FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO THESE DO Dr. Dantas Júnior RIO DE JANEIRO Typ. cie Ijeosciriirei- »te Filho:-*, Ouvidor 31 1883 THESE THESE APRESENTADA A FACULDADE DE MEDICINA DO HO DE JANEIRO Km 2 7 de Agosto E SUSTENTADA Km 70 de 'Dezembro de 7883 PELO Dr. A. J. TEIXEIRA DANTAS JÚNIOR NATURAL DO RIO DE JANEIRO FILHO LEGITIMO DE Antonio José Teixeira Dantas E DE I). Guilhermina Carlota dos Santos Teixeira. DISSERTAÇÃO CADEIRA DE MEDICINA OPERATÓRIA DAS OPERAÇÕES RECLAMADAS PELAS VARICES PROPOSIÇÕES CADEIRA DE MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA CONDIÇÕES DE ESTUPRO CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA MENINGEAS CADEIRA DE HYGIENE E HISTORIA DA MEDICINA DOS HOSPITAES RIO DE JANEIRO Typ. de tt. I jeuzinger & Filhos, Ou.vid.or, 31 1883 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO DIRECTOR Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia. VICE-DIRECTOR Conselheiro Dr. Antonio Corrêa de Souza Costa. SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATHEDRÁTICOS Drs.: João Martins Teixeira .. Physica medica. Conselheiro Manoel Maria de Moraes e Valle Chimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro Botanica medica e zoologia. José Pereira Guimarães (Examinador) Anatomia descriptiva. Conselheiro Barão de Maceió (Presidente) Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire Júnior Chimica organica e biologia João Baptista Kossuth Vinelli Pbysiologia theorica e experimental. João José da Silva Pathologia geral. Cypriano de Souza Freitas Anatomia e pbysiologia patbologicas. João Damascono Peçanlia da Silva Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco Pathologia cirúrgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga Matéria medica e tberapeutica, especial mente bru si leira. Luiz da Cunha Feijó Júnior Obstétrica. Cláudio Velho da Motta Maia Anatomia topographica, medicina operatória ex periíneutal, apparellios e pequena cirurgia. Conselheiro Antonio Corrêa de Souza Costa Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos Pharmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima .. Medicina legal e toxioologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem I 0|, nledica de a(iI1,tos. Domingos de Almeida Martins Costa j Conselheiro Vicente C. Figueira de Saboia ) if João da Costa Lima e Castro \ U,mca cl™,**ca (le Hdu,t,,s- Hilário Soares de Gouvêa (Examinador) Clinica ophtalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho (Examinador) Clinica obstétrica e gynecologica. Cândido Barata Ribeiro Clinica medica e cirúrgica de crianças João Pizarro Gabizo Clinica de moléstias cutaneas e sypliiliticas João Carlos Teixeira Brandão Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO DE ADJUNTOS Drs.: Augusto Ferreira dos Santos Clinica medica e mineralogia. Antonio Caetano de Almeida (Examinador) Anatomia topograpliica, medicina Operatória ex- perimental, apparellios e pequena cirurgia. Oscar Adolpbo de Bulhões Ribeiro Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade Hygiene e bisloi ia da medicina. José Benicio de Abreu , * Matéria medica e tberapeutica, especialmente bra- sileira. Drs.: José Maria Teixeira t Physica medica Francisco Ribeiro de Mendonça Botmica medica e zoologia. Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz Cliimlca organica e biologia. Pbysiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes Anatomia e pbysiologia patbologicas. Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladisláo de Souza Lopes Medicina legal e toxioologia. ADJUNTOS Francisco de Castro Eduardo Augusto de Menezes Bernardo Alves Pereira Carlos Rodrigues de Vasconcellos Ernesto de Freitas Crissiuma Francisco de Paula Valladares Pedro Severiano de Magalhães Domingos de Góes e Vasconcellos Clinica medica de adultos. Pedro Paulo de Carvalho Clinica obstétrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza Clinica medica e cirúrgica de crianças Luiz da Costa Chaves de Faria Clinica de moléstias cutaneas sypliiliticas Carlos Amazonio Ferreira Penna Clinica ophthalmologica Clinica psychiatrica. Clinica cirúrgica de adultos. N. B. — A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas. Á_ meus Paes Meis et A mieis Á. MEMÓRIA de meus parentes, AMIGOS e COLLEGAS DISSERTAÇÃO Das operações reclamadas pelas varices Rien n’est mieux démontré cliniquement que la guérison radicale des varices. Que la recidive s'observe dans quelques cas, d’accord ; mais on ne peut nier que le plus grand nombre des malades, quand ils ont été bien opérés, restent guéris. (Valktte.—Clinique chirurgicale de VHôtel-Dieu de Lyon.) INTRODUCÇAO Antes de discutir o assumpto capital, que constitue a disser- tação de nossa these, julgamos indispensável fazer algumas consi- derações geraes sobre a etiologia e a anatomia pathologica das varices. Damos esse nome ás dilatações permanentes das veias acom- panhadas de phenomenos morbidos, que modificão a estructura d’aquelles vasos. Budin em sua these de concurso — Varices cliez la femme enceinte — transcreve de Briquet o seguinte topico, que parece-nos muito sensato : — « On comprend sous le nom de varices, divers états des veines qui tous présentent pour caractere commun la dilatation de ces vaisseaux. La dénomination de varices, ajoute-t-il, quoique communément admise me semble inexacte en ce qu’elle exprime la simple apparence du mal sans rien préjuger sur l’état anatomique des vaisseaux: elle vient du mot latin varix, qui derive de variare, varier, pour figurer les sinuosités nombreuses et irregulières que decrivent sur un membre ses veines dilatées. Briquet préfère le mot de phlébedasie donné par Alibert (de «pXlpç, veine et íxt«ih,, dilatation) qui lui parait le mieux convenir parce qu’il indique le caractère principal de Taltération. » As varices têm por séde qualquer ramo do systema circula- tório : veias, artérias, lymphaticos e capillares. Não nos occuparemos aqui das varices arteriaes, nem das lymphaticas e das capillares 4 a que alguns auctores dão o nome de telangiectasia, porém sómente das varices propriamente ditas, isto é, das venosas. As varices pódein ser sub-cutaneas ou superficiaes quando se localisão nas veias superficiaes, e profundas ou sub-mucosas quando nas veias profundas. As primeiras são as mais frequentes e tomão diversos nomes conforme o orgão em que se assestão, assim quando no cordão spermatico e no scroto : circocèle e varicocèle, quando no abdómen : circomphale ou varicomphale e quando no anus : liemor- rhoídas. As sub-mucosas observão-se nos lábios, na lingua, no esto- mago, nos intestinos e no recto. Tem-se visto também attacadas de varices as veias azygos, as jugullares, as cavas e as illiacas, porém de todas as varices, as que mais frequentemente se encontrão são as das saphenas e d’estas é a interna mais vezes victima que a externa. Estabelecidas estas preliminares passaremos ao assumpto de nossa dissertação, que versa sobre o tratamento cirúrgico das varices dos membros inferiores, não só porque, segundo a inter- pretação dada ao enunciado do ponto escolhido, pareceu-nos que o intuito de quem formulou-o foi apenas referir-se ás varices d’aquelles membros, como também caso se nos apresente um exemplo de qualquer outra especie de varices, que exijão meios cirúrgicos, aconselhariamos os mesmos meios empregados para as varices venosas, salvo indicações especiaes, como nas liemorrhoidas. Da etiologia das varices apenas diremos que nada ha decidido sobre as causas d’essa producção mórbida. Pondo de parte a hy- pothese inacceitavel hoje do sangue melancholico, considerado pelos vitalistas como causa da moléstia em questão, não sabemos qual opinião acceitar d’entre as que têm sido