■■» /^Jlhjfc**- FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO THESE DO tí^JÍ ílf, Citbs xMtyitfft mU$ ;r£í;;. Rio de Janeir^o Typ. "-■ Carlos Rodrigues de Vasconcellos.......................................J Ernesto de Freitas Crissiuma............................................."J Francisco de Paula Valladares........................................... ( ru;.,;,.„ „:,.„,.„;„„ ^„ „j„n.,„ Pedro Severiano de Magalhães............................................ f Cllu,ca cirm«Ica de a(lult<>s- Domingos de Góes e Vasconcellos.......................................) Pedro Paulo de Carvalho...................................................... Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza........................................... Clinica medica e cirúrgica de crianças Luiz da Costa Chaves de Faria............................................ Clinica de moléstias cutâneas syphiliticas Carlos Amazonio Ferreira Penna.......................................... Clinica ophthalmologica .......................................................................................... Clinica psychiatrica. N. B. — A Faculdade nâo approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe sao apresentadas. 1 li I M ^ ~==^jJ^^c^^&-™" ^m^L^m^ t^&^^^jH wm pt «ttÉt ttttÉMt f&* ►>^W' >x& Tributo de amizade e gratidão. gg^S^^^s ^í^^SZ^ AOS MEUS PARENTES Estima e consideração. A minha madrinha e tia A Ex.MA Sra. D. CHRISTINA MARIA CUPERTINO DURÃO E Ao meu padrinho e tio O SR. AUGUSTO CORRÊA DURÃO Amizade. Ao Ex.mo Sr. Commendador JOÃO DE SOUZA MOREIRA E Á SUA EX.MA FAMÍLIA. Reconhecimento Aos meus illustrados mestres Conselheiro VICENTE CÂNDIDO FIGUEIRA DE SABOIA Conselheiro JOÃO VICENTE TORRES HOMEM Dr. MARTINS COSTA Dr. JOÃO SILVA Dr. CYPRIANO DE PREITAS Dr. BENICIO DE ABREU Dr. PIZARRO GABISO Kespeito, consideração e estima. Ao meu mestre e amigo Dr. JOÃO CARLOS TEIXEIRA BRANDÃO DISTINCTO LENTE DE CLINICA PSYCHIATRICA Homenagem ao seu nobre caracter e erudição. Aos meus companheiros de estudos e amigos sinceros Antônio ie Soma Freitas Amgrosto Clenaentin© ia Silva Antônio Martins áe A^eveio Pinuentel Eiiiará© Monteiro de €arvallo Joio Antônio <üe Avellar Jnnior Mamiro Mrmino Santiago Profunda affeição Aos meus sympathicos collegas MATHIAS DE VILHENA VALLADÃO FREDERICO SAUERBRONN DE SOUZA HENRIQUE DE OLIVEIRA DINIZ ERNESTO RODRIGUES DA COSTA VIDIGAL HENRIQUE PAMPLONA DE MENEZES VICTOR FERREIRA DO AMARAL SILVA Amizade. Ao meu sympathico amigo SR. ALBINO JOAQUIM LOPES e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Ao particular amigo e collega DR. IGNACIO ALVARES DA SILVA CAMPOS e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Ao meu dedicado e prestimoso amigo SR. ANTÔNIO FRANCISCO DE ASSIS CARNEIRO e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Aos meus velhos amigos Srs. JOSÉ DE CASTRO GUIMARÃES FRANCISCO DE ALMEIDA SALGUEIRO Ao Ill.mo Sr, JOSÉ VIEIRA DO COUTO e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Ao Ill.mo e Ex.mo Snr. CORONEL CARLOS FREDERICO DE LIMA e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Ao Ill.mo e Ex.mo Snr. BARÃO DE ARAÚJO FERRAZ e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Ao meu bom amigo o Snr. MAJOR FRANCISCO JOSÉ DINIZ (Minas) e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Gratidão Ao Ill.mo Snr. COMMENDADOR ÂNGELO ELOY DA CÂMARA e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Ao Ill.mo Snr. DR. ANTÔNIO MARCOLINO FRAGOSO e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Muita consideração e respeito Aos distinctos clinicos DR. FRANCISCO DE CASTRO DR. ERNESTO DE BARROS (S. Paulo) As Ex.mas Snr.aa D. MARIA JOSÉ REBELLO (S. Paulo) e D. MARIA GERTRUDES DE ANDRADE MOURA (S. Paulo) Estima. Ao Ill.mo Snr. DR. ANTÔNIO AUGUSTO VIEIRA e Á SUA DEDICADA ESPOSA Ao meu professor de latim DR. LUCINDO PEREIRA DOS PASSOS e Á SUA EX.MA FAMÍLIA Aos meus talentosos amigos RAUL D7WILA POMPEIA e ANTÔNIO FERNANDES FIGUEIRA Recordações. Aos meus collegas Drs. FRANCISCO JOSÉ DA SILVA PESSANHA DUARTE PERES DO REGO MONTEIRO RODRIGO NAZARETH DE SOUZA REIS JOSÉ LEITE DE ABREU ARTHUR PACHECO ANTÔNIO GOMES AGUIRRE HENRIQUE TAVARES LAGDEN SERVULO DE SIQUEIRA LIMA JOÃO PEDRO FIGUEIRA DE SABOIA MARIANO PEREIRA NUNES FRANCISCO ANTÔNIO DA SILVEIRA ANTÔNIO RIBEIRO GOMES SOBRINHO BICHAT ARTHUR GOMES RIBEIRO DE AVELLAR GALDINO CARDOSO DE ABRANCHES OLINTHO MÁXIMO DE MAGALHÃES Saudades. AOS MEUS COLLEGAS DE ANNO AOS AMIGOS DE MEU PAE Aos doutorandos de 1885 PREFACIO Escolhemos para assumpto de nossa these as choréas. O estudo do systema mais nobre do organismo, que é ao mesmo tempo o órgão das faculdades afíectivas e intellectuaes, o conductor da volição e da motilidade, o regulador de todas as funcções e sede das sensações — apresenta difficuldades insuperá- veis a aquelles que pela primeira vez tentão devassar os arcanos da neuro-pathologia. Sabiamos que não nos faltarião obstáculos em cada uma das questões que tentássemos, não resolver, mas dis- cutir com os recursos ao nosso alcance; recursos insufficientes, adquiridos apenas em dois annos de clinica. Sabiamos que o enigma das nevroses nos tolheria o passo á cada instante, que a divergência em pathologia nervosa é a regra e a harmonia de opiniões a excepção. Mas as bellezas do systema nervoso nos seduzirão, nos illudirão, porque só conseguimos admi- rai-as. Tivemos occasião, em fins do anno passado, de acompanhar na clinica do nosso mestre e amigo o illustrado Dr. Martins Costa, um caso curioso de hemi-choréa symptomatica que terminou fatal- mente ; a autópsia que praticámos nos proporcionou ensejo de ve- rificar a localisação assignalada por Charcot e seus discipulos. Durante o corrente anno observámos quer no hospital de Mi- sericórdia, quer no do Carmo, diversos doentes que apresentavão «SÍO 1 2 movimentos choreiformes, e na Policlinica dois interessantes casos de choréa da infância. Taes forão as razões que nos resolverão á escolha de um ponto tão vasto quanto controverso. Os médicos antigos tomando a palavra choréa como synonyma de tremor, convulsão ou incoordenação motora applicarão-na á di- versas moléstias completamente differentes umas das outras. Hoje o quadro nosologico das choréas é muito mais limitado; os estados choreiformes denominados choréas saltatoria, rotatória, etc, forão completamente excluidos e d'elles não nos occupamos. Só com- prehendemos em nossa dissertação as aífecções que merecem realmente a denominação de choréas e que se assemelhão senão na etiologia, pelo menos na symptomatologia. Aos illustrados Drs. Martins Costa, Teixeira Brandão e Mon- corvo, agradecemos os proveitosos conselhos e o valioso auxilio que nos dispensarão. O AUCTOR. DISSERTAÇÃO \ CLASSIFICAÇÃO DAS CHORÉAS Numeroso e complexo era o grupo das choréas admittido pelos pathologistas do começo deste século ; quasi todas as aífecções em cuja symptomatologia predominavão as desordens da motilidade forão incluidas no mesmo quadro. Como se a palavra choréa qui- zesse dizer tremor, incoordenação ou vesaniá, foi ella applicada a moléstias diíferentes umas das outras, e que só tinhão de commum a existência de movimentos involuntários, contínuos ou não; a choréa era o que hoje é a hysteria em neuro-pathologia, um protêo, uma moléstia susceptível de tomar diversas fôrmas e de tudo ex- plicar. Reunindo as aflfecções que têm sido denominadas choréas po- demos dispôl-as em 3 grupos. 0 1.° grupo comprehende : l.a a verdadeira choréa, a choréa vulgar ou gesticulatoria com as suas variedades dependentes da causa, marcha ou extensão da nevrose. Taes são as variedades designadas pelos nomes de choréa rheumato-cardiaca, gravidica, dos velhos, etc, se é ao rheumatinmo, á gestação, etc, que devemos filial-as. Quando a choréa limita-se a uma parte do corpo, a um só lado, diz-se que é parcial ou que ha hemi-choréa. Se a invasão é rápida a choréa é aguda, no caso contrario será chronica. 2." A athetose, que é uma choréa parcial com caracteres especiaes. 3.a A choréa electrica de Bergeron. 4.a A choréa rythmica hysterica. 0 2.° grupo é representado pelos estados choreiformes depen- dentes de lesões encephalicas. Estas perturbações da motilidade são inteiramente semelhantes á hemi-choréa vulgar, razão por que cabe-lhes a denominação de hemi-choréas sgmptomaticas. A hemi- athetose, as hemi-chorêas post e prce-hemiplegicas serão descriptas conjunctamente. No 3.° grupo incluímos as aífecções que forão erroneamente consideradas como choréas, das quaes, entretanto, distinguem-se completamente: são as pseudo choréas, isto é, os estados mórbidos designados pelos nomes de choréa major, choréa saltatoria, choréa vibratória, choréa procursiva; estados estes que constituem o que Rhomberg denomina caimbras staticas, e Jaccoud — impulsões locomo- toras st/stematisaãas, spasmos-rgthmicos. N'este mesmo grupo collo- camos a choréa electrica de Dubini, que na opinião dos médicos italianos é devida a uma lesão medullar. Só trataremos da choréa de Dubini porque hoje ninguém mais considera como choréas as impulsões locomotoras systematisadas de Jaccoud. CLASSIFICAÇÃO DAS CHORÉAS Rheumatica. Rheumato-cardiaca. Choréa vulgar... { Ideopathica Gravidica. 1.° Grupo... { \ Dos velhos. Athetose. Choréa 'electrica (Bergeron). » rythmica hysterica. ey0p í Hemichoréas / Post hemiplegica. T ^° \ symptomaticas ..) Prse » Hemi-athetose. Dos tumores e da atrophia cerebral. Choréa major. rotatória. vibratória 3.° Grupo... Falsas choréas. Choréa electrica (Bubrni). procursiva saltatoria. 7 Da cboréa filiar i issticitoria HISTÓRICO A palavra choréa foi por Bouteille introduzida na linguagem medica para designar o conjuncto mórbido que vamos estudar, isto é, a dança de jS. Guião. Hoje esses dois termos são considerados verdadeiros synonymos, ainda que uma voz eloqüente, a de Trous- seau, se tivesse levantado contra a identificação das duas expres- sões que na sua opinião não possuião a mesma extensão. Trousseau pretendia que a dansa de S. Guido representasse apenas um-a espécie de um gênero de affecções, o qual compre- hendia, ainda muitas outras, e era para esso gênero que re- servava a palavra choréa; mas fazendo uma questão de pa- lavras, de nomenclatura, alterou a nosologia da choréa e chegou a considerar .corno tal diversas choreomanias, affecções muito diffe- rentes, certas desordens da motilidade que nenhuma analogia tem com a .choréa e que pertencem ao grupo das impulsões locomotoras systematisadas e .dos spasmos rhythmicos ou coordenados (Rhom- berg); assim, admittia uma choréa saltatoria, outra rotatória ou a vibratória, a choréa dos escriptores, a choréa diaphragmatica, a choréa nevrálgica, etc Histórico. — Os documentos mais antigos sobre a dança de S. Guido não passão de chronicas supersticiosas que pouco conceito merecem. Dizem ellas que no século XI um grupo de indivíduos foi acommettido de mania dançante em conseqüência da maldição sobre elles lançada por um padre, perecendo todos um anno mais tarde. No XIII século mais de 100 crianças levadas pelo mesmo furor, que as obrigava a contorsões e movimentos convulsivos, per- correrão o caminho de Erfurt a Arustadt. Mais tarde, no século XIV surgiu a grande epidemia de choreomaniá da idade média. Foi a época em que a sciencia se viu invadida pelos mais grosseiros erros; reinavão então as praticas supersticiosas, o fanatismo, a liberti- nagem a mais desenfreada; a peste negra percorria a Europa ater- rordsando os povos e .flagelando as populações ; os .numerosos trans- 8 bordamentos de rios espalhavão a miséria por toda a parte; as condições politicas e sociaes erão deploráveis. Não havia segurança individual; dominava ao contrario a vontade despotica dos mais fortes, e a violência brutal não encontrava paradeiro. Taes forão as causas que, segundo alguns escriptores, entre os quaes Hecker, originarão as choreomanias epidêmicas de que fallão os auctores. A primeira epidemia appareceu em 1374 na Allemanha, nas margens do Rheno; hordas de individuos, cuja procedência não se conhecia, mostravão-se em diversos lugares e oíferecião os mais estranhos espectaculos : homens e mulheres reunidos por um delirio commum, de mãos dadas formando circuios, entregavão-se a contor- sões desordenadas, dançavão durante muitas horas, como verda- deiros bacchantes dominados por apparições phantasticas. Depois vinha o cançaço e elles cahião sobre o solo, uns completamente abatidos, outros pedindo em altos brados que lhes comprimissem energicamente . o ventre. Este estado era acompanhado de tym- panite, êxtase e hallucinações attribuidas á espíritos malévolos e tra- tado pelos exorcismos. Novos bandos que se formavão pela in- fluencia do contacto, da simulação e do deboche forão vistos em Aix-La-Chapelle. Um mez depois a epidemia passou á Cologne, onde o numero dos dançantes elevou-se a 500, e a Metz exce- dendo a 1,000. Os lavradores abandonavão os campos, os artistas suas occupações e as mães de família o lar doméstico para seguirem esta horda de frenéticos que transformavão os lugares por onde passavão em theatro de scenas funestas. As paixões sensuaes en- contrarão occasião propicia para sua explosão, centenas de don- zellas abandonarão o domicilio paterno, ao qual voltavão depois trazendo os fructos da libertinagem. Em 1380 terminou a epidemia para reapparecer 3ü annos depois (1415) em Strasburgo com o nome de Tansplage, invadindo depois a Baviera e a Bohemia. Em dois pontos differia esta epi- demia da l.a: era menos intensa e parecia diminuir soba influencia de certas praticas religiosas. O santo que mais milagres operou, S. Guido, attrahiu ás capellas de Zabern, Rottesten e de Ulm na Suabia numerosos doentes que ahi assistião á missa e a outras 9 praticas religiosas, percorrião em seguida as circumvisinhanças do altar, onde por fim depunhão uma oíTerta. Muitos curarão-se e o poder milagroso do santo foi considerado o único meio capaz de attenuar os effeitos de uma affecção, contra a qual nada podia a sabedoria humana. D'ahi provém a denominação de dança de S. Guido dada ás dançomanias do XV século. Durante dous séculos a narração d'estas epidemias foi feita por historiadores pouco escropulosos, ou demasiadamente crédulos; os médicos guardarão silencio. Othon Brunfels e Paracelso são os pri- meiros que d'ellas tratão, Brunfels assimilândo-as ao corybantismo e Paracelso tentando arrancar a moléstia ao domínio dos santos e do maravilhoso, e mostrando suas causas, de accôrdo com conheci- mentos que possuía sobre o corpo humano. Elle distinguio três es- pécies de dança de S. Guido : a l.a (vitista, choréa imaginativa, sestimativa) devida unicamente á influencia da imaginação; a 2.a li- gada a desejos sexuaes (choréa lasciva); a 3.a finalmente depen- dente de causas que chamava corporeas e cuja acção resumia assim: « o sangue excitado pelos espíritos vitaes alterado borbulha no interior das veias determinando como que cócegas internas que provocão o riso; tal a razão porque os doentes sentem-se invadidos por um júbilo inebriante e uma attracção irresistível para a dança. » Semelhante opinião foi sem duvida suggerida pela obser- vação de alguns casos benignos de dança de S. Guido em que se notava o riso involuntário e que se poderião comparar aos ticos convulsivos, se estes fossem acompanhados de tendência para a dança e sensação agradável. Nos últimos doentes já não se obser- vava gritos e saltos descommunaes, a vontade podia diminuir e mesmo parar os accessos; em summa tratava-se de uma moléstia que differia em alguns pontos da choreomaniá primitiva e se approximava da moderna dança de S. Guido. Mais precisos são os dados fornecidos por Schenck de Graf- fenberg, celebre medico que viveu no XVI século, mas cuja lin- guagem ressente-se ainda da viva impressão que o flagello tinha deixado no espirito popular; descrevendo-o elle diz : « rara et hor- renda insania species qua corrupti miro saltandi furore agitandur, unde sancti Viti nomen invenit. » 10 0 quadro descripto por Schenck não era novo, era quasi uma copia dos escriptos dos chronistas anteriores. No seu tempo esta mania dançante tornara-se rara e entretanto elle refere factos passados em época ainda próxima: « parece incrível que mulheres nos últimos tempos da prenhez se entregassem aos furores de uma dança infernal sem damno algum para o filho apenas protegido por uma cinta ao redor do ventre; taes factos não merecerião credito se não fossem confirmados por exemplos mais recentes. » O mesmo medico falia da influencia que a musica e as cores vivas tinhão sobre a intensidade dos accessos; dá também detalhes a respeito das peregrinações feitas á duas capellas no Brisgau con- sagradas a S. Guido. Philippe Camerarius, contemporâneo de Schenck, depois de narrar a moléstia de conformidade com a tradição, diz que no seu tempo ainda existia perto de Ravensburg em uma montanha, chamada morro de S. Guido, um castello e uma capella outrora muito freqüentada pelos peregrinos. Felix Plater (1602) denomina a molestia-saltus Viti, affecção rara, incrível, prodigiosa em que os individuos dominados por furor insensato saltão e dansão sem cessar. Conta ter visto em Bale uma mulher que dançou quasi sem interrupção du- rante um mez apezar de estar com os pés muito magoados; quando era obrigada a assentar-se ou quando dormia os membros erão ainda agitados, como se ella ainda dançasse. Esta ultima circumstancia talvez possa explicar porque a choreo-mania de que tratamos foi mais tarde confundida com a nossa choréa. Horstius ou Horst, o Esculapio da Alemanha, .apenas falia sobre a dansa de S. Guido era uma carta dirigida a Eckoddjt que o tinha consultado á respeito de uma aífeoção nervosa convulsiva por elle chamada — saltus sanoti Viti. N'esta carta diz ter con- versado com algumas mulheres que ião todos os annos ;á capella de Ulm, onde, mergulhadas em profundo -êxtase, entregavão-se á mais desordenada dança até o completo esgotamento das forças; passada a crise julgavão-se curadas e voltavão ao seu paiz. Uma d'estas mulheres já tinha feito 32 peregrinações e outra 20. 11 As conseqüências que podemos tirar da narração de Horst são as seguintes : que no XVII século a dança ou choréa de S. Guido era rara sem ter comtudo desapparecido totalmente; que refe- rindo-se ás romarias feitas aos templos de S. Guido os auctores só indicavão as danso-manias; que finalmente Horst, Schenck, Ca- merarius e Plater denominavão dança de S. Guido á choreo-manias muito diferentes da affecção hoje conhecida pelo nome de dança de S. Guido ou choréa. Sennert, também contemporâneo de Horst, descreve a dança de S. Guido como moléstia rara, não convulsiva, análoga ao taren- tismo observado na Itália. Depois de Sennert foi Willis (1619) quem insistiu na descripção de Horstius, na analogia do tarentismo com a dansa de S. Guido; além d'isto, convém notar, elle cita duas observações da nossa choréa vulgar sem entretanto asseme- lhal-a á outra qualquer moléstia. No fim do XVII século Wedel, professor em Iena, continua a propalar a opinião dos seus ante- cessores e a considerar como dança de S. Guido a choreo-mania da idade média. No XVIII século principiou para a historia da choréa uma phase mais luminosa graças á escola ingleza, e foi Sydenham quem desfez o cahos que a envolvia. Segundo uns o Hyppocrates inglez tendo observado cinco casos da nossa choréa vulgar, descreveu seus principaes symptomas com precisão, mostrou em que ella difíeria dos diversos estados choreiformes, com os quaes tinha sido confundida e concluio que era a dança de S. Guido. Segundo outros, Sydenham, o grande observador da natureza, que acon- selhava a leitura de D. Quixote a quem lhe perguntava quaes as obras mais proveitosas sob o ponto de vista da instrucção medica, era pobre de erudição e commetteu um erro grosseiro — deu á uma moléstia que não tinha nome o de outra em nada parecida com a primeira. É porém incontestável que desde então a confusão foi ces- sando e o quadro da moléstia que vamos estudar foi limitado e regularisado. Sob o -impulso de Sydenham o estudo da choréa foi con- 12 tinuado na Inglaterra e as idéias do mestre respeitadas e am- pliadas. Cullen e Heberden citão quasi textualmente a definição de Sydenham. Mead porém descrevendo a não pôde evitar dous esco- lhos — a confusão com certos accidentes nevropathicos ligados á dysmenorrhéa e a filiação da choréa á intervenção de espiritos maleovolos. Na Allemanha a historia da dança de S. Guido no fim do XVIII século ainda se achava eivada de muitos erros. A epi- demia de ergotismo que manifestou-se em 1770 veio dar lugar a mais um equivoco; os médicos que a não tinhão observado, levados somente pelas descripções de Rode, Hermann e Traube virão n'ella um fac-simile das epidemias da idade média. Tal foi o erro de Brendel que, olvidando a causa da nova moléstia, foi d'essa opinião. Wichmann tentou corrigir a inexatidão; conhecedor das idéias professadas na Inglaterra tinha noções precisas sobre a choréa de Sydenham, e observara mesmo alguns casos em Londres e outros em seu paiz. Repelliu pois energicamente a opinião falsa de Brendel e mostrou, fundado em observações pessoaes, as differenças entre as duas moléstias. Em França pouco interesse se ligou ao estudo da choréa. Lieutand negou até a sua existência. Foi necessário que um ancião, Bouteille, na idade de 80 annos, viesse dispertar a curio- sidade dos médicos do XIX século e a concentrasse sobre tão curiosa affecção. Effectivamente só em principios do século actual começou a choréa a ser estudada com interesse pelos francezes e inglezes principalmente, pois que a elles devemos as noções mais positivas e interessantes sobre o pathogenia e anatomia pathologica. Bouteille na sua obra publicada em 1810 dá uma historia completa da moléstia e admitte a existência de três espécies: l.a choréa proto- pathica, que tem uma invasão brusca; 2.a a choréa deutero-pathica, affecção intercurrente; 3.a choréa pseudo-pathica, comprehendendo as moléstias que simulão a choréa. Na descripção de cada uma d'estas espécies Bouteille patenteia bem seu espirito eminentemente 13 pratico e um talento admirável de observação, o que torna sua obra preciosa e superior a todas as outras anteriormente publicadas. Até 1850 nada de novo apparece em França sobre a choréa. N'esse anno porém surgem disputando a primasia dous trabalhos notáveis: a monographia de Roth sobre musculação irresistível, col- lecçãode dados curiosos e verdadeiro primor de erudição; e a memória appresentada por Germain Sée á Academia de Pariz, sustentando com ardor e eloqüência as relações estreitas entre a choréa e o rheumatismo. A interessante monographia de Roth, fructo de acurado es- tudo e de uma vasta illustração foi mal recebida pela Academia de Medicina (o auctor era allemão) e não tardou a ser esquecida. A obra de G. Sée foi coroada e é hoje justamente considerada a melhor these escripta sobre choréa. A nova vereda se achava aberta, os auctores não tardarão a seguir as pisadas de Sée. Trousseau não nega a influencia da diathese rheumatica na producção da dança de S. Guido, mas faz a palavra choréa synonyma de tremor! Por sua vez Roger abraça as conclusões de G. Sée e vai mais longe afíirmando a filiação ou quasi identidade das duas mo- léstias. Finalmente n'estes últimos annos Charcot estudando a anatomia pathologica da hemi-choréa, localisando-a na porção pos- terior da camada óptica e em parte da cápsula interna, abre vasto campo ás hypotheses sobre a sede da choréa. Na Inglaterra a coincidência da nevrose com o rheumatismo e as affecções cardíacas suggeriu a idéia de procurar a pathogenia nas lesões do coração. Uns, como Bright e Cyon, sustentarão a hypothese de uma acção reflexa; outros, como Jackson, Broad Bent, Handfield-Jones, Tuckwell attribuirão-na a pequenas embolias cerebraes provenientes do endocardo. DEFINIÇÃO O que é a choréa ? Moléstia desconhecida em sua essência ella só pôde ser definida pelos principaes caracteres sympto- M maticos e estes estão perfeitamente verificados; parece pois que seria fácil descobrir o laço que os une e abrangel-os em uma definição. Effectivamente os auctores têm pretendido realisar tal desi- deratum, mas das definições apresentadas umas são insuficientes ou vagas e elásticas, applicaveis a differentes estados mórbidos, outras limitão-se a descripções resumidas e incompletas do quadro symptomatico. Tal é a razão porque alguns cingem-se á transcripção das considerações geraes que G. Seé faz sobre a choréa. O prq- fessor Seé diz : « Nos climas temperados e frios observa-se principalmente nos infantes e mais particularmente no sexo feminino, uma moléstia singular que tem sido confundida com a loucura, o êxtase, as convulsões, os ticos nervosos, os tremores senis ou metallicos, a paralysia propriamente dita, a paralysia agitante. Trata-se de um estado mórbido que é menos que a alienação mental, mais que uma simples perturbação muscular, e que, como a hysteria affecta a sensibilidade moral e a innervação dos órgãos locomotores. D'entre os phenomenos que ella determina os mais notáveis refe- rem-se ás modificações mais ou menos profundas que se manifestãQ no caracter e habito do doente; os mais constantes, os mais essen- ciaes são constituídos por movimentos irregulares, desordenados, quasi sempre contínuos e exacerbantes, os quaes sem impedir 4e uma maneira absoluta a acção da vontade sobre os músculos affectados, tirão toda a synergia ás contracções, toda a precisão aos seus effeitos, como se os músculos fossem privados d'esta força que desde Barthez é denominada força de situação, força statica. Este conjuncto de symptomas forma a affecção conhecida pelo nome de choréa, affecção sub-aguda ou chronica, sujeita a reincidências, de cura difficil e que adquire algumas vezes gra- vidade insólita em conseqüência de moléstias intercurrentes, sobre- tudo da diathese rheumatica, da qual é freqüentemente a ex- pressão e o resultado. » Por esta exposição vê-se que G. Sée considera-a uma entidade nosologica especial tendo por symptomas 15 característicos as perturbações nos actos da locomoção e no estado mental. O Dr. Simon no artigo do Novo Diccionario de Medicina de- fine a choréa: « Uma nevrose especial que affecta de preferencia a infância, de longa duração, caracterisada por movimentos irre- gulares, desordenados, quasi sempre contínuos e exacerbantes, parciaes ou geraes e involuntários, sem haver comtudo abolição completa da acção da vontade sobre os músculos affectados. » Este auctor limita-se pois a repetir as palavras de Seé, somente é mais positivo sob o ponto de vista de localisação entre as moléstias nervosas; elle classifica-a como uma nevrose. Para Joseph Frank a choréa é uma moléstia constituida pela subtracção dos músculos ao império da vontade, por movimentos anormaes de todo o corpo ou só de uma de suas partes, e prin- cipalmente por contorsões e gesticuláções desordenadas. Rhomberg diz que â choréa consiste em movimentos combi- nados de alguns músculos ou grupo de músculos, independentes da influencia cerebral, e que adquirem mais intensidade quando a vontade intervém para produzir certos actos Hasse adopta a mesma definição accrescentando que os movi- mentos choreicos cessão durante o somno. Rosenthal exprimindo as idéias da escola allemã define a choréa vulgar (choréa minor, choréa anglorum) um estado mórbido constituido por abalos mus- culares, movimentos associados mais ou menos contínuos? produ- zidos sem perturbações da ideiação, principalmente sob a influencia de excitações motoras voluntárias e sem accommodação apparente a um fim determinado, isto é, sem coordenação. A definição de Rosenthal além de outros inconvenientes tem o de ser muito vaga e comprehender outras manifestações mórbidas como as choréas symptomaticas, e identifical-as com a choréa normal ou gesticulatoria. Niemeyer apenas diz que a choréa é uma nevrose da moti- lidade porque os seus symptomas são dependentes de uma excitação mórbida dos nervos motores, emquanto que a sensibilidade e as funcções psychicas nada manifestão de anormal. Cyon vê na choréa 16 uma verdadeira ataxia, uma nevrose do systema coordenador e diverge completamente de Rhomberg que falia em movimentos combinados, quando é exactamente a falta de combinação que os qualifica. Jaccoud baseando-se sobre os dados da physiologia moderna, admittindo a existência do apparelho de coordenação e trans- missão dos movimentos formado de peças que na medulla constituem um todo harmônico em connexâo intima com os gânglios cerebraes, difine a choréa: «Nevrose caracterisada por movimentos anor- maes, espontâneos ou reflexos que alterão os movimentos vo- luntários e persistem durante o repouso, nevrose devida a hyper- kinesia dos órgãos da coordenação e transmissão dos movimentos. » Conseguintemente, na opinião de Jaccoud, a choréa pode ter sua sede no cérebro ou na medulla. Axenfeld definindo a choréa assim se exprime: « E uma ne- vrose complexa, de marcha sub-aguda ou chronica, mais freqüente na infância, caracterisada principalmente por contracções muscu- lares quasi continuas, involuntárias, geraes ou parciaes de extrema irregularidade, ou melhor — uma mistura de movimentos convulsivos e involuntários.» Finalmente o professor Ziemssen diz que pode-se tentar de- finil-a deste modo : « Nevrose cuja sede é ora o cérebro, ora todo o systema nervoso, que se manifesta por contracções continuas de certos grupos musculares, espontâneas ou excitadas pelo impulso voluntário, que sobrevem quasi somente durante o estado de vigilia, e são acompanhadas de uma perturbação psychica mais ou menos accentuada. » Estudando comparativamente estas diversas definições vemos que se os seus auctores são concordes em considerar a choréa como nevrose não interpretão de um mesmo modo as modificações das faculdades psychicas. E a de Ziemssen a melhor em nossa opinião, pois ella não só comprehende os phenomenos da motri- cidade, como refere ainda a influencia moderadora do somno, attende ao estado mental e também encerra uma idéia plausivel sobre a localisação da moléstia. 17 ETIOLOGIA O estudo das causas da choréa é um importantíssimo capitulo na historia d'esta moléstia, foi sempre a maior preoccupação dos auctores francezes que escreverão sobre a interessante nevrose. A influencia da diathese rheumatica, a filiação da choréa ás lesões do endocardo fornecem vasto campo á explorações e constituem mananciaes fecundos de theorias mais ou menos hypotheticas sobre a pathogenia da dansa de S. Guido. A primeira vista a etiologia da choréa parece riquissima, essa riqueza porém é mais apparente do que real e o exame minucioso a reduzirá a modestas proporções. Dividiremos as influencias etio- logicas em causas predisponentes e determinantes, ainda que a impossibilidade de estabelecer um limite preciso entre estas e aquellas tenha levado alguns auctores a preferir a divisão em causas intrínsecas e extrinsecas. Poderíamos adoptar este arbitrio, que é seguido pelo Snr. Raymond, mas teríamos de considerar como causa extrinseca unicamente a acção climática, ao passo que em um mesmo grupo ficarião reunidas condições pathogenicas muito diversas, como sejão as impressões moraes e o vicio rheumatico. CAUSAS PREDISPONENTES Idade. — A choréa manifesta-se de preferencia nas primeiras idades, correspondendo o seu máximo de freqüência a 2.a infância, de 6 a 11 annos. Ha observações de choréa em todas as idades. Fox e Michaud julgarão encontral-a em recém-nascidos, porém é provável que em taes casos os movimentos anormaes não fossem os da choréa nevrotica, mas symptomaticos de lesões cerebraes, dependentes de deformações do craneo, de hydrocephalia, etc; no doente de Fox um ataque epiléptico manifestou-se 3 annos depois. Os dous casos observados pelo Snr. Richter não merecem igualmente confiança, nem autorisão a admissão da choréa congênita. como quer Monod. Constant e Bouchut referem casos em crianças de 4 a 5 mezes ; Rufz em uma serie de 189 choreicos encontrou somente 10 de menos de 6 annos, pertencendo os outros a indi- víduos de 6 a 15 annos.Nos 191 casos observados por G. Seé desde 13 o começo da moléstia, verifica-se a seguinte relação de freqüência : De 1 a 6 annos........... 11 casos. » 6 » 11 » ............ 94 » (40%) » 11 » 15 » ............ 57 » (30%) » 15 » 20 » ............ 17 » ( 9%) » 20 » 61 » ............ 12 » (6,5%) A maior freqüência na estatística de Seé está pois entre 6 e 15 annos. Em 52 doentes Steiner encontrou a seguinte relação: Menos de 6 annos............................... 4 Mais de 6 e menos de 11 annos............ 42 De 11 a 14 annos............................... 6 Em 146 casos observados no Guy's hospital Pyes Smith ve- rificou a seguinte proporção: 5 doentes de 2 a 5 annos 72 » » 6 » 10 » 44 » » 11 » 15 » 19 » » 16 » 20 » 5 » » 21 » 26 » 1 » » 38 » Estas estatísticas concordão perfeitamente com a de Seé e mostrão que a choréa é uma nevrose da infância, manifestando-se principalmente na época da segunda dentição e no período que pre- cede a puberdade, período em que a susceptibilidade nervosa se acha exaltada e o systema nervoso mais exposto ás perturbações funccionaes. Dos 21 annos em diante a choréa é rara mas não tanto que possamos negal-a nas ultimas idades, e é de notar que então apresenta alguma cousa de especial como veremos quando tra- tarmos da choréa dos velhos. A choréa é pois uma nevrose própria da infância. Sexo. — A choréa é mais commum no sexo feminino do que no masculino, approximadamente na proporção de 3 para 1. A maior predisposição do sexo feminino não se limita á infância, 19 estende-se igualmente á idade adulta, o que levou Trosseau a dizer: «depois dos 15 annos a choréa é uma excepção nos homens ». Qual a razão da predominância d'esta affecção nas mu- lheres ? A influencia da gravidez, a maior susceptibilidade do apparelho nervoso que torna a mulher mais impressionável aos agentes exteriores, facilitando assim o desenvolvimento das affecções nevroticas, talvez expliquem o facto d'esta predisposição incon- testável e confirmada pelas numerosas estatísticas. Reeve, em 80 choreicos do Nonvich-Hospital, contou 57 mu- lheres e 23 homens. M. Dufossé (these de 1836) em 240 achou 161 pertencentes ao sexo feminino e 79 ao masculino. Nos 189 casos de Rufz, 138 erão mulheres e 51 homens. G. Sée, em 531 observações referentes somente a crianças, verificou que 293 pertencião ao sexo feminino. As estatísticas mais modernas de Hughes (73 mulheres em 100 doentes), Steiner (40 em 52) e Smith (106 em 148) fallão no mesmo sentido. Climas. — A choréa é mais commum nos climas temperados e frios do que na zona intertropical. Alguns auctores, commettendo um erro de generalisação, baseados unicamente na opinião dos mé- dicos das Antilhas, aífirmão que a nevrose é rarissima nos climas quentes. E exacto que Darcote, Chervin, Garnot na Martinica, Rouchoux em Guadeloupe não conseguirão observar um só caso; mas a esta asserção podemos oppôr a de Bertherand, Piuner, Bay na Algeria e Egypto, Clarke e de muitos outros médicos das índias. Entre nós, se não é moléstia freqüente, entretanto conseguimos, no curto prazo de um anno, observar alguns casos no serviço da Sala do Banco, no hospital da Misericórdia, na enfermaria do Dr. Martins Costa, e na Policlinica (doentes do Dr. Moncorvo). A influencia das estações não é igualmente apreciada pelos pathologistas; uns a negão e outros aííirmão-n'a. Cumpre notar que são aquelles que filião a choréa ao vicio rheumatico os que sus- tentão a acção do frio e da humidade; assim procedem Botrel e Sée, entre outros, e estabelecem sobre este ponto de vista etiologico mais uma semelhança entre as manifestações rheumaticas e a nevrose. Roger, porém, apezar de partidário extremado das idéas de Sée, 20 acredita que as estações nenhum valor têm como causa predispo- nente da dansa de S. Guido, posto que os mezes frios e humidos sejão os mais favoráveis ao desenvolvimento das arthrifces e das endocardites rheumaticas. Rufz. pela observação de 189 casos, até garante que a moléstia é mais freqüente durante o verão, no que é acompanhado por Dugés e Blache, Rilliet e Barthez (l.as edições). O que devemos concluir d'estes resultados contradictorios ? Que a choréa rheumatica se apresenta de preferencia nos mezes em que á acção do frio liga-se a da humidade. Herança. — A influencia hereditária pôde manifestar-se de três modos : 1.° A choréa se transmitte de pães a filhos : o facto é raro e até contestado por muitos pathologistas, como Grisolle, Blache, Frank, Raymond, Rilliet e Barthez, que considerão excepcional o único caso que puderão observar. Sée colleccionon 18 bem verifi- cados em individuos cujos pães tinhão sido affectados do mesmo mal. Os Hutingtons (pae e filhos) referem que em Long-Island observarão em gerações successivas de uma mesma familia acci- dentes choreiformes; é tal, porém, a descripção d'estes accidentes, que parece mais razoável attribuil-os a desordens mentaes, á psycho-pathias. A observação de Stefen-Mackensie merece a mesma descon- fiança. 2.° A hereditariedade é indirecta. E o caso mais commum; geralmente, com effeito, ha nos ascendentes uma affecção nervosa (hysteria, epilepsia, alienação mental, etc.) que se transforma nos descendentes em choréa. 3.° A influencia hereditária pôde finalmente ser accusada, sem que tenha havido nos ascendentes qualquer nevropathia, e tal é o que acontece quando estes legão aos seus filhos a diathese rheu- matica. N'estas circumstancias, diz Sée, é a mesma moléstia que se apresenta sob aspectos diversos, aqui affectando os tecidos sero- fibrosos dos membros, ali actuando de preferencia sobre o systema 21 nervoso. Roger e Trousseau são da mesma opinião. G. Sée admitte ainda uma espécie de alternância na herança das duas affecções, isto é, que o rheumatismo pôde manifestar-se em uma geração sob a fôrma de choréa, e em outras com os seus caracteres ha- bituaes. Rheumatismo e lesões cardíacas. — A diathese rheumatica occupa o lugar predominante na etiologia da choréa; as lesões car- díacas têm apenas importância secundaria e representão na maioria dos casos um traço de união entre as duas affecções. A relação estreita entre o rheumatismo e a choréa, posto que demonstrada só depois de 1850, não escapou comtudo á observação perspicaz dos primeiros pathologistas que descreverão a dança de S. Guido. Stoll, no capitulo IV da Medicina pratica, refere dous casos de choréa ligada ao rheumatismo. Bouteille cita as duas observações precedentes e duas outras de Sauvages ; é o primeiro a admittir a choréa rheumatica, tanto lhe parecia depender do vicio rheumatico a symptomatologia por elle observada em uma criança de 8 annos. Berndt, Copland, Scudamore, Abercombrie, Begbie, Watson, iusistirão sobre a freqüência dos antecedentes rheumaticos e das lesões cardiacas nos choreicos. Em 1839 Bright, tendo observado numerosos casos, estabelece, não mais uma união fortuita e casuística entre a choréa e o rheu- matismo, porém a existência de uma verdadeira subordinação pa- thologica; tratando de explicar esta relação de causa á effeito, diz que a influencia rheumatica não se exerce directamente, que a in- ílammação das serosas cardíacas precede a moléstia nervosa e que a pericardite rheumatica é a causa mais freqüente da choréa. Bright inaugura, pois, uma doutrina que tende a reduzir consi- deravelmente a influencia do rheumatismo e attribue a sua acção etiologica aos accidentes cardiacos. A opinião de Bright foi magistralmente discutida por Germain Sée, que reinvindicou para o rheumatismo toda a influencia patho- genica na producção da choréa e tentou provar com observações numerosas que esta moléstia dependia sempre de uma mesma causa, As conclusões de Germain Sée são as seguintes: 22 l.a Que na maioria dos casos a choréa é o resultado da dia- these rheumatica, que se traduz por Ínflammações plásticas das serosas cardíacas, das meningeas, da pleura, do peritoneo, com ou sem rheumatismo articular. 2.a Que em algumas circumstancias a choréa depende de lesões cerebraes. 3.a Que em certos casos a moléstia parece ser independente de qualquer modificação apreciável do systema nervoso, de qual- quer alteração geral do organismo, e deve então ser considerada como affecção nervosa essencial, como verdadeira nevrose. Em re- sumo, três espécies de choréa são admittidas por Sée : rheumatica, syniptomatica e essencial. Fazendo especialmente o estudo da choréa rheumatica, Sée, baseando-se em grande numero de observações, mostra que três combinações podem-se apresentar : l.a Cathegoria. — Na grande maioria dos casos é o rheumatismo mono ou poly-articular, febril ou apyretico, agudo ou sub-agudo, que precede a choréa. Geralmente quando as dores articulares começão a diminuir apparecem os movimentos insólitos e desor- denados; se a fluxão rheumatica é acompanhada de elevação de temperatura, estes não se manifestão antes da diminuição da re- acção febril. A afnnidade pathogenica entre as duas moléstias torna-se mais evidente quando ha reincidências, pois que em taes condições o rheumatismo e a choréa podem repetir conjuncta ou alternadaniente, de modo que em alguns doentes a arthrite marca o começo e o fim da nevropathia; em outros somente a choréa reincidirá. 