystaes de hemina ou chlorhydrato de hematina, crystaes pertencentes ao systema rhombico, e que são caracteristicos. X O processo de Hoppe-Seyler e o de Bruche para a obtenção d’estes crystaes forão por Erdmann modificados, de modo a pas- sar-se toda a reacção no microscopio. XI A não obtenção dos crystaes não exclue a possibilidade da mancha ser sanguínea, pois certas precauções são necessárias para que elles se formem, e bem póde acontecer que nem todas ellas tenhão sido tomadas em consideração. XII Pela analyse spectral a hemoglobina se caracterisa de modo a se poder affirmar que o principio corante extrahido da mancha suspeita é com efleito matéria corante do sangue. CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA MISCIEMIA MffiSM £ DE SM IIME1A SOBRE 0 RESULTADO DAS DFERAUOES CIRDREICAS I Os antigos cirurgiões, desconhecendo os graves perigos prove- nientes das hemorrhagias, tinhão uma preoccupação exclusiva : evitar a morte do enfermo durante o acto operatorio. II Nascida com Ambrosio Parêo, a idéa da poupança de sangue foi adoptada arbitrariamente, até que a auctoridade de Desault veio fixal-a de um modo definitivo na cirurgia. III Interrompida a marcha das idéas pelo apparecimento da dou- trina de Broussais, surgirão os estudos physiologicos que a vierão consolidar ainda mais. IV Numerosos apparelhos e processos forão desde então imagina- dos com o fim de se obter a hemostasia. V D'entre elles os melhores que reinão hoje na sciencia, sao : a compressão digital e o methodo de Esmarch. VI A primeira, apresentada por Louis, é mais antiga ; o segundo data de 1873. VII Quer uma, quer outro, apresentão vantagens e inconvenientes. 64 VIII A* compressão digital, Verneuil attribuia as phlebites e peri- phlebites desenvolvidas nos operados. IX O apparelho de Esmarch consta de duas peças: uma atadura elastica e um tubo de borracha. X Na applicação da atadura, caminha-se sempre da extremidade para a raiz do membro. XI Os effeitos geraes do apparelho de Esmarch são insignifican- tes. Entre os locaes, os mais sérios e importantes são as paraly- sias e as hemorrhagias consecutivas. XII Nada ha ainda fixado definitivamente á respeito da influencia das hemorrhagias sobre a marcha da convalescença, assim 'como sobre a cicatrização das feridas. CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA, ESPECIALMENTE BRAZILEIRA AC(iO PHYSIOlOm l THERAPEBTICA DD LEITE I De côr branca e de sabor adocicado, o leite é o resultado de uma actividade especial que as cellulas das glandulas lactiferas exercem sobre os elementos constituintes do plasma sanguíneo. II O leite constitue per si só, ao mesmo tempo que um dos prin- cipaes alimentos, um poderoso agente therapeutico, e como tal deve ser collocado de preferencia entre os reconstituintes. III Elle contém tres ordens de princípios : como alimentos plásti- cos— a caseina, a lactoproteina e em pequena quantidade a al- bumina ; como alimentos respiratórios —a manteiga e o assucar de leite; como principios salinos — os phosphatos, os chloruretos, os carbonatos e ainda os saes de ácidos orgânicos. IV Uma vez no estomago, o leite se coagula e depois se redis- solve, sendo a caseina transformada em peptona, producto da di- gestão definitiva das matérias albuminoides. V O assucar de leite é menos solúvel e permanece mais tempo no estomago, onde se transforma em acido láctico. VI A matéria graxa do leite chega intacta ao intestino delgado, onde é emulsionada pela bile e sobretudo pelo sueco pancreatico, e n’este estado é absorvida. Os saes passão para o sangue no es- tado de dissolução. 66 VII A diurese é um dos effeitos mais constantes do leite. VIII Além do leite tal qual é excretado, a therapeutica se soccorre ainda do sôro de leite, do koumis (procedente da Rússia) e do leite chamado medicamentoso. IX O leite é em pregado com um proveito mais ou menos consi- derável nas seguintes affecçoes do apparelho digestivo : no estrei- tamento do esophago ; em diversas dyspepsias ; nas gastrites ; na ulcera simples do estomago ; no cancro d’este orgão ; nas entero- colites ; em certas diarrhéas, etc. X E’ perfeitamente indicado em qualquer período da tuberculo- se , assim como durante a evolução e por occasião da convalescença de certas febres graves e prolongadas, d’entre as quaes citaremos a typhoide, a escarlatina, a variola, o sarampão e as pyrexias palustres. XI O leite é de um valor inestimável nas hydropisias, entre as quaes se achão as de origem cardíaca e as chamadas renaes ou dependentes do mal de Bright. XII Pelo facto de coagular-se no estomago e assim poder até certo ponto aprisionar algumas das substancias contidas n’este orgão, o leite é aconselhado nos envenenamentos ; cm relação á intoxica- ção pelo phosphoro, porém, nunca se deve lançar mão de tal meio, porquanto a gordura do leite apressa a absorpção d’esta substancia. IlipflJSCfôtóiã JlflJfagX&fKti I Vita brevis, ars longa, occasio proeceps, experientia fallax, judicium difficile. (Sect. I, Aph. I). II Morbo regio laborantibus jecur durum fieri, malum. (Sect. VI, Aph. XLII). III Intestinorum difficultas si ab atrâ bile ortum duxerit, lethalis. (Sect. IV. Aph. XXIV). IV In longis intestinorum difficultatibus cibi fastidia malum de- nunciant et cum febre pejus. (Sect. VI, Aph. III' V Ubi delirium somnus sedaverit, bonum. (Sect. II, Aph. II). VI In acutis morbis extremorum refrigeratio mala. (Sect. VII, Aph. I). Esta these está conforme os Estatutos. Rio de Janeiro, 4 de Outubro de i883. e/e <=D/'/me/e/a* //2/)ç,. j/y/cvitcta e/e <=Q//icei, ////b. j//Jee/Aoeá.