aventadas ultimamente. Assim pois passaremos a enumerar as opiniões de alguns auctores, que pretendem explicar a seu modo a formação das phlebectasias, sem comtudo nos pronunciarmos á favor d’este ou d’aquelle. ETIOLOGIA Delpech julga predispostos á varices os indivíduos de tempera- mento sanguíneo e lymphatico de preferencia aos de nervoso e 5 bilioso. Billroth encontra predisposição nos individuos de pernas longas, o que é contestado por Cruveilhier. As profissões que trnzem fadiga muscular como por exemplo: as de serralheiro, car- pinteiro, ferreiro, etc. A humidade, o frio, o abuso das bebidas alcoólicas também são considerados por alguns auctores como causas de varices. Alguns pathologistas querem que a diathese varicosa seja hereditária; é raríssimo de se observar. Bouchut em seu compendio de Pathologia Geral tratando das diatheses admitte que um vicio anatomico hereditário, mais do que outra qualquer causa, possa influir de modo que os filhos de individuos varicosos também o sejão. Hérapath attribue á constricção da saphena in- terna no faseia cribriformis as varices dos membros inferiores e Bichet as do pescoço á da jugullar externa. Malgaigne combate e Verneuil acceita. Verneuil pensa que as varices das veias profundas são motivadas pelas das veias superficiaes, as das tibiaes poste- riores precedidas das da saphena. Yalette em sua Clinica Cirúrgica cita casos contrários aos de Verneuil. Aubert dissecando os membros inferiores do cadaver de um velho, notou que as veias superficiaes erão varicosadas, no emtanto que as profundas conservavão-se normaes. Bonnet em seu arch. de med. de 1839 cita casos analogos ao de Aubert. Littré & Robin em seu Diccionario de Medicina men- cionão a atrophia da saphena em casos de permeabilidade das collateraes. Follin acceita a opinião de Verneuil; Vidal de Cassis, Spence e Billroth a contestão. Rayer lembra Follin fallando da ectasia nos solipedes pro- duzida por certos entozoarios (o strongilus-armatus-minor J e por isso deu-lhes o nome de varices verminosas. Vidal de Cassis falia de um caso de Andral em que elle attribue aos entozoarios no sangue a varicose que se manifestára em um doente de sua clinica. Lewis, Richarz, Wilche, Paterson e Halle sustentão essa opinião. As lesões cardíacas, pulmonares e hepaticas, que modificão de certo modo a circulação, pódem dar lugar a varices. A sclerose hepatica e a ascite, que allivia a cava pódem deixar de determinal-as. 6 Outros estados morbidos que exercem uma acção sobre o sangue, determinando sua coagulação, adherencia ás paredes ve- nosas, rugosidades na túnica interna, produzem muitas vezes varices, como têm-se observado nas pblebites e nas phlegmasias. Nas mulheres gravidas notão-se varices no membro abdominal esquerdo de preferencia, segundo alguns, pela compressão que o feto exerce sobre as illiacas d’esse lado em occipito-illiaca-esquerda- anterior, facto cuja predominância Spence contesta, o que as esta- tísticas confirmão. Os tumores do utero pódem causar varices pela compressão que exercem sobre as cavas. Essas varices, quer sejão occasionadas pela compressão do feto, quer sejão pela dos tumores, são ephemeras, desapparecem ou apóz o parto ou a ablação do tumor. Sabemos pelas causas que acima citámos que as veias sujeitas á uma certa compressão soffrem um trabalho phlegmasico, tornão-se flexuosas, e á custa d’esse processo inflammatorio neoplasico mo- dificão-se em sua estructura e tornão-se varicosadas. Dilatâo-se formando flexuosidades mais ou menos numerosas, que confundem-se algumas vezes constituindo tumores molles, ma- mellonaes, que desapparecem ao tocar, outras vezes esses tumores inflammão-se, dando lugar á hemorrhagia, ou tornão-se a séde de um trabalho morbido, que permitte a apparição de ulceras chamadas varicosas. O Professor Saboia em sua Clinica Cirúrgica, depois de mos- trar-se