2.a Cathegoria. —■ A choréa rheumatica desenvolve-se simulando uma moléstia essencial sem causa apparente, e só dias depois se apresentão os phenomenos rheumaticos. Aqui o vicio rheumatico procede de dentro para fora, affectando primeiramente o elemento nervoso e depois as articulações; a diathese se mostra sob uma fôrma insólita, poupando a principio as synoviaes. que são entre- tanto os seus pontos de eleição. 3.a Cathegoria. — Finalmente, em uma terceira serie de doentes 23 é o elemento visceral o primeiro a ser influenciado pelo vicio rheu- matico. E nas serosas cardíacas que de preferencia se manifesta a diathese, e tal é a razão por que muitas vezes a endocardite e a pericardite precedem a choréa, que d'ellas não depende e que apenas reconhece por causa uma fluxão rheumatica para o cérebro: a en- docardite e a choréa são em taes emergências effeitos de uma mesma causa, sem que haja influencia directa de uma sobre a outra; e tanto assim é que, quando a inflammação toma por sede a pleura, a choréa pôde se manifestar do mesmo modo. Taes são resumida- mente as conclusões que podemos tirar da primorosa monographia de Sée; conclusões que, se não forão unanimemente acceitas, todavia abalarão a doutrina de Bright, que então triumphava. Senhouse Kirkes apoia a opinião de Bright com uma esta- tística de 36 casos de choréa em que 7 doentes apresentarão nos seus antecedentes mórbidos rheumatismo e lesão cardiaca; nos outros 3 só havia affecção cardiaca. Commentando estas obser- vações, Kirkes conclue, como Bright, que o rheumatismo só produz a choréa porque determina lesões do coração. As idéas de Sée são ainda vivamente combatidas por Barthez e Rilliet (l.M edições), autoridades incontestáveis em pathologia infantil, os quaes aflirmão que a coincidência da choréa com o rheumatismo é a única razão apresentada para estabelecer a filiação entre as duas affecções, mas que para transformar essa coincidência em lei pathologica será preciso adduzir novas provas. Cyon insiste sobre a influencia indirecta e secundaria do rheu- matismo; nega-lhe o primeiro lugar na etiologia, ao passo que, de accordo com Bright e Kirkes, vê na endocardite e na pericardite as principaes e verdadeiras causas. Cyon admitte três fôrmas de choréa: l.a, a choréa sympathica, devida á chlorose, á anemia, ás excitações genesicas, etc; 2.a, a choréa symptomatica, produzida por lesões dos centros nervosos ; 3.a, a choréa reflexa, dependente de endocardite, pericardite, rheumatismo articular, vermes intes- tinaes, etc As idéas expendidas por Cyon e os argumentos com que as defende collocão novamente a questão em estado de litígio, 24 e tal é o motivo por que auctores de diversos tratados de patho- logia, que escreverão no seu tempo, mostrão-se reservados e duvidosos em relação á pathogenia. Monneret diz que o rheumatismo é apenas uma complicação accidental. Grisolle mantem-se na expectativa. Nyemeyer refere-se á diathese rheumatica como causa predisponente de pouco valor. Trousseau é o único que se declara francamente partidário das idéas do seu discipulo (G. Sée) e affirma até que em algumas crianças rheumaticas poude prophetisar o apparecimento da choréa. Vejamos, porém, se temos dados seguros em favor da natureza rheumatica da dansa de S. Guido. Spitzmuller rouba aos anatomo-pathologistas, que sempre encon- trarão na choréa as lesões do coração, o seu melhor argumento. A ataxia cardiaca, o ruido de sopro que para estes é expressão sym- ptomatica de uma lesão do órgão central da circulação, para o auctor allemão resulta apenas da incoordenação funccional dos músculos pa- pillares, de uma verdadeira choréa do coração. Sptizmuller basêa-se principalmente sobre a mobilidade dos phenomenos cardiacos e sobre as observações tomadas por Benedikt, que mostrão que o ruido de sopro muitas vezes desapparece antes da cura da moléstia pela gal- vanisação do pneumogastrico e do sympathico. Henri Roger lança ainda mais luzes sobre a questão; leva-a para o terreno seguro da observação clinica e defende com talento e convicção a pathogenia assignalada por G. Sée, pathogenia para elle a mesma em todos os casos. Roger é mais absoluto que o seu predecessor, pois que nâo adopta restricções e só vê na choréa uma conseqüência do rheumatismo cerebral. Para confirmar sua opinião o distincto professor refere grande numero de casos em que a ne- vrose se manifestou durante a convalescença, ou pouco depois do ataque rheumatico; outros em que as duas moléstias apparecerão simultaneamente; e finalmente outros em que o rheumatismo e a choréa alterna vão. Analysando todos estes factos, Roger conclue: 1." Que ha uma coincidência a notar, porquanto a choréa é cominum nos indivíduos rheumaticos. 2.° Que existe uma relação de causa á effeito, pois que muitas vezes a choréa segue quasi ímmediatamente os accidentes rheu- maticos. 25 3.° Que existem estreitos laços de filiação entre o rheu- matismo e a choréa, a qual pôde ser perturbada em sua marcha por uma reincidência rheumatica. 4.° Que ha identidade de natureza porque o rheumatismo e a choréa manifestão-se simultaneamente sob a influencia da mesma causa, o frio; marchão conjunctamente, depois cessa o rheuma- tismo e só persiste a choréa cuja evolução é mais lenta. A clinica demonstra pois exhuberantemente as relações de connexidade entre a choréa e o rheumatismo e prova igualmente a freqüência e a constância d'esta relação. A mesma observação clinica mostra ainda que em pathologia infantil quando se diz rheumatismo cerebral não se trata de um conjuncto de symptomas inteiramente semelhante áquelle que no adulto caracterisa o rheumatismo agudo ou sub-agudo. Na infância, como diz Roger, os phenomenos mórbidos combinão-se de uma maneira insólita; a ataxia do movimento e a inquietação corporal coexistem com o somno da intelligencia e dos sentidos, com o torpor intellectual coincide a agitação convulsiva da motilidade; em uma palavra a choréa é clinicamente a conseqüência quasi necessária do rheuma- tismo cerebral, ou melhor ainda — sua expressão symptomatica (Roger). Indirectamente ainda a natureza rheumatica da choréa é provada pelas observações de choréa cardiaca. Denomina-se choréa cardiaca aquella que é acompanhada de endocardite ou pericardite sem as manifestações articulares do rheumatismo; quando estas existem a choréa é rheumato-cardiaca e constituída então por uma tríade pathologica: choréa, rheumatismo articular e cardiopathia. Esta distincção admittida por H. Roger não é muito precisa, nem rigorosa, porque este professor vendo sempre no rheumatismo a causa da nevrose deve considerar também rheumato-cardiaca a choréa a que dá simplesmente o nome de cardiaca. A affecção convulsiva e a lesão cardiaca, relativamente a ordem chronologica em que se manifestão, apresentão três com- binações perfeitamente verificadas por H. Roger: l.a, a choréa 26 precede a lesão do coração; 2.a, segue-a; 3.*, se manifesta ao mesmo tempo. O mesmo que succede com a choréa cardiaca dá-se também com a choréa rheumato cardiaca, isto é, as mesmas combinações têm logar. Algumas vezes a affecção convulsiva apparece em 1.° logar e só no fim do 1.° ou do 2.° ataque sobrevem a arthrite e a phle- gmasia cardiaca. Este intervallo pôde ser muito longo, até de annos, o que explica porque em alguns casos a choréa parece completamente estranha á diathese rheumatica. Outro facto cu- rioso a notar na choréa rheumato-cardiaca (acompanhada de in- flammação das synoviaes) é a espécie de antagonismo entre os phenomenos nervosos e as dores articulares, quanto á intensidade dos symptomas : a choréa que succede ao rheumatismo poli-articular agudo, ordinariamente acompanhada de phlegmasia cardiaca, é parcial ou pouco durável; inversamente — quando o rheumatismo não se annuncia por symptomas dolorosos e alarmantes a choréa é mais intensa e rebelde. No primeiro caso parece que o vicio rheumatico concentra a maior parte de sua acção sobre as syno- viaes, no segundo prefere o elemento nervoso; ha como que uma substituição. Jaccoud que não quer dar importância a estes factos diz que se as relações da choréa, com as lesões do coração, não com o rheumatismo, são freqüentes, não devem comtudo ser erigidas em lei, e que o dominio da coincidência é tão vasto que, nas choréas que se desenvolvem em indivíduos reconhecidamente rheumaticos, a relação de causalidade pôde ser provável mas não certa. O sábio professor appella para a anatomia pathologica, para as autópsias de Ogle em 1868, Lockhart Clarke, Steiner, Spencer, Lawson Tait, Barnes, etc, e conclue adoptando a opinião tão criticada de Bright, negando completamente a influencia directa do vicio rheumatico. Jaccoud mostra comtudo pouca convicção pois que diz: « factos numerosos tem elucidado o mecanismo pelo qual a lesão cardiaca produz a choréa, e este mecanismo é realisavel por qualquer alteração do endocardo ». Entretanto depois, criti- 27 cando a theoria ingleza, ataca-a brilhantemente e a reduz a proporções bem acanhadas. O que devemos pensar diante de afirmações tão contradictorias sustentadas de parte a parte com talento e convicção ? De um lado temos autores afirmando a natureza rheumatica da choréa, de outro exclusivistas para os quaes o rheumatismo nada tem com a moléstia. Esta ultima opinião com o vigor com que é formulada parece-nos falsa, e a primeira sem o absolutismo de Roger é a que adoptamos. Não é possivel negar em grande numero de casos, no maior numero mesmo, a natureza rheumatica da nevrose, pois que o vicio rheumatico nelles acha-se inscripto com signaes irrecusáveis. Os factos de coincidência do rheumatismo e da choréa são tão numerosos, as estatísticas são tão eloqüentes que a concumitancia das duas affecções não deve ser attribuida a simples casualidade, mas implica uma relação muito estreita entre ellas. Bastaria para fazer triumphar a doutrina de Sée, dizer que Rilliet e Barthez, os mais encarniçados adversários do illustre professor, rendem-se á evidencia dos factos e assim exprimem-se na ultima edicção do seu livro: « Não podemos negar a es sencia commum d'estas duas moléstias, pois que temos visto : 1.°, a choréa seguir o rheumatismo ou precedel-o no mesmo indivíduo; 2.°, o rheumatismo desenvolver-se durante a evolução da choréa; 3.°, a choréa apparecer durante o ataque de rheuma- tismo articular; 4.°, a endocardite, a pericardite, a pleurisia nos choreicos juntamente com os accidentes articulares; 5.°, finalmente, como conseqüências d'essas endocardites lesões valvulares e mus- culares bem como as que forrnão o cortejo dos ataques de rheumatismo articular os mais característicos ». A choréa na maior parte dos casos é manifestamente de origem rheumatica. Chamamos a attenção para as nossas observações n.08 3 e 5, que são argumentos em favor da doutrina de Sée. De outro lado, entretanto, não devemos admittir que a dansa de S. Guido seja sempre a expressão do vicio rheumatico, porque contra factos podemos oppôr factos e em alguns casos a influencia 28 rheumatica é realmente nulla, principalmente naquelles em que a mo- léstia succede a uma emoção violenta em indivíduos que nunca ti- verão accidentes rheumaticos. Ernest Labbé, Bordier, Kohn, Rendu, Empis, Loumaigne de Riscle citão muitas observações n'estas condições. Long em 65 observações, recolhidas no hospital de Santo Eugênio, encontrou nos antecedentes dos doentes o rheuma- tismo articular somente 11 vezes. M. Eisenmann em 100 doentes, observados nos hospitaes de Londres e da Allemanha, notou o rheumatismo precedendo a choréa 5 vezes unicamente. Nos 252 casos da estatística de Steiner 4 vezes apenas houve pre- existência do rheumatismo articular agudo. Bouchut, Rilliet e Barthez referem ainda casos independentes de toda a influencia rheumatica. Quando o vicio rheumatico existe a sua acção é diversa- mente interpretada: uns dizem que actua directamente sobre o systema nervoso, outros attribuem a influencia etiologica ás lesões cardiacas que elle determina; estes últimos dizem que assim como se encontra choréa em rheumaticos cardiacos, também se tem encontrado em cardiacos não rheumaticos, d'onde concluem, é a lesão cardiaca a causa da choréa. Howship Dickinson tentando resolver a questão affirma que quando a choréa é precedida de rheumatismo, não é da inflam- mação do endocardo que depende, que tem por causa a af- fecção geral e não as suas complicações, e tanto assim que o rheumatismo muitas vezes produz a choréa sem precedel-a de endocardite. Quando a influencia rheumatica não pôde ser invocada e juntamente com os movimentos choreicos se observa o sopro na base do coração Dickinson acredita que é a moléstia convul- siva que determina a endocardite— a endocardite denominada choreica. Nos casos, porém, em que a influencia rheumatica não é plausivel, não nos parece necessário admittir que a affecção nervosa repercuta sobre o coração e provoque a inflammação da serosa e o ruido de sopro. Podemos, como Spitzmuller, attribuil-o a uma perturbação na coordenação dos músculos papillares, perturbação que é effeito directo da choréa e que constitue uma verdadeira 29 vhorêa do coração; ou ainda, abandonando a hypothese do autor allemão, collocal-o sob a dependência da anemia, que quando não é causa é um effeito quasi constante. Em conclusão: Em grande numero de casos a choréa é uma nevrose rheu- matica, em outros não pôde ser filiada á esta diathese. Voltaremos ao assumpto quando nos occuparmos da anatomia pathologica. Excitações genesicas. — Loumaigne, Fautrie, Hildenbrandt, Perreux, Revillout considerão as excitações genesicas manu própria condições favoráveis á manifestação da choréa, em conseqüência do esgotamento nervoso que determinão; tal seria, segundo alguns autores, uma das causas da maior freqüência da moléstia nas grandes povoações, onde a infância se entrega mais commumente aos prazeres sexuaes illicitos. Entretanto a impossibilidade de estabelecer estatísticas rigorosas impedirá sempre que se possa concluir qualquer cousa de positivo a tal respeito. (Ziemssen.) Causas diversas. — Chloro-anemia. — A chlorose e anemia representão um papel importante na etiologia da choréa, ainda que Seé a considere não causa, mas effeito da moléstia. E muito commum ver a anemia succeder ou acompanhar os symptomas da choréa, mas não é menos exacto que em grande numero de casos a discrasia sanguinea precede a nevrose e deve ser apontada como circumstancia propricia ao seu apparecimento; tanto assim que a medicação tônica quasi sempre produzirá benéficos re- sultados, a diminuição na intensidade das contracções musculares e depois a cura da moléstia. Comprehende-se facilmente a razão destes factos: o estado anêmico colloca o organismo temporariamente sob a dependência de um temperamento nervoso, o sangue empobrecido nutrindo mal os órgãos da innervação, colloca-os em um estado de erethismo que se revela por perturbações funccionaes. Tal é a origem da theoria discrasica que pretende explicar os symptomas choreicos pela alteração da crase sanguinea, theoria que tem contra si as observações em que a moléstia affecta indivíduos robustos e bem constituídos, Bouchut colloca a anemia no mesmo plano que o 30 rheumatismo, e ao lado da choréa rheumatica admitte a choréa anêmica, considerando como tal a que apparece durante a prenhez. Idiosyncrasias. — Alguns autores assignalão certas idiosyn- crasias; segundo Frank a moléstia é muito commum entre os Judeos e não admira, diz elle, que em um povo acostumado a gesticular, a moléstia gesticulatoria seja freqüente. Diatheses. — Além do rheumatismo são apontadas como causas as diatheses escrophulosa, syphilitica, herpetica e tuber- culosa. Frank e Sée apresentão observações em que nos an- tecedentes dos doentes figurão accidentes escrophulosos. Sée, em 168 choreicos encontrou 16 escrophulosos. Grasset refere outro caso em que manifestações da escrophula precederão a dansa de S. Guido. Estes factos pouco numerosos não autorisão ainda a es- tabelecer a relação de causa a effeito entre a escrophula e a choréa. O mesmo diremos da tuberculose e da diathese herpetica. A syphilis porém constitue uma predisposição; em uma das nossas observações a relação de causalidade entre esta diathese e a choréa é provável e o tratamento especifico aproveitou consi- deravelmente. Temperamento e constituição. — De um modo geral diremos que o temperamento nervoso e a constituição fraca são condições favoráveis, mas o temperamento sangüíneo e uma constituição robusta não impedem as manifestações choreicas. Rufz, Rilliet e Barthez, Roger, nada de especial observarão na constituição dos choreicos. G. Sée, em 107 doentes, encontrou 68 de cons- tituição fraca, 22 de constituição média e 20 fortes e robustos. Em 79 casos em que o temperamento é mencionado com exactidão o lymphatico existe em 40 doentes, em 21 o lymphatico nervoso, em 4 o sanguineo-lymphatico, finalmente 14 tem temperamento sanguineo puro. CAUSAS DETERMINANTES A causa determinante da choréa em muitos casos escapa á apreciação do medico que se vê na necessidade de appellar para uma emoção qualquer, como o medo, uma viva contrariedade, etc, 31 ou para algumas das condições que geralmente provocão as mani- festações rheumaticas. Examinemos aquellas que são mais vezes apontadas. Moléstias agudas. — As moléstias que debilitão o organismo podem prodiopol.o á dança de S. Guido. Nestas condições se achão a febre typhoide, a varíola e principalmente a escarlatina que e de todas as febres eruptivas a que mais vezes se complica de choréa. Porque? Em conseqüência das relações estreitas exis- tentes entre esta febre exhanthematica e o rheumatismo, do qual a choréa é muitas vezes uma dependência ? Não queremos com isto dizer, como Blondeaux, que a escar- tina seja uma manifestação rheumatica, que deva figurar ao lado das arthrites e da endocardite; mas que, com muitos auctores, admittimos o rheumatismo escarlatinoso. Esta opinião entretanto não é acceita por Jaccoud que faz depender os accidentes articulares, cardiacos e pleuriticos da escar- latina somente de manifestações exhantematicas para o lado das serosas. Parece comtudo provável a existência de uma filiação entre o rheumatismo e a escarlatina, que actuaria como excitante e pro- vocaria a explosão da diathese rheumatica até então latente, ex- plicando-se assim porque as complicações cardíacas e articulares não são tão freqüentes, como se deveria esperar se ellas reconhecessem como causa única o exhantema das serosas. Trousseau ainda vae mais longe, accrescentando que o rheumatismo escarlatinoso pôde revestir uma fôrma mortífera e se apresentar com os caracteres do rheumatismo suppurado. Se, pois, a analogia entre os accidentes cardiacos da escarlatina e do rheumatismo é completa, se os phe- nomenos articulares da escarlatina pouco diferem d'aquelles que q rheumatismo determina, se existe uma afinidade incontestável entre a escarlatina e o rheumatismo, afinidade que reconhece por causa a diathese rheumatica pre-existente, não é de admirar que a choréa, como manifestação rheumatica. se manifeste em alguns casos de escarlatina. Imitação. — A imitação deverá ser considerada como um ele- mento etiologico na historia da choréa? Rufz, Blache, Sée, Botrel 32 não negão a possibilidade das choréas por imitação, mas restringem a influencia d'esta, pois que muitos dos factos apresentados como taes, referem-se, não á dansa de S. Guido, mas á hysteria, ás Vesanias, etc. Todos os auctores do século passado admittião a contagiosidade da dansa de S. Guido, seu apparecimento por imitação, e assim explicarão as epidemias desta moléstia. Bouteille e Sydenham desfazendo a confusão que reinava, isolando a ver- dadeira dansa de S. Guido das choreo-manias, reduzirão conside- ravelmente a importância da imitação na etiologia da choréa. Roger admitte que o contacto de individuos choreicos possa produzir choréas simuladas, mas não choréas verdadeiras. Valleix não acre- dita nas choréas por imitação. Sée affirma que só existe na sciencia um facto deste gênero observado por Barthez e Rilliet, o qual quando muito só provará que a vista de um choreico, como todas as impressões desagradáveis ou vivas, o medo, o terror, pôde determinar a explosão de movimentos anormaes em individuos já predispostos. Grisolle e Niemeyer não contestão a influencia da imitação, principalmente nas crianças. Bouchut pronuncia-se francamente pela admissão de um contagio nervoso na choréa e nas outras nevroses, contagio especial fazendo-se por meio de emanações nervosas mor- bificas que irião produzir sobre as pessoas submettidas á sua in- fluencia a moléstia do individuo que as forneceu ; distinctas das impressões moraes que terrificão e produzem convulsões, as im- pressões nervosicas occasionarião constantemente a moléstia corres- pondente á sua natureza; aqui a syncope, alli a hysteria, a epilepsia, a alienação, e em outros doentes as convulsões e a choréa. Ziemssen admitte o contagio nerveso. « Existem, diz elle, factos authenticos que provão a propagação da moléstia em individuos predispostos, e isto não é raro nas crianças de uma mesma fa- mília ou nos alumnos de uma mesma escola. Ao lado das antigas observações de Crampton, Mullin, Eckstein, etc, encontramos outras mais modernas de Bricheteau e Leube. Leube viu duas moças que tendo permanecido por algum 33 tempo em companhia de uma choreica forão por sua vez acom- mettidas de symptomas choreiformes. A observação de Bricheteau é mais concludente: no hospital Necker pouco tempo depois da entrada de uma choreica, 8 doentes apresentarão symptomas aná- logos, e foi necessário o isolamento para evitar uma difusão mais extensa. A intensidade dos phenomenos variava conforme os indivi- duos, em alguns dos quaes a duração da moléstia foi de um mez ». (Ziemssen.) Raymond criticando a opinião de Ziemssen repelle a expressão de contagio psychico, que nada significa, e nega a choréa imitativa, porquanto as pretendidas epidemias de perturbações motoras con- sistião apenas na reproducção mais ou menos fiel de movimentos involuntários sem os caracteres dos movimentos choreicos e que ces- savão pelo isolamento ou por um tratamento puramente moral, como no caso de Leube. Se pois o numero de observações em que a imitação repre- senta o papel capital é tão diminuto não lhe poderemos dar a importância que teve em outros tempos, e só a admittimos na etiologia da choréa-minor com muita reserva. Propositalmente dizemos choréa-minor para evitar qualquer equivoco. A choréa major que reinou na idade média era como vimos, contagiosa, epidêmica; mas as dansas dos corybantes, o tarentismo, o revival dos methodistas, as choreo-manias descriptas por Hecker e referidas por Blache e Rufz, nada tem com a dansa de S. Guido de Sydenham, a choréa de Bouteille. Vermes. — Stoll, Gaubius, Bouteille, Frank, Philenins notarão vermes nos intestinos de muitos choreicos e d'ahi concluirão que a moléstia nervosa freqüentemente dependia de parasitas no tubo digestivo. Evidentemente confundião a dança de S. Guido com outras affecções convulsivas; hoje não se admitte mais a choréa que os antigos denomina vão verminosa. Bouchut diz ter observado choreicos em que a expulsão de ascarides lombricoides foi imme- diatamente seguida de cura; entretanto affirma que são muito raros e nós os julgamos de mera coincidência. 53Í9 3 34 Impressões moraes. — A influencia das impressões moraes vivas como causas determinantes se é hoje incontestável, nem sempre o foi. Roger e Sée, os dous pathologistas que em França mais se occuparão com o estudo das condições pathogenicas da choréa, contestarão que o medo e a cólera podessem determinar os movimentos choreiformes. Tal opinião não tem razão de ser formulada tão absolutamente. É exacto que entre as primeiras conseqüências da choréa devemos notar a diminuição da intelli- gencia e da memória, as modificações do caracter (os doentes tornão-se timoratos, irasciveis. etc), e que em taes circumstancias qualquer violência inesperada abate profundamente o organismo ; appellando para a decadência moral dos choreicos, dizem os auctores que negão a influencia das causas moraes, tem-se to- mado e effeito pela causa e considerado o medo, por exemplo, condição etiologica, quando as manifestações de pavor pelos mais futeis motivos, em taes casos, são o um resultado da moléstia. Esta observação merece ser attendida e evitará um erro de apre- ciação que não poucas vezes é commettido, mas o facto de que a choréa pôde ser provocada pelas emoções, não deve ser negado depois das numerosas observações citadas por auctores de toda a probidade scientifica e isemptos de suspeição. Trousseau refere dous casos em que o medo foi certamente a causa da moléstia. Um delles é relativo á uma moça de 16 annos que não tinha antecedentes rheumaticos nem signal algum de lesão cardiaca; esta moça descendo uma escada, á noite, foi sorprehen- dida por um individuo, e tal terror experimentou que logo apre- sentou movimentos choreicos. O outro refere-se ainda a uma moça a quem muito vexava um ânus anormal e que foi acommettida de choréa logo após a operação. Bouchut, Rilliet e Barthez dizem ser freqüente encontrar doentes em que a choréa não tem outra causa (referindo-se ás emoções). Em 18 doentes de Rufz, 11 vezes o medo pode ser consi- derado como causa. Em 56 casos Dufossé e Bird observarão 31 vezes o mesmo facto. Quantin, Chavance, Gerard e Moynier são de opinião 35 que o medo é de todas as causas a mais freqüente. Rhomberg falia de uma criança de 10 annos, que tendo sido aggredida por um cão, poucas horas depois apresentou-se com os symptomas da choréa. Dupuytren refere o facto de uma moça que, tendo sido ofendida em seu pudor por um ebrio, tornou-se logo ohoreica, Bouteille narra quatro observações que põem em evidencia a acção das impressões moraes (Bouteille — Tratado das choréas — pg. 261 e 265). Frank cita três casos: em um a choréa manifestou-se 3 dias depois de ter sido a doente (uma criança) amedrontada por um mascara; em outro a moléstia foi determinada pela vista de um urso; o 3.° refere-se á uma criança repentinamente aggredida por um gallo. A vista de tão numerosos factos, não podemos admittir a opinião exclusiva de Roger e Sée, que negando o papel etiologico das impressões moraes, evitão uma das mais fortes objeoções contra a theoria que pretendo encontrar em quasi todos os choreicos indi- viduos rheumaticos. G. Sée apoia-se sobre a seguinte estatística: em 128 doentes a influencia do medo só foi observada 25 vezes; em 14, juntamente com o medo, havia rheumatismo, em 8 a humidade, em 9 a immersão em água fria; d'onde conclue que a acção das emoções vivas é muito duvidosa. Ora, estes factos não estão isemptos de critica; assim poderíamos dizer que geralmente nas crianças a immersão rápida em augua fria provoca manifestações de receio e mesmo medo, e além d'isto, a estas observações ante- pomos outras, mais numerosas, que autorisão-nos a concluir que se as emoções não são as causas determinantes mais freqüentes em muitos casos ellas teem influencia positiva. SYMPTOMAS A symptomatologia da choréa é vasta e opulenta : a motilidade, a sensibilidade e até a intelligencia são affectadas conjunctamente. As desordens motoras constituem sem duvida os symptomas mais salientes e tão significativo é o quadro que representão, que a 36 dança de S. Guido poderia ser descripta em duas palavras—loucura muscular. Este conjuncto de symptomas raras vezes constitue-se rapida- mente ; na grande maioria dos casos existe um período prodromico, que pode ser tão pouco ruidoso que passe desapercebido. Os phenomenos prodromicos geralmente dependem de pertur- bações psychicas: os doentes tornão-se timoratos, amedrontão-se facilmente, derramão copiosas lagrimas pela mais insignificante re- prehensão, fogem dos seus companheiros e procurão no isolamento um abrigo contra os perigos imaginários. A força de attenção di- minue, a actividade intellectual baixa, a memória se enfraquece, se nas escolas eram classificados entre os primeiros, vão successiva- mente perdendo os louros que tinhão colhido. De meigos e dóceis que erão, tornão-se caprichosos, irasciveis, ao mesmo tempo que pusillanimes e selvagens; de bons transformão-se em máos e falsos amigos, provocão freqüentemente admoestações e são incorrigiveis. Muito commummente apparecem certas perturbações da moti- lidade, á principio quasi insignificantes: inquietação especial nos membros, agitação insólita e sem fim determinado, necessidade in- cessante de movimento. Ao mesmo tempo nota-se falta de pre- cisão nos actos intencionaes, os individuos tornão-se inhabeis para movimentos delicados, não podem executar com destreza certos exercicios, as crianças commettem pequenos fracassos, dei- xando cahir muitas vezes das mãos os objectos que lhes são confiados, e isto lhes proporciona repetidas censuras, sempre im- proficuas. Ao lado d'esta falta de equilíbrio muscular nos movimentos combinados, notão-se estremecimentos limitados nos dedos ou no braço, contorsões passageiras da face, alterando o estado normal da physionomia. Perturbações da sensibilidade também se observão no pe- ríodo inicial. Os doentes queixão-se de dores ao longo do rachis principalmente nas regiões dorsal e lombar, dores que se exacerbão pela pressão sobre as apophyses espinhosas; dores, semelhantes ás do rheumatismo, na espadua, nuca e na cabeça; máo estar geral, 37 prurido nas fossas nasaes. A sensibilidade especial pode ser affectada e d'ahi illusões ópticas, o doente vê faíscas, não pode fixar atten- tamente os objectos, nem ler por muito tempo, sente zumbidos nos ouvidos. A insomnia, o cauchemar, os sonhos penosos não são raros. As funcções digestivas experimentão também modificações : o appetite torna-se caprichoso, as digestões difíceis, a constipação habitual. Nos casos raros em que começa bruscamente, a choréa é raras vezes precedida de ataque hysteriforme ou epileptiforme, de sym- ptomas de meningite ou de apoplexia. Quer tenha sido gradual ou brusco o começo da affecção, os spasmos musculares manifestão-se á principio ora na face só, ora nos membros inferiores e superiores, num ou nos dous junctamente, no lado esquerdo ou no direito, ou ainda em ambos ao mesmo tempo. Segundo a estatística de Sée, o^ movimentos choreicos inicião-se de preferencia no lado esquerdo. Rilliet e Barthez, pela observação de 149 casos, dão a seguinte ordem de freqüência : lado esquerdo e lado direito, toda a superfície do corpo, membros supe- riores, face, membros inferiores. A desordem dos movimentos, limitada a um membro ou lado, estende-se em seguida ao outro ou a todos, aos músculos da lingua, e a choréa chega ao periodo de moléstia confirmada. Symptomas da choréa confirmada. — Os symptomas que apre- sentão os choreicos, quando a nevrose attinge o seu apogêo, devem ser dispostos em quatro grupos: alterações da motilidade, da sen- sibilidade, do estado moral e intellectual e das funcções nutritivas. l.° Perturbações da motilidade — O spasmo muscular, os mo- vimentos convulsivos, constituem os symptomas fundamentaes. As modificações que estas convulsões determinão na prehensão dos objectos, na marcha, na phonação e na expressão da physionomia, uma vez observadas, jamais poderáõ ser esquecidas e distinguem perfeitamente a choréa de todas as outras moléstias em cuja sym- ptomatologia predominão o tremor e o movimento involuntário. Os movimentos choreicos affectão nos casos typicos e graves toda a musculatura da vida de relação, ainda que não com a mesma 38 intensidade; manifestão-se não somente na ausência de qualquer intervenção da vontade, como também vicião os movimentos inten- cionaes. O aspecto do doente é dos mais commoventes: a physio- nomia muda constantemente, paixões as mais diversas e oppostas pintãose successivamente na face; a expressão do cynismo, do orgulho, da alegria em poucos segundos é substituída pela do terror, da cólera, da tristeza. Contracções irregulares enrugam e distendem a pelle da fronte; os supercilios approximão-se e affastão-se, elevão-se e abaixão-se ; os globos oculares movem-se em todos os sentidos ou apenas experimentão ligeiras oscillações, contrastando com o jogo da physionomia; as palpebras executão continuamente e com ra- pidez movimentos de levantamento e abaixamento; as narinas di- latão-se; os lábios teem movimentos bruscos, batem um contra o outro, produzindo um ruido semelhante ao de uma válvula, a com- missura labial é distendida e desviada; os elevadores da mandibula contrahem-se e ha verdadeiro trismo, as arcadas dentárias são então fortemente applicadas uma sobre a outra, os dentes podem ser que- brados, como num caso de Tuckwell e os lábios mordidos. A cabeça executa movimentos de extensão, flexão e rotação. As espaduas elevão-se e abaixão-se desordenadamente. Em summa, a mobilidade da physionomia é sorprehendente, ha uma espécie de delirio dos músculos da face. A lingua, precipitada para fora quando cessa a contracção dos masseteres, descreve mavimentos insólitos, projecta-se em seguida para dentro da cavidade buccal, produzindo um estalido especial, movendo-se em todos os sentidos, ferindo-se muitas vezes de encontro aos dentes. Estes movimentos desordenados da lingua embaração a phonação e difficultão a articulação das palavras, principalmente das syllabas formadas com as lettras labiaes e linguaes. A alteração da palavra não depende somente dos movimentos irregulares da lingua, é em grande parte conseqüência da falta de pressão do ar na arvore pulmonar e das mudanças continuas de tensão das cordas vocaes, que não conseguem fechar completamente a glotte e vibrão diferentemente. A impossibilidade de uma expi- ração sustentada e regular é ainda outro factor que concorre 39 para a perturbação da dicção; ha doentes que apenas podem pro- nunciar uma syllaba em cada expiração, fallão então muito lenta- mente, isolando algumas e precipitando outras. Outros que apenas experimentão hesitação em pronunciar a primeira palavra, mas depois fallão com uma volubilidade excessiva; Sée compara-os com doentes que com dificuldade começão a caminhar e que correm facilmente desde que conseguem executar os primeiros passos (moléstia de Parkinson). Os músculos do larynge e pharynge, em alguns casos, menos vezes comtudo que os da lingua, participão da desharmonia que existe nos membros e na face, modificão a voz, tornão-a rouca, tremulada ou sibilante. Quando a moléstia mostra-se com certa gravidade, a deglutição e a mastigação ficão seriamente compro- mettidas, e se o bolo alimentício consegue passar o isthmo da gar- ganta, não raras vezes insinua-se pelas vias aéreas. Os esphincteres podem ser influenciados pela choréa, mas o facto é raro e geralmente não se observa incontinencia de urina e matérias fecaes. Hasse, Rosenthal, Ziemssen e outros observarão a dilatação da pupilla com paresia e insensibilidade á luz. Segundo estes auctores, nos casos de hemi-choréa, ou quando um lado é mais affectado que outro, a pupilla correspondente é mais dilatada. Rosenthal, em um choreico, durante um forte paroxismo, viu que a dilatação pupillar não era modificada pela introducção de um delgado electrodo entre a sclerotica e a conjunctiva; depois do accesso, a pupilla voltava a seu estado normal. É a musculatura dos membros a mais profundamente alterada, e d'ahi as perturbações da marcha e a agitação dos braços e das mãos. O choreico caminha dificilmente, o andar é indeciso, vaci- lante, parece que vae successivamente sentindo fraquear a perna sobre que apoia o corpo e leva precipitadamente a outra para diante com o fim de evitar uma queda; falsea repetidas vezes. Quando a desordem motora torna-se mais considerável, a marcha é quasi impossível; se o doente tenta caminhar, descreve linhas tortuosas, dá pequenos saltos, projecta o corpo em todos os sentidos, choca-o contra diversos objectos, e freqüentemente é victima de quedas. 40 Finalmente, em casos mais graves a marcha é impossível e o doente é obrigado a não deixar o leito, mas a instabilidade muscular continua e o tegumento cutâneo se escoria nos pontos mais attri- tados. Ziemssen viu contracções symetricas dos músculos gluteos tão intensas, que os pés não podião tocar o solo e o doente ficava suspenso aos braços das pessoas que o acompanhavão. O trabalho manual é impossível, as funcções dos membros superiores são mais ou menos compromettidas: o choreico conserva ainda a influencia da vontade sobre a producção dos movimentos de apprehensão; estes, porém, são defeituosos, porque ao lado da contracção devida a uma excitação consciente ha contracções in- voluntárias que põem em jogo outras massas musculares e prejudicão o trabalho synergico dos músculos antagonistas. Elle pode levar a mão á cabeça, mas não segue a linha recta como no estado normal; ao contrario, leva-a ao peito, á espadua, á face e só no fim de algumas tentativas consegue collocal-a sobre a fronte, onde com dificuldade a mantém. Como bem diz Sydenham, « quando se apresenta ao doente um copo com água, antes que o possa levar á bocca, elle fará mil contorsões; a mão agitada loucamente por um espasmo, não pode dirigir o copo em linha recta, e o conteúdo é entornado; quando por um feliz acaso consegue approximal-o aos lábios, avidamente, de um só trago, bebe todo o liquido. » (Sy- denham). Ja falíamos na arythmia, nas palpitações cardíacas observadas em muitos casos. Para Benedikt e Spitzmüller é uma verdadeira choréa do myocardo e o sopro terá lugar quando os músculos papillares se contrahirem irregularmente. Os espasmos choreicos do coração, como quer Spitzmüller. só poderáõ ser admittidos em casos muito especiaes e ainda com muita reserva. Explicaremos todas estas perturbações pelo estado anêmico, pela dyscrasia tão commum nos choreicos, como pensa Reeves ; ou pela existência concumitante de uma endocardite como acreditão Roger e Dickinson. A symptomatologia que descrevemos não é completa em todos os doentes, ella o é, porém, na maioria dos casos, porquanto re- 41 sulta das observações de Sée, Pye-Smith e de muitos outros pa- thologistas, que a choréa generalisada, a forma bi lateral é a mais freqüente. Em 223 casos pertencentes a diversos auctores, G. Sée encontrou 143 vezes a choréa bi-lateral; nos 150 doentes de Pye- Smith 117 tinhão movimentos choreicos nos dous lados. Depois da choréa geral a fôrma mais commum é a unilateral ou a hemi- choréa propriamente dita. Sée encontrou-a 64 vezes nas 223 obser- vações, Pye-Smith dá a proporção de 85/i50, Russell de 29/^. São raros os casos em que os movimentos localisão-se em uma única parte do corpo, em um membro somente. Starres, de Philadelphia, diz ter observado juntamente com o Dr. Wood uma choréa limi- tada á perna, ante-braço e mão do lado esquerdo. Landouzy cita uma observação de fôrma paraplégica. Haén refere um caso de choréa parcial limitada á perna esquerda e Thiermary outro, em que o braço esquerdo era o único affectado. Convém notar que a denominação de choréa parcial tem sido des- virtuada e empregada muitas vezes erroneamente de modo a pro- duzir uma verdadeira confusão. Com effeito, alguns médicos applicão o nome de choréa parcial chronica a moléstias que não são mais do que ticos e espasmos convulsivos. Trousseau chama choréa parcial á caimbra dos escriptores; Schrotter e Leffert denominão choréa-laryngis a certas fôrmas de tosse convulsiva; Concato de- cora com o mesmo titulo uma observação por elle tomada, em que havia contracções irregulares e intermittentes no longo peroneiro lateral. Esta restricção feita, poderemos dizer que os casos de choréa parcial são muito raros, que geralmente esta é a conse- qüência de uma choréa total ou unilateral, que acaba por se fixar em um dos membros. O mesmo repetiremos á respeito da fôrma cruzada que Baumés, Richter e Wõltge dizem ter observado. Na choréa geral ha um facto curioso que tem preoccupado alguns pathologistas, e que é apresentado como argumento contra a theoria ingleza do embolismo capillar — a predominância dos movimentos em um dos lados ; no começo da moléstia, muitas vezes no lado direito ou mais geralmente no esquerdo, manifestão-se os movi- mentos choreiformes, quando no lado opposto apenas alguns estre- 42 mecimentos se fazem notar, razão por que, não poucas vezes, a hemi-choréa parece preceder a choréa geral. Na hemi-choréa o lado esquerdo é mais freqüentemente affe- ctado que o direito. Cadet de Gassicourt, no seu recente livro sobre pathologia infantil affirma não ter observado esta predomi- nância, antigamente assignalada por Ewart, Gardane, De-Haen e depois verificada por Sée (37 choréas esquerdas e 27 direitas) e por Pye-Smith, que encontrou 18 choréas esquerdas e 15 do lado direito. Se pois a choréa affecta mais vezes o lado esquerdo, esta circumstancia não pôde ser elevada á altura de lei pathologica. Os movimentos choreicos que acabamos de descrever mani- festão-se não somente por occasião dos actos voluntários, como também em sua ausência, durante o repouso, expontaneamente, ou sob a influencia de qualquer causa. As contracções choreiformes são effectivaniente influenciadas por certas circumstancias ; assim as emoções, as contrariedades, as vicissitudes atmosphericas, a fadiga muscular (quando se emprega a gymnastica como meio de tratamento) exacerbão os movimentos anormaes. O somno tem acção inteiramente opposta: as contracções incoerciveis cessão completamente. Em 158 doentes de G. Sée esta regra somente seis vezes deixou de ser observada, e Cyon, querendo explicar taes excepções diz que n'esses casos a moléstia é produzida pelo mecanismo do acto reflexo e determinada pela pericardite, endocardite rheumatica, ou por affecções uterinas, vermes intestinaes, etc A explicação não serve, e Ziemssen com razão faz notar a raridade dos casos em que o somno não influe sobre as perturbações da motilidade, e a freqüência relativa da choréa de origem reflexa. Nas choréas graves nenhuma remissão apresenta a ataxia durante o somno, este em alguns casos é completamente impossivel e a insomnia prolongada aggrava o estado do doente. Gubler, citado pelo professor Raymond, viu no serviço de Trousseau, em 1843 uma choreica em que os movimentos não erão moderados pelo somno, e que falleceu algumas semanas depois, apre- sentando usura completa das partes molles em diferentes lugares. 