hesitante em acceitar as causas mechanicas, parece mais inclinado a admittir as physiologicas e anatómicas de concomitância com a fadiga muscular produzida por certas profissões, que reclamão o emprego da força physica e da posição vertical muito demorada. Briquet é de opinião que essas condições não são sufficientes e diz que só ha uma causa physiologica accidental, causa que reside na riqueza e na maior abundancia do sangue, o que obrigaria as veias a um excesso de actividade, seguida de fadiga de suas paredes e finalmente de sua dilatação e hypertrophia; porém essa explicação é rejeitada pelo Professor Saboia, que referindo-se aos casos de sua clinica diz, que pelo menos em nosso paiz, não são os individuos 7 plethoricos os que soffrem mais vezes de varices, ao contrario, contão se maior numero de varicosos entre os lymphatieos. Para terminar transcrevemos da Clinica Cirúrgica do Professor Saboia o seguinte : — «No desenvolvimento exagerado do systema venoso e em suas condições physiologicas e anatómicas é que se encontrão as verdadeiras causas de varices. A acção da gravidade ou do peso do sangue não actua ou não se fáz sentir senão quando as valvulas se tornão insufiicientes. » ANATOMIA PATHOLOGICA A anatomia pathologica revela alterações profundas nas paredes, no sangue e nas circumvisinhanças do vaso varicosado. Quanto ás paredes, Briquet, que melhor estudou os processos pathologicos, na dilatação das veias superficiaes dos membros infe- riores, divide para melhor methodo: em turgencia simples das veias quando ellas augmentando em seu diâmetro, tornão-se flexuosas, e suas paredes adelgaçando-se em proporção ao calibre do vaso não se contrahem. Na dilatação uniforme com espessamento as veias se allongão augmentando em seu calibre, descrevem curvas mais ou menos flexuosas e suas paredes se espessão graças á hypertrophia que se dá simultaneamente em sua extensão e diâmetro. Na dilatação desigual com espessamento e adelgaçamento as veias adquirindo um diâmetro duplo e triplo, suas túnicas se alterão, a media se adel- gaça tanto que em certos pontos é quasi nulla. Si abrirmos uma veia varicosada nestas condições, notaremos, ora uma gotteira longitudinal onde existem sulcos separados por linhas transversaes, sallientes e reintrantes; ora a cavidade venosa guarnecida de lojas longitudinaes, que Briquet compara ás vesiculas spermaticas. Este gráo de organisação é primitivo, desapparece e não restão senão pregas longitudinaes (Budin). As dilatações varicosas que se fazem ora acima, ora abaixo e longe das valvulas são fusiformes, glo- bulosas, pelo que, Budin compara á saccos aneurismaes. As valvulas se modificão segundo o gráo de alteração venosa, e tornão-se flá- cidas. As vezes seu bórdo livre curva-se para baixo, allonga-se e despedaça-se; outras vezes ellas adherem ás paredes do vaso for- mando verdadeiros êmbolos, coágulos e phlebolitos. 35 nessas con- dições que as propriedades physiologicas das veias se alterão e a circulação se modifica. Enfim Briquet falia da dilatação que resulta do desenvolvimento de pequenas veias e que se observa ora sobre as venulas, que conservão-se rectilineas, ora sobre as venulas sinuosas e irregulares; á simples vista, nota-se que ellas não têm em seu percurso o mesmo calibre e que á semelhança das grossas veias tornão-se a séde de dilatações fusiformes ou globulosas. Ultimamente os histologistas têm estudado as modificações por que passão as veias superfieiaes em sua estructura. Cornil publicou, (*) sobre este assumpto uma série de investigações in- teressantes que resumiremos em poucas palavras. « As veias são constituidas, l.° por uma camada de epithelium e outra muito fina de cellulas chatas de tecido conjunctivo e que constituem a túnica interna; 2.° por uma membrana media formada de fibras musculares e elasticas; 3.° por uma membrana externa composta de tecido conjunctivo e fibras elasticas. Na hypertrophia varicosa a túnica interna não é sensivelmente espessada. Abaixo d’essa camada existe uma rêde elastica á cujas malhas se interpõem feixes de tecido conjunctivo. N’essa túnica estes feixes determinão salliencias perfeitamente visiveis e o núcleo de suas cellulas é muito volumoso. Encontrão-se na camada in- terna da túnica media, cuja espessura é considerável, vasos muito dilatados e como que cavados no tecido conjunctivo novo. Estes vasos, cuja parede é delgada, são transversaes, longi- tudinaes ou obliquos e se tentarmos seguil-os na preparação elles se nos mostrarão sinuosos. Estes vasos têm notável importância nas varices chronicas. Logo que se fáz um córte longitudinal na veia, nota-se que á camada interna da túnica media succede uma de fibras musculares transversaes, limitadas por membranas elasticas e que apresentão (*) Anatomie pathologique des veines variqueuses.— Arch. de phys sept. 1882. em estado normal a configuração de ilhotas. Cada uma d’ellas mostra sobre um circulo claro a secção de seu núcleo cylindrico e semelhão um tubo nervoso, no qual se vê o córte do cylinder-axis. Estes feixes dominão mais na túnica media do vaso varicoso do que em estado normal, devido isso em grande parte á nova for- mação de tecido conjunctivo. Entre os elementos d’este tecido abun- dantes nas hypertrophias varicosas infiltrão-se líquidos contidos no interior do vaso ou fóra d’elle. D’ahi resultão derramamentos de globulos vermelhos ou de matéria corante do sangue nas pare- des venosas alteradas e encontrão-se espalhadas em seu interior granulações de cor amarella constituídas por pigmento sanguíneo. Demais, a parte liquida do sangue contida nas veias póde passar atravez das suas paredes e causar oedemas passivos ou inflam- matorios. Pelo que precede vê-se que as dilatações varicosas de media intensidade e mais frequentes são occasionadas pela formação nova de tecido conjunctivo, pela extensão dos vasa-vasorum, que penetrão até a camada media, pela distensão, estado sinuoso e espessamento das paredes d’estes vasos, e pelos derramamentos da matéria co- rante sanguínea no tecido conjunctivo .da parede venosa. A es- pessura da túnica media é duas a dez vezes mais considerável que em estado normal. Ao nivel das dilatações ampoulares ou fusiformes das veis va- ricosadas, a parede é geralmente muito adelgaçada, sua superfície interna é lisa, sua dilatação regular e a peripheria do pequeno tumor facil de isolar. Logo que se fáz uma secção transversal nas paredes da veia ao nivel da dilatação, póde-se assegurar que a túnica media não existe ou que d’ella não resta senão uma camada delgada em ilhotas esparsas. A membrana que constitue a porção dilatada é formada quasi que exclusivamente de tecido conjunctivo modificado pelas camadas externas e pela interna das veias. Em resumo, diz Cornil, as varices são produzidas pela inflamma ção chronica das veias caracterisada essencialmente pela multiplicação do tecido conjunctivo das veias sobretudo na camada interna da membrana media, pela extensão da rêde dos vasa-vasorum e conse- 10 eutivamente pelas dilatações e incrustações calcareas das paredes alteradas das veias. Quanto ao estado do sangue, salvo quando existem certas complicações, não apresenta alteração em suas propriedades. Quanto ao estado das partes circumvisinhas observa-se que os princípios albuminoides, a lympha e o serum infiltrão os tecidos cir- cumvisinhos e os vasos lymphaticos, e sendo comprimidos transudão o seu conteúdo. O tecido eonjunctivo prolifera, augmenta de volume dando assim principio á elephancia. Rayer cita-nos o caso de um doente em que applicára a cauterisação da saphena interna varicosa, no qual observou alterações elephaneiacas para o lado da pelle. O pigmento sanguíneo infiltra-se pelo tecido eonjunctivo