43 Outra circumstancia é necessária para que com o somno coin- cida o repouso muscular — deve ser calmo e não interrompido por sonhos. Quando a ideação não se acha completamente aniquillada, ella origina impulsões motoras que transmittidas á medulla despertâo a sua actividade; a medulla reage, mas reage com a modalidade anormal e os movimentos choreicos são a conseqüência. O somno artificial provocado pela chloroformisação e pelos narcóticos produz os mesmos benefícios que o somno natural. Como dissemos em alguns casos o apparelho muscular interno é invadido; a rapidez da deglutição é devida provavelmente á um espasmo do pharynge; o grito, assignalado por alguns auctores, semelhante ao das hystericas, depende de uma contracção brusca dos músculos laryngêos. Ultimamente, em fins do anno passado, Blachez apresentou uma memória sobre a choréa do larynge, ba- seando-se em duas observações pessoaes. Admitte uma fôrma especial affectando somente o larynge, fôrma muito rara, accres- centa Blachez, pois que poucos pathologistas a têm verificado. Acreditamos que as duas observações de Blachez não autorisão a admissão de uma choréa especial, exclusivamente limitada ao la- rynge sem participação do systema muscular externo. Tal affecção merece antes o nome de espasmo dos músculos laryngeanos; convém não desvirtuar a significação da palavra choréa. Meigs e Peffier observarão a retenção de urina com alterna-tivas de micção natural. Sobre os movimentos da iris Cadet de Gassi- court menciona uma observação curiosa : um doente, cuja pupilla dilatava-se e estreitava-se alternativamente fora da acção da luz. DAS PARESIAS NOS CHOREICOS O enfraquecimento muscular é um phenomeno freqüente nos choreicos; a paralysia completa é rara. O estudo das perturbações paralyticas na choréa é moderno, e a minuciosa monographia pu- blicada pelo Dr. Gustave Ollive resume em poucas paginas tudo o que se tem dito sobre tal assumpto (*). (l) Gustave Olhtje. Paralysias nos choreicos. 1883. 44 Foi Todd [Clinicai lectures on paralysis, 1856), diz Samuel Wilks, o primeiro que chamou a attenção do mundo medico para o syinptoma que denominou hemiplegia choreica e cuja pathogenia e anatomia pathologica tentou apresentar : « Em muitos doentes, diz Todd, os movimentos choreicos são mais pronunciados n'um lado do que no outro, e algumas vezes limitados a um só; o doente tem hemiplegia. Quando em taes casos os movimentos cho- reicos cessão, os membros que tinhão sido agitados ficão paresiados. Este phenomeno se assemelha até certo ponto á hemiplegia de- pendente de lesão cerebral, da qual, entretanto, se distingue pelos caracteres seguintes : 1.° a paralysia da face é rara ou incompleta; 2.° a lingua apresenta apenas uma incoordenação característica; 3.° nos membros paralysados ainda existe o movimento choreico, posto que em pequeno gráo. » Todd apresenta três observações, sendo em duas a paresia no lado direito. Trousseau é de opinião que a coincidência da agitação convulsiva e do enfraquecimento muscular é um facto commum na choréa, que a paresia affecta de preferencia os membros mais agitados pelas contracções incoerciveis, e que o desapparecimento d'estas quasi sempre precede de pouco tempo a cura dos phenomenos paralyticos; nos casos desfavoráveis a paralysia se complica de atrophia muscular constituindo então uma enfermidade mais ou menos durável. Niemeyer, Jaccoud, Grisolle, Hammond, Grasset, Raymond, não mencionão a paresia entre os symptomas possiveis da choréa. Picot, Axenfeld, Lepine, nada adiantão, e poucas Unhas consagrão ao assumpto. Charles West é mais minucioso : « A violência dos movimentos choreicos esgota necessariamente a acção muscular, mas ha casos em que o enfraquecimento não está em relação com a intensidade dos movimentos e é esta choréa que denominamos — choréa molle — (limp-choréa), designação que a caracterisa tão bem como o termo mais scientifico da choréa paralytica. Taes casos não são raros, e geralmente têm pouca gravidade. Observa-se durante alguns dias perda de forças, tão completa como na paralysia diphterica; mas a força muscular nunca é perdida de uma maneira permanente, posto que algumas vezes só reappareça 45 no fim de um tempo mais ou menos longo. Em outros casos os movimentos involuntários são tão insignificantes que escapão á observação, e a affecção sendo parcial, é considerado como paraly- tico o indivíduo que arrasta uma das pernas ou serve-se com difi- culdade e imperfeitamente de um dos braços, o seu estado causa uma anxiedade considerável sem motivos. West refere a observação de uma doente, que depois de melhora apparente foi accommet- tida de uma paralysia que a obrigou a manter-se no leito, e a impediu de comer, e mesmo de fallar. O tratamento pela strych- nina foi instituido, e no fim de dez semanas já a doente caminhava com lentidão, recuperando depois completamente as forças. Em outras duas observações os symptomas paralyticos dominarão o quadro mórbido emquanto durou a moléstia. Cadet de Gassicourt insiste sobre a curabilidade da paresia dos choreicos e affirma que em todos os casos de sua clinica, mesmo n'aquelles em que a choréa tinha reincidido uma e duas vezes, os phenomenos paralyticos acabarão por desapparecer completamente. Em uma memória apresentada á Associação Medica de Cam- bridge em 1880, Gowers discute com proficiência, extensamente a questão das paresias nos choreicos e termina a sua communicação nos seguintes termos : « Todas as vezes que uma criança de 7 a 15 annos apresentar perda gradual de força nos braços, sem peresia da face, da lingua, da perna, a moléstia, em minha opinião, é a choréa, e se o doente for observado com cuidado, descobrir-se-ha por fim no braço enfraquecido, ou no outro um signal impor- tante — movimentos espasmodicos occasionaes ». Para terminar este curto histórico, diremos que Bouteille, á cuja observação perspicaz nada escapava, já tinha notado a flacidez, o relaxamento das fibras musculares nos membros affectados e censura Sydenham por ter dito que a choréa era uma espécie de convulsão, quando ao contrario mais parecia uma espécie de hemi- plegia. Bouteille, pois, fazia reviver a opinião de Stoll que, consi- derando a debilidade dos movimentos voluntários como o primeiro gráo da paralysia, estabelecia estreitas relações entre esta e a dansa de S. Guido. 46 Os symptomas paralyticos precedem, acompanhão, ou o que é mais freqüente, seguem os movimentos choreicos. No primeiro caso ha uma espécie de período prodromico em que os doentes tornão-se tristes, timoratos, irasciveis, inhabeis para os trabalhos manuaes e vacillantes durante a marcha. Em seguida manifesta-se em um dos braços, ou nos dous menos vezes, o enfraquecimento que se vai augmentando progressivamente. A paralysia completa dos membros é rara e Charcot só cita uma observação. Os reflexos tendinosos são abolidos e a sensibili- dade conservada. Quasi sempre ha pequenos movimentos choreicos no braço mais fraco, e mais vezes ainda no outro; em alguns casos a perna é sede de convulsões choreicas pouco intensas. A terminação se faz por dous modos: ou a paresia só per- turbada pela agitação choreica desapparece pouco a pouco, ou á medida que o membro recupera sua força as contracções incoer- civeis augmentão e a choréa apresenta-se com todo o seu cortejo de symptomas. Quando a paralysia manifesta-se durante a choréa a forma mono-plegica é a mais commum; um dos braços mais vezes o es- querdo perde pouco a pouco os movimentos desordenados, enfra- quece-se e acaba por ficar quasi immovel, ligeiramente agitado por contracções spasmodicas. As formas hemiplegica e paraplégica são menos freqüentes. Modificações da sensibilidade Os symptomas que os choreicos apresentão para o lado da sensibilidade não são tão importantes como os da motilidade que só por si podem caracterisar a moléstia; comtudo são interessantes, mostrão pontos de semelhança entre esta nevrose e a hysteria, e fornecem bases a uma theoria sobre a natureza e sede da affecção. A sensibilidade dos choreicos pode ser encontrada em dous estados completamente oppostos — diminuida ou abolida e exaltada ; em uns 47 ha anesthesia incompleta ou raramente completa, em outros do- mina a hyperesthesia. Phenomenos dolorosos. — Um dos factos curiosos na sympto- matologia da dansa de S. Guido é a facilidade com que os doentes supportão as contracções incoerciveis ; ellas não determinão rapi- datamente a fadiga e o esgotamento como se poderia suppor, ao contrario, os individuos não accusão cansaço e parece que pouco se preoccupão com a ataxia muscular. Alguns sentem dores vagas na continuidade dos membros e nas articulações principalmente. As dores articulares ora não são mais do que um effeito da mesma diathese que provocou a choréa e então apresentão os caracteres das dores rheumaticas : tumefacção peri-articular, rubor da pelle, sensibilidade á pressão, exasperação pelo movimento e calor do leito, extensão a muitas articulações, etc. Outras vezes não de- pendem de processo irritativo, são comparáveis as que figurão no vasto quadro symptomatico da hysteria e devem ser consideradas como phenomenos puramente nervosos. A cephalalgia occipital, frontal ou parietal é observada em alguns casos. Jackson e Hermann notarão 63 vezes a cephalalgia paroxistica em 70 casos; tem-se comtudo exagerado a sua freqüência. Triboulet e Stiebel forão os primeiros a indicar a existência de pontos dolorosos á pressão no trajecto dos nervos rachidianos, pontos dolorosos já verificados nas nevralgias por Valleix e que também se encontrão na hysteria e na epilepsia, etc Para se achar estes pontos, aos quaes os discipulos de Triboulet derão o nome do seu mestre, é preciso proceder de um modo semelhante áquelle que Valleix indica : comprimir successivamente com a extremidade do dedo toda a extensão dos nervos e de suas ramificações, sem deixar escapar um só ponto. Por este meio chega-se a limitar perfeitamente a extensão dos pontos dolorosos e reconhece-se que não tem mais do que um ou dous centímetros de diâmetro, e que muitas vezes a 5 ou 6 millimetros distantes a dor á pressão cessa bruscamente. Nos pontos dolorosos descriptos por Valleix nas ne- vralgias quando a pressão tem despertado uma dor viva em um 48 ponto limitado, acontece que nem sempre é possível repetir a experiência; será preciso esperar por alguns momentos para que a dor se re produza com a mesma intensidade que na primeira vez. Na choréa é quasi sempre possível provocar dor nos mesmos pontos sem deixar intervallo nas explorações ; á medida que a pressão augmenta a dôr torna-se mais intensa e provoca movi- mentos cada vez mais desordenados. Os pontos dolorosos na choréa occupão as mesmas posições indicadas por Valleix nas nevralgias e achão-se collocados : 1.° nos pontos de emergência dos troncos nervosos; 2.° nos pontos em que os filetes nervo-os dirigindo-se para a pelle atravessão òs mús- culos ; 3.° nos pontos onde os ramusculos terminaes vem-se es- praiar nos tegumentos; 4.° nos lugares em que os cordões nervosos tornão-se muito superficiaes. Vejamos quaes esses pontos nos diferentes nervos e plexus. Nervo trigemeo. — 1.° Ramo ophtalmico: pontos super-orbi- tario, palpebral, nasal e ocular. 2.° Maxillar superior: pontos sub- orbitario, malar, dentário e gengivaes, labial superior (pouco im- portante) e palatino (raro) ; 3.° Maxillar inferior : pontos temporal, temporo-maxillar, mentoniano, lingual, labial inferior. Plexus cervical. — 1.° ponto occipital ao nivel das duas pri- meiras vertebras, na emergência do grande nervo occipital atravez do músculo complexus; 2.° ponto mastoidiano, ao nivel da apo- physe mastoide; 3.° ponto parietal na bossa parietal 4.° ponto au- ricular na concha do pavilhão da orelha. Plexus brachial. — 1.° ponto cervical inferior no angulo for- mado pela clavicula com o acromio; 2.° ponto deltoidiano na parte media do deltoide; 3.° ponto radio-humeral na gotteira radial; 4.° ponto axillar no ápice da axilla; 5.° ponto epitrochleano no lado posterior da epitrochlea; 6.° ponto cubito carpiano na região antero-interna do carpo. Plexus lombar. — Ramos collateraes : 1.° ponto lombar um pouco para fora das primeiras vertebras lombares; 2.° ponto illiaco pouco acima do meio da crista illiaca; 3.° ponto hypogastrico 49 acima do annel inguinal, para fora da linha branca; 4.° ponto inguinal no meio do ligamento de Fallope; 5.° ponto scrotal ou do grande lábio. Os ramos terminaes deste plexo apresentão os seguintes focos dolorosos: inguinal, cruraes, condylo-rotuliano in- terno, malleolar interno, plantar interno e metatarsiano. Plexus sacro. — Pontos dolorosos: 1.° lombar acima do sacrum; 2.° sacro-illiaco na articulação sacro-illiaca; 3.° illiaco no meio da crista illiaca; 4.° gluteo no ápice da chanfradura sciatica; 5.° tro- chanterianos superior, médio e inferior ao nivel das origens dos principaes nervos collateraes do sciatico; 6.° poplitêo na bifur- cação do sciatico; 7.° rotuliano no bordo externo do rotula; 8.° pe- roneo-tibial na articulação do tíbia com o peroneo ; 9.° peroneiro no colo do peroneo, malleolar na parte posterior do malleolo ex- terno; 10.° plantar externo; 11.° dorsal do pé. Em alguns doentes e quando a choréa é geral e grave todos os pontos que acabamos de mencionar são dolorosos, ainda que com diferente intensidade; se os movimentos choreiformes são mais pronunciados em um lado do corpo os pontos de Valleix ou de Triboulet ahi são mais sensiveis; finalmente na hemi-choréa a dôr só existe no lado affectado. Ha pois uma estreita correlação entre o movimento choreico e a hyperesthesia dos focos dolorosos; assim a intensidade da dôr pela pressão augmenta ou diminue quando a ataxia choreica exagera-se ou decresce, e os movimentos se exasperão pela pressão. O estudo dos pontos de Triboulet na choréa data de poucos annos, os pathologistas ainda não poderão verificar completamente as observações feitas por Triboulet, Rousse, Mahomed Said e Cartier, seus discipulos. O que se pode afirmar é que não são tão constantes como pretendem esses médicos. Rosenbach e Seifert também fallão de pontos dolorosos ao longo da columna vertebral, ao nivel da 8.a e 10.a costellas e no ponto em que o nervo accessorio penetra no trapezio. Phenomenos de anesthesia. — Em alguns choreicos longe de haver dôr ha ao contrario diminuição da sensibilidade cutânea; a analgesia incompleta é mais freqüente que a anesthesia táctil. A 6360 4 50 anesthesia completa é muito rara. Russel refere a observação de uma mulher hemi-choreica em que as impressões auditivas, olfac- tivas, oculares e gustativas erão menos pronunciadas em um lado (direito) do que no outro. Acreditamos que nesta doente não havia a hemi-choréa propriamente dita, mas uma hemi-choréà sym- ptomatica, tanto mais que a observação diz — notava-se abolição completa da sensibilidade geral, hemi-anesthesia — facto freqüente nas hemi-choréas ligadas a alterações materiaes do cérebro. A sensibilidade electrica foi examinada pelo professor Rosenthal. A excitabilidade dos nervos sensitivos é exagerada, a pelle recebe facilmente impressões dolorosas quando explorada mesmo por correntes fracas. Collocando-se os pólos de uma corrente con- tinua ou por inducção na região cervical ou dorsal do rachis obtem-se sensações excêntricas na extremidade dos membros. A contractilidade electro-muscular é augmentada no lado mais affectado. DO ESTADO MENTAL NOS CHOREICOS Ao redor do elemento convulsivo que constitue o symptoma essencial da choréa, grupão-se outros que se não tem a mesma importância sob o ponto de vista do diagnostico, pois que se en- contrão também em outras nevroses, figurão comtudo entre os mais freqüentes e interessantes. Taes são os que se referem ao estado mental, magistralmente discutidos na Academia de Medicina de Pariz por Marcé, Blache, Trousseau e Bouvier. O estado mental nos choreicos appresenta perturbações diversas desde a indisposição moral, a menos accentuada, a perturbação intel- lectual a mais insignificante até a melancolia e o idiotismo, desde a hallucinação isolada até o delirio o mais completo. Taes desordens psychicas já tinhão sido entrevistas por Cullen, que dizia que na choréa o espirito era muitas vezes affectado de um certo gráo de fatuidade e appresentava freqüentemente as mesmas emoções passageiras, variadas e inexplicáveis que na affecção hysterica. Segundo Bouteille o idiotismo passageiro, mas bastante pronunciado para aterrorisar os parentes do doente, é 51 um dos symptomas específicos da choréa essencial. P. Frank men- ciona as alterações da memória, J. Frank o delírio como um acci- dente possível. Blache falia de modificações da sensibilidade moral e Georget de um certo gráo de embecilidade. Moynier entre outras, cita uma observação curiosa de choréa complicada de mania. Moderna- mente Marcé tendo examinado cuidadosamente durante três annos as perturbuações psychicas nos choreicas submetteu-as a um exame rigoroso e dos mais completos, e soube evitar as conclusões peri- gosas de uma generalisação prematura. As perturbações intellectuaes não se encontrão em todos os choreicos, em muitos d'elles, um terço, segundo Marcé (21 em 57 doentes), ha uma immunidade completa para as desordens mentaes. Blache crê ainda que Marcé exagerou muito a freqüência das per- turbações da sensibilidade moral e da intelligencia, as quaes devem ser attribuidas menos á choréa do que á hysteria, que a complica, e á idyosencrasia do indivíduo que domina a moléstia e lhe modifica o aspecto. Esta immunidade não é explicável nem pela idade ou pelo sexo, nem pela intensidade e extensão dos movimentos choreicos, nem pela fôrma aguda ou chronica da moléstia. O que se pôde afirmar é que o enfraquecimento das faculdades intellectuaes é mais commum nas choréas chronicas e de longa duração, mas esta probabilidade não pôde ser transformada em lei. Marcé cita duas observações de choréas chronicas em que os doentes offerecião um contraste completo entre a intensidade dos movimentos e a lucidez perfeita da intelligencia. Modificações da sensibilidade moral. -— Em 2/s dos doentes observa-se uma mobilidade nervosa, alternativas de excitação e de depressão, como na hysteria: são impacientes, irasciveis, taciturnos, rebeldes e pusillanimes ao mesmo tempo, riem-se depois de terem chorado pelos motivos os mais futeis. Estes phenomenos, como já vimos, são freqüentes no começo da moléstia. Perturbações intellectuaes. — As perturbações da intelligencia quasi sempre acompanhão as modificações da sensibilidade moral e 52 consistem em enfraquecimento da memória, diminuição da força de attencção e obtusão das idéias. As vezes a intelligencia acha-se tão entorpecida que os doentes esquecem-se da leitura e da es- criptura (Brouardel). Hallucinações. — Marcé affirma que as hallucinações dos choreicos são idênticas ás dos alienados. Manifestão-se no período intermediário á vigilia e ao somno ou precedem este de poucos minutos. Umas se produzem com fraca intensidade e são passageiras, outras pela vivacidade e duração indicão uma excitação mais ou menos forte do cérebro. Geralmente limitadas á vista ellas podem ter por sede a audição e a sensibilidade geral; são encontradas na choréa simples, porém mais freqüentemente quando esta se complica de phenomenos hystericos; não appresentão gravidade e só excepcionalmente conduzem ao delirio. Com effeito a choréa pôde se complicar logo no seu inicio ou mais tarde de delirio maníaco e então a morte sobrevem quasi sempre no meio de acci- dentes ataxicos. Em algumas observações de Marcé o delirio não parece depender unicamente da nevrose, mas reconhecer antes por causa o rheumatismo articular agudo, a meningite ou uma con- gestão cerebral. Funcções orgânicas. — Para terminar o quadro sympto- matico da choréa, resta-nos mencionar as alterações das funcções da vida orgânica. O appetite é geralmente diminuido, caprichoso; ha náuseas, dores epigastricas, constipações e outras vezes accidentes que se assemelhão aos do embaraço gástrico. Os movimentos do coração em muitos doentes são irregulares, tumultuosos, desordenados, intermittentes e acompanhados de sopro (Choréa de Reeves). Este é geralmente a expressão da dyscrasia sanguinea, da anemia que é uma das primeiras conseqüências da choréa, e pôde ser observado ao lado do cortejo symptomatico que costuma acompanhal-a: descoramento da pelle e das mucosas, ruido de sopro nas artérias, frêmito felino, pulso amplo e molle, as vezes dicroto, perturbações da menstruação, emmagrecimento. A choréa é uma moléstia apyretica, que se processa sem reacção 53 febril e quando esta se manifesta é devida a qualquer complicação que vem perturbar a evolução regular da nevrose. Ultimamente alguns auctores procurarão obter dados do exame das urinas, mas dos resultados a que chegarão nada se pôde concluir de positivo. Handfield Jones notou um augmento de ácido phosphorico durante o segundo período; Lawson Tait em uma mulher grávida en- controu a glycosuria; Stiebel e Veghelm notarão diminuição dos saes de cálcio; Bence Jones, Kelly e Russell a azoturia. MARCHA, DURAÇÃO, TERMINAÇÃO Marcha. — A choréa é uma moléstia de marcha lenta e quasi continua, sujeita a recrudescencias e remissões na intensidade dos symptomas durante o ultimo período. Como quasi todas as moléstias a dança de S. Guido percorre em sua evolução três phases ou períodos : o 1.° é o período inicial em que os symptomas da moti- lidade se manifestão somente em certos grupos musculares e o caracter do doente começa a modificar-se. Os movimentos choreicos em seguida accentuão-se cada vez mais, generalisão-se ou ficão limitados a um só lado do corpo; as modificações da individualidade psychica exagerão-se e a moléstia attinge o seu apogêo ou 2.° período, ou período estacionario. No 3.° os symptomas vão diminuindo lentamente: as con- tracções incoerciveis tornão-se menos freqüentes, os movimentos voluntários vão adquirindo precisão, as funcções intellectuaes res- tabelecem-se pouco a pouco. Esta ultima phase nem sempre é re- gular, ao contrario poucas vezes o desapparecimento dos symptomas se faz gradualmente. Na maioria dos casos a moléstia appresenta em sua marcha verdadeiras oscilações; muitas vezes quando a cura parece estar próxima uma recahida tem lugar e a incordenação motora torna-se mais pronunciada juntamente com os outros sympto- mas. As melhores alternão com as exacerbações e as emoções tem uma influencia prejudicial sobre a intensidade dos movimentos (Ziemssen). Thilenius admittia em 1816 tanto na choréa chronica como 54 na fôrma aguda quatro períodos: o 1.° era o período prodromico; o 2.° aquelle em que a moléstia se acha.va definitivamente consti- tuída com a symptomatologia completa; o 3.° correspondia ao apogêo, quando a intensidade dos symptoma attingia seu máximo; 4.° o período de terminação. Assim procedendo Thilenius commettia um erro de observação porque os phenomenos graves que consti- tuião o 3.° período não são freqüentes na choréa, antes são mui raros. As choréas intermittentes são rarissimas e a periodicidade só se observa quando ha complicações devidas ao miasma palustre. Fora d'estas condições póde-se affirmar que não ha facto algum registrado na sciencia de choréa de marcha intermittente. Rufz e Bouteille citão duas observações : a l.a porém é negada por muitos auctores; a 2.a não merece confiança porque o seu auctor não a observou, como elle mesmo confessa, mas recebeu-a por communi- cação verbal de uma mulher, mãe da doente, e termina dizendo que em sua clinica não encontrou um só caso de choréa pe- riódica. E claro que fatiando da intermittencia nos referimos a todos os symptomas e pomos de parte a intermittencia dos movi- mentos choreicos devida a acção benéfica do somno. Duração. — A dança de S. Guido é moléstia de longa duração. Os symptomas só cessão segundo a maioria dos clinicos no fim de dous mezes, e ainda depois d'este prazo os individuos conservão vestígios da moléstia: entorpecimento intellectual, em- baraços na dicção, anemia mais ou menos profunda, perturbações digestivas, spasmos em certos músculos, paresia em outros, etc. Estes phenomenos mais tarde dissipão-se e o restabelecimento é completo. Nem todos os pathologistas dão a duração que indicamos e as divergências explicão-se pela dificuldade em isolar a influencia das medicações empregadas, do sexo, e da intensidade dos sympto- mas. Se a choréa é mais commum nas mulheres parece que n'ellas também o desapparecimento dos movimentos choreicos se faz mais lentamente. A violência d'estes influe pouco sobre sua duração; das observações feitas por Barthez resulta entretanto que quando os sym- 55 ptomas são mais intensos persistem por mais tempo e a choréa dura então de 2 a 3 ou 3 a 6 mezes. As excepções são comtudo fre- qüentes ; ha choréas violentas que terminão em menos de um mez e outras benignas que prolongão-se muito e tornão-se chronicas. Segundo os Snrs. Rilliet e Barthez a duração mais commum estaria entre 1 e 2 mezes. Em 235 doentes que observarão, os resultados forão os seguintes : 28 doentes — terminação em menos de um mez. 96 » duração de 1 a 2 mezes. 58 » » » 2 a 3 » 29 » » » 3 a 6 » 5 doentes — duração — de 6 mezes a 1 anno. 9 » » de mais de 1 anno. 10 » » indeterminada. G. Sée em 117 choreiros encontrou como duração média 69 dias; Wiche 3 mezes em 125 casos; Hillier 70 dias em 30; Trousseau e West não fixão data alguma. Para Rufz a choréa faz sua evolução em 31 dias, termo médio, e para Dufossé em 57. Cadet de Gassecourt de accôrdo com os factos de sua clinica é de opinião que na maioria dos casos a duração oscilla entre 2 e 3 mezes. Gray e Tuckwell dizem que quando a moléstia é abando- nada a si mesmo e se adopta o methodo de expectação a cura tem lugar geralmente depois de 11 semanas, e de 9 l/2 quando o tratamento arsenical é emgregado. Reincidências e recahidas. — Sydenham já tinha notado que a choréa é muito sujeita á reincidências. A criança que uma vez teve movimentos choreicos está sujeita a repetição e não deverá considerar-se completamente livre da nevrose senão no fim de muito tempo, de alguns annos. Os intervallos que separão as rein- cidências varião, desde semanas e mezes até 5, 6 e mesmo 8 annos. O outomno é a estação em que ellas são mais freqüentes, o que não deve admirar porque as manifestações outras do rheumatismo também preferem essa época do anno. Os ataques não tem a mesma intensidade, ha uma diminuição constante e contínua; tornão-se menos graves e menos duradores, mais fracos. Rilliet e Barthez mencionão uma curiosa observação : em uma menina de 7 annos a ataxia choreica appareceu depois de uma forte emoção, durou 4 mezes e manifestou-se novamente depois de 56 uma pausa de 2 mezes. Durante 8 annos esta doente appresentou alternativas de doença e de cura, de modo a não passar 4 mezes sem apresentar os movimentos choreicos que apparecião e cessavao sem causa conhecida. A moléstia mostrou-se rebelde a todo trata- mento e o estabelecimento da menstruação nenhuma influencia exer- ceu sobre ella. Em 64 choreicos Cadet de Gassincourt observou 20 reinci- dências : 18 tiverão 2 ataques, um teve três e outro 4. — Germain Seé em 150 doentes encontrou 17 que tiverão 2 ataques, 13 em que a choréa reincidiu 2 vezes, 6 três vezes e 7 em outro. Rilliet e Barthez em uma serie de 144 choreicos notarão que 58 forão atacados uma só vez e 85 muitas, que as reincidências tiverão lugar somente uma vez em 66, duas em 19, 3 em três, 4 em quatro, 5 em um, e 7 em dous. Terminação. — A cura é a regra, a morte a excepção. A cura completa é ainda a terminação a mais commum; a cura incompleta consiste na persistência de phenomenos que impedem o restabele- cimento integral das funcções psychicas e indicão decadência intellectual, taes como um certo gráo de idiotismo, a mania, a me- lancolia, ou apenas a exasperação da sensibilidade moral; outras vezes os individuos conservão alguns vestígios da incoordenação motora que agitou o systema muscular da vida de relação : spasmos parciaes e certos ticos que tornão-se chronicos. A morte como resultado final da choréa e devida somente a esta moléstia é pouco observado. Raymond conseguio reunir apenas 30 casos. Ella pôde ser provocada por três condições: l.a Pelo esgotamento nervoso consecutivo á ataxia choreica, quando esta tem sido violenta e de longa duração. 2.a Por inanição, quando as contracções desordenadas dos mús- culos da bocca e do pharynge impedem totalmente a alimentação. 3.a Por esgotamento das forças, consecutivo ao estado de ca- chexia em que cahem os doentes, quando as contracções incoer- civeis tem produzido feridas, supuração abundante e gangrena das partes molles. Quando os movimentos são contínuos e tenazes, e não cessão durante o somno, o emprego da camisola de força 57 poucos benefícios traz ao doente, porque se impede os choques e os deslocamentos não evita o attrito do corpo sobre as roupas que o envolvem e as excoriações numerosas ; a pelle gasta-se, como diz Trousseau. 4.a A terminação funesta em alguns doentes corre por conta do rheumatismo que de sub-agudo, do qual segundo Roger a choréa é expressão, torna-se agudo ou super-agudo; os vômitos, a febre, o delirio e depois o coma e a morte terminão então a scena mórbida. 5.a Finalmente na maior parte dos casos, a choréa não é a causa da morte, mas sim as lesões cardíacas concumittantes e as affecções intercurrentes. Complicações Febris accedens spasmos solvit. (Hippocbatis). Moléstia de longa duração não admira que a choréa em sua marcha regular possa ser perturbada por numerosas affecções, febris ou não, que evoluirão com sua modalidade habitual, como se o caracter de intercurrencia que lhes dá a persistência de um outro estado mórbido não existisse. A choréa nenhuma influencia exerce sobre a marcha e as conseqüências das moléstias que a vem complicar, mas algumas d'estas modificão de modo notável a duração e a terminação da nevrose. Dentre as complicações as mais communs e as que mais attenção merecem são: o rheumatismo articular e car- díaco, as psychoses, a hysteria, a epilepsia, e as febres exanthe- maticas. Rheumatismo. — Se a diathese rheumatica é um elemento muito freqüente, segundo uns, e quasi indispensável segundo outros, na etiologia da dansa de S. Guido; se na maioria dos casos esta affecção 58 não é mais do que o resultado do rheumatismo cerebral sub-agudo, mais commum e mais benigno na infância do que na idade adulta: é natural que os outros accidentes ligados ao rheumatismo acom- panhem muitas vezes os symptomas choreicos. As dores articulares, a endocardite e a peri-cardite estão nestas condições e sobre ellas já nos estendemos quando tratamos do papel etiologico do vicio rheumatico. Diremos somente que a freqüência dos accidentes car- diacos segundo as observações de Rilliet e Barthez é a seguinte: uma vez sobre 7 nas choréas violentas, uma sobre 11 nas de media intensidade, uma sobre 13 nos casos benignos. Psychoses. — Como vimos as perturbações da mentalidade são de importância tal que constituem dados preciosos para o dia- gnostico e, relativamente á freqüência, figurão ao lado dos mo- vimentos choreicos. Quando as alterações do estado mental revestem- se de gravidade insólita, ou manifestão-se sob aspecto diferente d'aquelle que assignalamos, ellas constituem verdadeiras compli- cações. Thore cita um caso em que ao lado de hallucinações sen- soriaes havia monomania suicida; Mildner outro de mania-aguda. Estas complicações, observadas quasi que exclusivamente em indi- viduos predispostos por influencia hereditária ás affecções cerebraes, são entretanto raras e não autorisão a admissão de uma espécie de mania choreica. Hysteria e Epilepsia. — Á primeira vista a hysteria poderá passar por uma complicação freqüente da choréa; se attendermos porém a que certos phenomenos, taes como a sensação de cons- tricção na garganta, de suffocação, a flexão e a extensão dos mem- bros fazem parte da symptomatologia da choréa, verificaremos que se não existe incompatibilidade pathogenica entre as duas ne- vroses, se ellas não se excluem, a sua coincidência é menos commum do que pretendem alguns auctores. Quando esta existe, qual seja a influencia de uma sobre a outra não conhecemos, e a observação dos clinicos não a tem investigado. A epilepsia só excepcio- nalmente é observada. Russell apresenta dous casos, aliás muito con- testáveis dos quaes nada se pôde concluir e nem permittem esta- 59 belecer um parallelo entre as duas nevroses, como pretendeu este auctor. Affecções febris intercurrentes.—Febres eruptivas. — Quando no curso da choréa uma febre exanthematica — a varíola, o sarampão ou a escarlatina — desenvolve-se, a moléstia primitiva modifica-se quasi sempre e caminha rapidamente para um fim favorável. Em uma affecção como a choréa, de symptomas permanentes, parece que as mais pequenas variações que estes experimentassem sob a influencia das febres eruptivas, poderião ser percebidas e que todos os auctores estarião de commum accordo. Tal entretanto não aconteceu, não só nos primeiros tempos da historia da choréa (historia que começa depois de Sydenham) idéas comple- tamente oppostas forão emittidas, como ainda hoje ha opiniões que não se combinão. Com effeito se Raymond (1880) duvida que a varíola e o sarampão moderem a intensidade dos movimentos cho- reicos e facilitem o desapparecimento da choréa, Chatillon em sua excellente these (1880), baseada em observações pessoaes tomadas na clinica do Dr. Perroud de Lyon, sustenta a influencia salutar que as febres eruptivas exercem sobre as nevroses da infância, principalmente sobre a coqueluche e a choréa, e afirma a veraci- dade da fôrma hypocratica: —febris accedens solvit spasmos. Se Raymond appella ainda para o futuro, Chatillon ensinua a idéa de submetter os doentes nos casos graves e rebeldes ao contagio de uma febre eruptiva e confessa ter tentado duas vezes a ino- culação. Vejamos as observações colhidas pelos diferentes pathologistas e as conclusões que ellas impõem. Bouteille e Bright citão casos em que a choréa tendo sido interrompida pela evolução de um exanthema febril, seguiu depois o seu curso e dissipou-se rapi- damente com ou sem o auxilio da therapeutica. Rufz nos archivos de medicina de 1834 recusa ás moléstias febris qualquer acção salutar sobre a dansa de S. Guido e nem admitte que a perturbação funccional do systema nervoso, que esta faz suppor, aggrave as pyrexias exanthematicas. « Os choreicos não são mais vezes do que os outros doentes 60 accommettidos de erupções intermittentes ou affecções agudas. Cousa singular! esta affecção sempre apresentou durante e depois da moléstia intercurrente, os mesmos caracteres; isto talvez não se accommode com a theoria das metastases. » Blache no artigo — choréa — do diccionario de Medicina (30 volumes) acompanha Rufz e declara não ter observado um só caso de choréa cuja du- ração e intensidade fossem modificadas por uma pyrexia-intercur- rente. Barrier em seu tratado de pathologia infantil colloca-se também ao lado de Rufz, e diz que a varíola, o sarampão, a escar- latina, a pneumonia e mesmo as affecções gastro-intestinaes desen- volvem e percorrem os diversos períodos com a regularidade ordinária, sem que a choréa seja perturbada em sua marcha. Grisolle allia-se á mesma opinião, mas já é menos positivo pois que, se affirma que na maioria dos casos as conclusões de Rufz são verdadeiras, em outros crê que succede o contrario e como prova do que diz refere dous, observados por Stoll: duas meninas choreicas em que os movimentos desapparecerão depois de uma febre petechial. Mais numeroso é o grupo dos que relatão observações em sentido contrario. Constant conta um caso de dansa de S. Guido muito intensa, que foi attenuado pelo tratamento hydrotherapico, e o doente completamente curado por uma varicelle intercurrente, que só no período de invasão exasperou os symptomas da incoordenação motora. Foi Sée quem mais esclareceu este ponto litigioso e for- mulou a opinião depois defendida por Barthez, Rilliet, Trousseau e modernamente por Vogel e Radcliff com pequenas modificações. Em 128 observações Sée encontrou 70 que indicavão compli- cações febris, sendo 25 vezes febres rheumaticas, 17 febres exan- thematicas (escarlatina 10, varioloide 4, sarampão 3), 12 febres ephemeras e 16 phegmasias. Todas estas complicações produzirão os mesmos resultados: 1.°, exacerbação dos phenomenos nervosos durante o período de invasão e de augmento da reacção febril; 2.°, diminuição da ataxia choreica depois que a febre attingio a seu máximo de intensidade; 3.°, quando a temperatura foi-se approxi- 61 mando da média normal, desapparecimento rápido ou gradual da choréa, ou ainda somente suspensão momentânea dos sympto- mas que reapparecerão com menos violência e cederão facilmente aos agentes therapeuticos. O professor Sée explica estas alternativas admittindo uma afinidade reciproca entre o movimento febril e os spasmos muscu- lares que diminuião ou cessavao conjunctamente, ou progredião e augmentavão simultaneamente. Esta explicação lhe parecia muito razoável, porque tinha verificado que se a febre não seguia uma marcha continua, mas apresentava phases de recrudescencia, as contracções incoerciveis só diminuião de violência quando havia queda da temperatura, e incrementavão-se desde que esta se ele- vava ; finalmente que quando a morte era a conseqüência da affecção febril, a jactitação choreica continuava até o aniquilamento das forças. Em summa Sée resume a sua opinião d'esta maneira: se o systema nervoso se acha no estado normal, o erethismo febril de- clinando poderá perverter as suas funcções; se existem symptomas spasmodicos, a febre exagera-os emquanto augmenta ou persiste, e attenua-os quando diminue. Os Snrs. Rilliet e Barthez concordão em parte com o professor Sée. Em 9 doentes de sua clinica, nos quaes havia complicando a choréa uma moléstia febril, 8 vezes a affecção intercurrente mo- dificou de modo evidente a marcha da nevrose; em alguns dos choreicos o desenvolvimento da reacção febril foi logo seguido de diminuição ou desapparição dos movimentos. Trousseau, Jules Simon, Voillez, Axenfeld adoptão, ou melhor, limitão-se a expor as idéas de Gustave Sée. O distincto medico inglez Radcliff, em um artigo sobre a choréa, diz ter 7 observações pessoaes em que os movimentos cho- reicos cessarão durante o periodo da febre, e estabelece como regra: 1.°, que a choréa incrementa-se durante os estádios de ca- lefrio e de irritação; 2.°, que diminue ou desapparece mais ou menos completamente quando o estádio de calor ou de reacção se estabelece. Finalmente Chatillon reúne 14 casos de choréa compli- cada de pyrexias e em todos, mesmo n'aquelles em que a nevrose 62 datava de mezes, a diminuição dos movimentos irregulares seguio de perto a terminação da reacção febril; elle affirma que em nenhum poude verificar a exasperação das desordens nervosas du- rante os prodromos, o periodo de invasão e de augmento da febre eruptiva. A vista deste grande numero de observações apresentadas por auctoridades insuspeitas, não nos parece razoável a descrença que o Snr. Raymond manifesta. Elle cita, é verdade, uma mui curiosa pertencente a Cartier, mas contra esta, além d'aquellas já mencio- nadas, poderiamos referir 4 outras muito eloqüentes — uma de Long (these de 1860), outra de Gouel (these de 1867), e duas de Rousse (these de 1865). A opinião extremada de Chantillon não é também exacta e vai de encontro aos factos clinicos e mesmo a algumas de suas observações (20.a observação). O sarampão, a escarlatina e a varíola modificão favoravelmente a evolução da choréa, augmentando ás vezes durante o periodo de invasão a intensidade dos symptomas, que declinão em seguida mais ou menos rapidamente. Referimo-nos ás febres eruptivas porque os factos relativos a outros estados febris são em pequeno numero e queremos fugir ás conseqüências de uma generalisação precipitada. Assim pois, — as febres eruptivas, que aggravão as mo- léstias que entrão no quadro habitual de suas complicações, attenuão ou curão as nevroses da infância que não oferecem este caracter, a choréa e a coqueluche principalmente. De todas as febres eruptivas a que actua mais rapidamente é a varíola, em seguida vem o sa- rampão; a escarlatina menos vezes apressa a cura, e em alguns casos augmenta a intensidade dos symptomas nervosos. Esta entre- tanto nas 17 observações de Sée, a figura 9 vezes. Emfim a modificação que taes complicações imprimem á choréa é tanto mais saliente quanto menos recente é a moléstia. ANATOMIA PATHOLOGICA 11 est facile de voir, au milieu de tout cela, que Ia plus grande confusion règne encore dana toutes les questions d'anatomie et physiologie patho- logiques de Ia chorée. II n'y a rien de définitif. (J. Grasset.) O capitulo que vamos encetar é dos mais árduos no estudo da interessante nevrose, não porque deficiência de elementos im- possibilite os desenvolvimentos que o assumpto requer, mas inver- samente porque são tantas as lesões encontradas nas autópsias, tal é a disparidade existente entre ellas, que torna-se difícil extrahir dados necessários e rigorosos para uma interpretação pathogenica fora do terreno das concepções hypotheticas. Numerosas hypo- theses são apresentadas com o intento de explicar a physiologia pathologica da choréa, nem uma só porém resiste aos argu- mentos irrespondíveis tirados das descripções necroscopicas, nenhuma é sustentável como theoria geral. O resultado será pois negativo e teremos de concluir que ainda hoje, como no tempo de Bouteille, a choréa é uma nevrose, uma affecção que não pôde ser filiada a uma lesão única e constante. Para methodisar a ennumeração das diferentes lesões, exa- minaremos successivamente o encephalo, a medulla e os nervos periphericos. Encephalo. — 1.° Hyperemia. — A hyperemia meningo-ence- phalica é de todas as lesões a mais commum, nas 80 observações que o Snr. Raymond colligio 29 vezes é indicada. Nas autópsias de Leudet (1—1853), Fuller (1—1862), Senhouse Kirkes (1 -1863), Levick (1—1863), Hine (1—1864), Steiner (1—1868), Ogle 64 (5—1868), Roger (1—1868), Hutchinson (1—1876), Cartier (2—1876), Dickinson (5—1876), nenhuma indicação é feita sobre a sede e extensão do processo congestivo. Em 3 casos a hyperemia foi encontrada exclusivamente na pia-mater craneana, e n'um de Ogle mais pronunciada sobre toda a superfície do cerebello. Na autópsia referida por Lelion (1864) a hyperemia não só occupava a pia-mater e a substancia nervosa subjacente, como também invadia a dura-mater. A hyperemia no bulbo e na ponte de Varole foi duas vezes veri- ficada por Ogle, e Dickinson encontrou-a 2 vezes também no corpo estriado, juntamente com derrames sanguineos nos espaços sub- arachnoidianos. A hyperemia das meningeas cerebraes é a mais freqüente, vem em seguida a das meningeas do isthmo do encephalo e a do corpo estriado. 2.° Amollecimento. — O amollecimento figura ao lado das hype- remias entre *as lesões mais communs nas choréas mortaes. Na observação de Senhouse Kirkes (1850) o amollecimento só era manifesto no cerebello. Nas de Thompson e Ingleby a abobada dos 3 pilares e o septum lucidum participavão do procasso de necrobiose que affectava igualmente a substancia das circumvoluções. Estas em 6 observações representão a sede principal da lesão (Malherbe, Monckton, Tuckwell (3), Stabell). O corpo estriado é indicado por alguns auctores e a observação de Kelly é particularmente curiosa, porque os 2 núcleos estavão amollecidos, havia thrombose das pequenas artérias sem embolia, e degenerescencia dos capillares. A causa do amollecimento nem sempre foi encontrada, entretanto pathologistas taes como Tuckwell, Stabell, Gray, Ogle, Murchinson, Kelly, Dickinson, Huglings-Jackson, referem factos em que com o foco necrobiotico havia obturação vascular, thrombose ou em- bolia. Tuckwell juntamente com o amollecimento vermelho do lobo posterior do hemispherio direito vio um coagulo embolico no ramo da cerebral posterior que irrigava a zona amollecida. Gray en- controu embolia na vertebral, no tronco basilar e na cerebral média. Dickinson achou coágulos nos vasos da base do cérebro. O caso referido por Stabell (1871) merece especial menção, porque o exame necroscopico foi cuidadosamente feito : tratava-se de um individuo 65 em que os movimentos choreicos forão acompanhados de endocardite e que veio a fallecer 14 dias depois da manifestação d'esta. A au- tópsia revelou a existência de embolia na carótida interna esquerda, na artéria do corpo calloso e na sylviana. A obliteração embolica dos vasos sanguineos é pois menos vezes observada do que o amollecimento; dos 14 casos referidos pelo Snr. Raymond, só em 5 é assignalada a occlusão vascular. Muitos dos auctores que não conseguirão descobrir a partícula obturadora acreditão que, quando esta não é visível, não se pôde dizer que não tenha existido, mas sim que um processo de absorpção do coagulo obturador (Bamberger e Hasse), ou a atrophia total da artéria (Meissner) é provavelmente a causa de sua ausência; elles apoião tal asserção na existência de lesões cardiacas em quasi todas as autópsias. Analysando o mappa do Snr. Raymond verificamos que das 14 observações em que se nota o amollecimento 4 em^q«e são mencionadas as vegetações da válvula mitral,^só em duas ha alte- rações para o coraçãoGNas outras três o estado do coração não é indicado. ^^ V Degenerescencia. — Sclerose. — Outras alterações não mais de caracter passivo como as embolias, porém de caracter activo ou irritativo, figurão na anatomia pathologica da choréa. A autópsia feita por Elischer em 1875 é transcripta por todos os auctores: proliferação nuclear nas cellulas da insula, espessamento do tecido conjunctivo e desenvolvimento da túnica adventicia dos pequenos vasos no corpo estriado, degenerescencia gordurosa e pigmentaria das cellulas dos gânglios centraes. Este caso de Elischer pertence a uma choréa gravidica que attenuou-se depois do delivramento, sendo em seguida exacerbada pela endo-metrite e a morte consecutiva a peritonite puerperal. Na doente de Meynert foi um traumatismo insignificante em um dos dedos a causa determinante da moléstia, que terminou fa- talmente d'ahi a 3 mezes; na autópsia encontrou-se intumescencia hyalina de grande numero do cellulas da camada cortical com dege- nerescencia do protoplasma, proliferação do tecido conjunctivo na M<0 6 66 insula de Reil, nos gânglios opto-estriados, nos tuberculos quadri- gemios e ao redor do aqueducto de Sylvius. Nas autópsias praticadas por Dickinson, o auctor que as possue em maior numero — 20, duas vezes a sclerose foi encon- trada : placa de sclerose na base, sclerose nas zonas irrigadas pelas cerebraes. Além d'estas lesões — hyperemia, amollecimento e encephalite chronica — que são as mais freqüentes, outras são apontadas a titulo de raridades. Assim é que Kelly juntamente com o amollecimento dos corpos estriados, encontrou um pequeno kysto sanguineo superficial. Fox assignala em uma choréa consecutiva á emoção violenta um derrame sanguineo na cavidade arachnoidiana; Steiner o cedema cerebral e derrames serosos nos ventriculos; Peacock grande quan- tidade de serosidade na cavidade da arachnoide e principalmente nos ventriculos; Boscredon depósitos calcareos nos plexus choroides; Weir e Aitkin o augmento de volume do hemispherio cerebral es- querdo, o augmento de densidade no lado opposto. Estas ultimas inspirão pouca confiança, na época em que forão feitas a histologia cerebral mal era conhecida. Medulla. — As alterações medullares são mais raras e quando existem póde-se dizer que em metade dos casos são análogas ás do cérebro. Das 80 observações reunidas pelo Snr. Raymond, em 31 notamos lesões medullares e 15 vezes o processo mórbido é o mesmo que no encephalo. Em certos casos, raros é verdade, o cérebro conserva a sua integridade. Dickinson aponta o amollecimento cervico-dorsal em um caso que elle com certa hesitação considera de choréa, Thompson a hyperemia e Ogle o amollecimento em diversos pontos das regiões dorsal e cervical. Fuller, Kirkes, Henry Thompson (2 obs.), Steiner (2), Ogle (3), Roger, Cartier (2), Dickinson (6), encon. trarão a hyperemia meningo-miellitica ao mesmo tempo que o pro- cesso congestivo cerebral. Malherbe, Hine, Tuckwell, Dickinson referem o amollecimento medullar com ou sem a necrobiose cerebral. Na sua observação Elischer, além da proliferação conjunctiva no 67 cérebro, notou hyperplasia cellular na túnica dos vasos, bem como degenerescencia na substancia gelatinosa de Rolando e na porção superior da medulla. Rokitansky, Demme, Eisenmann e Golgi observarão a sclerose. Os focos hemorrhagicos estão entre as lesões medullares mais freqüentes, mais mesmo que no encephalo. Russel vio a olighemia. Steiner em 2 casos encontrou igual modificação e serosidade no canal central; Dickinson o oedema dos cordões anteriores, etc. As lesões medullares mais encontradas são pois — hyperemia, amollecimento, sclerose e hemorrhagias. Nervos periphericos. — São mui pouco conhecidas as modifi- cações que a choréa provoca na structura dos nervos. Elischer viu os vasos do nevrilema congestionados, o que concorda perfeitamente com a theoria de Triboulet sobre a localisação da choréa nos nervos sensitivos. Coração. — De todas as lesões, as do coração são as mais freqüentes, mais mesmo que as alterações orgânicas dos centros nervosos. As incrustações calcareas e os depósitos fibrinosos nas válvulas mitral e aortica se apresentão em muitas autópsias; no mappa de Raymond, 44 vezes é referido o estado anormal do orifício auriculo ventricular esquerdo, consistindo em insuficiência ou adherencia das válvulas, ou apenas em vegetações sobre as su- perfícies valvulares. Vem em seguida a insuficiência aortica, acom- panhada quasi sempre de depósitos friaveis sobre as sigmoides 14 vezes. Em 3.° lugar figurão as alterações para o lado do peri- cardio : symphise 7 vezes, derrame 4 vezes e concreções 2 vezes. No coração direito, em 8 casos, estão mencionadas as vege- tações, adherencias e insuficiências. São, pois, lesões mui com- mummente encontradas nas autópsias; as granulações e os depósitos fibrinosos mais ou menos adherentes ás superfícies valvulares con- stituem quasi sempre os únicos elementos pathologicos. As lesões vistas nos outros órgãos merecem pouca im- portância e poderão ser attribuidas a affecções intercurrentes ou a moléstias anteriores á choréa. A degenerescencia amyloide dos rins 68 e do fígado, o estado granuloso dos rins, os enfartus renaes, a tuberculose e o cedema pulmonar, as adherencias da pleura, etc, se achão incluidas n'esse grupo. Quaes as conclusões que podemos tirar do exame d'estas lesões tão numerosas, tão diferentes e, o que é mais, encontradas em outras moléstias que nenhuma semelhança têm com a choréa ? A confusão que domina a anatomia pathologica da choréa só nos auctorisa a afirmar que o substratum anatômico ainda não é conhecido, que a moléstia tanto depende do cérebro como da medulla, e que as lesões, se existem, por ora ainda illudem a perspicácia dos investigadores. A ousadia de alguns auctores, que não poderão manter a reserva perante a duvida, e cuja imaginação a incerteza estimulava, descobriu na variedade das condicções patho- logicas que mencionamos alicerces sólidos para theorias inabaláveis. Não menos de 7 conhecemos: a da embolia, a dyscrasica, a da irritação dos gânglios encephalicos, a psychologica, a da hyperme- tropia, a de Hayden ou da instabilidade das cellulas nervosas e a de Triboulet. D'estas, algumas nem merecem as honras da critica, outras porém, falsas em absoluto, verdadeiras em alguns pontos, dão margem a amplos debates e a discussões apaixonadas e ve- hementes. A theoria ingleza principalmente, tão seductora e tão calorosamente defendida por Jackson, occupará particularmente a nossa attenção, porque não nasceu num gabinete de estudo, mas na mesa da autópsia. Do embolismo capillar A theoria do embolismo capillar é obra dos médicos de Ingla- terra; foi ahi que nasceu, que despertou o maior enthusiasmo e que ainda é sustentada com ardor. Bright estudando as relações do rheumatismo com a choréa, 69 estabeleceu o 1.° ponto capital, que os seus successores erigirão em lei. Bright acreditava que a diathese rheumatica possuia apenas influencia indirecta sobre a manifestação da choréa, que esta devia ser subordinada, não ao rheumatismo articular ou ao rheu- matismo cerebral, mas á phlegmasia das serosas cardiacas, e que, se o rheumatismo constituía um factor importante na sua etiologia, era simplesmente porque representava uma causa de endocardite e de pericardite. Senhouse Kirkes, alguns annos depois, pronunciou-se no mesmo sentido e estabeleceu as bases da theoria ingleza, que pouco a pouco foi tomando corpo, sofrendo algumas modificações, até que Jackson veio completal-a. Eis em que consiste o embolismo capillar: Diversas autópsias têm demonstrado que as lesões cardiacas valvulares são de uma freqüência tão notável, que excedem os limites da coincidência e indicão claramente uma ligação bastante estreita entre a affecção nervosa e o órgão da circulação. Esta connexão é demonstrada pela anatomia pathologica: as lesões en- contradas no systema nervoso, especialmente no cérebro, attestão a intervenção de um elemento mórbido trazido ao centro principal da innervação pela circulação sanguinea; este elemento perturbador é uma partícula de fibrina, uma granulação, um pequeno fragmento que a columna liquida destaca das superfícies valvulares. Levado para a região opto-striada, a partícula é detida no interior dos vasos que alimentão os núcleos centraes e constitue assim um embolo. O systema de vascularisação do corpo estriado e da camada óptica não permittindo que uma circulação supplementar se faça, pois que as experiências de Duret e Heubner provão que as artérias es- triadas internas e externas (lenticulos estriadas e lenticulos ópticas) não se communicão por meio de anastomoses, resulta que a embolia no corpo opto-striado é seguida de eschemia e depois de amollecimento de uma zona limitada. Se a embolia dá-se num ramo de certo calibre, ou se é múltipla, os phenomenos que a de- nunciâo, isto é, a choréa, são intensos e mesmo mortaes, o que ó raro; se é num capillar ou numa arteriola que tem lugar a ob- 70 strucçao, os symptomas não se revestem de gravidade e a moléstia cessará logo que a lesão seja reparada. A theoria constituio-se pouco a pouco, dissemos. Com effeito, Senhouse Kirkes apenas aventou a idéia do amollecimento por embolia, sem precisar a sua sede, suppondo que o encephalo só, a medulla só, ou ambos pudessem apresentar a necrobiose causa- dora da chcréa. Broadbent preoccupou-se pouco com o meca- nismo da lesão ou com sua causa, limitou-se a uma tentativa de localisação e foi no corpo opto-striado que presumiu a sede dos movimentos choreiformes. Quanto á lesão, evitou o exclusivismo de Hughlings Jackson, que via no amollecimento embolico a condição pathogenica indispensável; para Broadbent, tanto o embolismo capillar coma as hemorrhagias ou os tumores podião determinar a choréa, desde que o corpo striado ou as camadas ópticas fossem as partes lesadas. Jackson, reunindo as observações de Kirkes e de Broadbent, fundou definitivamente a theoria da embolia. Emquanto que Tuckwell apenas affírmava que nas choréas mortaes a existência de vege- tações nas válvulas do coração era fácto freqüente e que estas destacando-se podião causar focos de amollecimento na medulla ou no cérebro, Jackson sustentava que esse amollecimento era cons- tante, devido a uma occlusão embolica das ultimas ramificações arteriaes na região opto-striada. Russell, Fox, Gray Ogle e na In- glaterra, Frerichs e Kretschmer na Allemanha, adoptárão a dou- trina de Hughlings Jackson e trouxerão novos factos que a firmarão e lhe dérão mais prestigio. Vejamos quaes os argumentos pró e contra e o que devemos pensar acerca de tal supposição; exarainemol-a no terreno da ana- tomia pathologica, da clinica e da physiologia experimental. Os principaes argumentos em favor do embolismo capillar são : 1.°, a freqüência da fôrma unilateral da choréa; 2.°, a dissemelhança entre os movimentos choreicos e os movimentos reflexos; 3.°, a anes- thesia no lado da hemichoréa; 4.°, dados anatômicos. 1.° É exacto que a fôrma unilateral da choréa é muito commum, mas o facto poderá ser contestado, se tomarmos a expressão em 71 todo o seu rigor; na dansa de S. Guido os movimentos exclusiva- mente limitados á um só lado raras vezes se observão, quasi sempre o que ha é a predominância d'elles em um, sem que o outro deixe de apresentar contracções involuntárias, posto que muito menos intensas. 2.° Os movimentos incoherentes da choréa não têm os mesmos caracteres que os de origem reflexa, dizem Jackson e seus adeptos. Cumpre porém notar que a principal diferença que estes procurão estabelecer não é verdadeira; elles affirmão na nevrose a acção cohibitiva da vontade, e é o inverso que tem lugar : a ataxia choreica exacerba-se durante os actos voluntários, assim como quando se dirige a attenção dos doentes para os seus movimentos. 3.° As modificações de sensibilidade, entre as quaes está a anes- thesia, são mais pronunciadas no lado do corpo mais agitado, e na hemichoréa unicamente n'aquelle que está affectado, o que parece indicar a intervenção da acção cerebral, porque é nas lesões ce- rebraes que as perturbações da sensibilidade e da motilidade se manifestão no mesmo lado do corpo, emquanto que nas lesões me- dullares unilateraes estes phenomenos são alternos; assim na he- miplegia spinal de um lado ha paralysia e ás vezes hyperesthesia e no outro anesthesia. Mas não devemos, diz Jaccoud, comparar as lesões que produzem a paralysia com aquellas que só modificão a coor- denação, sem perturbar a transmissão motora. Apezar da observação do illustre professor, acreditamos que a choréa não perturba somente a coordenação dos movimentos, visto que algumas vezes é causa de paresias mais ou menos extensas e que já referimos na symptomatologia. Se tivermos de admittir uma alteração me- dullar esta deverá não só modificar a coordenação, como também em certos casos a transmissão das excitações centrífugas. Discutindo a pathogenia da choréa vulgar, dansa de S. Guido, convém ter muita reserva para com os argumentos tirados da ob- servação das fôrmas ditas parciaes ou unilateraes, que quaii sempre não são mais do que estados choreiformes dependentes de lesões cerebraes, bem conhecidas e differentes do embolismo (hemorrhagias na cápsula interna, atrophia do cérebro, etc). O estudo que mais 72 adiante faremos sobre essas hemichoréas symptomaticas nos mos- trará que nas modernas pesquizas feitas por Charcot não encon- tramos provas favoráveis á doutrina do embolismo, mas somente dados relativos á localisação das lesões hemorrhagicas na zona opto-striada. Assim, pois, o argumento tirado da sede da anesthesia na fôrma unilateral da choréa só poderá estabelecer uma pre- sumpção em favor de uma localisação cerebral. Para que a theoria do embolismo capillar constituísse uma verdade seria preciso provar: 1.°, que a embolia representava sempre o ponto de partida da moléstia, uma causa constante; 2.°, que o corpo opto-striado era a parte lesada. Examinemos se- paradamente cada uma d'estàs proposições. l.° A occlusão capillar será uma lesão constante ? De modo algum. Em autópsias muito cautelosas, diversos auctores nada acharão de semelhante ás embolias, e entretanto já ião prevenidos, e talvez convencidos de que as encontrarião. Barnes, Spencer, Lawson Tait só conseguirão obter dados contrários á doutrina ingleza, já porque nas suas investigações microscópicas não descobrissem partícula alguma embolica, já porque no coração não verificassem as con- dições necessárias para a producção d'estas. O mesmo succedeu a Ogle, que em 16 autópsias, seis vezes viu as válvulas cardiacas em perfeito estado, isentas de vegetações. Steiner, nos três exames cadavericos que fez, só uma vez notou no coração alterações que podião dar lugar a obstrucções embolicas, a endo-pericardite. As observações mais modernas de Dickinson praticadas recen- temente—1876, depõem no mesmo sentido. Em 20 necropsias nunca encontrou a embolia, posto que em quasi todas tivesse visto a hyperemia cerebral, principalmente no corpo striado ; porem affirma que as granulações limitadas e regulares da válvula mitral, que são assignaladas em 16 autópsias, não tinhão o caracter dos exsu- datos fibrinosos que se destacão e não podião determinar embolias. Remontando ás observações mais antigas veremos que, se Kelly menciona a trombose das arteriolas do corpo striado, Gray a em- bolia da vertebral e da cerebral media, Stabell a embolia da artéria 73 do corpo calloso e da sylviana, Murchison a obstrucção embolica da carótida interna esquerda, Tuckwell coalhos fibrinosos na cerebral posterior, os outros investigadores não tiverão a mesma felicidade, mas reconhecerão lesões muito diferentes, umas nos núcleos centraes e outras na superfície cortical. Como pois conciliar uma theoria que pretende tudo explicar admittindo embolias múltiplas nos pequenos vasos, com os resul- tados negativos da maior parte das autópsias ? Jackson appella para a absorpção do embolo, mas quem acreditará n'estas absorpções múltiplas e completas ? Como suppor embolias quando durante a vida a escuta do coração nada de anormal indica e depois da morte o endocardo não apresenta alteração alguma ? Admittida uma lesão orgânica produzida por embolias, as reincidências deverião ser mais graves que a primeira manifestação da moléstia; ora isto não tem lugar e a clinica mostra que a medida que ellas se repetem vão perdendo de violência. Como por meio do embolismo capillar dar a razão da freqüência da choréa na infância e a sua raridade nos adultos ? De que modo explicar as choréas determinadas pela imitação ou pelas emoções em individuos que até então gosavão de boa saúde ? Não podemos pois acceitar a theoria ingleza quanto a na- tureza da lesão, vejamos agora quanto á sede. O corpo opto-striado terá sob sua dependência exclusiva os movimentos choreicos ? Não e por diversos motivos^ 1.° Porque a fôrma mais commum da choréa é a bilateral, o que só teria lugar segundo a theoria, quando se dessem obliterações embolicas ao mesmo tempo nos dous lados do cérebro, e nos dous corpos striados, o que é muito problemático. 2.° Porque na choréa unilateral o lado esquerdo é mais vezes affectado que o direito, o que significaria que as embolias no lado direito do cérebro serião mais freqüentes que no esquerdo. Ora é o contrario que a anatomia prevê e que a observação quotidiana nos ensina. 3.° Porque na choréa geral a predominância das contracções no 74 lado esquerdo faria igualmente suppor lesões mais extensas, oblite- rações mais numerosas no lado direito, o que é pouco provável. 4.° Porque a terminação pela morte é facto raro, e se a choréa fosse a conseqüência de lesões dos corpos striados teríamos de admittir uma grande tolerância da parte d'estes gânglios e a curabilidade de quasi todas as embolias. E exacto que em algumas autópsias pode-se observar focos de amollecimento datando de muito tempo, mas este é então acompanhado de perturbações funccionaes perma- nentes e paresias persistentes, emquanto que na choréa são pouco duradouras as paresias e também transitórias. Entretanto Charcot affirma a benignidade relativa das lesões limitadas á substancia dos núcleos cinzentos, o caracter transitório, passageiro e pouco accusado da hemiplegia ligada ás alterações circumscriptas d'esses gânglios, em conseqüência, provavelmente, de uma espécie de substituição funccional entre as diversas partes do núcleo caudado, ou entre este e o lenticular. (*) Forçoso é confessar que as paralysias dos choreicos tem o mesmo caracter, mas como explicar assim as paresias de um só membro, as monoplegias que não são raras na choréa, quando é o mesmo Charcot quem diz que os symptomas que acompanhão taes lesões são os da hemiplegia cerebral vulgar? 5.° Ha casos em que a desordem motora só existe nos membros ao passo que a musculatura da face conserva a sua harmonia func- cional, o aspecto da physionomia nada apresenta de anormal. A theoria da embolia certamente não poderá dar uma explicação plau- sível do facto. 6.° Se a participação da sphera cerebral nos movimentos cho- reicos é confirmada pela experiência de Rosenthal, podemos dizer que a influencia medullar tornou-se incontestável depois das inves- tigações experimentaes feitas por Chauveau, Legros, Onimus, Car- ville, Bert, Longet. A experiência praticada pelo Sr. Rosenthal no Instituto de Vienna foi á seguinte : Em um cão que tinha movimentos choreiformes fez uma injecção de grãos de pollen na carótida interna esquerda (com o fim de pro- (*) Charcot. Localisations dans les maladies du cerveau, pg. 99. 75 duzir uma embolia cerebral.) Desde então o animal não poude mais levantar-se, nem mudar de lugar e comtudo, apesar da abolição dos actos voluntários as contracções incoerciveis adquirirão maior in- tensidade se produzirão nas palpebras e na cauda. Dous dias depois a morte teve lugar e na autópsia encontrou-se encephalite do lobulo anterior esquerdo, amollecimento do corpo striado esquerdo, embolias nos ramos da sylviana esquerda, e pelo exame microscópico, núcleos de proliferação conjunctiva. Rosenthal conclue de sua experimen- tação que as perturbações determinadas na circulação cerebral, sus- pendendo o funccionalismo dos gânglios motores, augmentarão os movimentos choreicos por irritação dos centros de coordenação, situados no meso-cephalo e no cerebello. Mesmo sem esta expe- riência a intervenção do cérebro já estaria provada pelos factos que a observação quotidiana nos fornece, taes como o da influencia das excitações psychicas como causas determinantes ou exacerbantes dos movimentos, o da hemi-anesthesia sensorial e cutânea nas hemi-choréas (observações de Moynier, etc.) O papel da medulla na ataxia choreica é demonstrado pelas experiências feitas em cães. Se é exacto que não podemos esta- belecer identidade entre a choréa do homem e a dos animaes, os dados da medicina comparada não devem ser despresados. A se- melhança entre os symptomas descriptos por Carville, Gowers e Sankey, Jackson, Verheyen, Barrier, Goubaux e outros veteriná- rios, com os que observamos na espécie humana são taes que, se não demonstrão positivamente a choréa nos cães, tornão possível e mesmo provável a sua existência. Aquelles que procurão evitar os argumentos tirados da phy- siologia experimental appellão para a constância das lesões cerebraes na choréa dos animaes, o que lhe tiraria a apparencia de nevrose e transformal-a-hia em uma affecção diferente da dansa de S. Guido. O facto talvez seja verdadeiro, mas Putmann recentemente publicou no Boston Medicai Journal (1879) duas observações de choréa em gatos com resultados nullos na autópsia. Em summa, assim como os movimentos epilépticos provocados nos animaes constituem uma fonte de esclarecimentos para a pathologia humana, 76 o estudo experimental dos movimentos choreiformes pôde também lançar alguma luz sobre a pathogenia da choréa. As experiências de Chauveau consistirão em seccionar a me- dulla. Em um cão que apresentava movimentos choreiformes cortou transversalmente a medulla ao nivel do espaço que separa o occipital da primeira vertebra cervical; o animal não morreu logo e viveu ainda durante 3 horas. Chauveau concluio que eliminada a acção cerebral a agitação persistia e que o animal vivia porque as con- tracções choreicas, diz elle, entretinhão a respiração. Em outro animal Chauveau seccionou a medulla no espaço occipito-altoidiano, ao mesmo tempo que para impedir a asphyxia praticava a respiração artificial — os movimentos continuarão. Outra secção foi feita entre as duas ultimas vertebras dorsaes e a agitação cessou completamente. Morto o animal verificou que as secções tinhão sido bem pra- ticadas e não encontrou outras lesões nem nas raizes nervosas, nem na medulla. As experiências de Bert forão mais minuciosas. Em uma serie de animaes que appresentavão movimentos choreiformes, o professor da Sorbonne procurou saber se estes tinhão sua causa nos músculos, nos nervos ou na medulla. Seccionou primeiro os nervos e cessando a agitação concluio que a choréa não era idio-muscular. Cortou em seguida as raizes posteriores — os movimentos continuarão, o que indicava que a moléstia não dependia de modificações do systema nervoso peripherico. Restava unicamente o eixo medullar. Bert tratou de verificar qual o ponto que presidia ás convulsões de uma região dada, se este achava-se próximo da raiz posterior compe- tente ou não, se no mesmo lado da medulla ou no opposto. Para isto seccionou o eixo medullar abaixo da origem dos phrenicos e nenhuma mudança notou no estado choreiforme. Seccionou entre a 3.a e 4.adorsaes e obteve a pirada momentânea das contracções musculares, que reapparecerão depois. Em seguida praticou um corte mediano longitudinal, destruio o cordão posterior — effeito nullo ainda. Considerando então estes resultados e attendendo a suspensão dos movimentos sob a influencia do chloroformio, e a sua exaltação 77 por meio da strychnina, concluio collocando nas cellulas que pre- sidem á sensibilidade a sede da affecção. Legros e Onimus repetirão e confirmarão as experiências de Chauveau e Bert e assignalarão outro facto de alta importância: que os movimentos só cessão completamente quando o segmento posterior da medulla é totalmente destruído pela excisão dos cordões e cornos posteriores, o que eqüivale a dizer que estão sob a depen- dência das cellulas d'essas zonas, ou das fibras do systema inter- mediário dos arcos diastalticos. Gowers e Sankey observarão, ao contrario dos auctores pre- cedentes, que a secção da medulla era seguida de parada completa dos movimentos; longe porém de explicar o facto pela falta de influxo cerebral, considerarão o traumatismo como a causa única da mudança que se apresentava. Não pretenderão eliminar a influencia da medulla, tanto mais que n'ella encontrarão lesões indicativas de uma affecção desse centro de innervação. A experimentação prova pois que a medulla exerce um papel considerável na producção da desordem choreica, e ella está de accôrdo com a observação clinica. As dores dorsaes expontâneas ou pro- vocadas pela pressão, indicadas por Stiebel, os pontos dolorosos no trajecto dos nervos estudados por Triboulet, são phenomenos que correm por conta da medulla. Uma localisação no cérebro ou exclusivamente no corpo opto- striado é, a vista do que temos dito, insustentável perante a phy- siologia e a anatomia pathologica; e a 2.a parte da doutrina da embolia como a primeira não pôde vencer as objecções numerosas que suscita. A theoria do embolismo capillar, apezar dos esforços que Hughlings Jackson tentou em sua defesa perdeu o prestigio com que inaugurou-se, prestigio que Dickinson na Inglaterra, Ziemssen na Allemanha e Jaccoud em França aniquilarão completamente. Se porem o embolismo capillar como theoria geral não deve ser acceito, temos comtudo de confessar que alguns casos, poucos é ver- dade, lhe são favoráveis, principalmente no que se refere á localisação nos corpos striados; taes são aquelles em que a incoordenação é acom- 78 panhada de paresia ou de anesthesia e predomina em um dos lados do corpo. Em summa: Acreditamos com Ziemssen, Jaccoud e Cyon que a choréa pôde ter sua sede em todo o systema nervoso, sede que varia com a difusão dos symptomas. Com effeito como admittir para a choréa uma sede fixa quando a mobilidade dos symptomas ahi está para protestar? Como suppôr que a choréa que só affecta os músculos dos membros tem a mesma localisação anatômica que aquella que lança também a desordem na musculatura da face e acarreta perturbações da ideação, manifestações delirantes, accessos de mania ? Não será mais racional admittir que no 1.° caso os centros pathogenicos occupem a medulla cervical e lombar, que no 2.° os centros da innervação facial e dos movimentos oculares, os gânglios cen- traes do cérebro e finalmente as camadas cinzentas das circumvo- luções participem da influencia morbigenica ? Quanto á lesão pouco sabemos de positivo, o substratum anatômico da choréa ainda nos é desconhecido, e a ausência de alteração material apreciável na maior parte dos casos nos autorisa a concluir que a choréa de Sydenham, como a choréa de hoje é uma nevrose, — e a influencia rheumatica não exclue a choréa da classe das nevroses. Pouco diremos sobre as outras theorias, umas condemnaveis em absoluto, outras admissíveis em alguns casos. Entre as ultimas collocaremos as da discrasia e da irritação; entre as primeiras as da nevropathia dos nervos sensitivos, a da hypermetropia, a de Sturge e a da instabilidade nervosa. A theoria óptica devida á Stevens dAlbany faz depender a choréa de um vicio de accommodação, da hypermetropia que daria lugar á sensações confusas e errôneas, pois que n'estas condições o foco dos raios parallelos vae se formar além da retina. De con- formidade com essa idéia o auctor aconselha como base do trata- mento não os agentes therapeuticos porém os meios tão simples de corrigir a hypermetropia, causa única da moléstia; encurtar a ex- 79 tensão do diâmetro antero-posterior do globo ocular tal deveria ser a indicação mais urgente, indicação facilmente realisavel com as lentes bi-convexas ou convergentes. A instabilidade nervosa, concepção ousada de Hayden, também representa uma hypothese absurda, contraria aos preceitos da phy- sica. Hayden suppõe que nos movimentos de attracção e repulsão das cellulas nervosas da medulla e do encephalo, no deslocamento contínuo de partículas sólidas em um meio solido, está a verda- deira causa das contracções involuntárias e dos movimentos des- ordenados. Estas duas theorias dispensão qualquer critica, não a merecem. Sturges, que tanto tem escripto sobre a choréa, pretendeu esclarecer a pathogenia desta moléstia com uma hypothese que prima pela obscuridade. Ao lado da choréa rheumatica elle admitte a choréa espontânea, de origem intellectual e argumenta com di- versas estatísticas, que em sua opinião mostrão na etiologia da nevrose as emoções figurando maior numero de vezes do que o rheumatismo. Para explicar a sua theoria, Sturges faz a seguinte comparação: « quando um indivíduo se acha em certo estado de excitação intellectual, um orador exaltado pronunciando um dis- curso de polemica, ha quasi sempre alguma exageração ou mesmo incoordenação nos movimentos ; nas creanças que teem a impres- sionabilidade nervosa muito mais accentuada, as emoções menos vio- lentas determinarão os mesmos effeitos. » Tal é ponto de partida da theoria psychologica. Triboulet e seus discípulos — Rousse, Mohamed-Said, Cartier— são apologistas da localisação não mais no cérebro ou na medulla, porém no systema nervoso peripherico, e denominão a sua theoria — nevropathia dos nervos sensíveis cerebro-spinaes. Quando estudamos os symptomas vimos que esses auctores forão os primeiros a assignalar no trajecto dos cordões nervosos pontos dolorosos, semelhantes á aquelles que Valleix indicou para as nevralgias; baseando-se n'esse facto e considerando as analogias que apresentão os movimentos choreicos com os que correm por conta do poder excito-motor da medulla, Triboulet estabeleceu 80 a sua theoria: — que é nos nervos sensitivos que a choréa tem sua sede, e que a nevropathia consiste provavelmente em uma fluxão san- guinea, como a que se faz para as synoviaes no rheumatismo ar- ticular. Tal theoria não tem ao seu lado a verdade dos factos. Ella funda-se na existência dos pontos dolorosos que, como já dissemos, tem sido exagerada, pois que não se verifica em muitos casos. Na choréa rheumatica Triboulet explica a congestão para os nervos por phenomenos de substituição, por um antagonismo entre a dôr provocada e a incoordenação muscular, de um lado, e as complicações articulares de outro, por uma metastase em summa. Mas como adoptar estes phenomenos quando o rheumatismo precede de muito tempo a choréa? Como explicar as perturbações psychicas tão salientes se a moléstia residisse unicamente nos nervos sensi- tivos ? Finalmente, como sustentar a theoria nos casos em que a nevrose nenhuma relação tem com o rheumatismo e desenvolve-se sob a influencia de um abalo moral, de uma emoção ? Theoria dyscrasica. — É também denominada franceza por opposição á da embolia ou ingleza; ella faz depender a nevrose de uma alteração do liquido sanguineo, da anemia que, quando não precede a choréa, é uma de suas conseqüências inevitáveis. Estudando a etiologia vimos a importância que tinha a chloro-anemia: quando o vicio rheumatico não existe, os auctores procurão no em- pobrecimento sanguineo a condição pathogenica da moléstia, e o rheumatismo por sua vez é uma causa muito conhecida de anemia. Sée, que dá tanto valor á diathese não a colloca entretanto entre as causas mediatas. Bouchut e Cyon declarão-se mais cabalmente e vêem na hypoglobulia a causa da affecção, que Dickinson filia á irritação mental ou reflexa, ou á hyperemia cerebro-spinal, in- dicativa de uma predisposição mórbida provavelmente humoral (Raymond). A theoria discrasica é verdadeira em muitos casos, nos quaes não se pôde contestar o papel da alteração sanguinea no desenvolvimento da choréa, pois que é a única circumstancia para que então poderemos appellar; é ainda contra ella que dirigimos uma das medicações 81 que mais proveito dá — a medicação tônica. Porque mecanismo a discrasia provoca os movimentos choreicos ? Raymond acredita que a mesma relação que existe entre as alterações do sangue e os elementos sensitivos pôde ser estabelecida para os centros motores, e que se a anemia produz phenomenos de sensibilidade (nevralgias) também pôde perturbar a motilidade. Finalmente, para terminar resta-nos a theoria da irritação dos centros nervosos, hypothese que tudo abrange e nada explica. Originou-se de um facto que algumas autópsias provarão — o caracter irritativo ou activo de certas lesões, — emquanto que a theoria in- gleza reconhece como ponto de partida as lesões da embolia, lesões de caracter passivo. Dickinson attribue a choréa á hyperemia cerebro-espinal, Mey- nert, Elischer e Rokitanski á encephalite chronica. Essas lesões, entretanto, parecem antes a conseqüência do que a causa da moléstia, o effeito da irritação funccional dos centros nervosos. Os exames necroscopicos feitos por Dickinson confirmão tal opinião. Em uns, o auctor encontrou apenas a hyperemia, em outros, além da congestão, focos hemorrhagicos e ainda degeneres- cencia das cellulas nervosas, isto é, uma serie de processos mór- bidos, que guardão entre si a ordem de successão, e que se achavão em relação com a intensidade e duração da moléstia. Uma das autópsias foi bastante significativa: em uma creança que tivera por diversas vezes choréa o exame cadaverico mostrou ao lado de lesões simples, taes como a fluxão congestiva, outras mais adian- tadas — hemorrhagia, exudação e degenerescencia, aquella ligada provavelmente aos primeiros ataques, e estas aos últimos. Para terminar diremos que Jackson, que não consegue sus- tentar o embolismo capillar, attaca brilhantemente a hypothese da irritação quando diz que a choréa não pôde depender de um pro- cesso destructivo da substancia nervosa, pois que, para a producção de um movimento é necessário uma descarga nervosa e esta não se pôde fazer nos pontos em que outro tecido se tenha formado. Meo DIAGNOSTICO Dans Ia chorée Ia direction générale du mou- vement serait, dans 1'accomplissement des actes vo- lontaires, troublée dès 1'origine par des mouvements contradictoires, d'une étendue tout à fait dispro- portionnée et qui font manquer le but. (Charcot). 