e dá ás partes circumvisinhas do vaso varicosado a cor violacea que se observa ao redor das ulceras varicosas. Na prenhez logo que as varices se tornão volumosas as partes circumvisinhas mostrão certas alterações. Em algumas mulheres gravidas os tecidos, que envolvem as veias espessão-se nas partes varicosadas e é provável que essas alterações permanentes sejão simultâneas ás que se dão nas varicoses chronicas. Uma infiltração simples no tecido cellular sub-cutaneo observa-se na maior parte das mulheres gravidas, infiltração que cessa logo apoz o parto e as veias voltão a seu estado primitivo. DISSERTAÇÃO Das operações reclamadas pelas varices Sxjmmakio : — I Curabilidade das varices. Accidentes e complicações. — II Tratamento Meios palliativos e curativos. Da intervenção cirúrgica. Methodos e processos. Yalor de cada um. — III Injecções intra-venosas. Perchlorureto de ferro e licôr iodo-tannico. Estudo comparativo. Conclusão. I CURABILIDADE DAS YARICES. — ACCIDENTES E COMPLICAÇÕES São curáveis as varices ? Devem ser curadas as varices ? A primeira d’estas interrogativas, que salta logo aos olhos do leitor responderemos affirmativamente. A curabilidade das varices basêa-se em um facto de observação clinica, na analogia de me- chanismo que se nota entre a formação de certos aneurismas tratados pelas injecções coagulantes e o que se observa na formação das phlebectasias; ora, se essas injecções em contacto com o sangue têm por fim constituir um coagulo no interior da cavidade aneu- rismal, obliterar o vaso, desviar a corrente sanguinea e assim dar em resultado a cura da dilatação arterial, é obvio que, empregando o mesmo processo para as dilatações venosas ou varices, obte- remos a cura d’essa aífecção. 12 Quanto á segunda diremos, sim ou não, conforme as causas que as produzirem ou o estado a que tiverem chegado. Desde que reconhecermos a existência de verdadeiras (*) varices, não podemos deixar de pugnar pelos meios tendentes á cura da moléstia em questão, apezar do pessimismo systematico da escola allemã, a cuja frente se acha Billroth, que chega a dizer: « que toute opération faite sur les veines peut devenir dangereuse pour la vie, à raison d’une complieation par thrombose et embolie, et vous serez d’accord avec moi pour considérer comme non justi- fiable cette opération. Et cependant on exécute encore ces opé- rations 'principalement en France et assez souvent la mort en est le resultat ». Pela transcripção que fizemos acima de um topico da Patho- logia Cirúrgica de Billroth, pode-se avaliar do gráo de má fé com que aquelle auctor discute o tratamento das phlebectasias, porque não é crivei que Billroth, publicando em 1874 o seu compendio de pathologia, ignorasse o grande numero de resultados felizes colhidos por Bonnet,. que desde 1838 empregava a cauterisação, cujas vantagens e inconvenientes discutiremos adiante, e ainda mais, em Julho de 1853, Valette publicou no quarto volume dos Bolletins da Sociedade de Cirurgia de Pariz, uma carta dirigida ao presidente d’aquella sociedade em que communicava ter obtido a cura de dous doentes aífectados de varices acompanhadas de ulceras, empregando o mesmo processo (injecção de perchlo- rureto de ferro com a seringa de Pravaz) de que havia feito uso em um caso de aneurisma da curva do braço. Será possivel que Billroth não tivesse noticia da publicação dos casos de Bonnet e de Yalette ? Não o cremos. Então porque sendo já conhecidos ha tantos annos dous meios cirúrgicos para a cura das varices, meios cujos resultados efficazes têm sido confirmados pelas estatisticas, embora nem sempre infal- (*) Dizemos verdadeiras porque ha também falsas, que são as motivadas por compressão voluntária, por meio de laços, que apertando fortemente os vasos da côxa, determinão uma certa turgencia dos da perna, simulando assim uma affecção que não existe. Isto é muito commum nos operários, nos soldados que por indolência querem se esquivar ao serviço, que lhes compete. 