0 diagnostico da choréa é fácil. Não ha dificuldade em reco- nhecer essa affecção complexa do systema nervoso, que affecta a mentalidade, a sensibilidade e a motilidade ; o movimento choreico que a caracterisa é quasi um symptoma pathognomonico e unido a phenomenos de depressão intellectual e á perturbações menos constantes da sensibilidade, constitue um conjuncto mórbido que não permittirá duvidas. Se estes symptomas manifestão-se em uma creança, se ella tem entre os antecedentes as determinações rheu- maticas ou uma emoção violenta o diagnostico se impõe. Ha, com- tudo, certas moléstias que em um exame pouco attento poderião dar lugar a confusões, e que dividiremos em dous grupos: em algumas será o tremor a causa do equivoco, em outras a incoor- denação motora. Mencionaremos também a hysteria, a epilepsia, as dyskinéas locaes, as impulsões locomotoras systematisadas e as hemichoréas symptomaticas. De um modo geral diremos que o movimento choreico difere muito do tremor: ao passo que n'este os movimentos são regulares, rápidos, rhytmicos, de pequena oscillação e não impossibilitão as funcções dos membros; naquelle encontraremos a arythmia, uma amplitude muito maior, a persistência durante o repouso, a exa- cerbação sob a influencia da vontade e das impressões moraes. A paralysia agitante ou moléstia de Parkinson, cujo substratum 84 anatômico nos é completamente desconhecido, e que parece ter sua sede no bulbo e na protuberancia, é de todas as moléstias que teem entre os seus symptomas o tremor aquella que mais se approxima da choréa, porque este é continuo, manifesta-se mesmo durante o repouso e determina verdadeiros movimentos de deslocamento, im- pedindo a execução de actos delicados. Mas os outros symptomas da moléstia de Parkinson a distingui rão completamente da choréa. Assim na paralysia agitante, apezar da desordem apparente, os mo- vimentos teem certo rythmo e consistem ou em alternativas de flexão e de extensão, ou em movimentos de lateralidade que não se exagerão durante os actos voluntários; a cabeça não participa da tremulação geral, como bem o mostrou Charcot, e quando ex perimenta oscillações, estas são devidas a movimentos communi cados; ha lentidão ou demora nas respostas dos doentes; a marcha tem uma fôrma especial (de retro-pulsâo, pro-pulsão e latero-pulsão) e a necessidade incessante de movimento é muito freqüente. A physionomia do paralytico difere consideravelmente do choreico: a deste em poucos segundos exprime todas as emoções, a d'aquelle reveste-se da mascara da indiferença, e a immobilidade dos mús- culos da face dá-lhe um facies característico. Elles queixão-se de calor excessivo, sem que haja elevação da temperatura central. Finalmente, as contracturas e as deformações na moléstia de Parkinson accentuão ainda mais as diferenças entre as duas nevroses. O tremor alcoólico mesmo quando se generalisa e se estende aos lábios e á lingua não pode illudir. Quando o tremor é acom- panhado de contracções mais intensas alguns auctores denominão a esse estado choréa dos ebrios, posto que a semelhança com os movimentos choreicos seja diminuta. O tremor que se observa no delirium tremens é mais pronunciado, apresenta grandes oscillações e acarreta incerteza nos movimentos ; mas os outros symptomas (de- lirio, hallucinações, febre, insomnia, etc), esclareceráõ facilmente o diagnostico. O tremor senil affecta de preferencia os músculos do pescoço e da cabeça (tremor negativo ou positivo de Saunders) e depois 85 estende-se aos membros. Como o movimento choreico elle augmenta durante os actos intencionaes, mas cessa durante o repouso, o que os distingue. Sclerose em placas. — Examinando-se um doente de sclerose em placas disseminadas durante os actos da volição, nota-se alguma cousa que faz lembrar a agitação choreica. O tremor é com effeito um dos symptomas mais constantes da sclerose cérebro espinhal e ás vezes tão intenso, que perturba a marcha e os^exercicios ma- nuaes; como na choréa o doente levando á bocca um copo com água pôde entornal-a, principalmente quando este, chegando em contacto com os lábios, o tremor da cabeça choca-o de encontro aos dentes. Tal semelhança explica a denominação de choréa rythmica ou de paralysia choreiforme dada á sclerose multilocular. O dia- gnostico, porém, entre as duas moléstias é facillimo e o próprio movimento anormal oferece os caracteres distinctivos : na choréa as contracções incoerciveis são persistentes e continuas; na sclerose o tremor só se manifesta durante os actos voluntários, cessa completamente quando o doente está ém repouso. Só em casos raros o tremer rythmico persiste na ausência dos movimentos in- tencionaes, sob a influencia de excitações cerebraes, taes como as emoções (obs. de Valentiner-Frericks). Alem disto na sclerose cerebro-spinal a direcção dos movimentos é conservada e ha symptomas que varião conforme a sede das zcnas de myelite e de encephalite intersticiaes, taes são : o mystagmus ou tremor dos olhos, a amblyopia, a diplopia, a cephalalgia, as vertigens, a paresia e a contractura dos membros, os ataques apoplectiformes, etc. Ataxia locomotora. — A ataxia choreica é a ataxia do repouso, a ataxia tabetica é a ataxia do movimento, diz Jaccoud. Essa diferença bastaria para distinguir as duas affecções. O tabetico pôde suspender a sua ataxia e para isto basta que procure o estado de quietação e evite os movimentos; o choreico só perde a agitação durante o somno, e a obscuridade não a exacerba, em- quanto que a incoordenação do tabetico augmenta á medida que as impressões visuaes deixão de guiar a locomoção — a occlusão 86 dos olhos aggrava a asynergia motora. No tabes dorsalis encon tramos ainda symptomas que destruirão todas as duvidas : dores fulgurantes (terebrantes, constrictivas e lancinantes) na face, tronco e membros; formigamentos, hyperesthesias parciaes, amaurose, am- blyopia, crises gástricas, etc. Hysteria. — A choréa distingue-se facilmente da hysteria e se em ambas ha perturbações da intelligencia e da sensibilidade, os outros symptomas não são idênticos. O movimento choreico difere consideravelmente das convulsões clonicas e tônicas da hys- teria. Esta apresenta os phenomenos curiosos e instáveis que constituem o estado hysterico : anesthesias e hyperesthesias sen- soriaes e viceraes, contracturas parciaes (paraplégicas, hemiplegicas e monoplegicas) paralysias passageiras, ataques caracteristicos, estado mental especial, etc A confusão só poderá ter lugar quando na ausência de ataques anteriores, a hysteria manifestar-se por contracções clonicas, pas- sageiras, bruscas, de pequena amplidão. O diagnostico se estabe- lecerá com o apparecimento dos outros symptomas, ou ainda pela pouca extensão e rythmo dos movimentos. Ha, porém, uma fôrma de choréa denominada rythmica hysterica da qual mais adiante nos occuparemos. Deveríamos fazer o diagnostico da choréa distinguindo-a dos estados choreiformes dependentes de lesões cerebraes; guardamos, porém, o assumpto para quando tratarmos das hemi-choréas sym- ptomaticas. O mesmo faremos em relação á pseudo-choréas, hoje conhecidas com o nome de impulsões locomotoras systematisadas. Dos symptomas da choréa ha um cuja origem importa muito conhecer, porque d'ella depende a importante questão do prognos- tico. Queremos fallar das paresias nos choreicos. Quando o enfraquecimento muscular succede á choréa o dia- gnostico não é diíficil e, salvo grande desattenção, o medico subordinará logo aquella a esta. Se porém a paresia precede os movimentos caracteristicos da nevrose a solução torna-me menos 87 fácil, pois que a meningite tuberculosa, a diphteria, as moléstias agudas, a hysteria são ás vezes acompanhadas do mesmo pheno- meno; igualmente á paralysia infantil, á paralysia pseudo-hyper- trophica, ao mal de Pott, não raramente é filiada a paralysia que apenas prenuncia a choréa e que desapparecerá em pouco tempo. Em taes casos o diagnostico se faz por exclusão. Na choréa antes da paralysia ha um periodo prodromico em que se nota depressão intellectual, perversão do caracter, os doen- tes tornão-se irrasciveis, de uma desconfiança inexplicável. Na meningite as crianças, ao contrario, tornão-se mais dóceis e meigas e as paralysias, aliás irregulares e fugitivas, são precedidas de movimentos convulsivos acompanhados de contracturas, reacção febril, vômitos, cephalalgia continua e gravativa, aphasia, etc. Nas paralysias que succedem ás moléstias agudas o interrogatório esclarecerá o problema, pois que estas moléstias são geralmente graves e não passaráõ desapercebidas (febre typhoide, diphteria, variola). Quando é o rheumatismo articular agudo que tem sob sua dependência as paralysias o diagnostico apresenta algumas dificul- dades, porque as dores musculares precedem em alguns casos as manifestações características da choréa. A distincção basêa-se na mobilidade, irregularidade e rapidez do desapparecimento — « pondo de parte as cardiopathias, a paralysia rheumatica, diz Landouzy, é um fogo de palha que se ateia e se extingue sem deixar ruinas ». A paralysia infantil difere muito da paralysia choreica. O conjuncto de symptomas da paralysia spinal aguda atro- phica da infância é bastante eloqüente e positivo: invasão brusca, elevação rápida da temperatura, sobresaltos musculares, convulsões epileptiformes, paralysia que sobrevem geralmente durante a noite e invade a musculatura de todos os membros, ou somente dos membros inferiores; flaccidez e atrophia rápida dos músculos para- lysados, etc. Na choréa ao contrario não ha reacção febril, a paralysia se estabelece lentamente, é limitada a um membro ou toma a fôrma 88 hemiplegica, não é seguida de atrophia, nem tem a marcha da paralysia infantil, que depende de uma lesão dos cornos anteriores e cuja cura completa é excepcional. A paralysia pseudo-hypertrophica possue um quadro clinico característico : a attitude dos doentes na stação vertical (curvatura antero-posterior), a marcha, os artifícios de que se servem quando querem passar da posição horizontal á vertical, o enfraquecimento muscular coincidindo com a hypertrophia de certas massas muscu- lares e a atrophia de outras, etc, formão um conjuncto de sym ptomas que não se encontra na choréa paralytica. O mesmo diremos da paralysia do Mal de Pott e da para- lysia hysterica, cuja distincção é fácil. Prognostico. Pouco diremos a respeito do prognostico; os detalhes em que entramos quando tratamos da marcha e da terminação da moléstia, nos dispensão de novas considerações. A cura é a terminação mais freqüente, mesmo sem a inter- venção da therapeutica. Ha, porém, certas circumstancias que modificão o juizo prognostico e indicão que a affecção se reveste de alguma gravidade. Assim a persistência dos movimentos durante a noite impedindo o somno, a sua violência dificultando a ali- mentação e occasionando excoriações numerosas, as hallucinações e o delirio são symptomas desfavoráveis. As perturbações do rythmo cardíaco, o ruido de sopro que quando não é devido á anemia geralmente é a expressão de uma endocardite, e as rein- cidências freqüentes impõem mais reserva no prognostico. As moléstias febris e principalmente a varíola e o sarampão, na maioria dos casos apressão a terminação da choréa. Finalmente o estado geral merece grande attenção: emquanto as forças nutri- tivas não entrão em decadência a moléstia conserva o seu caracter de benignidade. A violência dos movimentos e o estado da nutrição dominão o prognostico, pois que quando a morte tem lugar, quasi sempre é ella devida ao esgotamento nervoso ou á inanição. TRATAMENTO A quantidade considerável de agentes therapeuticos indicados para o tratamento da choréa, a eficácia contestável de muitos d'elles, e a impossibilidade de uma apreciação exacta são factos que não devemos estranhar, pois que os encontramos em todas as nevroses; as divergências que vimos no estudo da anatomia pathologica faráõ vascular o espirito do clinico quando este quizer usar de uma me- dicação que possua os foros de racional. As estatísticas nada dizem ou se muito dizem, umas contrarião as outras; a observação clinica presta-se a todas as afirmações fornecendo ao mesmo tempo argumentos a favor e contra os diferentes methodos curativos; medicamentos que a pouco tempo erão julgados específicos, passão agora a figurar entre dos remédios empíricos, ou simplesmente nas paginas do histórico. Tal foi o successo da strychnina, que Trous- seau, o grande mestre, tanto aconselhava, e que Jaccoud nem se quer menciona, não só no seu livro de clinica como no moderno tra- tado de pathologia geral; e entretanto Trousseau, firmando-se nos resultados de uma longa pratica defendia com calor a medicação tetanisante. O mesmo destino teve o tartaro stibiado tão heróico nos doentes de Gillete, e hoje apenas indicado em circumstancias muito especiaes. O bromureto de potássio a que Gübler e Gallard davão preferencia, o medicamento quasi indispensável quando se procura attenuar o poder excito-motor do eixo medullar, é repel- lido por Ziemssen que o declara completamente inútil. A gymnastica, o recurso mais efficaz para G. Sée, aquelle que devemos recom mendar sempre que o permitta o estado do doente, é igualmente combatida por Ziemssen. 90 A multiplicidade dos medicamentos basta para attestar a in- suficiência dos recursos therapeuticos; a duvida e a desconfiança de que nem um só pôde eximir-se, nos mostrarão que quando o medico evita o empirismo, é a hypothese que o guia ou ainda a analogia. Não ha uma substancia anti-choreica, como não temos medicamento algum anti-epileptico. Felizmente muitas vezes a in- dicação causai é conhecida e o vicio rheumatico reclama a sua therapeutica especial; effectivamente quando os accidentes do rheumatismo agudo acompanhão os phenomenos nervosos, qualquer que seja o tratamento encetado com o fim de combater o elemento nervoso, o elemento rheumatico não deve ser esquecido e reclama a medicação apropriada. Tomando por base a acção therapeutica das substancias acon selhadas contra a choréa dividil-as-hemos em 4 grupos : 1.° Grupo. —Medicamentos que actuão sobre a motilidade, em- pregados com o fim de dominar a ataxia choreica augmentando ou diminuindo a contractilidade muscular, transformando o spasmo muscular em tonus ou attenuando-o regular e gradualmente; taes são a strychnina e a anilina, a eserina e o curare. 2.° Grupo.—Medicamentos dirigidos especialmente contra a medulla, que segundo a opinião mais corrente intervém pode- rosamente na producção das desordens choreicas : o bromureto de potássio, o oxido de zinco, a picrotoxina, as pulverisações com ether e applicações de gelo ao longo da columna vertebral, a ele- ctricidade, estão nesse caso. 3.° Grupo. — Um facto curioso no estudo da ataxia choreica é o seu desapparecimento durante o somno quer natural, quer artificial. Se, pois, em algum doente a agitação for tal que determine excoriações da pelle, que não permitta o somno natural e conseguintemente o repouso benéfico que só elle proporciona, será de grande conveniência o uso dos medicamentos hypnoticos, taes como o ópio, o chloral, o chloro- formio. 4.° Grupo. — Os agentes que formão este grupo não têm acção especial sobre esta ou aquella parte do systema nervoso, antes o seu fim é modificar o estado das forças do organismo, de- bilitando-o ou tonificando-o. Duas medicações oppostas são aconse- 91 lhadas: o arsênico, a hydrotherapia, os banhos sulphurosos e a gymnastica em uns casos, o emetico e os espoliativos em outros. Esta classificação, que é a de Dujardin-Beaumetz, não está isenta de critica, e mesmo só a admittiremos excluindo do 1.° grupo e incluindo no 2.° a strychnina e a anilina., qué se modificão as contracções musculares o fazem apenas indirectamente, pois que a acção primitiva é sobre a medulla cujo poder reflexo excitão. A physostigmina e o curare localisão seus effeitos, não no apparelho nervoso central mas nas terminações musculares dos nervos da motilidade. Feita esta pequena alteração preferimos a de Dujardin Beaumetz á de Barthez. l.° GRUPO 1.* Eserina. — A introducção da physostigmina, principio activo da physostigma venenosum, na therapeutica, data de poucos annos; até 1874 somente nos trabalhos de laboratório era mani- pulado o alcalóide descoberto por Jobst e Hesse, e ao qual Amadée Vée deu o nome de eserina. Martin Damourette tentou a primeira applicação clinica em um caso de tétano, sendo logo depois se- guido por Ph. Anger. As vantagens apregoadas por estes patholo- gistas, os excellentes resultados que dizião ter obtido no trata- mento de uma nevrose tão rebelde aos recursos da medicina, le- varão Bouchut a ensaiar a medicação pela eserina na choréa. Os resultados que a experimentação lhe deu em 437 doentes, dos quaes 24 choreicos, forão : 1.° que os effeitos physiologicos da ese- rina não erão no gênero humano os mesmos que nos animaes; 2.° que a acção do medicamento esgotava-se completamente no fim de 2 a 3 horas, sendo por isso necessário renovar a dose e em- pregar 20 ou 15 milligrammos durante o dia em 4 ou 5 vezes, pela via gástrica ou em injecções hypodermicas; 3.° que os effeitos therapeuticos do sulphato de eserina na choréa merecião toda attenção, porque provocavão geralmente a terminação favorável em 8 a 10 dias. A propaganda feita por Bouchut induziu á novas tentativas 92 que em pouco tempo dividirão as opiniões dos médicos, uns adop- tando-a, outros repellindo-a completamente. A clinica de Cadet de Gassicourt não foi favorável ao novo methodo de tratamento, e desde então começou a arrefecer o en- thusiasmo que Bouchut tinha despertado. As experiências forão feitas em quatro casos apenas, porém o auctor cercou-as de tanto rigor e de tanta cautela, que impõem e merecem toda a confiança. Para reconhecer os effeitos physiologicos e therapeuticos da phy- sostigmina, Cadet de Gassicourt procedeu de dous modos : — 1.° administrou 3 milligrammos por dia em uma só injecção hy- podermica; 2.° empregou 6 milligrammos em 6 injecções com o intervallo de 1 V2 horas de uma á outra. No 1.° caso, passados 10 a 20 minutos, os doentes apresen- tarão : rubor nas faces, no tronco e nos membros, flexão da ca- beça sobre o peito, do ante-braço sobre o braço, das coxas sobre o abdômen, das pernas sobre as coxas; curvatura do corpo para diante, convulsões violentas do diaphragma e dos músculos abdo- minaes, d'onde resultava ora depressão, ora a distensão do abdômen, e em seguida paresia passageira e temporária do mús- culo diaphragmatico; spasmos da glotte, sialorrhéa, suor abun- dante, abaixamento da temperatura e diminuição dos movimentos respiratórios. A hyperesthesia, foi tão pronunciada em um doente que o simples contacto de uma agulha provocava gritos dolorosos. Estes effeitos durarão de 2 a 3 horas; no 4.° ou 5.° dia, isto é, quando já se tinha injectado 12 ou 15 milligrammos, erão pouco accen- tuados, ou mesmo não se revela vão, indicando assim a existência de uma verdadeira tolerância medicamentosa. Quando a dose in- jectada não excedia a 1 milligrammo ainda que repetida seis vezes no dia, o único effeito apreciável era o somno, e este mesmo nem sempre. Se os resultados physiologicos obtidos por Cadet forão con- trários aos de Bouchut, os effeitos therapeuticos também não com binarão, pois que nos três doentes em que os movimentos choreicos não tinhão grande intensidade, a cura só foi obtida no fim de 35, 65 e 80 dias, tempo suficiente para a evolução completa da affecção 93 e sua terminação expontânea. No 4.° doente altas doses forão mi- nistradas durante o periodo ascendente sem o menor resultado. A eserina actualmente é pouco empregada e quasi todos os auctores se não a condemnão, limitão-se a citar as observações de Bouchut e a esperar novos factos. Não nos parece racional o tra- tamento pelo alcalóide da fava de Calabar. Se attendermos á acção physiologica verificada pelos modernos therapeutas, deveremos collocal-a de lado, entre os medicamentos inúteis no tratamento da choréa. Com effeito: qualquer que seja o modo de administração os phenomenos do eserismo formão três períodos : o 1.° é o periodo nauseoso que lembra a apomorphina e a nicotina, caracterisado por náuseas, vômitos biliosos, resfriamente e, quando a dose é alta, phenomenos de collapso; o 2.° é o periodo convulsivo em que a acção convulsivante do alcalóide se manifesta a principio por tremor e depois por abalos musculares que, segundo Gübler, são conseqüên- cias não da excitaçâo dos centros motores, mas da incontinencia nervosa; o 3.° e ultimo é constituído por symptomas de uma pa- ralysia que se pôde denominar — ascendente aguda —, semelhante em sua marcha á que acompanha certas intoxicações : os primeiros músculos paresiados ou paralysados são os dos membros da loco- moção, depois seguem-se os dos membros da prehensão, começando sempre pelos dos últimos segmentos, e finalmente os do apparelho muscular interno. Em gráo mais adiantado a actividade funccional do 10.° par é affectada e dahi desordens circulatórias, perturba- ções no rithmo da respiração, mellituria, etc. Ora este ultimo periodo ou paralytico deve ser obtido para que as contracções incoerciveis da choréa cessem, porquanto os outros tem effeitos oppostos, exagerão as manifestações convulsi- vas ; logo será preciso produzir uma paralysia para curar a mo- léstia que conta entre suas terminações desfavoráveis as paresias. O tratamento pela eserina é pois perigoso; só tem as pro- babilidades da incerteza. O que dissemos da eserina se applica inteiramente á fava de Calabar, que proporcionou ao Dr. Ogle uma brilhante cura, mas 94 uma única. Mac-Laurin e Harley (l) prescrevem uma tinctura feita com 4 grammos de fava e 30 de álcool rectificado, adminis- trada na dose de 1 a 4 grammos, segundo a gravidade da choréa. 2.° Curare. — B. Drummond (Brithish-med, 1878), Fulton, Day (Lancei, 1879), citão observações de choréa tratada com successo por injecções sub-cutaneas de curare. Estes 3 casos são os únicos conhecidos e mesmo tem sido contestados. As conside- rações que expendemos sobre a eserina repetiremos a respeito do curare, que como aquelle alcalóide, é uma substancia muito tóxica, de acção paralysante sobre as placas terminaes dos nervos motores, e que tem ainda o inconveniente de uma dosagem mais diíficil, variável e incerta. Pela via gástrica póde-se administrar até a dose de 25 centigrammos (Rabuteau) e em injecções hypodermicas na de 1 a 2. 2.° GRUPO excitantes medullares. 1.° Strychnina. — Lejeune foi o primeiro que indicou a stry- chnina para o tratamento da choréa; Niemann e Casenave a adoptarão como ultimo recurso, quando a moléstia resistia aos outros meios. Trousseau, em 1831, pretendendo combater uma paralysia choreica conseguio um successo completo e a noz-vomica foi desde então o seu medicamento predilecto. Fouilloux e Rougier, de Lyon, obti- verão os mesmos effeitos. Mas foi Trousseau deu os preceitos rigorosos e indispensáveis que devem guiar o clinico na admi- nistração d'este alcalóide. A medicação pela strychnina tem o grande inconveniente de ser muito perigosa e requerer a inspecção constante do me- dico, que não deve confial-a aos parentes do doente, sem re- commendações severas e precisas. Toda cautela não será demasiada porque a acção tóxica da strychnina manifesta-se ás vezes insi- diosamente; o doente que parecia supportar bem certa dose apresenta-se no dia seguinte com os symptomas de envene- [l) Harley. Buli. de therapeut. 1864. Ouleu. Buli. de therapeut. 1866. 95 namento, quando mesmo a quantidade de substancia receitada não tenha excedido a do dia anterior. Ainda mais — a tolerância para a strychnina varia muito de um indivíduo para outro, o que não permitte estabelecer uma dose fixa como limite máximo para os effei- tos therapeuticos. Se no tratamento preconisado por Trousseau tivéssemos apenas de evitar as inconveniências da accumulação, não haveria razão para tanto receio, mas exactamente a condição indispen- sável para o successo da medicação é um certo gráo de concentração do alcalóide no organismo: emquanto não se manifestão os phe- nomenos tetanisantes da strychnina os effeitos desta são nullos sob o ponto de vista curativo. Rilliet e Barthez contestão esta afirmação de Trousseau e dizem que em quasi todos os choreicos encontrarão tolerância evidente mesmo para doses elevadas (0,05), e que não é indispensável chegar aos effeitos physiologicos para obter os therapeuticos. A utilidade da strychnina é incontestável, como provou Trousseau, e foi verificada por muitos dos seus discípulos, entre os quaes Moynier, que publicou em sua these muitas obser- vações favoráveis á medicação tetanisante, a qual possue igualmente propriedades eupepticas, úteis em uma moléstia em que o estado geral se acha mais ou menos debilitado; porém o cortejo dos acci- dentes que a acompanhão, tão assustadores e afflictivos, reduzem consideravelmente sua esphera de applicação. O methodo que Trousseau aconselha encerra diversas regras : A preparação mais conveniente é o xarope feito com o sulphato de strychnina. Nas suas primeiras tentativas Tousseau usou da noz-vomica que prestava-se mais facilmente ás experiências; aban- donou-a depois e lançou mão do sulphato de strychnina, que ofe- rece a vantagem de se dissolver n'agua. O xarope de Trousseau é confeccionado de modo que cada 5 gr., ou uma colhersinha de chá, contém a vigésima parte de um grão do sal de strychnina, cada colher de sopa ou 20 gr., contem 10 milligrammos; difere pois na composição quantitativa do xarope de strychnina formulado pelo Codex, pelo que, na prescrípção do remédio, o medico deve designar o nome do auctor. O modo de administração é o seguinte : se o doente 96 tem de 5 a 10 annos, no 1.° dia toma 3 colheres de chá (15 grs. do xarope ou 0,0075 de sulphato de strychnina) com intervallos de 6 horas entre cada uma, de modo que o effeito de cada dose possa ser observado. Durante dois dias insiste-se na mesma dose. Em se- guida augmenta-se de mais uma colher, e durante outros 2 dias o doente toma 4 colheres do remédio com intervallos iguaes entre ellas. No fim d'esses 2 dias accrescenta-se outra colher e a dose é mantida durante mais dois dias e assim até 6 colheres. Chegada a esta dose vae-se substituindo cada colher de chá por outra de sobremesa (10,0), de sorte que entre cada substituição haja um intervallo de 2 dias, e chega-se assim até 6 colheres ou 60 gram- mos de xarope. Faz-se nova substituição de cada colher de 10,0 por uma de 20 e seguindo sempre o mesmo methodo continua-se a administração do remédio até que appareção os symptomas da intolerância medicamentosa : contractura dos maxillares e dos mús- culos da nuca, constricção do pharynge, caimbras nas pernas, abalos electricos, contracções spasmodicas nos músculos dos membros, im- possibilidade de andar, dificuldade nos movimentos de flexão e extensão, cephalalgia, prurido em diversos pontos da superfície cutânea, etc. Desde que estes symptomas se manifestão convém suspender durante um dia o uso do medicamento e no fim desse prazo, quando já tem desapparecido os accidentes devidos á accu- mulação, volta-se novamente ás ultimas doses empregadas. Assim continua-se a proceder até á cura definitiva. Depois da cessação completa dos movimentos é de vantagem insistir por algum tempo na medicação, dada, porém, em doses menores. 2.° Sulpkato de anilina. — A anilina foi aconselhada por Turnbull em 1854. Em 6 doentes tratados por este alcalóide des- coberto por Unverdorben, a cura foi obtida depois de algumas semanas (2 a 5) com a dose de 15 a 60 centigrammos por dia. Filiberti diz ter verificado a excellencia do medicamento: administrou-o á uma doente e pouco depois o substituio pelos stupefacientes; contrariamente ao que se esperava os symptomas que tinhão diminuído, readquirirão a intensidade primitiva; foi de novo prescripta a phenilamina e a moléstia cedeu. Davies, Skinner e Teissier não conseguirão resultados idênticos. 97 O methodo de Turnbull tem pois as mesmas bases que o de Trousseau, o sulphato de anilina parece possuir a mesma acção sobre o organismo que a strychnina. As propriedades physiolo- gicas da anilina são : em doses pequenas, excitação da contractili- dade muscular, cephalalgia orbitaria, vertigens, diarrhéa e algumas vezes náuseas e vômitos; com o sulphato de anilina as perturba- ções gastro-intestinaes são mais raras, o que lhe dá preferencia no tratamento da nevrose. Quando a dose de anilina é considerável manifestão-se contracções choreicas e tônicas em diversos músculos, principalmente na nuca e na face, d'onde o riso sardonico e o trismo, como no tétano strychnico, dyspnéa, cyanose, resfriamento da pelle, etc. Os effeitos da anilina são pois quasi os mesmos que os da strychnina — é uma substancia tetanisante. Filehne julga que os de- rivados anilicos reúnem as propriedades da strychnina e do curare, porque excitão o systema nervoso central produzindo convulsões, e depois paralysão o systema peripherico. Para Hirtz a anilina é um paralysante do systema nervoso da vida animal, a principio exci- tando e em seguida paralysando. Um phenomeno curioso que se observa nos doentes tratados pela anilina é o colorido azulado dos lábios, gengivas, lingua, unhas, cabellos, mãos e por fim de todo tegumento, ou ainda a cor verde ou vermelha d'estas partes. Letheby explica o facto admittindo a transformação da anilina pelos oxydantes com que se põe em contacto, dando lugar a diversas matérias corantes. A metamorphose parece verdadeira e confirmada pelas analyses de Lutz, que encontrou na urina não a anilina, mas a fuchsina, que resulta, segundo Leloir (*) da desorganisação do sangue, entretanto Hceussermann e Schmidt descobrirão a anilina na urina, posto que Grándhomme usando de reactivos mui sensíveis não a tivesse en- contrado. O sulphato de anilina deve por conseguinte como a strychnina ser esquecido, ou pelo menos lembrado somente quando outros meios de tratamento não tiverem aproveitado. (») Gaz. med., 1879 e 1880. taeo 7 98 3.° Picrotoxina. — A picrotoxina principio activo da coca do Oriente (anamirta cocculus — familia das Menispermaceas) é uma glucoside muito conhecida na índia e na Malásia, não só por suas virtudes curativas, como pelo singular poder de adormecer os peixes de modo a tornar facilima a pesca. As propriedades desta substancia são muito semelhantes ás da strychnina, administrada aos animaes provoca um verdadeiro ataque de epilepsia. Crichton Browne acredita que ella actúa a principio sobre o cérebro (stupor, somnolencia, lethargia) e que em seguida sua acção se estende aos tuberculos quadrigemeos, á protuberancia e ao bulbo (retro- pulsão, nystagmus, opisthotonos) ; as convulsões serião devidas á excitação dos centros motores corticaes de Ferrier. O cérebro só, diz elle, possue uma quantidade de substancia cinzenta suficiente para a despeza de fluido nervoso que se observa no picrotoxismo. Planat, adoptando as idéias de Brown-Sequard sobre a existência de um foco epileptogenico na medulla alongada, e vendo que as experiências physiologicas provavão que esta substancia modificava a innervação bulbar, applicoua em differentes casos de epilepsia. Os successos que obteve e os factos clinicos favoráveis citados por outros médicos o induzirão a usal-a na choréa, tanto mais quanto, ao inverso de Crichton-Browne, negava a acção da picrotoxina sobre o cérebro e suppunha que a principio ella excitava as funcções do bulbo e da medulla e em seguida as destruía. Os dous doentes em que Planat (1875) empregou a picrotoxina forão completamente curados, posto que em um d'elles a moléstia datasse de 7 mezes e tivesse resistido a muitos tratamentos. E de admirar que produzindo esta substancia accessos epilépticos, Planat sustente que possue propriedades anti-convul- sivantes muito úteis na maior parte das nevroses convulsivas. MODERADORES DA ACÇÃO MEDULLAR 4." Bromureto de potássio. — A acção sedativa do bromureto de potássio é muito proveitosa no tratamento da dansa de S. Guido, o seu uso encontra justificação na synthese dos resultados que nos fornecem a experimentação directa e a observação clinica. 99 Quem poderá negar na choréa a exaltação da excitabilidade da medulla, quem não reconhecerá nessas contracções desordenadas, desharmonicas uma prova da hyperkinesia do apparelho de coor- denação e transmissão, do qual o eixo medullar faz parte ? E a essa facilidade que elle adquire de emittir descargas nervosas que devemos attribuir a exacerbação dos movimentos choreicos sob a influencia das excitações psychicas, sensoriaes ou tactis que no estado normal não despertarião a autonomia das cellulas nervosas. Nas condicções physiologicas, quando uma excitação transmittida á medulla por um nervo sensitivo é de pouca intensidade, mas suficiente para produzir um acto reflexo, a actividade das cellulas dos cornos anteriores se reflecte apenas nos músculos que estão na dependência da zona ou segmento medullar a que pertence o nervo sensitivo. Se porém a impressionabilidade dos elementos nervosos se acha mais desenvolvida, o que eqüivale a dizer — quando a sensibilidade reflexa está exaltada — a mesma estimulação centripeta, voluntária ou não, invade novas zonas medullares, diffunde-se, transporta-se a outros centros reflexos e d'ahi con- tracções que se aniquilão até certo ponto e perturbão a coor- denação dos actos musculares. Conseguintemente todas as substancias que moderão o poder excito-motor do systema medullar tem uma acção cohibitiva sobre a actividade desordenada do apparelho muscular. N'essas condições está o bromureto de potássio. O bromureto de potássio possue propriedades sedativas que, pela primeira vez observadas por Huette e Puche, o forão em seguida por Horing, Graefe, Eulenburg e Guttmann, Martin Dámourette, Laborde e Pelvet. Quer esta substancia actúe directamente sobre o protoplasma das cellulas, ou sobre as fibras lisas dos vasos sangüíneos, modificando a circulação e acarretando a olighemia dos centros nervosos (Danton) (*); quer os seus effeitos sejão devidos ao elemento bromo ou ao radical metallico; quer a consideremos como um medicamento nervo-muscular (Ra- buteau, Martin-Damourette e Pelvet), ou como um veneno (i) These de Pari». — 1874. 100 cardiaco (Guttmann, Eulenburg), ou ainda como um veneno medullar (Laborde), isto é, um agente cuja acção principal e primitiva consista na sedação dos phenomenos sensitivomotores de ordem reflexa; quer o bromureto de potássio atravesse o or- ganismo no estado de sal de kalium, ou se transforme em um chlorureto de potássio (Bidd. de Philadelphia) — é incontestável a sua influencia sedativa sobre o systema nervoso, influencia, que deve ser aproveitada para a cura da choréa. Foi Gübler, o medico omnisciente, que estabeleceu as bases da therapeutica do futuro, quem introduzio este agente no trata- mento da choréa: — em um doente de 16 annos tratado sem resultado pela strychnina a cura foi obtida em três dias, graças ao bromureto (*). Dumont (2) no mesmo anno conseguio com o sal de potássio a terminação rápida de uma choréa não rheumatica. Georges B. e Gallard dizem (2) que com o mesmo medicamento sempre obtiverão o desapparecimento da incoordenação choreica, até nos casos em que esta tinha resistido aos banhos sulphurosos, aos tônicos, ao tartaro. Worms não foi menos feliz e na gazeta dos hospitaes de 1869 refere a cura de uma choréa intensa. Haugt, citado pelo Snr. Raymond, curou em seis semanas uma choréa que datava de 13 annos, com a administração de 4 grammos de bromureto por dia. Bucquoy e Blondeau testemunhão os bons effeitos d'esta medicação. Como porém o bromureto de potássio não é um medicamento anti-choreico, infallivel em todos os casos, nas mãos de alguns clinicos deu lugar a insuccessos: Daily (3) e Labbée vêem na electricidade e na hydrotherapia meios muito mais enérgicos; Prasbot, fundando-se em experiências feitas em cães, nega toda a eficácia ao tratamento adoptado por Gübler, apinião ousada porque a moléstia que denomina choréa dos cães não é a choréa dos homens. A infelicidade de Daily, que repelle e condemna o bromureto, pôde ser explicada pela parcimônia com que usou d'este sedativo, (T) Gaz. hebd. 1865. — Buli de therap. 1865. í2) Buli. de therap. — 1869. (») Buli. de therap. — 1876. 101 quando todos os clinicos que o aconselhão insistem sobre a neces- sidade de altas doses, de 4 grammos por dia. O Snr Kohn, tratando do bromureto de potássio, cita em sua these observações colhidas na clinica de Gübler, Blache, Vulpian, Syredey, Bouillaud, etc, que mostrão não só os effeitos benéficos d'esse medicamento, como a sua inocuidade e fácil tolerância quando a dose quotidiana não excede a 8,0. O bromureto de potássio oferece, pois, grandes vantagens na choréa e teria sempre a preferencia, se os accidentes ligados ao bromismo (perda de appetite, diarrhéa, catarrho bronchico, per- turbações da nutrição, etc.) não obrigassem muitas vezes o medico a suspender ou diminuir a dose necessária. Finalmente, devemos dizer que o bromureto de potássio é também um auxiliar poderoso do chloral e do ether. 5.° Ether. — O tratamento por meio das pulverisações de ether deve figurar ao lado do precedente, porque é dirigido contra a hyperkinesia medullar e actúa como moderador da sensibilidade reflexa. Foi o Dr. Lubelski de Varsovia quem chamou a attenção dos médicos europêos para as vantagens das pulverisações de ether ao longo da columna vertebral, publicando uma observação que paten- teava de modo indubitavel a eficácia do methodo: Lubelski teve a idéia de anesthesiar (em uma doente cuja moléstia resistiu aos anti-spasmodicos e tônicos) a medulla por meio de uma corrente de ether sulphurico, para o que serviu-se de um apparelho muito usado na arte dentaria. Os dois ramos d'este, que tem por fim prender o dente á extrahir, forão applicados aos lados do rachis; depois de duas aspersões, durando cinco minutos cada uma, a ataxia choreica diminuiu consideravelmente e cessou no fim de seis dias. Como era natural, a communicação feita por Lubelski não inspirou confiança aos médicos francezes, que limitarão-se a notar a coin- cidência entre a etherisação local da região rachidiana e a cura completa da ataxia muscular. Algum tempo depois Zimberlin, professor em Strasburgo, lem- brando-se do conselho de Lubelski, recorreu ás pulverisações de 102 ether em uma choreica tratada sem proveito pelos outros meios conhecidos, e a cura foi obtida em duas sessões de 3 minutos cada uma, com intervallo de 24 horas. Perroud, medico do Hotel-Dieu em Lyão, tentou diversas vezes o methodo de Lubelski; se não foi tão feliz como seus antecessores, comtudo sempre obteve attenuação duradoura da incoherencia motora. Para Jaccoud, as pulverisações de ether constituem uma base therapeutica; alguns revezes lhe podem ser tributados, diz o auctor, mas qual a que não os tem ? Roger, Bergeron e Schutzen- berger são de opinião contraria, ao passo que Rose, Mazode e Lyons louvão o seu emprego. O que verificamos pela leitura das observações transcriptas em algumas theses e em diversos jornaes, não foi completamente desfavorável a este modo de tratamento; em todos os casos houve diminuição muito sensível dos movimentos corheiformes, que entre- tanto nem sempre cessarão de todo. Parece pois, que as pulverisações ethereas moderão a intensidade dos symptomas, e tanto mais rapidamente, quanto mais violentos são; mas não se pôde afirmar que possuem a eficácia necessária para jugular inteiramente a moléstia. Eis qual o modo de pratical-as: Os doentes devem ter o dorso completamente descoberto desde a nuca até o sacrum, e as pulverisações, feitas com o apparelho de Richardson ou de Marinier, serão dirigidas sobre o rachis, de sorte que a projecção se faça não somente sobre as apophyses espinhosas, mas em uma área de 2 a 5 centímetros de cada lado. A pulveri- sação não durará mais de 5 minutos, tempo suficiente para que se produza a pallidez da pelle. Nos primeiros dias convém não ex- ceder a duas pulverisações regularmente espaçadas ; mais tarde, não só a duração, como o numero, poderá ser elevado, principal- mente se o doente não apresentar melhoras. Qual a acção das pulverisações de ether, por que mecanismo produzem esse effeito sedativo? Não se podendo pensar que o ether actúe directamente sobre o eixo nervo-rachidiano, ou sobre 103 os nervos que d'elle emanão, pois que teriamos de admittir a im- bebição gradual dos tecidos, nem na anesthesia da medulla, produzida por um resfriamento estendendo-se progressivamente da superfície para as partes profundas, como pretendeu Zimberlin; temos de admittir uma influencia á distancia, uma modificação vascular, a eschemia do eixo medullar, eschemia consecutiva á fluxão erythematosa da pelle. E provável que a medicação de Lubelski obre como um refrigerante apenas, e que o effeito therapeutico seja devido ao seu poder revulsivo. Tanto mais exacta nos parece esta opinião, quanto os resultados que dá o systema das pulverisações de ether são obtidos com as applicações de gelo sobre a columna vertebral, processo que tem ainda a vantagem de ser mais expedito e mais fácil: escolhe-se um pedaço de gelo de fôrma mais ou menos arredondada e com elle fricciona-se levemente toda a extensão do rachis, attendendo-se ás mesmas recommendações feitas para as pulverisações, isto é, que o tempo de applicação não exceda a 5 minutos nos primeiros dias; o seu numero pôde ser elevado a 4 ou 6, e á medida que a moléstia fôr declinando, deve ir diminuindo. As pulverisações de ether e as applicações de gelo são novos recursos a empregar no tratamento da choréa; quando não debellem a moléstia, não arriscão os doentes á sérios perigos, como os que acompanhão o uso do tartaro, da eserina e da strychnina. Jaccoud diz que as pulverisações e o bromureto de potássio são os meios que mais confiança lhe merecem, e que até é preferível iniciar o tratamento pelo primeiro. 6." Hyosciamina. — Os alcalóides extrahidos das solaneas vi- rosas são preconisados por alguns auctores; a hyosciamina, a atro- pina e a daturina figurão na extensa lista dos medicamentos apregoados contra a dansa de S. Guido. Os dois últimos serão abandonados porque se tem permittido alguns successos devem-nos antes ao acaso do que á sua energia curativa. A daturina alcalóide da datura-stramonium deve ainda ser completamente esquecida, a atropina tem todas as suas propriedades, e é um alcalóide mais conhecido. A hyosciamina, alcalóide da hyosciamus niger, merece porém a preferencia. 104 Làurent firmando-se em experiências próprias feitas em animaes e na observação de numerosos casos de envenenamento julga que, como a atropina, o alcalóide da hyosciamus niger tem acção sobre o systema sympathico produzindo modificações da circulação capillar: constricção vascular e eschemia se a dose é fraca, paralysia e hy- perhemia se é elevada. O mesmo experimentador diz que a hyos- ciamina não actua sobre o systema nervoso da vida de relação, deixa intacta a sensibilidade, e que a excitabilidade do apparelho muscular striado escapa á sua influencia. A tendência ao somno, a ausência das hallucinações, dos phe- nomenos convulsivos, da perversão do rythmo respiratório e do rythmo da revolução cardiaca, quando não se vae além de alguns milligrammos, são outrá,s tantas circumstancias que dão á hyosci- mina vantagens sobre os seus congêneres—a atropina e a daturina. Levado por estas vistas theoricas, suppondo que a olighemia cerebral e medullar que a hyosciamina determina poderia ser favo- rável no tratamento da choréa, Oulmont administrou-a a 6 doentes sempre com proveito. A dose empregada foi de 2 milligrammos no pri- meiro dia, em seguida elevada gradualmente até a cura ou a pro- ducção dos phenomenos que indica vão um começo de saturação: dilatação extrema da pupilla, aridez da garganta, dysphagia, etc Quando attingia a dose de 6 milligrammos Oulmont esperava 3 dias no fim dos quaes augmentava-a com precauções sem exceder a 1 centigrammo, dose máxima. Em todos os casos a cura effectuou-se entre 15 a 20 dias. y.° Electricidade. — Nos tempos actuaes rara é a moléstia nervosa que escapa ás tentativas da electrotherapia e a choréa, que não poucas vezes ostenta a maior indiferença aos agentes com que a Chimica e a Botânica armão o medico, não podia deixar de lançar um desafio aos grandes agentes da physica — a electricidade e o magnetismo. Levado por concepções mais ou menos hypotheticas sobre a natureza do fluido nervoso, Haen no século passado recorreu a ele- tricidade e, dizem, conseguio 10 curas, posto que se utilisasse de um processo hoje abandonado, 105 0 illustre medico de Vienna provocava os abaítís èlectriCos em seus doentes por meio da machina electrica e do condensador de Leyde (300 a 500 abalos em 72 hora). Underwood, Meyraux, Fo- thergill, Heberden na Inglaterra, Baumés, Labaume, Bally, Sigaud em França seguirão o exemplo vindo da Allemanha, mas que ti- verão de abandonar porque seus esforços não erão coroados. Hoje ainda é muito contestada a eficácia da electricidade nó tratamento da choréa e nem aquelles que a empregâo se achão de accôrdo sobre a maneira de applical-a; um ponto porém está fofa de duvida — a inutilidade das correntes interrompidas. A direcçâo das correntes continuas faz variar a acção que estas exercem sobre a medulla: as ascendentes são excitantes e as descen- dentes de effeito opposto, diferença esta que deveria influir e dar preferencia ás segundas. Entretanto as opiniões dos pathologistas di vergem. Rosenthal, Remak e Benedikt acreditão e aflirmão ter veri- ficado que o sentido da corrente não modifica os resultados, emquanto que Onimus e Legros fazem disto uma questão capital. Uns querem que as applicações se facão somente na medulla, outros no sym- pathico cervical e nos nervos periphericos. Onimus pronunciando-se sobre a escolha da corrente emitte uma opinião que só serve para comprometter o emprego da electro- therapia na choréa; diz que as correntes ascendentes devem ser preferidas apesar de sua grande excitabilidade. Custa admittir que em uma moléstia tão eminentemente reflexa, na phrase do Sr. Bardet, a excitação da medulla se torne proveitosa. Bardet pre- tende explicar tal contradicção suppondo de accôrdo com Chaveau que o polo negativo produz effeitos de excitação nos pontos próximos do lugar de applicação, e que o polo positivo obra diversamente, de modo que se este é collocado exactamente sobre a zona medullar donde se irradia a excitação reflexa, a sua acção hyposthenisante se torna manifesta, quer o outro se ache mais abaixo ou acima. Constantin Paul empregou a electricidade sob a fôrma de banhos faradicos, fazendo passar correntes de inducção atravez da água de uma banheira. Os resultados que conseguio não forão dos mais brilhantes. 106 A electricidade statica foi utilisada por Debout que recolheu 13 casos favoráveis e considerou-a superior a todos os outros recursos então conhecidos (1859). Segundo o Sr. Arthuis a electricidade statica só aproveita quando com a choréa ha manifestações de um estado hysterico. Assim na falta de observações numerosas nada podemos concluir em relação á electrotherapia. Em um doente da clinica do Sr. Dr. Martins Costa durante um mez fizemos quotidianamente appli- cações das correntes descendentes, durando 5 minutos cada sessão; poucas melhoras observamos. Verdade é que se tratava de uma hemichoréa symptomatica, como nos demonstrou a autópsia. 3.° GRUPO MEDICAMENTOS que produzem o somno Chloral e Ópio. — O chloral com suas propriedades hypnoticas não podia ser esquecido no tratamento da choréa. A ataxia cho- reica, já o dissemos, os movimentos involuntários, cessão durante o somno natural ou provocado. Os medicamentos que podem provocar a hypnose são o ópio e o chloral. O chloroformio poderia ser uti- lisado, mas os inconvenientes e perigos da sua administração não constituem de certo incentivos ao seu emprego. Os preparados de ópio, a morphina^principalmente, gosão de propriedades stupefacientes, suspendem a actividade dos centros nervosos cerebraes, provocão o somno; mas é um somno agitado, precedido ou seguido de náuseas, abatimento, cephalalgia, indispo- sição geral e que differe do somno calmo e reparador. Ainda mais para se obter este estado é preciso administrar com prodigalidade o medicamento, largo manu, em relação á intensidade dos symptomas (remedii dosis et repetendi vices cum symptomatis magnitudine omnino sunt conferendse — Sydenham). A quantidade de ópio ne- cessária para debellar a incoordenação motora ás vezes parecerá excessiva e entretanto os doentes a supportão regularmente, porque a capacidade orgânica para o medicamento pelo facto da moléstia afasta-se dos seus limites normaes. Trousseau, em uma doente, 107 chegou a dar 75 centigrammos de morphina, e em outra chegou a tal dose, que se não fosse o grande medico do Hotel-Dieu quem o afirmasse, ninguém acredital-o-hia: — a doente tinha sido sub- mettida ao tratamento pela strychnina, e continuando a agitação extrema com todos os seus graves inconvenientes, Trousseau su- jeitou-a á acção do sulphato de morphina. No primeiro dia a dose foi de 4 grãos (20 centig.), no segundo de 8 grãos (40 centig.), no terceiro 12 (60 centig.), e nos seguintes 20 grãos (1 grammo), 25 (1,25) e por fim 30 grãos ou uma gramma e meia. Apezar da quantidade enorme de morphina que a doente ingerio, só conseguio sahir do hospital de Necker 27 dias depois de sua entrada. O ópio deve, pois, ser posto de lado; não pôde supportar o confronto com o chloral, tão empregado por Lorain, Russell, Ver- dalle, Gairdner, Bouchut, Brigton, Carrothers, etc. O hydrato de chloral é utilisado sob dous pontos de vista diferentes — como meio curativo e como auxiliar de outros medi- camentos. OI.0 methodo é o de Bouchut, que procede nas choréas graves do seguinte modo : os doentes (crianças) tomão pela manhã 3 gr. de chloral, dormem até ao meio-dia, alimentão-se em seguida e 2 horas depois tomão mais 3 grammos. A medicação é continuada até o desapparecimento da moléstia, ou pelo menos até que se obtenha sensivel melhora. Os Snrs. Rilliet e Barthez chamão a attenção para o aspecto da face dos doentes submettidos a essas doses elevadas, aspecto que até certo ponto simula uma erysipella por placas disseminadas. Estes auctores são ainda de opinião que se contassem com a acção curativa do chloral se exporião a singulares decepções. Parece que como meio curativo o chloral merece grande confiança, e os successos não se contão por poucos. Si tivéssemos de fallar pelo que vimos na Policlinica, só teríamos de recommendar este medicamento, e dizer que nunca deve ser esquecido, pois que permitte successos quando outros nada tem conseguido. Aquelles que nos responderem que as curas tributadas as chloral são illusorias, e que a influencia benéfica do tempo é o único auxiliar do clinico, aconselharemos leitura das nossas duas 108 observações (n.0* 3 e 5) tomadas na Policünica; forão dous brilhantes successos alcançados pelo professor Moncorvo. Este distincto clinico prescreve a chloral em clysteres na dose de 1 a 3 grammas por dia^ Segundo a violência da moléstia. Unido a outros agentes, o chloral oferece ainda maiores van- tagens : facilita a acção deste, e previne o esgotamento nervoso e a prostração que podem resultar da insomnia, não rara nos casos graves. Unido ao arsênico, aos tônicos, ao bromureto ou á electri- cidade, etc, dá brilhantes resultados. O somno chloralico é inteiramente semelhante ao somno na- tural, vem quasi sempre gradualmente, não é perturbado por hallucinações ou sonhos, não deixa como vestígios as náuseas, a dyspepsia e todos os outros inconvenientes da narcose opiacea. Sem querermos discutir o mecanismo da hypnose chlolarica diremos comtudo que Hammond, de New-York, fazendo experiências com o cephalo-hemometro pretendeu provar a theoria de Durham; trepanando o craneo dos animaes choralisadas vio por meio do seu apparelho a principio congestão cephalica e depois anemia no começo do somno. O mesmo phenomeno foi observado por Cl. Bernard a propósito do chloroformio. Mosso (Roma 1880) observou por meio do hydro-sphygmographo que durante o somno o cérebro diminuía de volume. Offert crê que o chloral produz a hypnose obstando ao conflicto entre o oxygenio do ar e os glóbulos san- güíneos. Preyer admitte também uma falta momentânea de oxydação na matéria cerebral, devida não á anemia, mas a um destino dif- ferente que toma o oxygenio emquanto dura o somno. Quaesquer que sejão as theorias, a acção hypnotica do aldehydo tri-chlorado é incontestável, muito aproveitável em uma moléstia entre cujos symptomas graves está a insomnia, e em que um dos melhores benefícios é o somno. Assim, pois, todas as vezes que a ataxia choreira impedir o repouso nocturno, o chloral tem sua indicação positiva, principal- mente nas crianças que o tolerão bem e supportão mal o ópio. Sobre o chloroformio pouco diremos. As inhalações forão 109 preconisadas por Gery, que sobre este assumpto escreveu sua these em 1855, e por Prevost quando ainda o chloral não pertencia ao dominio da therapeutica. Hasse, Lowes, Barclay e Ritter as empregarão com vantagem em casos em que a violência dos movimentos era tal que ameaçava occasionar accidentes mortaes. 4.° GRUPO TÔNICOS. -- ARSÊNICO. A medicação tônica é de utilidade incontestável na choréa. A in- dicação therapeutica em uma moléstia resulta da analyse dos ele- mentos que a constituem e não de uma noção mais ou menos hypothetica sobre a sua essência; mas na apreciação destes convém que a preoccupação por alguns d'elles não faça olvidar outros que, se não representâo o papel predominante na sympto- matologia, não raras vezes tem sob sua dependência a evo- lução mórbida. E assim que na choréa o clinico não se deve deixar illudir pelos symptomas que mais impressionão os sentidos — os movimentos choreicos e combattel-os sem attender ás suas con- dições pathogenicas. Se vissemos sempre na dansa de S. Guido uma affecção de fundo rheumatico juntamente com os sedativos, prescreveríamos os anti-rhcumaticos. Não é porém essa diathese infallivel na etiologia da moléstia, e então é a anemia, a deficiência das forças nutritivas que se impõe como factor etiologico primordial, e elle reclama imperiosamente o tratamento tônico. Mesmo nas choréas rheu- maticas a medicação reconstituinte tem applicação, porque a discrasia sanguinea é uma das conseqüências da influencia debilitante do estado nervoso e do vicio rheumatico. Igualmente quando o doente possue um organismo depauparado, esgotado por excessos, pela tuberculose, escrofulose, na convalescença de uma pyrexia que o tem prostado, os restauradores da nutrição constituem a base indispensável de todo o tratamento. Foi a titulo de tônico que o arsênico introduzio-se na thera- peutica da choréa. Deverá porém figurar como tônico este medi- 110 camento, que na phrase de Bouyer (movimento medico 1875) anti- gamente veneno é hoje um dictame precioso que representa bem o symbolo da serpente hyppocratica: — o veneno é esquecido e só as virtudes são utilisadas. Embora a escola italiana o considere um hyposthenisante, ainda que para Hahnemann seja uma substancia pyretogenica, para Hirtz e Trousseau um alterante, isto é, tudo e nada; para Bochn e Himtemberger um deprimente da circulação, hoje ninguém desconhece suas propriedades reconstituintes. O arsênico, ou melhor, o ácido arsenioso, é um medicamento de poupança, que modera os gastos da economia, attenua o movimento de desassimilação, restringe as despezas orgânicas, como o fazem o álcool e o café Na economia o ácido arsênico soffre uma serie de oxydações e reducções em contacto com os tecidos cuja nutrição é muito activa, e do abalo que estas oxydações e reducçõos alternativas e rápidas da albumina organisada produzem no organismo, resultão os effeitos tóxicos das preparações arsenicaes (Binz e Schultz, Rev. d. se. med. 1880). Actuando sobre os hematinos o arsênico diminue a sua vitali- dade, modera a combustão dos elementos respiratórios e d'ahi diminuição da uréa e da exhalação de ácido carbônico (Brettschnei- der), abaixamento da temperatura e, conseguintemente, o accumulo nos tecidos da gordura resultante das queimas incompletas dos materiaes hydro-carbonados. O arsênico tem também sobre o systema nervoso uma acção indiscutível provada pelas experiências de Sklarek, para quem elle actuaria modificando e destruindo a actividade cerebral, de Gauthier, de Schimdt, de Scolusoboff (*) que mostrão que nos casos de paralysia arsenical ha 30 vezes mais arsênico na medulla e no cérebro do que nos músculos, e finalmente de Sydney Ringer e Murrel. (2) Estes últimos auctores resumindo os phenomenos obtidos com a administração de doses crescentes de arsênico referem o enfraquecimento da sensibilidade, da motilidade, e do poder excito- (*) Soe. de Uai. 1875. (a) The Journ. of Phys. — vol. 1. 111 motor e voluntário, depressão da sensibilidade reflexa e por fim paralysia; d'onde elles concluem que o ácido arsenioso, veneno para os tecidos, paralysa o systema nervoso, destróe a condu- ctibilidade dos nervos motores e a irritabilidade muscular. Gübler, Giess e Huglings Jackson (l) acreditâo que os compostos de arsênico têm uma afinidade electiva para a substancia nervosa e que nos tecidos que contém phosphoro o arsênico pôde se substituir a este, como succede nos envenenamentos. O arsênico é ainda um estimulante do appetite, facilita os actos da digestão determinando a hypersecreção glandular e aug- mentando as contracções intestinaes (A. Lesser). As propriedades que tem o arsênico sobre a nutrição e sobre os centros nervosos justificão pois o seu uso no tratamento da choréa, e os benefícios que assegura são taes, que devemos consideral-o uma das medicações mais efficazes contra esta moléstia que, como a hysteria, não poucas vezes desafia os recursos da therapeutica, resiste aos agentes mais enérgicos para em seguida cessar sob a influencia de algumas pulverisações de ether. O tratamento da choréa pelo arsênico data de muito tempo. Segundo Aran em 1806, foi empregado por Girdlestone; entretanto Bouteille (1810) estendendo-se largamente sobre a therapeutica da dansa de S. Guido não faz allusão á essa substancia. Th. Martin em 1813, Salter em 1809 e Gregory em 1820 na Inglaterra, Basedaw, Venus e Steinthal, na Allemanha, publicarão observações de choréa curada pelo arsênico. Foi porém Romberg o verdadeiro autor da medicação arsenical, quem dispertou a attenção dos mé- dicos para esse ponto; em sua clinica (1846) fez um estudo deta- lhado de alguns choreicos por elle tratados exclusivamente pelo arsênico e considerou-o um dos recursos mais seguros para combater a moléstia, capaz de modificar as choréas anormaes e rebeldes que tiverem sido tratadas sem successo por outros meios. Em pouco tempo na Allemanha e na Inglaterra factos numerosos vierão estabelecer definitivamente as vantagens do methodo allemão. Rees, de Boston, diz ter tratado com feliz êxito mais de 200 (x) Lancei 1879. 112 choreicos, e affirma que o licor de Fowler é um agente que cura tão seguramente a dansa de S. Guido como o sulphato de quinina a febre intermittente. Pereira dizia que em certo numero de casos, este medicamento actuava como um verdadeiro especifico. (Elem. of med.J Em França foi Guersant quem introduzio o tratamento pelo arsênico, e n'um curioso artigo publicado na Union Medicale de 1847 criticando os diversos meios adoptados, termina assegurando ás preparações arsenicaes poder curativo superior á todas as outras. Esta opinião não tardou a ser abalada pela critica severa e irônica de G. Sée. Com effeito, o illustre professor francez não manifesta pelo tratamento arsenical o mesmo enthusiasmo que os seus pre- decessores. O único mérito, diz elle, d'este veneno parece consistir na dificuldade e no perigo de sua administração, e a afirmativa de Rees não passa de uma condemnavel exageração. Bouvier para quem a gymnastica era tudo, mostra o mesmo desprezo pelo novo remédio que a Allemanha tinha introduzido na therapeutica da choréa. Durante um lapso de 10 annos o tratamento arsenical depre- ciado por G. Sée foi esquecido. E em 1859 Aran o rehabilitou, e a propósito de um caso de choréa unilateral datando de muitos annos, curada em alguns dias pelo ácido arsenioso, confirmou a asserção de Rhomberg. Stone um anno depois publicou o resultado de suas expe- riências feitas com o sulphato de zinco, o ferro e o arsênico: em 26 choreicos tratados pelo sal de zinco a cura teve lugar 13 vezes; em 14 nos quaes empregou os ferruginosos, o tratamento durou na média 45 dias, e em 20 em que o methodo Rhomberg foi instituído obteve a cura 18 vezes e n'um prazo de 20 a 26 dias; um dos doentes apenas teve melhoras e outro morreu de uma affecção intercurrente. O arsênico, pois, lhe pareceu superior aos preparados marciaes, e estes ao sulphato de zinco. Long, interno de Bouchut, refere em sua these (1860) que em 11 doentes que forão tratados pelo arseniato de potássio na dose 113 de 2 á 25 milligr., 11 vezes conseguio a cura. Gellé na clinica do Dr. Gillette recolheu 34 observações de choréa tratada pelo ar- sênico, e nas quaes encontrou 24 casos de cura completa obtida em menos de 20 dias. Procurando estabelecer as indicações deste agente, o mesmo autor é de opinião que nos individuos sanguineos, nos casos graves, quando a agitação é tal que produz escoriações, impede a alimentação, dificulta a respiração e impede o somno, os narcóticos são mais proveitosos do que o arsênico — que é eficaz quando ha lymphatismo, chloro-anemia, e não urge dominar de prompto a ataxia choreica. Jaccoud na sua clinica insiste sobre os bons resultados obtidos pelo professor Wannebroucq, de Lille, com a administração do arseniato de sódio em doses crescentes. Siredey, no hospital de Lariboisière e em sua clinica particular emprega sempre de pre- ferencia o arsênico. Rilliet e Barthez, Cadet de Gassicourt, Ar- chambault e quasi todos os pathologistas modernos são partidários da medicação arsenical, que encontra na Allemanha a mais ampla aceitação e é adoptada por Zimssen, Steiner, Eulemburg, etc. Modos de administração Romberg usava da seguinte formula : Licor de Fowler............... 1 parte Água distillada................. 1 » Para tomar 4 gottas em um copo de água com assucar 3 vezes por dia. Aran administrava o ácido arsenioso e seguindo pratica in- versa á de Romberg prescrevia logo no começo altas doses: Ácido arsenioso.................. 0,05 Água distillada.................. 100,0 Cada colher de chá ou 5 gr. encerra 25 milligrammos de ar- sênico. No 1.° dia o doente tomava uma colhersinha, no 2.° duas, no 3.° três e assim até chegar á dose máxima de 5 colheres ou 30 gr. da solução; mantinha então esta dose por algum tempo e depois a diminuía gradualmente. 6860 8 114 Methodo de Gillette. — Gillette prefere o arseniato de sódio que não tem propriedades tão irritantes como o acido arsenioso e é mais solúvel n'agua. Formula uma poção de modo que em 5 gr. haja 1 milligr. do composto arsenical. No 1.° dia o doente toma 1 a 2 colheres de chá conforme a idade, e nos dias seguintes augmenta-se a dose de mais 1 a 2 colheres; o tratamento não deve exceder a 8 dias. Por este methodo Gillette diz que evita os acci- dentes da intolerância e que nos doentes em que o empregou só duas vezes teve de suspender a medicação em conseqüência de diarrhéas e náuseas; quasi sempre obteve a cura em menos de 25 dias, resultado magnífico pois que a gymnastica exige de 30 á 40 (Blache, Sée), os banhos sulphurosos de 30 á 50 e a strychnina de 40 a 45 (Trousseau). Methodo de Siredey. — A pratica de Siredey é a seguinte : Julepo gommoso.................... 60,0 Licor de Boudin................... 6,0 M. Tome ás colheres de modo a esgotar a poção em 24 horas. Com este methodo a tolerância se estabelece perfeitamente. Como porém a cura só tem lugar após a saturação da economia pelo arsênico, augmenta-se cada dia de 2 gr. a quantidade da solução de Boudin até o apparecimento de náuseas, vômitos e diarrhéa. Suspende-se então o uso da poção por 2, 3, 4 ou 6 horas e quando o estado nauseoso tem cessado volta-se novamente a ella com intervallos mais espaçados. Geralmente no fim de 4 a 8 diz, diz Siredey, se consegue a cura ou uma melhora sensível; diminue-se então progressivamente a dose. Nos adultos administra-se logo no primeiro dia 15 ou 16 grammas da solução de Boudin. Methodo Allemão. — Steiner ajunta o ópio ao arsênico quando a agitação é considerável e receita a formula seguinte: Licor de Fowler............... 8 gottas Tintura simples de ópio..... 6 gottas Água distillada................ 120,0 P. tomar 4 colheres por dia. 115 Gassicourt, Rilliet e Barthez administrão o arseniato de sódio de dous modos : — quando a moléstia não é intensa limitão-se á doses fracas, isto é 3 a 6 milligr. por dia até que ella ceda; quando incoordenação choreica é muito pronunciada adoptão o methodo das doses crescentes começando por 5 milligr. e augmentando cada dia mais 5 milligr. até que se manifestem os primeiros indícios da intolerância; então mantém a ultima dose durante algum tempo e depois gradualmente a diminuem.. Como affirmão estes clínicos o arseniato de sódio é facilmente tolerado pelas crianças, e quando sobrevem os phenomenos de in- tolerância (diarrhéa, vômitos, eólicas, cephalalgia, etc.) basta suspender por alguns dias o tratamento para se conseguir o seu desapparecimento. Finalmente Radcliffe (*), Eulenburg, Lewis Smith e Perroud preconisão o methodo das injecções hypodermicas que lhes per- mitte obter effeitos muito mais rápidos do que pela via gás- trica. O preparado escolhido para estas injecções é o licor de Fowler na dose de 4 a 5 gottas. De todos os methodos o que nos parece melhor é o de Gas- sicourt e Barthez que permitte attingir doses elevadas, procedendo sempre com prudência. O das injecções tem a inconveniência de determinar reacções locaes mais ou menos prejudiciaes, como dores violentas, inflammação, etc. Como medicamentos tônicos os preparados de ferro podem ser tentados. Assim o iodureto de ferro, perfeitamente tolerado pelas crianças é de grande utilidade; a tinetura de Marte tarta- risada na dose de 10, 20 a 30 gottas por dia em duas doses, as pílulas e a solução de Rabuteau são ainda lembradas. Alguns querendo aproveitar ao mesmo tempo as propriedades do arsênico e do ferro prescrevem o arseniato de ferro. Os ferruginosos dão porém melhores resultados quando juntamente se pratica a hydro- therapia. Banhos sulphurosos. Banhos frios. — Os banhos sulphurosos podem vantajosamente sustentar parallelo com a gymnastica e tem 116 utilidade incontestável não só por sua acção tônica, como na choréa rheumatica a essência da moléstia os indica. Por este meio, pres- cripto de conformidade com as regras estabelecidas por Baudeloc- que, a cura se obtém em pouco tempo. G. Sée reunindo as obser- vações de Blache, Rufz, Constant e Baudelocque formou uma estatística de 65 casos dos quaes 58 terminados pela cura em menos de um mez de tratamento. Em 57 doentes Sée obteve a cura 50 vezes em menos de 26 dias. t O emprego dos banhos sulphurosos é muito racional nas choréas manifestamente rheumaticas, acompanhadas ou precedidas de dores articulares. É de todos conhecida a eficácia dos banhos sulphurosos nos rheumatismos chronicos e apyreticos; quando a choréa é a expressão do rheumatismo e por sua pouca violência não indica uma manifestação aguda a administração dos banhos é sempre proveitosa. Se porém o vicio rheumatico determinar phle- gmasias serosas internas nas que surgem as vezes tão insidiosa- mente, os banhos devem ser proscriptos porque poderão incremental-as e aggravar as condicções do doente. Outras contra-indicações ainda teem os banhos sulphurosos: 1.° Quando o uso d'elles deter- minar erupção para o tegumento externo, viva fluxão caracte- risada por pequenas papulas ou uma vesiculação confluente e do- lorosa, deverão ser suspensos para que a acção excitante não vá além do limite desejado e constitua um estimulante da acção me- dullar. 2.° Se a agitação do doente dá lugar a excoriações cutâneas, com mais forte razão urge evitar nova irritação que poderá pro- vocar reacção febril, insomnia, etc. As regras estabelecidas por Baudelocque e de cuja rigorosa observância depende o êxito do tratamento são as seguintes : 1.° A quantidade de sulphureto de potássio não será inferior a 15 nem superior a 30 grammas para 100 litros d'agua; 2.° a temperatura do banho deverá ser de 30 a 32 gráos; 3.° os banhos serão repe- tidos todos os dias e durarão uma hora pelo menos. Os banhos sulphurosos nas choréas de pouca intensidade, manifestamente rheumaticas (acompanhadas de rheumatismo articular apyretico), apresentão pois vantagens que convém não esquecer. 117 A hydrotherapia sob todas as suas fôrmas pôde ser applicada com o fim de restaurar o estado geral. As propriedades sedativas e tônicas do frio são de conveniência nos últimos tempos da mo- léstia, quando depois de refreada a modalidade mórbida do sys- tema nervoso, o habito e as más condições da economia são as circumstancias que entretem a incoherencia dos movimentos. As loções frias, os banhos de chuva, de mar, as duchas re- presentão a ultima parte do tratamento da dansa de S. Guido, mas serão sempre proscriptos quando houver uma localisação visceral da diathese rheumatica e nas creanças, quando causão emoções, como uma viva repugnância. Gymnastica medica. — A gymnastica medica ou a mecano-the- rapia, como a denomina Schraeber, praticada segundo os principios rigorosos estabelecidos por Ling (Principios geraes da Gymnastica, Upsal, 1833) é um dos meios curativos mais seguros e simples nos casos em que a agitação é de pouca gravidade e não obriga o medico a uma intervenção mais activa, que debelle mais rapida- mente a moléstia. Dos methodos de tratamento empregados na primeira metade d'este século a gymnastica é um dos poucos que devem ser conservados. A applicação da gymnastica no tratamento da dança de S. Guido data com effeito de muitos annos, forão os brilhantes resultados co- lhidos por Ling na Suécia com a gymnastica jussita e ordinata que induzirão Lauvet de Lamarre a aconselhal-a em França, para romper o habito mórbido que tantas vezes entretem a moléstia no fim do trata- mento pelos meios pharmaceuticos. Joly pouco depois (1836) em uma memória apresentada á Academia de Medicina indica a gym- nastica, a dança e o exercicio ao piano como recursos de grande valor para a cura desta moléstia. Pela mesma época Recamier confiando na influencia dos movimentos cadenciados sobre as con- tracções desordenadas dos músculos da vida de relação, obriga os seus doentes a seguirem os batalhões pelas ruas de Pariz, e Trous- seau sujeita-os a exercicios rythmados mediante um metronomo. D'esde então a gymnastica activa e passiva foi apregoada, princi- palmente depois que Blache com os factos de sua clinica assegurou 118 a superioridade d'este methodo sobre muitos outros. Os médicos não tiverão mais do que vencer a reluctancia do povo que não comprehendia a utilidade de uma therapeutica tão simples. Em 108 doentes tratados exclusivamente pela gymnastica Blache dá como média da duração do tratamento 39 dias. Sée em 22 obteve 18 vezes a cura em um prazo de 30 dias. Moynier em sua these reúne 77 casos tratados somente pelo methodo de Ling e todos terminados pela cura em menos de 45 dias. Este ultimo resultado não é muito favorável pois que tal espaço de tempo é suficiente para a terminação espontânea da choréa, tanto mais quanto o tra- tamento só foi encetado quando a nevrose já datava de muitos dias. Quando a gymnastica modifica favoravelmente a moléstia, as mudanças são tão rápidas, que no fim de poucos dias, 8 a 12, os doentes já podem caminhar desembaraçadamente, servir-se regular- mente dos seus braços e fallar de modo intelligivel; em seguida nota-se uma parada na marcha decrescente dos symptomas, depois melhora rápida e por fim a cura. O processo que dá melhores e mais promptos resultados é o de Laisné f Application de Ia gymnastique à Ia guérison de quelques maladies — Paris, 1865), ex-professor no collegio de S. Luiz-o-Grande e encarregado da direcção dos exercidos gymnasticos nos hospitaes de Paris. Laisné collocava o doente diante de si e fixava-o solida- mente com as pernas, amarrava-lhe as mãos e obrigava-o a executar com cada braço alternadamente movimentos rythmados ao som de algum instrumento, ou por meio do canto, evitando sempre que os movimentos spasmodicos alterassem os movimentos cadenciados. Terminado o exercicio, fixava os braços e passava ás pernas. De- corridos alguns momentos fazia uma pausa, durante a qual pro- curava impedir todo o movimento pathologico. Quando o doente executava bem e sem auxilio do professor os movimentos ordenados, isto é, se já praticava a gymnastica activa, passava a outra ordem de exercicios (escadas, barra fixa, etc), em que a vontade d'elle intervinha exclusivamente. Como actúa a gymnastica no tratamento da choréa? A sua 119 acção tônica é incontestável, e Blache, sem negar o effeito salutar que ella exerce sobre a nutrição, dá a seguinte explicação : o que se oppõe nos choreicos ao livre exercicio dos movimentos volun- tários é a acção insuficiente, ou mal regulada, dos músculos prin- cipaes destinados a produzil-os, e a falta de precisão nas contracções dos antagonistas ou moderadores. Para debellar este estado de- vemos augmentar a tal ponto o império da vontade sobre os músculos, que as contracções d'aquelles que ella põe em jogo sobre- pujem ou facão entrar nos limites naturaes as contracções invo- luntárias dos antagonistas, o que se obtém com os exercicios da gymnastica medica; a regularidade dos movimentos, o seu rythmo, a imitação nos exercicios em commum, são circumstancias que tendem a collocar os movimentos sob a dependência da vontade e a supplantar a acção nervosa. 5.° GRUPO MEDICAÇÃO DEBILITANTE Tartaro emetico. — O tartaro stibiado é o representante da medicação debilitante dirigida contra a choréa. Como na hysteria os medicamentos os mais oppostos têm proporcionado nas mãos de diferentes médicos o mesmo resultado — a cura —; assim é que ao lado da medicação reconstituinte, tão racional em uma moléstia em que o enfraquecimento e a anemia são infalliveis, vemos figurar o tartaro, cuja acção hyposthenisante e deprimente é invocada. O primeiro medico que tentou o emprego do emetico em França foi Laennec, conseguindo por este meio a cura em três doentes, aos quaes deu o medicamento de modo a estabelecer a tolerância; conseguia tal effeito unindo-o ao ópio em uma infusão aromatica, espaçando as doses e augmentando-as progressivamente até que os symptomas declinassem. O methodo de Laennec pôde, pois, ser resumido assim: 1.°, administração quotidiana do emetico em doses estacionarias, quando a melhora é rapidamente obtida; 2.°, ad- ministração do medicamento de modo a produzir a tolerância e 120 evitar o mais possivel os vômitos e as dejecções alvinas, no caso contrario. Breschet associava o emetico aos drásticos, razão porque as observações que cita não depõem muito em favor da eficácia do primeiro. Barbaud aconselhava também o methodo mixto—tartaro e purgativos. Bouley, em 1857, mostrou-se partidário do emetico em altas doses, logo no começo, provocando antes do que evitando os vômitos e a diarrhéa, com o fim de modificar rapidamente o estado geral. No primeiro dia elle dava 0,50, e se a moléstia não cedia, elevava a dose a 1 gr. e mesmo a 1,5 em duas vezes com meia hora de intervallo. Sob influencia d'este tratamento aos vômitos e ás dejecções succedia uma prostração excessiva, não raras vezes acompanhada de syncopes e hypothermia. Por meio de tão enérgica medicação, Bouley poude em todos os seus doentes debellar ra- pidamente a affecção; as recahidas e outros accidentes imprevistos porém forão freqüentes, o que nos prova que o tratamento perigoso e brutal d'esse medico tinha apenas effeito momentâneo. O methodo mais moderno e o único que hoje ainda pôde ser tentado em alguns casos é o de Gilette, em que a cura total se compõe de muitas curas parciaes. As doses são divididas em series, que na opinião do auctor têm por fim evitar o accumulo do emetico, o qual como a strychnina pôde permanecer 2 ou 3 dias na economia, sem produzir phenomenos physiologicos, mas que depois, brusca- mente, sem causa apparente, provoca vômitos, dejecções diarrheicas, collapso, etc. Para obter a tolerância Gilette não emprega o processo de Laennec, administra o tartaro em poção gommosa simples, mas por doses fraccionadas durante as 24 horas; os choreicos, diz Bonfils, supportão tão bem o emetico dado por este modo, que em muitos a alimentação pôde ser continuada. Eis em que consiste o methodo de Gilette: No 1.° dia o doente toma 20 centigr.; no 2.° a dose é dupli- cada e no 3.° triplicada; mantem-se na expectativa durante 3 dias. Se a moléstia não declina e os symptomas persistem com a mesma violência, passa-se a uma segunda serie semelhante á primeira, com 121 a dose inicial não mais de 20 centigr., mas de 25 centigr., isto é, no 1.° dia d'este segundo periodo de tratamento a dose deverá ser de 25, no 2.° de 50 e no 3.° de 75 centigr. Se depois de 3 a 5 dias de repouso a moléstia ainda continua, nova serie deve ser tentada, começando-se pela primeira dose da segunda serie, augmen- tada de mais 5 centigr., duplicando-a no segundo dia e triplicando-a no terceiro (30 c, 60 c. e 90 c) etc. Sob a influencia d'este tra- tamento os movimentos choreicos ou cessão completamente no se- gundo ou terceiro dia, o que é raro, ou a melhora segue marcha lenta e progressiva e só no fim de 20 a 30 dias a cura é obtida. Tal resultado não nos parece porém tão favorável que justifique uma medicação tão perturbadora e debilitante, porque é fora de duvida que o tratamento antimonial só offerece probabilidades de cura quando é instituído em altas doses. O tartaro emetico tem dupla acção; seus effeitos varião segundo as doses : em pequena quantidade, os systemas nervoso e muscular são excitados, d'onde os vômitos, o augmento da tensão arterial, da excreção urinaria, a exaltação do poder excito-motor. Em doses elevadas elle deprime o automatismo medullar e a acção muscular, d'onde a prostração, a diminuição e enfraquecimento das impulsões cardiacas, diminuição da tensão arterial e da uropoiese (Dujardin). Ora, se este quadro assustador que acompanha as doses Rasorianas não é seguido de cura rápida, não vemos no processo de Gilette grandes vantagens e nem podemos comparal-o á medi- cação pelos tônicos, pelo bromureto, pelo chloral ou pela electri- cidade. Quando muito será tentado se estes recursos forem im- proficuos. As sangrias aconselhadas por Sydenham, os revulsivos intes- tinaes são ainda espoliativos que não têm indicação (Guersant). A extensa serie de medicamentos que acabamos de enumerar en- cerra os principaes recursos a tentar no tratamento da choréa; mas, se quizessemos percorrer a lista de todas as substancias que têm sido 122 lembradas, se quizessemos fallar de todos os agentes therapeuticos que ao lado de alguns successos proporcionarão numerosas des- illusões, teríamos de commentar quasi toda a therapeutica. Limi- tamo-nos a mencionar ainda os seguintes: O nitrato de prata (Franklin, Powel); o chlorureto de cálcio, empregado pelo Dr. Rodolfi na dose de 50 centigr. a 1 gr. por dia; a veratrina (Baker); o sulphato de zinco (Magendie); a metallothe- rapia (Pouzol — Lyão med. 1880); o salycilato de sódio (W. Mit- chell); os sáes de zinco-oxydo, lactato, sulphato, o valerianato (Barlow, Butlin, West); o nitrito de amyla (Zeigler); a valeriana, o castoreo (Neumeister), etc. A cannabina ou haschichina, resina activa da cannabis indica, foi aconselhada por Michel (de Cavaillon) que propõe esta prepa- ração : Tinctura de haschich.................. 2,0 Xarope................................... 30,0 Água...................................... 120,0 Misture. Para tomar uma colher de 5 em 5 horas. Corrigan administrava a tinctura na dose de 5 a 10 gottas 3 vezes durante o dia. Os resultados, podemos dizer, forão nullos, a cura só foi obtida depois de algumas semanas. Este agente de excitação cerebral e das percepções sensoriaes, esta planta que envolve em atmosphera de illusões e volúpia aquelles que a fumão, que arrebata-os para um mundo de fadas que não poupão sorrisos e seducções, esta substancia que concede aos povos do Oriente e da África os gozos de um paraizo prema- turo, esse ópio dos Indianos e Musulmanos não pôde ser adoptado na therapeutica da choréa (*). (x) Das experiências feitas por von Schroff, Fronmuller, Heinrich e Preobras- chensky, resulta que os effeitos do haschich varião segundo a dose, a preparação e a ordem de idéas que preoccupão os individuos: ora é o abatimento e a tendência ao somno, acção semelhante á do chloral (0,5 a 1,0 do extracto alcoólico, von Schroff); ora a exaltação da imaginação e os sonhos de amor. Fronmuller tomando 15 grammas da preparação conhecida pelo nome de opiato de Madjum, exprime-se assim: « Pouco tempo depois não podia manter-me em pé, mas via e entendia o que se passava em torno de mim ; minha imaginação fluctuava no céo e sobre as águas ; ora entretinha-me com os anjos, ora sentia-me transportado para os ares, ora, emfim, vagava sobre as ondas em companhia de nymphas que prodigalisavâo seducções ». 123 Os vesicatorios ao longo do rachis, o sedenho applicado á nuca (Crawford),as incisões do couro cabelludo (Blakmore Southam) são meios completamente esquecidos e justamente abandonados. Riquíssima é, pois, a therapeutica da choréa e ainda que o gênio mórbido da moléstia proteste contra a especificidade attri- buida a este ou áquelle medicamento, parece que o medico só terá a dificuldade da escolha. Mas essa riqueza não é real. Dizer que 20 agentes therapeuticos podem ser tentados contra uma mo- léstia, é significar que nenhum d'elles merece inteira confiança e tal é o que succede com a choréa; a substancia que para um me- dico mostrou-se heróica, para outro foi um recurso insignificante. Foi o que se passou em relação á eserina, a hyosciamina, a stry- chnina e ao emetico, alternativamente apregoados e depreciados. O arsênico, o bromureto de potássio, o chloral e a gymnas- tica reúnem ainda a adhesão de quasi todos; os banhos sulphu- rosos, a electricidade e as pulverisações de ether tem preroga- tivas menos acolhidas e successos mais contestáveis, Sob o ponto de vista therapeutico devemos dividir a choréa em benigna e grave. A l.a será tratada pelos meios que menos abalão o organismo — a gymnastica, as pulverisações de ether, o bromureto de potássio ou o chloral; ou ainda poderemos usar de uma medicação mais simples — a hydrotherapia e os tônicos. Quando a choréa for grave, a violência dos movimentos im- pedir a alimentação e produzir escoriações numerosas, a therapeu- tica será mais enérgica; deveremos diminuir rapidamente a inten- sidade da moléstia por meio do arsênico e do bromureto de potássio em altas doses, ou do arsênico e do chloral. Se no fim de alguns dias nada tivermos conseguido, como ultimo recurso applicaremos o methodo de Gilette. Quando a choréa se desenvolve em individuos lymphaticos, rheumaticos ou syphiliticos, o iodureto de potássio e os mercuriaes modificando as condições do organismo, combatendo o elemento diathesico, auxilião poderosamente o tratamento. CHORÉA GRAVIDARUM O periodo da gestação é algumas vezes interrompido pelo apparecimento de uma ataxia motora inteiramente semelhante aquella que caracterisa a dansa de S. Guido, ê a choréa gravidica. A choréa gravidica tem o mesmo aspecto clinico, os mesmos symptomas que a choréa vulgar, e se lhe fazemos uma descripção á parte é simplesmente por causa da sua etiologia especial e im- portância prognostica. Os symptomas são idênticos; consistem em movimentos invo- luntários, contínuos e incoerciveis que agitão toda a musculatura da vida de relação, ou limitão-se a um lado do corpo. A fôrma unilateral é menos commum que a bilateral e se encontra na proporção de 20 °/0- O somno faz cessar a agitação motora; só nos casos em que a moléstia se torna violenta a sua âcção benéfica deixa de manifestar-se, e em taes casos elle torna-se impossível, ou é agitado por sonhos e pesadelos. Assim como na choréa vulgar, na choréa gravidica a intensi- dade dos symptomas varia. Em algumas doentes a incoherencia é pouco pronunciada, as contracções musculares de pouca energia impedem apenas a quietação dos membros, principalmente supe- riores. Em outras o quadro symptomatico é assustador; J. Frank conta que uma mulher, choreica duiante a infância foi novamente acommettida do mesmo mal em sua l.a gestação e a choréa foi tão violenta que deu lugar á numerosas escharas. Na doente de Rhomberg o 1.