13 liveis, Billroth apenas diz-nos com nm certo desdem que, também póde-se injectar perchlorureto de ferro liquido, o que provoca uma rapida coagulação do sangue ?! Quanto ao mais limita-se a fazer o que os auctores mencio- nados já tinhâo feito, combater os processos de arrancamento, electro-punctura, ligadura das veias, etc., e aconselha como unico meio acceitavel um palliativo — a compressão continua feita pelas meias de tecido elástico. E nem uma palavra sobre a cauterisação! Emfim, Billroth não ficou isolado. Aqui mesmo no Rio de Janeiro, em 1879, publicou-se um volume de pathologia cirúrgica d’onde extrahimos o seguinte em referencia ás varices: — «O prognostico é grave pela incurabilidade do mal contra o qual, em geral, são só indicados os meios palliativos ». Só um motivo póde explicar essa omissão culpada de Billroth e não é outra cousa senão o odio implacável que os allemães votão ás descobertas oriundas da França, até mesmo ás que vêm em auxilio do bem estar da humanidade e isso é tanto mais cen- surável porquanto é considerado proverbial por quasi todos os homens que estudão o critério scientifico dos allemães. / E o caso de dizer-se com o Dr. Monat em sua these inaugural: —« Os allemães perdem o critério quando pronuncião o nome da França ». O Professor Saboia, que abraçou a escola franceza, a de Lyon, tem empregado o processo de Yalette e em seu compendio de Clinica Cirúrgica diz com o fim de justificar a necessidade de curar as varices, o seguinte: —« Nas causas que produzem as varices não existe nenhuma contra-indicação para o tratamento das phlebectasias, senão quando estas se manifestarem sob a influencia da gravidez, ou estiverem na dependencia, como na observação de Cloquet, de tumores, cuja destruição fôr impossivel pelos meios de que a arte dispõe. Ainda assim não convém cruzar os braços e deixar que a affecção, se tiver chegado a um alto gráo de desenvolvimento, possa provocar qualquer dos acci- dentes de que vos fallei ». 14 Poderá parecer á primeira vista que nos filiamos á escola de Lyon para acompanhar o Professor Saboia, que mostra-se enthusiasta pelo processo de Valette. Não. Sabemos que nem todas as varices devem ser curadas e que algumas pódem desapparecer simplesmente com a applicaçâo de meios palliativos, o que veremos quando discutirmos aquelles meios. Assim por exemplo não nos inoommodaremos com as varices dos velhos porque contão-se alguns casos de pneumonias, que forão a consequência do tratamento, mas como não são os velhos os que mais vezes se apresentão atacados de varices e sim os adolescen- tes, para quem aquella moléstia constitue um verdadeiro obstáculo ao trabalho pela gravidade a que póde attingir, insistimos pelo seu tratamento. Não daremos importância ás varices causadas pela gravidez porque após o delivramento, ellas desappareceráõ e nem também ás produzidas pela compressão de um tumor, porque já vimos que após a sua extirpação, ellas deixaráõ de existir. Bem que alguns auctores digâo que as varices sejão uma simples enfermidade, cujo tratamento não deve preoccupar o espirito de nenhum cirurgião e citem como exemplo da desvan- tagem do tratamento das phlebectasias tres casos muito conhecidos: o l.°, de uma senhora asthmatica que tinha accessos muito fortes sempre que por exigências da vaidade própria do sexo, comprimia as varices, afim de tornar-se elegante (Chaussier); 2.°, o de um doente de Bérard, que teve a infelicidade de vêl-o trocar uma enfermidade por outra, a varice pela loucura; e finalmente, 3.