° artelho ficou esphacelado; na de Inglebey a agi- tação foi tal que dificilmente podia ser contida no leito; na de 126 Wolf os movimentos convulsivos quasi impedirão a alimentação. As convulsões epilépticas e hystericas ás vezes complicão a ataxia choreica, Mosler, Rhomberg e Duncan citão algumas observações. A choréa da prenhez apresenta certas particularidades que devemos notar: As perturbações cerebraes não têm a mesma freqüência que na choréa da infância. Hefft refere em uma observação o delirio e Lever em outra o enfraquecimento da memória. Barnes em 17 casos, que terminarão pela morte, observou duas vezes a mania. Estes factos, porém, são raros. A intensidade dos movimentos involuntários em algumas doentes é exagerada pelos movimentos activos do feto, como Hand e Hecker verificarão; o tocar vaginal parece produzir o mesmo resultado. As experiências feitas com a electricidade, quer com o appa- relho de inducção, quer com a corrente voltaica, provocão os mesmos effeitos que na choréa vulgar, isto é, abalos reflexos; a pelle ao longo da columna vertebral é mais sensivel á excitação electrica do que no estado normal. O máximo de freqüência está comprehendido entre 17 a 24 annos, corresponde á época da l.a gestação. A primiparidade é uma condição favorável, como se vê nas estatísticas de Mosler, Barnes e Fehling. Este ultimo auctor em 68 observações, únicas que conseguio reunir (1875), dá esta proporção: primiparas 33, multiparas ou desconhecidas 35. Dos 3 casos de Charpentier 2 pertencem a primiparas. Outras vezes a mulher atravessa sem accidentes os 9 mezes da l.a prenhez e só na 2.a manifesta-se a nevrose; os casos rela- tivos á 3.a ou á 4.a são rarissimos. Geralmente é durante os primeiros mezes que a choréa ap- parece, posto que até no ultimo e mesmo depois do parto tenha sido observada. Mosler em vinte e uma doentes encontrou 15 que apresentarão movimentos choreicos antes do 5.° mez. Barnes em 57 casos (1869) notou 30 nas mesmas condições. 127 Na etiologia da choréa gravidica devemos ainda ter em conta as emoções moraes, o rheumatismo, a existência da nevrose du- rante a infância, a chloro-anemia, cuja acção foi evidente na doente de Inglebey, em que a moléstia declarou-se no 9.° mez, após duas sangrias praticadas com o fim de debellar uma cepha- lalgia rebelde. Como devemos considerar a influencia pathogenica da gravidez ? Não acreditamos que a prenhez por si só possa produzir a choréa, mas que constitue antes pelas modificações que acarreta no orga- nismo, pela nutrição insuficiente a que sujeita o systema nervoso, uma predisposição, e que a intervenção de outros elementos etio- logicos é indispensável para a manifestação da desordem motora. Ainda mais em muitos casos a gestação parece apenas renovar a predisposição que durante a infância já existia e se revelou pelo apparecimento da moléstia ; nas 33 doentes de Fehling, todas pri- miparas, 15 tiverão accessos anteriores de choréa. Os antecedentes choreicos tem pois grande valor etiologico. Prognostico. — O prognostico na choréa gravidica é mais reservado do que na choréa vulgar e desfavorável para a mãe e para o feto. Para o feto porque o aborto e o parto prema- turo são conseqüências muito freqüentes, tanto mais quanto menos tardio é o seu apparecimento. Para a mãe porque a morte não constitue mais uma terminação eventual como na dansa de S. Guido. Das 57 doentes de Barnes 17 morrerão depois do delivramento; em 69 casos de Spiegelberg vinte vezes teve lugar a morte. Consultando os 31 casos reunidos por Jaccoud achamos 4 fataes, isto é 1 sobre 7, emquanto que na dansa de S. Guido, segundo Sée, a proporção da mortalidade é de 1 para 18 doentes. Emquanto que a interrupção da prenhez é mais commum na choréa dos primeiros mezes, a gravidade da moléstia é maior quando ella se desenvolve durante os 4 últimos mezes e nas multiparas. A duração da choréa gravidica é geralmente a da gestação, os movimentos só diminuem depois da expulsão do feto; então a cura obtem-se gradualmente e ás vezes rapidamente. Tratamento. — A medicação tônica é a mais proveitosa. Os 128 inglezes empregão de preferencia o carbonato de ferro para com- bater a chloro-anemia; a mesma indicação pôde ser preenchida pelos banhos sulphurosos. Os sedativos—o bromureto de potássio, o chloral são ainda recursos valiosos para attenuar a violência da ataxia. O tartaro, o opio e o arsênico, tão útil na choréa vulgar, são contra indicados. Finalmente quando a choréa resiste a todos os meios de tra- tamento Spiegelberg aconselha o parto prematuro artificial e mesmo o aborto. Choréa dos velhos A choréa dos velhos constitue uma variedade da choréa vulgar. Os casos mais curiosos conhecidos até certo tempo erão os de Bourneville em uma mulher de 64 annos, o de Sée em um homem de 59 annos, 2 observados por Charcot aos 60 annos, 1 de Jeffreys também aos 60 annos. Coste refere o caso de um professor de anatomia que tornou-se choreico aos 60 e tantos annos. Sauvages, Powell, Maton, Graves citão observações de choréa aos 70 e 80 annos. Bouteille observou movimentos choreiformes em uma mulher de 80 annos e Bengeron em outra de 83. Hoje elles são numerosos e. segundo nos diz Charcot, freqüentes na Salpetrière. A choréa dos velhos tem o mesmo aspecto clinico que a choréa vulgar quanto ás perturbações da motilidade: os movimentos anor- maes tem os mesmos caracteres — são involuntários, irregulares, arythmicos; cessão durante o somno e são exacerbados durante os movimentos intencionaes. A fôrma geral ou dupla é mais freqüente que a parcial ou unilateral. Ha porém algumas diferenças entre a 129 choréa da velhice e a choréa vulgar, que se referem ao modo de invasão, á duração e ao estado mental. 1." A choréa dos velhos apparece sem precedência de pheno- menos prodromicos e em poucos dias attinge o seu máximo de in- tensidade ; geralmente a causa determinante é uma emoção violenta. 2.a Na choréa senil as perturbações intellectuaes ou faltão completamente ou são pouco pronunciadas, consistindo apenas em enfraquecimento das faculdades mentaes. 3.a A choréa senil é geralmente uma moléstia de longa dura- ção, uma vez constituida é incurável. Entretanto ha alguns casos de cura, mas então quasi sempre esta é obtida no fim de muitos annos. O prognostico pois sem ser grave é menos favorável que na choréa ordinária. O diagnostico é fácil — a incoherencia e instabilidade choreicas são características e o que dissemos a este respeito sobre a choréa vulgar tem aqui applicação. Choréa rythmica hysterica As hystericas são sujeitas a perturbações da motilidade que pelas analogias que tem com os movimentos choreicos constituem uma nova espécie de choréa — a choréa hysterica rythmica. Di- zemos uma espécie porque a semelhança não é completa, ha apenas analogia, e a denominação de rythmica que lhe cabe já faz prever uma diferença saliente. A choréa hysterica consiste em movimentos involuntários contínuos e de grande amplitude que se manifestão geralmente depois das crises convulsivas, nas mesmas condições em que appa- 5Í«0 9 130 recém as contracturas, as hyperalgias, as paralysias e as anasthe- sias, phenomenos que caracterisão a diathese hysterica. Ainda mais: parece existir verdadeira subordinação da choréa hysterica aos ataques convulsivos, pois que não só lhes succedem na maioria dos casos como, do mesmo modo são attenuadas e até momen- taneamente suspensas pela compressão methodica dos o vários. Em uma doente da clinica do professor Charcot e cuja observação vem publicada no Progrès medicai (1878 — 9 fev.), a agitação choreiforme cessava sempre que se comprimia a região ovariana e emquanto esta durava era substituida por contractura, rigidez muscular. O que porém constitue o distinctivo da choréa hysterica, é a regularidade, a systematisação dos movimentos. Estes como os da choréa vulgar são amplos, independentes da vontade, contínuos durante a vigilia, porém não mais desordenados; ao contrario seguem sempre a mesma ordem, tem um rythmo constante, inva- riável. A doente de Charcot é um exemplo curioso — os movi- mentos cadenciados alternativos de extensão e de flexão, occupavão não só os membro^ do lado direito como também obrigavão o tronco e a cabeça a uma mobilidade constante. Se a doente estava deitada o tronco flexionava sobre a bacia, e a cabeça inclinava-se sobre o peito; depois descrevião movimentos de extensão ao passo que nos membros direitos, que durante a l.a phase se tinhão col- locado em extensão completa, a flexão tinha lugar; de sorte que a extensão da cabeça e do tronco coincidia com a flexão do ante- braço sobre o braço e da perna sobre a coxa e vice-versa. Na phrase de Charcot « dir-se-hia a imagem de uma saudação pro- funda, ridicula pela repetição e exageração ». Taes saudações erão em n.° de 30 a 80 por minuto e só cessavao durante o somno, recomeçando sempre que a doente dispertava, apoz um curto pe- riodo de rigidez muscular. Na doente de Charcot a choréa era unilateral; outras vezes é a fôrma dupla que se observa como em duas observações l.a e 2.a de Trousseau. A 2.a e a 3.a são particularmente interessantes, porque naquella durante os actos voluntários a agitação choreica 131 cessava; e n'esta porque havia um meio muito fácil de collocar o apparelho muscular em estado de perfeita synergia funccional — era pedir á doente que executasse alguma musica ao piano. Ella que não podia servir-se dos membros para os diversos trabalhos manuaes, conseguia com a maior facilidade e correcção dedilhar fusas e semi-fusas, e isto durante horas inteiras. Diversas denominações são dadas á choréa rythmica hysterica de accôrdo com os actos que os movimentos simulão. Assim na doente de Charcot temos um exemplo de choréa malleatoria, porque os movimentos lembravão aquelles que empregão os individuos que manejão o martello. Ha ainda as fôrmas — natatoria, saltatoria, etc. Quanto a tosse hysterica — tosse secca, quintosa, de timbre metallico, paroxistica, apresentando sempre os mesmos caracteres e o mesmo rythmo monótono — nenhuma razão ha para consideral-a como manifestação choreiforme. Em resumo — o que caracterisa a choréa hysterica é o rythmo a que os movimentos contínuos e involuntários obedecem, o typo constante segundo o qual se reproduzem. O prognostico e o tratamento são os dos outros symptomas nevropathicos da hysteria. DAS HEBICHORÉAS SYMPTOMATICAS La notion de 1'hémianesthesie est connexe de celle de 1'hémichorée, car ces deux phénomènes presque toujours simultanément observes recon- naissent une origine presque identique et présen- tent des analogies evidentes. (RENDTJ e GOMBATJLT.) O estudo da hemichoréa como symptoma de lesões cerebraes é novo, data apenas de 1874, época em que Weir Mitchell de Philadelphia, analysando as observações recolhidas em sua clinica, tentou subordinar o estado choreiforme que succede a hemiplegia e principalmente ás paralysias da infância, ás alterações materiaes da substancia cerebral; apezar de ter confundido a tremulação dos hemiplegicos com o movimento choreiforme cabe-lhe o mérito da iniciativa nesta nova questão de localisação pathologica. Bazin, Lebert, Casenave e outros observarão casos que pertencião eviden- temente ao grupo que estudamos, mas, assimilando-os ás fôrmas unilateraes da choréa vulgar, virão nas lesões que encontrarão provas contrarias á natureza nevrotica d'esta moléstia. Travers, Rood e Aitken referem também alguns factos de choréa symptomatica; este ultimo notou diminuição de peso no corpo opto-striado, e o primeiro o amollecimento do cérebro. Tuckwell (1867) e Jackson (1872) citão as observações dos auctores precedentes attribuindo-as á choréa vulgar ou geral, fazendo-as valer em favor da theoria da embolia. Foi Mitchell quem pela primeira vez descreveu a choréa post- paralytica dos adultos. No curto espaço de 10 annos a hemichoréa post-hemiplegica 134 tornou-se um symptoma quasi de tanto valor e precisão em neuro- pathologia como a aphasia e a hemi-anesthesia, graças ás pesquizas de Lepine, Veyssière, Raymond e Charcot principalmente. Dividiremos o assumpto em duas partes : trataremos da des- cripção symptomatica e do diagnostico e em seguida da localisação anatômica, insistindo sempre sobre a hemianesthesia cerebral, com- panheira quasi constante da hemichoréa symptomatica. A causa mais commum da hemichoréa é a hemorrhagia cere- bral. O estado choreiforme segue ou precede o estado paralytico e d'ahi as denominações de himochoréa post-hemorrhagica ou post- paralytica e de hemichoréa prce-paralytica ou prce-hemorrhagica. Ha outras lesões que podem determinar movimentos choreiformes unilateraes porém menos vezes que o ataque hemorrhagico, taes são os tumores e a atrophia cerebral. São considerados excepcionaes os factos relativos á outras influencias pathologicas. Gübler observou no hospital de Beaujon um caso de hemichoréa dependente de intoxicação saturmina e que terminou pela cura. C. Handfiel (*) publicou outro de hemi- choréa consecutiva a commoção cerebral. A observação refe- rida por Bouchut é muito curiosa: uma creança de 11 annos tendo experimentado uma violenta queda apresentou no dia immediato hemiplegia, diplopia, movimentos choreicos no lado direito e anesthesia completa de todo o tegumento cutâneo. A medicação sulphurosa foi empregada e no 5.° dia a doente estava completamente curada, resultado que o próprio Bouchut attribuio mais a uma feliz coincidência do que á medicação. Na observação publicada no Centralbatt (1871) a autópsia indica como causa dos movimentos choreiformes a sclerose do corno de Ammon. Na these de Veyssière vem citada a historia de uma menina que apresentou vômitos, embaraços na palavra, phenomenos da choréa e strabismo convergente do olho direito; pela autópsia se verificou (*) British med. Journ., 1872. 135 a existência de um abcesso occupando o lado direito da protube- rancia. Em outra observação (The Lancet, 1871) os movimentos anormaes que se manifestarão nos membros inferiores e na mão direita erão devidos, como o mostrou a neeropsia, a um tumor (glioma) do cerebello ou, como suppõe o auctor da publicação, á um glioma que comprimia o bulbo. Finalmente nós observamos no corrente anno movimentos involuntários contínuos e unilateraes em um individuo que apresentava os symptomas da epilepsia Jackso- niana; alguns dias depois graças á medicação empregada estes phe- nomenos desapparecerão. Os casos em que a hemichoréa tem sido observada pertencem como dissemos quasi todos a hemorrhagias e aos amollecimentos cerebraes; os tumores e as atrophias vem em segundo lugar. Hemichoréa post-paralytica ou post-hemorrhagica. — A hemi- choréa post-hemorrhagica, longe do que se poderia pensar, não manifesta-se logo apoz o ictus hemorrhagico; phenomenos caracterís- ticos precedem o seu apparecimento, que é tardio e gradual. Eis geralmente o que se observa: o individuo tem um ataque de apoplexia e quando volta a si vê-se na impossibilidade de mover os membros de um dos lados, tem todos os symptomas da hemiplegia vulgar e durante algum tempo conserva-os sem modificação alguma. Em seguida sobrevem contractura pouco pronunciada nos mem- bros paralysados, que até então se achavão em estado de resolução completa; mas essa contractura desapparece gradualmente e a ella succede a flacidez primitiva. A mesmo tempo, geralmente 6 a 8 mezes depois da hemorrhagia, a paresia substitue o estado paralytico, isto é o doente começa a executar alguns movimentos. E então que a ataxia choreica se manifesta e se desenvolve rapidamente : os movimentos anormaes á principio pouco extensos adquirem em breve sua amplidão máxima e os caracteres da instabilidade e da incoherencia choreica. Os movimentos choreiformes mostrão-se em todo o lado ante- riormente paralysado ou simplesmente nos membros. Se o doente quer levar um copo d'agua á bocca, em vez de seguir a linha recta, oscilla com a mão em diversos sentidos, entorna freqüentemente o 136 liquido, e só com dificuldade realisa o seu intento. Se procura collocar a mão sobre a cabeça, pára o conseguir descreve trajectos sinuosos, leva-a ao pescoço, á face, etc A marcha torna-se impossível ou diíficil, não pelo facto da paresia, mas por causa das contracções asynergicas dos músculos do membro inferior; o pé projecta-se em diversas direcções, fle- xiona-se e estende-se sobre a perna, e esta sobre a coxa; o rotula é alternadamente levantado e abaixado. Se a face participa da desordem da motilidade, a physionomia apresenta o aspecto o mais bizarro, contrastando a immobilidade de um dos lados com a mo- bilidade do outro. A agitação choreica persiste na ausência dos actos voluntários, mesmo durante o repouso; os esforços do doente para a moderar não fazem mais do que exageral-a. A vista nenhuma influencia exerce. Em summa, os symptomas da motilidade são os mesmos que os da hemichoréa^vulgar ou nevrotica. Existe, porém, um syndroma que as distingue, tão freqüente na hemichoréa symptomatica, quanto é raro na choréa nevrotica; queremos fallar da hemianesthesia cerebral, assumpto que fornece dados os mais precisos sobre a natureza da hemichoréa que a acom- panha. Tão significativa é a combinação destes dois phenomenos que poderemos_dizer: A coexistência da hemichoréa e da hemianesthesia quasi sempre indica uma lesão cerebral, tem um valor diagnostico muito preciso. Dizemos quasi sempre porque, segundo Moynier, a abolição da sensibilidade em um dos lados póde-se encontrar na hemichoréa vulgar; entretanto as poucas observações citadas por este auctor, Grisole e Trousseau são as únicas a que alludem todos os outros que se referem á possibilidade de tal união. A vista da importância que tem a hemianesthesia no estudo dahemichoréa julgamos dever insistir, posto que summariamente, sobre os phenomenos que d'ella dependem. A hemianesthesia é geralmente anterior á hemichoréa. Ella apparece rapidamente ou ao contrario, gradualmente depois do ataque apopletico; conseguiu temente precede de alguns mezes a 137 perturbação da motilidade, e quando esta manifesta-se a perda da sensibilidade é completa e absoluta, a anesthesia invade as partes superficiaes e profundas, a sensibilidade táctil e os sentidos especiaes, todas as suas modalidades emfim. A abolição da sensibilidade é quasi rigorosamente limitada ao ladoh emichoreico, só próximo á linha me- diana, na zona correspondente ás anastomoses dos nervos dos dois lados, ella é incompleta. A pelle pôde ser comprimida, atravessada por uma agulha, o doente não sentirá; o contacto de um corpo quente também pas- sará desapercebido; o sentido muscular é affectado e a anesthesia estende-se muitas vezes ás partes profundas. As mucosas participão igualmente da insensibilidade unilateral; assim a conjunctiva, a mucosa nasal e pharyngiana, quando excitadas não dâráõ mais lugar aos reflexos habituaes. Mas se a conjunctiva tem perdido a sensibilidade a córnea ainda a canserva, o que pôde ser explicado (Magnan) pela innervacão differente d'essas partes. Phenomenos mais interessantes se passão nos órgãos dos sen- tidos. A audição e a gustação ficão abolidas ; o contacto das sub- stancias as mais sapidas não produz sensação alguma no lado da lingua correspondente ao da hemiplegia, e o tic-tac de um relógio não é percebido, ou o é confusamente, pelo ouvido do mesmo lado. As perturbações sensoriaes não se limitão ainda aos sentidos bulbares, ellas affectão igualmente os sentidos superiores, segundo a denominação de Charcot, isto é, a olfação e a visão, o que con- stitue um facto importantíssimo para o diagnostico da sede da lesão, como veremos mais adiante. As modificações para o lado da visão consistem em diminuição da força visual e estreita- mento concentrico do campo. Ha também dyschromatopsia ou achromatopsia, e o estreitamento do campo das cores ainda é con- centrico, isto é: o campo visual da côr azul será sempre o mais extenso, depois virá o do amarello, do alaranjado, etc, e o do violete será o primeiro a desapparecer. A ambliopia que acompanha a hemianesthesia e da qual Landolt se occupou detalhadamente, levou Charcot a emittir uma 138 hypothese ousada, mas plausível, sobre o trajecto intracraneano das raizes do nervo óptico — a suppôr um duplo cruzamento parcial das bandelletas ópticas, e não somente a semi-decussação no chiasma. Com effeito, se a bandelleta óptica direita, por exemplo, fornecesse, como querem alguns histologistas, fibras á metade externa do olho direito e á metade interna do olho esquerdo, é claro que a lesão que a interessasse em seu trajecto ou em sua origem, uma lesão unilateral em summa, deveria ser seguida de hemiopia. Ora, é exactamente o que não se encontra na hemianesthesia cerebral, devida á uma lesão da cápsula interna: existe amblyopia mas não hemiopia, nem diplopia. A diíficuldade está em precisar o lugar d'esta segunda semi-decussação, que Charcot presume atraz dos corpos geniculados, sobre um ponto indeterminado da linha mediana, talvez nos tuberculos quadrigemeos. A hypothese de Charcot é engenhosa e explica facilmente a amblyopia na hemianesthesia, mas ainda não recebeu a demons- tração anatômica, e a observação de Bastian é a única que parece confirmar esta idéia da decussação completa das fibras ópticas. Taes são os symptomas da hemianesthesia cerebral que geral- mente coexistem com os movimentos choreicos. A hemiplegia incompleta (paresia) e as contracturas pouco pronunciadas dos membros superior e inferior completão o quadro clinico da hemichoréa post-paralytica. O doente pôde executar alguns movimentos, somente estes são perturbados pelas contrac- ções incoerciveis. As funcções orgânicas executão-se regularmente, e, pondo de parte uma certa depressão intellectual, a mentalidade não apresenta modificações notáveis. Hemi-choréa pr^e-hemiplegica. — A hemi-choréa pôde pre- ceder o estado paralytico, ser um phenomeno precursor da he- miplegia. Depois do ataque apopletico o individuo volta a si e apresenta em um dos lados movimentos involuntários, menos amplos que os da choréa vulgar ou da choréa post-paralytica, porém com os mesmos caracteres; elles persistem durante alguns dias, depois cessão e são substituídos pela hemiplegia. 139 Duas circumstancias tornão-se então possíveis: ou o doente morre no fim de algum tempo, ou gradualmente a paralysia des- apparece e elle cura-se. N'essas condições, se novos ataques apo- pleticos teem lugar, novamente a hemi-choréa precederá a para- lysia e assim muitas vezes successivamente. Como na fôrma post-hemorrhagica a hemianesthesia é freqüente. A hemi-choréa tem ainda sido observada em casos de atrophia e de tumores cerebraes. Desenvolve-se então lentamente no meio de outros symptomas dependentes da atrophia e da compressão desenvolvida pelo tumor. A hemianesthesia não é mencionada nas poucas observações que a scienca possue, o que prova que em taes casos a zona cerebral, onde se assestão as lezões que deter- minão abolição completa da sensibilidade em um dos lados, não foi comprimida pela neoplasia, ou que a compressão lenta e gradual não dá lugar aos mesmos accidentes que a lesão brusca, o amol- lecimento ou a hemorrhagia. O diagnostico da hemichoréa é fácil: o movimento choreico por seus caracteres distingue-se completamente dos tremores e não insistimos sobre este assumpto, porque já mostramos quaes as diffe- renças (vê diagnostico da choréa vulgar). Faremos apenas excepção para a tremulação dos hemiplegicos e para a fôrma hemiplegica da paralysia agitante, porque na primeira ha precedência de ataque apopletico, facto que é um dos mais valiosos para o diagnostico da hemichoréa symptomatica; e na segunda os movimentos per- sistem durante o repouso. A tremulação só apparece nos hemiplegicos algum tempo depois da hemorrhagia, isto é, pela mesma occasião em que a he- michoréa. A distincção se faz observando-se o doente durante o repouso, na ausência de qualquer acto voluntário; se os membros não são agitados não se trata da hemichoréa. Os movimentos cho- reiformes persistem durante o repouso, ao passo que a tremulação só se apresenta quando o doente procura servir-se dos membros pa- resiados e contracturados. Dissemos contracturados, porque é só quando já ha degene- rescencia secundaria dos cordões lateraes que ella se manifesta. 140 Por dous modos póde-se provocar o tremor hemiplegico. 1.° Ordenando-se ao doente que colloque o braço sobre a cabeça ou que faça qualquer movimento: emquanto este se executa, o membro experimenta oscillações rápidas, pequenas, verticaes e rythmadas, que se accentuão cada vez mais á medida que o braço vai attingindo o lugar desejado. 2.° O outro meio consiste em pro- vocar o phenomeno da mão ou do pé: o braço do hemiplegico na extensão, rapidamente colloca-se a mão em flexão forçada, ou melhor em extensão — a tremulação manifesta-se em todo o membro e continua emquanto dura a posição forçada da mão. Assim, pois, na tremulação hemiplegica os movimentos são pro- vocados e tem a mesma direcção; na hemichoréa elles são espon- tâneos e se fazem em todos os sentidos. Na paralysia agitante as oscillações involuntárias são continuas; o doente não as pôde impedir pela quietação, como acontece na sclerose em placas, na sclerose dos cordões lateraes, na atrophia cerebral, etc, mas o tremor é regular, rythmico, e acompanhado de outros symptomas, cuja significação é bem precisa. O diagnostico entre a hemichoréa symptomatica e a fôrma unilateral da choréa vulgar já offerece mais dificuldade. Os caracteres dos movimentos são os mesmos. Precisamos recorrer a outros symptomas, taes como : a hemianesthesia, que rarissima na choréa unilateral, é muito freqüente na hemichoréa hemorrhagica; a idade do doente, porque a choréa symptomatica é a choréa do adulto e a choréa nevrotica é a choréa da infância; a ausência de antecedentes rheumaticos e de emoções, etc. Estes signaes, porém, tem apenas valor relativo, e em ultima analyse é o ataque apo- pletico, seguido de hemiplegia, contractura, e depois flaccidez e paresia, que vem destruir a incerteza. A hemichoréa hemorrhagica tem prognostico desfavorável, é incurável, persiste durante toda a vida do hemiplegico. Quando é proehemorrhagica tem significação mais desfavorável, geralmente as hemorrhagias são mortaes. 141 Athetose e hemi-athetose Dá-se o nome de athetose a certos movimentos geralmente limitados aos dedos e aos artelhos, movimentos não rythmados, de grande extensão, lentos, contínuos e que se fazem em diversos sentidos. Em alguns casos não são somente as partes que indicamos que se deslocão, todos os músculos da mão e do pé entrão em jogo e d'ahi posições viciosas, attitudes forçadas. A face e o pescoço raramente participão da mobilidade anormal. Quando esta se limita a um lado, diz-se que ha hemi-etathose. A athetose é um syndroma que pôde manifestar-se em di- versas circumstancias, e cuja significação pathogenica é ainda incerta. Oulmont refere 11 observações de atrophia cerebral acompanhada de movimentos choreiformes limitados aos dedos. Brousse publicou no Montpelier med. (1879) outras 4 que mostrão entre a atrophia cerebral e a athetose uma coincidência tão freqüente, que faz suppôr entre ellas relações estreitas de causalidade. Nos casos de Rosenbach, Leyden e Cruveilhier, a athetose fazia parte da sympto- matologia do tabes dorsal. Outras vezes a athetose é uma perturbação motora que appa- rece isoladamente, como nos doentes de Hammond (1.°), Lincoln e Gairdner (1.°), em que a autópsia não revelou lesão alguma, mas em alguns dos quaes havia antecedentes de nevrose ou de rheuma- tismo. Nestas condições, a athetose deve ser considerada como uma choréa parcial limitada ás mãos, não mais um symptoma, porém uma nevrose. E foi assim que a descreveu Hammond (*), o pri- meiro que a estudou (1871). A athetose, diz o auctor americano, é uma affecção caracte- risada por movimentos incessantes dos dedos e dos artelhos, que mudão seguidamente de posição; affecção devida a lesões do corpo opto-striado. A opinião de Hammond, diante das observações hoje existentes, necessita de algumas modificações : a athetose em alguns casos, (*) Hammond — A treatise of deseases of the nervous system. (1881). 142 raros, é uma nevrose, uma variedade da choréa, uma choréa parcial; em outros mais freqüentes (e geralmente então reveste a fôrma unilateral) é apenas um conjuncto de symptomas que se manifesta ao lado de outros não menos indicativos de lesões encephalicas, das quaes a hemorrhagia é a que mais vezes vem mencionada nas observações. A hemi-athetose está, pois, para a hemi-choréa como a athetose está para a choréa, tal é a razão porque Charcot, Bernhadt e muitos neuro-pathologistas vêem nesse phenomeno apenas uma modalidade da hemi-choréa post-hemiplegica, opinião tanto mais razoável quanto a hemianesthesia e a hemiplegia, com- panheiras quasi inseparáveis da hemi-choréa, existem freqüentemente nos hemi-athetosicos. A athetose, em summa. ou é symptomatica ou nevrotica: no primeiro caso é comparável a hemi-choréa symptomatica e pôde ser produzida por lesões diversas, taes como a atrophia cerebral, o tabes dorsal, a sclerose em placas (observação de Eulemburg), sendo porém a mais constante a hemorrhagia; constitue então apenas uma variedade da hemi-choréa post-hemorrhagica. O caso, cuja obser- vação citamos (4.a observ., clinica do Dr. M. de Azevedo), está n'estas condições — a hemi-athetose é symptomatica de uma hemorrhagia cerebral, é uma hemi-choréa post-hemorrhagica. Sede das hemichoréas symptomaticas A hemichoréa symptomatica indicará sempre a lesão de uma região determinada, a mesma em todos os casos ? O seu apparecimento em uma affecção cerebral poderá precisar a sede dos elementos nervosos compromettidos ? 143 A hemichoréa em summa será um elemento seguro de loca- lisação? Eis o que vamos discutir com os dados que as necropsias, a clinica e a experimentação fornecem e que se não permittem con- clusões absolutas precisão bem os termos em que a questão deve ser resolvida. A hemichoréa é um phenomeno raro, em 100 hemiplegicos tomados ao acaso na Salpetrière, Raymond apenas encontrou 5 que apresentavão movimentos choreiformes. A hemianesthesia cerebral é também rara nos hemiplegicos. No momento do choque apoplectico ha stupôr geral, isto é reso- lução geral e instabilidade absoluta; esta porém é pouco duradoura e devida a phenomenos complexos, á modificações especiaes dos elementos nervosos, á ausência de percepção por parte do doente. A sensibilidade em pouco tempo se restabelece, posto que algum tanto obtusa, e só resta a hemiplegia. A perturbação sensitiva mais commum nos hemiplegicos é a anesthesia do sentido do lugar, como dizem os allemães fort sinnj: praticando-se uma excitação em um ponto qualquer no lado paralysado, o doente accusal-a-ha, mas se lhe pedirmos que com a mão do lado são indique o lugar da excitação, elle apontará outro muito distante — o concavo epigastricô, por exemplo, em vez do ante-braço (Potain). Ha entretanto alguns casos em que a perda da sensibilidade existe e constitue um facto importantíssimo que indica a sede precisa do foco hemorrhagico. Ora, se a hemianesthesia e a hemichoréa, accidentes raros, quasi sempre existem conjunctamente, esta correlação prova que se não tem a mesma sede, uma deve comtudo ser localisada próximo da outra, para que a mesma lesão, o mesmo foco de amollecimento ou de hemorrhagia possa determinal-as. Conseguintemente se conhecemos o feixe nervoso que tem sob sua dependência a hemianesthesia, devemos procurar nas visinhanças d'este a zona, cuja destruição ou irritação produz a hemichoréa. A hemianesthesia cerebral tem hoje uma significação diagnos- 144 tica tão precisa como a aphasia: ella quer dizer lesão da parte posterior do pé da coroa de Reil. Tal foi a convicção que as autópsias de Türck, Hirsch, Broadbent, Vulpian (10) Lepine, Veyssière, Rendu, Raymond e Charcot incutirão, que alguns auctores até insinuão a idéia de se attribuir a hemianesthesia hysterica, que tem todos os caracteres da hemianesthesia cerebral, a alterações materiaes do pé da coroa radiante, porém alterações tão pouco accentuadas que os actuaes meios de investigação não conseguem ainda verificar. Na parte posterior da cápsula interna está o feixe sensitivo descripto por Meynert e Huguenin, feixe directo que não contrahe relações com os gânglios centraes e que nos quadrumanos pôde ser acompanhado até o lobo occipital, cujas funcções sensitivas são admittidas por muitos. Inferiormente elle se dirige para os cordões posteriores occupando em seu trajecto a parte externa do pedunculo e da protuberancia, como fazem suppôr as expe- riências tentadas pelo Dr. Couty. É no trajecto d'este feixe centripeto que se assesta a lesão que occasiona a hemianesthesia, a qual pôde pois ser capsular, peduncular ou protuberancial. Mas a hemianesthesia que coexiste com a hemichoréa não é meso-cephalica porque o que a caracterisa é a abolição da sensibilidade da pelle e de todos os sentidos, tanto os superiores (visão e olfação) como os inferiores ou bulbares (audição e gustação), e isso se dará quando a parte posterior da cápsula interna, no pé da coroa radiante, fôr comprimida, destruída ou irritada. Só ahi o feixe de Meynert recebe as raizes olfactivas (Meynert admitte a passagem das fibras olfactivas atravez da commissura anterior para o lobo spheinodal do lado opposto) e as expansões ópticas vindas da camada óptica, do tuberculo quadrigemeo anterior e do corpo geniculado externo. É pois nas proximidades da coroa de Reil que a hemichoréa deve ser localisada, se é que ella tem uma sede constante. Vejamos o que dizem os factos. Raymond reúne em sua excellente these 10 observações de choréa hemiplegica e em todas as lesões, focos de amollecimento 145 ou cicatrizes de hemorrhagias antigas, interessavão sempre a coroa de Reil, muitas vezes também a camada óptica em sua parte posterior, e outras o núcleo extra-ventricular; em 3 o thalamus estava completamente normal, nenhuma alteração existia. Em 35 observações de Vulpian, referentes a hemorrhagias e amollecimento da camada óptica, só quatro vezes a hemiplegia foi acompanhada de hemichoréa, e em todas quatro Raymond declara cathegoricamente que a lesão compromettia também o pé da coroa de Reil em sua parte posterior. E exacto que as autópsias feitas por Charcot, Raymond e Grasset demonstrão que próximo (para adiante e para fora) ao feixe cuja lesão acarreta a hemianesthesia, existe outro cuja irritação, compressão ou destruição é acompanhada de hemichoréa. Estes auctores porém são muito absolutos, excluindo o pulvinar ou V3 posterior da camada óptica, porque se a localisação no pé da coroa de Reil é aceitável quando a hemichoréa coexiste com a hemianesthesia, nos casos em que esta combinação não tem lugar ella será provável, mas não certa. A camada óptica lesada pôde na ausência de qualquer lesão da cápsula interna determinar a hemichoréa. Gowers é d'esta opinião e Nothnagel affirma que em alguns casos raros, mas bem verificados, a lesão occupava o thalamus óptico somente (*). No caso de Laueinstein e em um de Gowers a lesão encontrada limi- tava-se exclusivamente á camada óptica. Leyden, Assagioli, Bonvecchiato fallão de tumores (sarcoma, glioma) do thalamus óptico, mas as suas observações tem pouco valor, porque a neoplasia podia também comprimir a cápsula interna. Nos casos de Ewald, Broadbent, May e Duckek os movimentos choreicos erão devidos á lesão da ponte de Varole. Finalmente na curiosissima observação de Landouzy a lesão occupava o núcleo lenticular; a cápsula interna e o thalamus se achavão apenas um pouco deformados, provavelmente em conseqüência da falta de apoio por parte do núcleo lenticular. (x) Nothnagel. La diagnosi di sede nelle malattie cerebrali, pg. 312. • 160 146 Se pois a coroa de Reil é na maioria dos casos interessada não o é sempre. Kahler e Pick (1879) dão uma explicação muito seductora dos phenomenos post ou prce hemiplegicos: hemichoréa, athetose, tremulação, contractura e a oscillação semelhante ao movimento do pêndulo. Para Kalher e Pick todos estes phenomenos devem sua origem á irritação das fibras motoras do systema de projecção de 2.a ordem de Meynert, isto é dos feixes brancos que se estendem dos núcleos striados até a medulla, em qualquer parte do seu trajecto — entre a camada óptica e o núcleo lenticular, ou mais abaixo, na protuberancia por exemplo. E de notar que estes auctoresq ue não participão das idéas de Gowers e Nothnagel, citão entretanto observações nas quaes vem men- cionado que a lesão interessava principalmente a camada óptica. Fazem Kalher e Pick o mesmo que Raymond — excluem a camada óptica, mas confessão que geralmente ella se acha alterada. Se a esta con- fissão accrescentarmos que são conhecidos alguns casos nos quaes a necropsia mostrou que só o thalamus apresentava alterações, teremos provado que a sede da hemichoréa não é sempre o pé da coroa radiante de Reil, mas que a irritação ou a destruição da camada óptica e da sua expansão, que vae á coroa radiante, também pôde produzir a hemichoréa. O mesmo diremos das lesões situadas mais abaixo. (Não nos referimos aos núcleos striados e a parte anterior da cápsula interna, porque numerosos factos tem demonstrado que as lesões d'estas partes não provocão movimentos choreicos.) Mas qual a razão porque neste ultimo caso o estado choreiforme apparece tão raramente? Responderemos como Nothnagel que a na- tureza do processo mórbido influe sobre a gênese dos phenomenos, que nos processos pathologicos de acção irritativa (tumor, amollecimento recente, hemorrhagia, tecido cicatricial, estado inflammatorio chronico) ha uma diversidade de stimulo, desconhecida em sua essência, que corresponde a diversidade da fôrma clinica symptomatica. Na clinica do Snr. Dr. Martins Costa tivemos o anno passado occasião de autopsiar um individuo que tendo entrado para o hos- 147 pitai com hemichoréa direita, falleceu em conseqüência de uma moléstia intercurrente (vê observação 2.R); encontramos amolleci- mento do núcleo lenticular, da cápsula interna e de parte da ca- mada óptica, isto é a lesão occupava grande extensão, não limi- tava-se a parte posterior da cápsula interna, invadia os dois núcleos visinhos — o lenticular e o thalamus. São exactamente as lesões occupando estas três partes as mais communs nas autópsias dos auctores estrangeiros; raramente ellas limitão-se á coroa de Reil ou a camada óptica e só na obser- vação de Landouzy o núcleo lenticular se acha alterado com ex- clusão das outras partes. Em conclusão — A hemichoréa, como symptoma isolado, não é um elemento seguro de localisação, mas geralmente tem sua sede na parte posterior da coroa de Reil ou da camada óptica; A hemichoréa acompanhada de hemianesthesia cerebral indica positivamente irritação, destruição ou compressão do pé da coroa de Reil, das fibras situadas adiante e para fora do feixe sensitivo e que estão em relação com o pulvinar. É pois a hemianesthesia que dá á hemichoréa o seu valor diagnostico. Deixamos para o fim as provas deduzidas da experimentação porque ellas são menos convincentes que os factos da observação clinica e o exame cadaverico. As experiências pertencem a Ray- mond. Depois de ter perfurado o craneo ao nivel do angulo pos- terior da apophyse zygomatica, introduzia segundo a direcção con- veniente um pequeno trochater quasi capillar em cujo interior havia uma delgada mola de relógio; depois de ter feito penetrar cerca de 2 centrimetros do instrumento na substancia cerebral, fechava o trochater e, impellindo a mola interior, destruía a porção posterior da cápsula interna. Muitas das experiências forão seguidas da morte do animal, mas em outras Raymond conseguio produzir movimentos choreiformes unilateraes. Destes animaes alguns forão sacrificados e a necropsia em seis, dos quaes quatro apresentarão hemianesthesia, mostrou que só estava seccionada a parte posterior da cápsula interna e da camada óptica. 148 Choréas electricas Choréa electrica italiana. — O nome de choréa electrica é hoje applicado á uma moléstia muito differente d'aquella que com este nome foi descripta por Dubini em 1846, e depois estudada por Devacchi, Taiti, Rotondi, Sabini, Pignacca (1857) e Stefanini (1875). A choréa de Dulini nada appresenta de semelhante com a choréa vulgar, emquanto que a affecção que Bergeron denominou choréa electrica se não é uma variedade d'esta, é ao menos uma nevrose que tem com ella muitos pontos de contacto. Descreveremos resumidamente os principaes caracteres da choréa de Dubini, mesmo porque todos os auctores que delia se occupão a excluem do grupo das choréas. Eis quaes são os seus symptomas segundo Dubini: A moléstia é caracterisada por abalos musculares bruscos se- melhantes aos abalos electricos, que se succedem rápida ou lenta- mente, e que limitados a principio aos dedos ou a um só membro se estendem a todos os músculos de um lado do corpo; são muitas vezes precedidos de dôr cervical ou lombar, ou de cepha- lalgia. Além dos abalos ha verdadeiros accessos convulsivos que se repetem uma ou duas vezes durante o dia, elevação de tempe- ratura e transpiração abundante. Passado o accesso febril e con- vulsivo os membros cahem gradualmente em estado de paresia, porém sempre agitados pelos abalos musculares que só cessão du- rante o somno. Nos casos violentos a aridez da cavidade buccal é extrema e torna a palavra difficil; as extremidades superiores ficão as vezes edemaciados e muito sensíveis, de modo que o menor contacto augmenta as contracções. A medida que a moléstia pro- gride as convulsões tornão-se mais freqüentes, apparece o coma, a face torna-se livida, a respiração stertorosa, o pulso pequeno e insensível, a salivação abundante, a lingua augmenta de volume e faz saliência por entre os dentes. A intelligencia conserva-se lú- cida até os últimos momentos. A duração da moléstia oscilla entre 2 e 5 mezes. 149 A etiologia desta affecção é muito obscura. Até certo tempo só tinha sido observada na Itália em lugares pantanosos, o qüe levou Stefanine a acreditar na acção do miasma palustre e a collocal-a no quadro nosographico do impaludismo. Weber, Behrend e Haertel de Birkenfeld observarão na Allemanha alguns casos, mas estes forão os únicos, de modo que póde-se dizer que a mo- léstia só tem sido encontrada na Itália. Quanto a sua natureza e a lesão que a produz pouco se sabe. Para Haertel a choréa de Dubini consiste em uma irritação congestiva da medulla que se termina por apoplexia spinal. Para Jaccoud é uma fôrma do typho cerebro-spinal ou talvez uma me- ningite anormal. Na revista de sciencias médicas de 1876 vem transcriptas duas observações com autópsia, publicadas por Ste- fanine : na l.a a necropsia mostrou que os symptomas observados erão devidos a uma myelite limitada que produzia a irritação do spinal, e depois de todos os nervos cervicaes e dos outros perten- centes ao tronco; no 2.° casos, análogo ao primeiro, quanto á syinpto- matologia, nenhuma lesão importante foi encontrada nos centros nervosos. A choréa de Dubini differe, pois, completamente da choréa vulgar. Na choréa electrica italiana os movimentos anormaes são interrompidos por crises tetaniformes e eclampticas, o que não tem lugar na choréa; a paralysia apparece constantemente no fim de alguns accessos, ha reacção febril, coma, etc, e nada disto se en- contra na choréa. Finalmente, emquanto que nesta a cura é a regra, na moléstia de Dubini a morte é a terminação quasi constante. Choréa electrica de Bergeron. — A choréa denominada elec- trica em França, estudada recentemente e pela primeira vez pelo Dr. Berland (1880), é affecção rara, mas que incontestavelmente merece mais a denominação de choréa do que a moléstia de Dubini. A choréa electrica é caracterisada por movimentos bruscos independentes da vontade, contínuos e quasi sempre limitados á 150 cabeça ou aos membros superiores. A denominação de electrica lhe foi dada por Bergeron pela semelhança que apresentão estas con- tracções musculares rápidas com aquellas que se produzem sob a influencia das descargas electricas. A etiologia é muito pouco conhecida, parece que as impres- sões moraes e o temperamento nervoso são as causas mais fre- qüentes. A diathese rheumatica falta no maior numero de obser- vações recolhidas por Berland. Os symptomas são muito salientes e limitados á extremidade cephalica ou ao membro superior de um dos lados, indifferente- mente o esquerdo ou o direito, ou de ambos. Em 6 observações reunidas pelo Snr. Guertin, 3 vezes as contracções erão bilateraes, uma vez somente limitadas ao lado direito e duas ao esquerdo. Em todos os casos os symptomas apparecem bruscamente com toda a sua intensidade. Geralmente só a cabeça é agitada: ella é levada rapidamente para diante e para traz, passando da flexão forçada a extensão extrema, como se os reophoros de uma pilha fossem applicados á região posterior do pescoço. Os abalos repe- tem-se muitas vezes por minutos e em alguns casos são quasi contínuos. Quando os músculos da espadua também participão da instabilidade estas são dirigidas bruscamente para diante e para cima; se os abalos se manifestão igualmente nos músculos do ante- braço ha flexão d'este sobre o braço, flexão dos dedos e rotação do membro para dentro. N'estas condições o doente não pôde levar á bocca um copo com água e offerece o mesmo espectaculo que o choreico : ora é a cabeça que vem chocar contra o vaso e derramar o liquido, ora são os movimentos bruscos da espadua ou do braço que impedem que o copo attinja os lábios. Quando as contracções repetem-se muitas vezes por minuto a alimentação é seriamente embaraçada. Para o lado da intelligencia e da sensibilidade nada se nota de anormal. Os abalos musculares da choréa electrica em uma das obser- vações Berland complicavão os movimentos involuntários da choréa vulgar, mas no meio da desordem motora podião ser perfeitamente reconhecidos. 151 Os pontos de semelhança que ha entre a choréa vulgar e a electrica são os seguintes: as impressões moraes são as causas occasionaes mais freqüentes tanto em uma como em outra, as perturbações da motilidade exãgerão-se em ambas sob a influencia da attenção do doente e durante os actos intencionaes; ellas cessão durante o somno; a cura é a terminação freqüente. Ellas differem : 1.° Pela etiologia — a diathese rheumatica não figura entre as condições pathogenicas da choréa electrica ; 2.° pela symptomatologia — na choréa electrica os symptomas apparecem bruscamente e desde o começo com o seu máximo de intensidade, não ha periodo prodromico, a marcha é uniforme e não progressiva; 3.° pela du- ração — a choréa cede rapidamente sob a influencia de uma me- dicação apropriada, emquanto que a choréa vulgar tem longa duração e resiste muitas vezes ao mais enérgico tratamento; 4.° as perturbações da intelligencia, a mobilidade de caracter tão commum na choréa, faltão na moléstia de Bergeron. Tratamento. — De todos os medicamentos empregados o tar- taro foi o mais efficaz. A administração de 5 centigrammos em uma só dose foi sempre seguida de cura, e em 2 doentes esta teve lugar 2 horas depois, posto que o acido arsenioso tivesse sido tentado sem proveito. O emetico é, pois, um medicamento heróico contra esta nevrose; em todos os casos da clinica de Bergeron nem uma só vez falhou. Mas como actuará o tartaro n'estas circumstancias ? Como hyposthenisante, ou apenas pelo abalo que os vômitos provocão ? Não o podemos dizer, mas é incontestável o seu effeito rá- pido. Cadet de Gassincourt, em um doente conseguio os mesmos resultados com a electricidade. Em summa o que caracterisa a choréa electrica é a rapidez dos abalos musculares, o curto intervallo que os separa e o facil desapparecimento sob a influencia do tartaro emetico. PROPOSIÇÕES CADEIRA DE TOXICOLOGIA Caracteres chimico-microscopicos do sangue. i O sangue examinado ao microscópio apresenta elementos figu- rados caracteristicos — glóbulos vermelhos e brancos. II Os glóbulos vermelhos (hematias de Gruithuisen), são cor- pusculos arredondados, discoides, biconcavos, desprovidos de núcleo. Tem de 0,007 a 0,008 m. m. de largura, e 0,001 a 0,0018 m. m. de espessura. III Os glóbulos brancos são sphericos e medem 0,01 a 0,012 de millimetro. O seu conteúdo granulado e transparente ás vezes encerra um núcleo, porém, geralmente vesiculas brilhantes que se tornão mais apparentes sob a influencia do acido acetico. IV A matéria corante do sangue é solúvel n'agua. As manchas de sangue em contacto mais ou menos prolongado com a água colorem o liquido em vermelho. V A solução aquosa de sangue não perde sua côr pela addic- ção de algumas gottas de ammonea. As outras soluções vermelhas mudão de côr. 156 VI A solução de sangue submettida á acção do calor coagula-se, ou torna-se somente opalina, conforme a quantidade de albumina que contém. O serum do sangue se turva a 70° e coagula-se á 73°; o liquido aquecido entre 70 e 80 gráos apresenta flocos cin- zentos, insoluveis n'agua, que se precipitão a 100°. VII O acido nitrico, o acido metaphosphorico e a água chlorada produzem flocos cinzentos na solução aquosa de sangue. VIII A addicção de potassa á solução sanguinea modifica a côr do liquido, que torna-se verde, visivel sobretudo por transparência. Quando o liquido tem sido previamente aquecido, uma solução fraca de potassa dissolve os coágulos formados; o liquido toma então a côr vermelha-escura ou verde, conforme é visto por refracção ou por reflexão. IX A solução de tungstato de sódio acidulada pelo acido acetico (reacção de Sonnenschein), precipita em vermelho a solução de sangue e o precipitado dissolvido pela ammonea dá um liquido dischroide verde e vermelho. X O acido hypochloroso não tem acção sobre as manchas de sangue, desde que esta não se prolongue por mais de 2 minutos. Quasi todas as outras matérias corantes são destruídas por este reactivo. XI As manchas de sangue aquecidas com potassa dão lugar á desprendimento de ammonea. XII A mancha sanguinea tratada pela água chlorada descora-se e fôrma um coagulo; o liquido filtrado e depois submettido á 157 ebullição, precipita em azul pelo ferro-cyanureto de potássio ou pelo sulpho-cyanureto. XIII O spectroscopio e o microspectroscopio de Sorby fornecem signaes positivos sobre a presença do sangue em uma solução aquosa. A analyse spectral é um meio excellente para reconheci- mento das manchas de sangue. XIV A hemoglobina tem propriedades spectroscopicas característi- cas : duas listras de absorpção para a hemoglobina oxygenada, uma somente para a hemoglobina reduzida e duas para a hemo- globina oxy-carbonada. As duas listras dâ hemoglobina oxygenada ficão reduzidas á uma pela addicção de algumas gottas de sulphu- reto de ammoneo (risca de Stokes). XV Se o spectroscopio tem valor decisivo como signal affirmativo a reacção pela tinctura de guayaco tem igual valor como signal negativo. XVI As manchas de sangue tratadas pela tinctura de guayaco não mudão de côr; mas a addicção de algumas gottas de essência de therebentina ozonisada (ou de ether ozonisado, ou de água oxy- genada) dá lugar á uma côr azul ou verde azulada. A mesma reacção pôde ser feita com a solução aquosa de sangue. XVII As manchas de sangue tratadas convenientemente pelo chlo- rureto de sódio (solução fraca) e pelo acido acetico, apresentão crystaes caracteristicos de chlorhydrato de hematina visiveis no microscópio. A producção destes crystaes de hemina indica positi- vamente a presença do sangue. CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA Circulação cerebral. I A circulação arterial do cérebro é realisada pelas cerebraes — anterior, média e posterior, emanadas do polygono de Willis. II As cerebraes anterior e média formão o systema carotidiano ou anterior. A cerebral posterior, ramo do tronco basilar con- stitue o systema vertebral ou posterior. III A cerebral anterior irriga a face inferior do lobo frontal e a face interna dos hemispherios, a cerebral média ou sylviana o lobo parietal, e a cerebral posterior o lobo ocipital. IV As cerebraes fornecem dous systemas arteriaes : um que vas- cularisa a pia-mater, a camada cinzenta das circumvoluções e a substancia branca dos hemispherios; outro destinado aos núcleos centraes. V O systema central não communica com o systema periphe- rico; são completamente independentes. VI Ao nivel da insula de Reil a sylviana divide-se em cinco ramos destinados á circumvolução de Broca, á frontal ascendente, á parietal ascendente, ao lobo parietal e ás circumvoluções tem- poraes. 160 VII Os ramos principaes da sylviana se dividem em dous ou três (ramos secundários) cada um dos quaes se subdividem em dous ou três ramos (terciarios) e se terminão finalmente em um systema de arborisações. VIII Duas ordens de artérias penetrão na substancia cerebral — artérias corticaes e artérias medullares. As primeiras ramificão-se na zona cortical e são as terminações das arborisações. As segundas partem das arborisações e dos troncos arteriaes da pia-mater, atra- vessão a camada cinzenta e se distribuem no centro oval. IX As artérias medullares percorrendo a camada cinzenta lhe abandonão alguns ramusculos; na substancia branca formão anas- tomoses múltiplas e redes capillares dirigidas no sentido dos feixes brancos. X Os três grandes territórios vasculares do cérebro communicão-se por intermédio de vasos arteriaes que teem de */* de millimetro (Duret) á 1 millimetro (Heubner) de diâmetro. XI As artérias do systema central partem perpendicularmente das três grandes artérias cerebraes nas proximidades do hexagono de Willis e não communicão entre si, são verdadeiras artérias ter- minaes. XII O curto trajecto das artérias dos gânglios centraes, o seu vo- lume relativamente considerável, a ausência de anastomoses ex- plicão a predominância das rupturas vasculares n'estas regiões, 161 XIII O Y3 anterior do núcleo caudado é geralmente vascularisado pela cerebral anterior. Os % posteriores do mesmo núcleo, o lenticular, uma parte da camada óptica e toda a cápsula interna pertencem ao dominio da sylviana. A parte externa da camada óptica, os tuberculos quadrigemeos e o andar superior do pedunculo são irri- gados pela cerebral posterior. XIV As artérias stríadas dividem-se em internas e externas. Estas formão dous grupos: um anterior — artérias lenticulo-striadas ; outro posterior — lenticulo-opticas. XV Uma das artérias do grupo anterior, notável pelo seu volume, atravessa o 3.° segmento do núcleo lenticular, penetra na parte anterior da cápsula interna e vai ter ao núcleo caudado — é a ar- téria da hemorrhagia cerebral. XVI As lenticulo-opticas atravessão a cápsula interna em seu 1/s posterior e distribuem-se na parte anterior e externa das camadas ópticas. XVII As artérias da camada óptica formão três grupos: 1.° ópticas internas, ramos da cerebral posterior e da communicante anterior; 2.° ópticas ventriculares, ramos das choroidianas; 3.° ópticas ex- ternas posteriores, vindas da cerebral posterior. 5980 II CADEIRA DE PATHOLOGIA MEDICA Chyluria, I A Chyluria é uma affecção endêmica nos paizes quentes, determinada pela Filaria Wuchereria, e caracterisada pela emissão de urinas, ora brancas como leite, ora vermelhas como sangue. II O termo — Chyluria — é deficiente, porque exprime uma só phase da moléstia; a presença do sangue é facto quasi sempre constante, por isso é-lhe preferível o de — hemato-chyluria. III A chyluria é mais commum na edade adulta. As raças, os sexos, as profissões e as estações nenhuma influencia exercem como causas predisponentes. IV São os individuos de temperamento lymphatico e de consti- tuição fraca os mais sujeitos á chyluria. V A causa determinante da chyluria é a — Filaria Wuchereria — por Wucherer descoberta, nâ Bahia, em 1866. VI A filaria de Wucherer é a larva de um nematoide, dez annos mais tarde, descoberto por Bancroft, na Austrália, e denominado por Cobbold — Filaria Bancrofti. 164 VII A transformação do embryão em filaria adulta foi estudada por Patrick Manson, em Amoy, no sangue sugado por uma certa qualidade de mosquitos. VIII A côr branca, que as urinas apresentão, é devida á presença de maior ou menor quantidade de matéria graxa. IX A côr vermelha é devida á presença de sangue que, de mis- tura com a lympha, dá ás urinas diversos matizes, como de café com leite, etc X A coagulação é um caracter importante das urinas chylosas, podendo effectuar-se, quer no interior da bexiga, quer nos vasos que as contêm. XI As autópsias praticadas por Mac-Connel, Lewis, Mackenzie e Havelburg revelão ser a chyluria devida a ruptura dos capillares lymphaticos dos órgãos urinarios. XII A chyluria tem marcha intermittente, irregular e caprichosa, e manifesta-se por ataques de duração indeterminada. XIII Ha quatro theorias principaes, que pretendem explicar a na- tureza e a pathogenia da chyluria: A da hematose, do chylo, da lymphorragia do apparelho uropoyetico e finalmente a helminthica. XIV No estado actual da sciencia, a theoria da hematose é insus- tentável, por serem falsas as bases sobre que ella se acha edificada. 165 XV A theoria do — chylo — é um erro, porque nas urinas não se encontra — chylo —, mas sim — lympha. XVI A theoria de Gübler é deficiente, não explica todos os casos de chyluria, principalmente aquelles que são constituidos quasi exclusivamente por verdadeira hematuria. XVII A única theoria, verdadeiramente scientifica, é a — helmin- thica, que resolve todos os problemas capitães da chyluria. XVIII O diagnostico é extremamente facil, nenhuma moléstia se pôde confundir com a chyluria. XIX 0 prognostico é favorável. Não ha um só caso de terminação fatal, determinado somente pela chyluria. Entretanto o chylurico é um campo predisposto ao desenvolvimento da tuberculose. XX 0 tratamento ainda não está assentado sobre base racional. Comtudo a mudança de clima, os cuidados hygienicos, os tônicos, prin- cipalmente os ferruginosos, são meios que dão algum resultado. OBSERVAÇÕES l.a OBSERVAÇÃO Clinica do Snr. Conselheiro Torres Homem Alfredo Augusto da Silveira Muniz, brazileiro, de 29 annos de idade, entrou para a enfermaria de Santa Isabel, no hospital de Misericórdia, em 22 de Junho de 1884 e occupou o leito n.° 2. Serviu no exercito como sargento e esteve em Corumbá onde foi accommettido de dysenteria e contrahiu affecções venereas, tratando-se em um hospital da mesma cidade. Seus progenitores são mortos e um delles (pai) falleceu de congestão cerebral. Não tem o habito das bebidas alcoólicas. Em 1879, anno em que retirou-se do serviço militar, começou a ter ataques, em conseqüência dos quaes cahia e entrava em convulsões taes que, segundo refere, 4 homens o não podião conter; passado o ataque voltava ao seu estado normal. Após um que durou mais que outros ficou hemiplegico, mas a hemiplegia foi passageira e pouco duradoura, alguns dias depois já o doente movia regularmente o braço e a perna do lado esquerdo. No dia 12 de Julho teve novo ataque e em estado comatoso foi levado para a enfermaria do Dr. Barbosa Romeu (hospital da Misericórdia) e d'esta transportado para a do Snr. Conselheiro Torres Homem em 22 do mesmo mez. Estado actual (22 de Junho). — O doente, satisfeito e sempre jovial, falia com facilidade e responde com clareza ás perguntas que lhe são dirigidas. Examinando o estado da sensibilidade encontramos — he- 168 mianesthesia sensorial e táctil no lado esquerdo. O couro cabel- ludo, a face, o pescoço, o tronco e os membros não sentem nem o contacto do esthesiometro, nem o calor, nema dôr, mesmo atravessando-se a pelle com um alfinete; a conjunctiva e a mucosa bucco-pharyngiana não reagem e estão insensiveis. Ha amblyopia e dyschromatopsia; a olfação não existe no lado esquerdo, a approximação de um vidro de ether á narina esquerda não ê percebida; o sentido da gustação não existe no mesmo lado da lingua; o ruido de um relógio só é ouvido quando este se acha applicado sobre o pavilhão da orelha. No lado direito a sensibi" lidade está normal. Motilidade. — Hemi-paresia esquerda; o doente move com alguma difficuldade tanto o braço como a perna; a lingua posta fora da cavidade buccal desvia-se ligeiramente para a esquerda. Hemi-choréa: os movimentos são amplos, involuntários, contí- nuos, e só cedem durante o somno ; são mais pronunciados no braço do que na perna. Sempre que o doente procura levar á bocca um púcaro com água entorna-a. Só pode caminhar com o auxilio de um bastão. Os músculos da face em certas occasiões participão da ataxia choreica. O reflexo rotuliano está exagerado no lado da hemi-choréa. Não apresenta nem o phenomeno do pé, nem o da mão. Estado psychico. — O doente é megalo-maniaco, espera receber heranças no valor de 300 contos, tem a presumpção de homem erudito e emprega linguagem escolhida e correcta. Não ha enfraquecimento da memória — elle discorre sem hesi- tação sobre as peripécias de sua vida e não se contradiz. Nada de notável para os apparelhos circulatório, respiratório, gastro-intestinal e urinario. O doente diz ter cephalalgia nas regiões temporaes. Dia 23. — Todos estes symptomas são por nós novamente verificados. Dia 24. — Operou-se uma rápida mudança: a hemianesthesia já quasi não existe, a marcha é possivel se bem que com alguma 169 diíficuldade e já as impressões sensoriaes são percebidas. Somente queixa-se de um certo embaraço na visão, em ambos os olhos, mas que não sabe explicar. Os movimentos choreicos (hemi) são pouco pronunciados. Dia 27. — Movimentos choreicos pouco accentuados. Dia 30. — Hemi-choréa extincta. Ddia 17 de Julho. — O doente retira-se sem hem-choréa, a hemi-paresia e a hemi-anesthesia. Diagnostico. — Neoplasia syphilitica. Sede — lobo occipital. Medicação. — 22-6. — Pilulas de Dupuytren — lá noite. Dia 6. — Magnesia de Murray — 1 vidro — aos cálices. Dia 7. — Volta ás pilulas de Dupuytren mais Iodureto de potássio — 1,0 em infusão de genciana. 2.a OBSERVAÇÃO Enfermaria de clinica do Dr. Martins Costa Amancio José Pereira, brazileiro, pardo, de 34 annos de idade, solteiro, trabalhador, de constituição regular, morador na Tijuca, entrou para o hospital no dia 3 de Maio de 1883 e occupou o leito n.° 1. Anamnese. — O doente refere que ha mezes exercendo o seu officio de trabalhador na caixa d'agua da Tijuca, esfriou-se e pouco depois começou a notar um tremor muito forte no lado direito ; desde então a marcha tornou-se diíficil e foi obrigado a abandonar o seu emprego. O tremor foi accentuando-se cada vez mais a ponto de impedir a quietação do membro superior. Diz também que em fins do anno passado (Outubro) entrara para a 4.a enfermaria de medicina porque era muito sujeito a ver- tigens que determinarão algumas vezes quedas. Accusa igualmente antecedentes rheumaticos, venereos, e faz uso freqüente de bebidas alcoólicas. Estado actual. — 4 de Maio. O habito externo nada apresenta de notável. O doente é um pouco magro, mas tem o systema muscular regularmente desenvolvido. 170 Apparelho digestivo. — As funcções digestivas operão-se bem e o appetite é bom, a lingua tem o colorido normal. O figado e o baço tem o volume normal, a pressão não produz dôr. Apparelho respiratório. — Normal. Apparelho circulatório. — Signaes de atheroma da aorta; pulso brusco, duro, 76 pulsações por minuto. Sensibilidade. — A sensibilidade táctil está enfraquecida no lado direito; a experiência feita com o compasso de Weber mostra que as duas pontas só são percebidas no lado direito mediante um affastamento dos ramos muito maior do que no lado opposto. Com o olho direito vê mal os objectos e segundo affirma é constantemente envolvidos em uma nevoa. Ha enfraquecimento, mas não abolição, da gustação no lado direito da lingua e da au- dição no ouvido do mesmo lado. No lado esquerdo a sensibilidade em todas as suas modalidades está normal. Motilidade. — O braço direito apresenta movimentos irregu- lares e involuntários. O doente não pôde servir-se da mão direita para a alimentação, entorna constantemente o copo d'agua que se lhe entrega para levar aos lábios. Os movimentos persistem durante o repouso e exagerão-se por occasião dos actos intencionaes, ou quando o doente é observado pelos estudantes. A perna e o pé do lado direito são igualmente agitados ; a marcha é muito in- certa, o doente cahe se não é auxiliado. Os músculos da face (lado direito) algumas vezes, nem sempre, contrahem-se irregularmente. Estado psychico. — A mentalidade parece abatida. A memória está enfraquecida e elle não pôde narrar a historia da moléstia que no anno anterior o trouxe ao hospital. É muito receioso e freqüentemente desgosta-se com os alumnos. Temperatura. — Normal. Urinas normaes. Tratamento. — Bromureto de potássio 2,0. Applicação de correntes continuas ao longo do rachis durante 5 minutos. 10 dias depois augmentou-se a dose de bromureto e addi- cionou-se o iodureto. Esta medicação é continuada durante 5 mezes sem proveito; 171 se em certos dias a intensidade dos movimentos era menor, pouco depois vinha uma exacerbação. Este estado não se modificou até o dia 25 de Agosto. 25 de Agosto. — O doente, tendo passeiado no jardim do hospital, resfriou-se, sentio horripilações e foi obrigado a voltar para o leito. Dia 27. — Anciedade, movimentos respiratórios curtos e rá- pidos, cephalalgia, reacção febril (39,2). Pela inspecção vê-se que no lado direito a respiração é somente costal e que no lado opposto os movimentos respiratórios são mais enérgicos que no estado normal. Dôr viva, pungitiva, occupando o hypochondro direito, mais intensa no ponto designado por Guenau de Mussy — botão diaphragmatico. A pressão sobre o trajecto do nervo phrenico, entre as inserções inferiores cio sterno-cleido mastoidêo, disperta no lado direito dôr mais forte que no esquerdo. Pela escuta do thorax nota-se attrito pleuritico na base do pulmão direito. Diagnostico. — Pleuriz diaphragmatico. Alguns dias depois a escuta mostra a existência de vasto derrame e o doente vem a fallecer em 20 de Setembro. Sem mencionar os episódios da moléstia intercurrente, di- remos apenas que os movimentos choreicos persistirão até os últimos dias. Autópsia. — Eis o resultado da autópsia por nós praticada na presença do Snr. Dr. Martins Costa: Cérebro. — Superfície cortical normal. No centro oval de Vieussens do lado esquerdo nota-se um pontilhado vermelho mais pronunciado que no lado opposto. A tela choroidea, o plexus choroide e a parte anterior da camada óptica normaes. O corpo striado exa- minado em toda a sua extensão por meio de secções horizontaes apresenta no lado esquerdo alterações que não existem no lado direito : ha amollecimento bem accentuado, o gânglio se despedaça á pressão muito facilmente, o que não se dá no do lado opposto. Amollecimento da parte posterior da cápsula interna e da camada óptica só no lado esquerdo. 172 Bulbo e medulla normaes. Pulmão direito. — Derrame abundante, adherencias pleuriticas; tecido pulmonar esphacelado. Figado. — Granuloso e muito augmentado. Coração. — Gorduroso. Na aorta existem concreções calcareas numerosas e salientes. 3.a OBSERVAÇÃO Clinica do Dr. Moncorvo (Policlinica) Gabriella, 10 annos, natural do Rio de Janeiro, residente á rua de D. Polucena n.° 20, apresentou-se no consultório do Dr. Moncorvo em 22 de Março de 1884. Diagnostico. — Choréa. Historia da moléstia. — Nasceu de 7 mezes. Foi amamentada por uma ama durante 4 mezes e depois alimentada com leite de vacca. Durante essa época nenhuma perturbação gastro-intestinal. Dentição aos 6 mezes e convulsões por occasião do rompimento dos primeiros dentes. Não ha nos antecedentes nem affecções eruptivas febris, nem rheumatismo, por mais benigno e fugaz que fosse. Ha 4 annos começou a apresentar movimentos involuntários e arythmicos no pescoço, braço e depois nas pernas, mais pronun- ciados no lado direito. A marcha tornou-se então dificultosa, a doente só caminhava apoiando-se sobre os moveis ou sustentada por alguém. A generalisação dos symptomas operou-se em 8 mezes e pouco depois (4 mezes) o caracter da doente começou a mo- dificar-se: crises de irritabilidade e exaltação succedião á manifes- tações de receio e de submissão. O enfraquecimento muscular data da mesma época. No fim de algum tempo os phenomenos se atte- nuarão um pouco e durante 6 mezes a menina não foi submettida a tratamento algum. Em seguida foi entregue aos cuidados de di- versos homceopathas por espaço de 7 mezes; resultado negativo. Depois foi medicada durante 4 mezes por um allopatha — melhoras pouco sensiveis. De então até agora não soffreu mais tratamento 173 algum, porém desde que interrompeu a ultima medicação a moléstia tem-se aggravado progressivamente. Estado actual. — 22 de Março. Desenvolvimento retardado, pallidez dos tegumentos e das mucosas; gânglios da região cervical anterior engurgitados. A criança falia com extrema difficuldade e as pessoas que com ella convivem diíficilmente a comprehendem. A marcha é oscillante e incerta. Contracções irregulares dos músculos da face, sobretudo no lado direito, movimentos irregulares da lingua, movimentos invo- luntários e contínuos das espaduas, braços e mãos. Os membros inferiores igualmente participão da desordem motora que predo- mina no lado direito. Estes movimentos irregulares exácerbão-se durante os actos intencionaes e quando a doente se vê observada. Nos músculos do tronco ha também contracções menos freqüentes que no braço. Enfraquecimento muscular, principalmente no membro thoraxico direito. O dynamometro marca 10 na mão esquerda e 6 na direita onde o mais leve objecto não pôde ser sustentado. A sensibilidade dolorosa é conservada em toda a extensão dos membros thoraxicos e abdominaes. A sensibilidade táctil e thermica, idem. Sensibilidade electrica, idem, porém mais accen- tuada no lado direito. O reflexo tendinoso do joelho diminuido. Bulha de sopro diastolico com o máximo da intensidade ao nivel do 2.° espaço intercostal, junto ao bordo do sterno. Bulha systolica na ponta. Tratamento. — Xarope de iodureto de ferro — para tomar uma colher de sopa depois do almoço e outra depois do jantar. Hydrato de chloral....... 1,0 para um clyster. Tome um todas as noites. 5 de Abril. — A doente vai melhor. Os movimentos cho- reicos têm diminuido. O somno é mais calmo. Continua a me- dicação. 14 de Abril. — Ao melhoras continuão. O somno é comple- tamente calmo. 174 27 de Abril. — Os movimentos arythmicos muito pouco accentuados. A doente está bem nutrida e dorme bem. A força muscular vai augmentando. Continua a medicação. 19 de Maio. — Os movimentos choreiformes estão quasi extinctos. A menina sustenta sem perturbar-se, isto é sem ter movimentos desordenados, o olhar de muitas pessoas que a observão na consulta e já supporta na mão direita objectos de algum peso. Dirige facilmente a cabeça e os membros, que obe- decem com precisão ao impulso da vontade. Anda perfeitamente, corre com facilidade sem soffrer quedas, como outr'ora. Os movimentos arythmicos da face e dos membros inferiores estão completamente extinctos. A menina costura, maneja com des- embaraço a agulha, o que lhe era impossivel. Somno calmo. O caracter modificou-se — é dócil, está sempre alegre e satisfeita. Desde que se acha em tratamento tem tomado 50 clysteres de hydrato de chloral no leite e clara de ôvo, sendo 1,0 de chloral para cada um. Tratamento. — Continue, tomando porém 3 clysteres por semana. 2 de Junho. — Movimentos quasi imperceptíveis e muito es- paçados. Dynamometro — mão direita 22, mão esquerda 22. Até hoje tem tomado 58 clysteres de chloral. Continue com a medicação. 16 de Junho. — Dynamometro: mão direita 26, mão es- querda 27. Ha três para quatro dias a doente accusa dores nas articula- ções do punho e matacarpo-phalangianas. Apenas os músculos da espadua apresentão de vez em quando movimentos involuntários. Estado geral muito melhor. Tratamento. — Xarope de iodureto cie ferro, 20 grammas. Continue com os clysteres de chloral 3 vezes por semana. 15 de Julho. — Choréa extincta. 175 4.a OBSERVAÇÃO Clinica do Dr. Monteiro de Azevedo (Hospital do Carmo) Antônio Francisco Dias de Souza, 43 annos de idade, por- tuguez, solteiro, negociante; entrou para o hospital do Carmo no dia 22 de Janeiro de 1884, para curar-se de uma hemiplegia direita. Antecedentes hereditários. — Nenhuns. Antecedentes pessoaes — cancro syphilitico e erupções cutâneas; diarrhéa. Ha 1 anno, na occasião em que se levantava da cama, teve um ataque de cabeça, ficando paralysado do lado direito e aphasico. Durante um anno antes do ataque foi constantemente incom- modado por cephalalgia rebelde. Ha um anno teve outro ataque de menor intensidade e que aggravou a hemi-paresia existente. Estado actual — 23 de Janeiro. Hemiplegia direita. Paralysia facial direita. Movimentos involuntários dos dedos da mão direita; movi- mentos contínuos, lentos, de grande extensão obrigando os dedos a posições forçadas (movimentos athetosicos). Difficuldade na pro- nuncia das palavras. Contractura dos membros paralysados. Sensibilidade geral e especial normal, igual em ambos os lados. Reflexos patellares exagerados. Depois de longo tratamento (iodureto de potássio) o doente retira-se' no dia 14 de Abril no mesmo estado em que entrou. 5/ OBSERVAÇÃO Clinica do Dr. Moncorvo (Policlinica) Amélia, filha de Angélica, parda, 7 % annos de idade, natural do Rio de Janeiro, residente á travessa de Souza Pinto n.° 1. Data da l.a consulta: 24 de Maio de 1884. Diagnostico. — Syphilis hereditária. Rachitismo. Choréa. Historia da moléstia. — Tem 5 irmãos, dos quaes um (o 4.°) 176 falleceu de 6 mezes com uma bronchite e o outro (o 5.°) de uma moléstia do figado. Sua mãi tratou-se no serviço do Dr. Silva Araújo de uma erupção no couro cabelludo. Esta menina nasceu bem desenvolvida. A erupção dentaria começou na idade de 1 anno, época em que ella começon com difficuldade a ensaiar os primeiros passos. Foi aleitada exclusivamente por sua mãe até a idade de 1 anno e 9 mezes. Desde a idade de 7 mezes soffre de um defluxo asthmatico. Com a idade de 3 annos teve uma erupção papulo-vesiculosa, generalisada por toda a superfície cutânea e couro cabelludo, e da qual resultaram crostas. Hoje existem por toda a pelle, principal- mente na região sacro-lombar e membros inferiores, cicatrizes fran- camente nacaradas assignalando as crostas existentes. Com a idade de 4 annos mais ou menos reproduzio-se a mesma erupção. Aos 3 annos ella teve convulsões. Tem sempre periodicamente prurido pelo corpo do que resulta-lhe pelo cossamento crostas, de que actualmente existem alguns exemplos. Tem adenopathia cervical e sub-maxillar. Alterações dentárias. Arcada superior — incizivos medianos (permanentes) macro- odontismo e bordos rendilhados. Incizivos lateraes (não permanentes) destruidos com gateau de miei, principalmente o esquerdo, sendo que o direito indica alteração em hache. Canino esquerdo com gateau de miei e empediforme; canino direito com alteração em hache e também empediforme. Arcada inferior — incizivos medianos (permanentes) com bordos rendilhados bem assim os lateraes (também permanentes). Canino esquerdo muito desenvolvido no sentido do comprimento franca- mente empediforme e com perdas ao nivel do collo no bordo in- terno; canino direito com as mesmas alterações menos pronunciadas. Craneo natiforme, com depósitos osteophyticos ao nivel da fontanella anterior. Thorax com achatamento transversal e a pronuncia das arti- culações chondro-costaes. 177 Encurvamento dos tíbias, concavidade para dentro. Sempre foi uma creança muito tímida, assustando-se ao menor grito ou ruido estranho. Anda pelas ruas com muito medo de carros, etc. Ha 2 mezes esta menina foi acommettida de febre, cephalal- gia e dôr hepatica. Tomou purgativos. Dissipou-se a febre e ella começou a sentir dores na articulação dos joelhos onde appareceram manchas roxas, nas pernas e nos braços. Desde essa época tornou-se mais tímida e com gênio irritavel. No fim de um mez deixou de queixar-se das dores. Ha 15 dias ella tornou-se mais excitada, começou a ter movimen- tos muito desordenados nos membros superiores e na face. A menina que nunca faUou bem, agora falia ainda peior, dizendo sua mãe que algumas vezes começa a fallar e sente subitamente difi- culdade, paralysando-se-lhe a lingua e sahindo a voz pelas aber- turas nazaes. Toma com muita difficuldade os objectos que lhe apresentam e mesmo os talheres na occasião das refeições. Na occasião da consulta está muito agitada, tomando as vestes, querendo abotoar-se, etc, não está assentada um momento. Anda com impulsos desordenados. Ri-se ás perguntas mais simples. Procura logo tomar os objectos que para esse fim lhe apresen- tam, mas consegue-o com difficuldade e então agita-os brusca- mente. Essas difficuldades e agitações são um pouco mais manifes- tas no braço esquerdo, de modo que ella procura auxiliar-se da mão direita. Mandando-a expor a lingua, esta apresenta movi- mentos desordenados, torce-se para o lado direito e esquerdo. Na face ha também movimentos desordenados, sendo mais compromettidos os músculos orbiculares das palpebras e dos lábios. Move também a cabeça para os lados. Sensibilidade electrica conservada quer para os membros su- periores quer para os inferiores, porém menos no membro superior esquerdo. Sensibilidade thermica conservada. Impulsão cardiaca forte e bulha de sopro systolico na ponta do coração. Contractilidade electrica perfeitamente conservada em todos Bseo 12 178 os músculos. Força igual a 18 do dynamometro em ambas as mãos. Somno calmo. Tratamento. — Água 200 gr. Hydrato de chloral 10 gr. Para tomar 2 colheres das de sopa, com leite e gemma d'ovo em um clyster por dia. Xarope de Gibert, 100 gr., 3 colheres das de chá por dia. 27 de Maio. — Mesmo estado. 29 de Maio. — Os movimentos choreicos são menos accen- tuados, principalmente os da lingua. Dorme beme tranquillamente. Os traços de escripta são mais firmes. 31 de Maio. — Movimentos choreicos menos accentuados, sobretudo os da lingua que estão quasi extinctos. A creança está mais calma na occasião da consulta. Temp. axillar 40°,1. Teve hontem á noite accesso de febre e de tosse. Lingua saburrosa. Sulfato de quinina, 2 gram. em 4 papeis. 1 de 3 em 3 horas. Poção com digitalis. Limonada sulfurica. 1 de Junho. —- Continuou febril até á noite. Não teve tanta tosse, apenas tossiu pela manhã. Na occasião da consulta Temp. ax. 38°,2. Sulfato de quinina 2 gr. em 4 papeis. 1 de 3 em 3 horas. Limonada sulfurica, 100 gr. 2 de Junho. — Temp. 38° Sulfato de quinina 2 gr. em 4 papeis. 1 de 3 em 3 horas. 3 de Junho. — Temp. 37°,8. Sulfato de quinina 1 gr. em 2 papeis. Continua sempre com os clysteres. 4 de Junho.— Temp. 38°. Sulfato de quinina 1 gr. em 2 papeis. 5 de Junho. — Temp. 38°,4. Está muito melhor dos movi- mentos choreicos. Continua com os clysteres de hydrato de chloral (2 colheres). Sulfato de quinina 1 gr. 6 de Junho. — Temp. 38°. Continua melhor da choréa. Sul- fato de quinina 1 gr. em 2 papeis. 7 de Junho. — Temp. 38°. Sulfato de quinina 1 gr. em 2 papeis. 9 de Junho. — Temp. 38°,2. Sulfato de quinina 1 gr. em 2 papeis. 179 10 de Junho. — Temp. 38°. Sulfato de quinina 1 gr. em 2 papeis. 11 de Junho. — Temp. 37°,9. Água 100 gr. Bicarbonato de sódio 1 gr. Sulfato de quinina 1 gram. em 4 papeis. 1 de 2 em 2 horas. Continua com os clysteres. 13 de Junho. — Temp. 37°,9. Melhor da choréa. Já conserva a lingua immovel e falia, melhor. Tem a mastigação mais facil. Ainda muito impressionável, assustando-se á menor causa. Continua com os clysteres e Xarope de Gibert (3 colheres por dia). 16 de Junho. — O dynamometro marca 20 em ambas as mãos. 18 de Junho. — Foi hontem acommettida de eólicas e teve dejecções diarrheicas. Lingua saburrosa. Sulfato de quinina 1 gr. em 2 papeis. 19 de Junho. — Dynamometro, mão direita 24, esquerda 23. Força de membros superiores 5. Força do tronco de ambos os lados 9. Cessaram as eólicas e a diarrhéa. Passou bem a noite, dormindo calma. Não teve febre. Temp. 38°,0. Sulfato de quinina 1 gr. em 2 papeis. Continua com os clys- teres e o Xarope de Gibert. 21 de Junho. — Excellente appetite. Não reappareceu a febre. Continua com os clysteres e o Xarope de Gibert. 30 de Junho. — Temp. ax. 37°. Continua a mesma medicação. 5 de Julho. — Apezar da febre que reappareceu vai melho- rando constantemente da choréa. Phenomenos bronchiticos.—Temp. ax. 39°,2. Tratamento: Ipeca. em pó 1 gram. em 6 papeis. Sulfato de quinina 2 gr. em 2 papeis. 7 de Julho. — Temp. ax. 37°,5. Vomitou bastante sob a acção da ipecacuanha. Tem tido tosse e accessos febris á noite. Sulfato de quinina 1 gr. em 2 papeis; um 4 horas e outro 2 horas antes do accesso. 9 de Julho. — Estertores sibilantes generalisados em ambos os pulmões. 180 10 de Julho. — Não teve mais febre. Água.............................. 120 grams. Tint. lobelia inflata........... 4 » Uma colher das de sopa de 2 em 2 horas. Continua com os clysteres de chloral. 12 de Julho. — Estertores sibilantes quasi extinctos. Não tem tido accessos febris. As manifestações choreicas quasi extinctas. Continua com os clysteres de chloral 3. vezes por semana. Xarope de iodureto de ferro 100 grms. 2 colheres das de chá depois de cada refeição com uma gotta de tintura de iodo. 17 de Julho. — Tem tido accessos asthmaticos á noite. Es- tertores sibilantes em ambos os pulmões. Água 120 grammas, tintura de lobelia 4 gram.; 1 colher das de sopa de 2 em 2 horas. 21 de Julho. — Phenomenos asthmaticos inteiramente jugu- lados pelo emprego da lobelia. Da choréa não mais vestígio. A creança passa muito bem, alimenta-se igualmente bem. Tintura de iodo e Xarope iod. ferro, e 3 clysteres de chloral por semana. 4 de Agosto. — Choréa extincta. — Xarope iod. ferro e tintura de iodo. HIPPOCRATIS APHORISMI i Febrim convulsioni supervenire melius est, quam convul- sionem febri. (Sec 2.a, Aph. 26.) II Quae in morbo somnus laborem facit, lethale; quod si juvet somnus, minime lethale. (Sec. 2.", Aph. 1.) III Sanguine multo effuso convulsio, aut singultus superveniens, malum. (Sec. 5.% Aph. 3.) IV Ubi somnus delirium sedat, bonum. (Sec. 2.a, Aph. 2.) V Cibus, potus, venus, omnia moderata sint. (Sec. 4.% Aph. 2.) VI Quae medicamenta non sanant, ea ferrum sanat; quae ferrum non sanat, ea ignis sanat; quae vero ignis non sanat, ea insana- bilia existimare opportet. (Sec 7.% Aph. 38.) Esta these está conforme aos Estatutos. Rio 23 de Outubro de 1884 J^fe. ^txe/dno t/e S^/mett/a. &3)t. <£$evvtcw t/e JDtfúteti. 0£()00 Questão de actualidade, discutida com o maior talento. Guia do viajante no Rio de Janeiro................. 2$000 por A. do Valle Cabral. Innovações do Romanismo. Traducção do hes- panhol pelo Padre Guilherme Dias........... 1Ç500 Roes de roupa para solteiros. 1 broch. c. 24 folhas $200 Roes de roupa para familia. 1 broch. c. 24 folhas §200 Recibos de aluguel de casa, para a Corte e para as Províncias, 1 brochura com 100 recibos im- pressos em papel superior........................... 1$000 Recibos commerciaes, para a Corte e para as Províncias, 1 brochura c. 100 recibos impressos em papel superior....................................... i< Recibos de arrendamento. 1 broch. c. 100 recibos impressos em papel superior........... ............ w '■->>'•■. w. ri ;.•».' x_ X .V Ar i-'Vi ■?r