°, o caso mencionado por Vidal de Cassis de uma cozinheira, que abortava sempre que em estado de gravidez comprimia as suas varices; não nos arreceiamos de tentar a cura d’aquella affecção e aproveitamos a opportunidade para dizer que pugnamos pelo tra- tamento das varices não porque esta moléstia por si só cause sérios inconvenientes á saude dos doentes e sim pelas complicações e accidentes que sobrevém em grande numero de casos. Entre os accidentes que pódem transformar-se em complicações e compromet- ter a vida do doente, lembraremos as ulceras chamadas varicosas e que quasi sempre se abrem na proximidade dos maleolos. 15 Diz Follin que nos tecidos em que a irritação é chronica, a circulação embaraçada e a nutrição incompleta, uma pequena esco- riação, uma insignificante contusão pódem dar logar á formação das ulceras, que são a principio superficiaes e pouco extensas, porém depois tornão-se maiores em extensão e profundidade, apresentando a configuração de uma ferida irregular, de bérdos duros e cortados á pique e de cujo fundo livido transúda uma suppuração sanguinolenta e fétida. Podemos curar essas ulceras, é verdade; porém, nada adian- tamos com isso sem que tratemos primeiramente das varices, que são a sua causa primordial e segundo affirma o Professor Saboia, « o cirurgião que conhecer a genesis e o mechanismo da formação das ulceras varicosas não ignorará de certo que o processo ulce- rativo é a consequencbi de um trabalho inflammatorio chronico, seguido de amollecimento e desaggregação mollecular dos tecidos. A circulação venosa é physiologicamente difficil e lucta contra duas forças principaes — o peso do sangue e a falta de contracção muscular e esses embaraços augmentando em virtude da dilatação varicosa, obrigão a circulação a sêr mais demorada e lenta e per- mittem a manifestação de irritações nas partes circumvisinhas, acompanhadas de infiltrações plasticas, que amollecem os tecidos, e que sob a influencia do menor traumatismo estabelecem o processo ulcerativo. » As ulceras além de grande incommodo que causão ao doente impossibilitando-o de entregar-se aos encargos de sua profissão, tornão-se fóco de hemorrhagias consideráveis, que trazem como consequência a morte e entre os casos terminados por tal fórma cita-se o do astronomo Copernico. Algumas vezes a hemorrhagia póde dar-se independente das ulceras, póde apparecer em consequência de uma contusão, de um esforço qualquer que dê logar á ruptura do vaso. Segundo Follin este accidente tem de notável o facto de não ser precedido de dor e de permittir a extravasação de grande quantidade de sangue, que ora corre en ncippe, ora, e mais frequentemente em jorro rutilante e sacccidé, como nas artérias, o que se explica pelo 16 estado de alteração das paredes venosas, cuja estructura se asse- melha á das artérias e pela dilatação das venulas e dos eapillares onde o sangue não soífre completamente a transformação de arterial em venoso. As hemorrhagias são accidentes tanto mais para receiar por- quanto são imprevistos, apparecem muitas vezes em occasião que o cirurgião não póde prestar soccorros ao doente. Valette menciona o caso de uma senhora sua cliente, que tendo-se opposto á ope- ração aconselhada por elle, fora encontrada, quinze dias depois, morta em seu leito e banhada em sangue. Dera causa á morte uma grande liemorrhagia que a sorprehendera durante o sonino. Além disso as varices complicadas de ulceras pódem ser o ponto de partida de uma phlebite suppurada e de pyohemia. Yem ainda em nosso auxilio o Professor Valette, que lembra-nos o caso de um individuo chamado Guillon, contra-mestre de um esta- belecimento de fiação e que durante muito tempo hesitára em acceitar os conselhos d’aquelle cirurgião e que em um certo dia resolveu sujeitar-se á operação. Designado esse dia foi Valette ver o seu doente, porém encontrou-o indisposto e queixando-se de ter tido febre durante a noite talvez por ter-se entregue no dia an- terior a um trabalho penoso em sua officina. Valette examinando a ulcera achou-a inflammada, dolorosa e secca e sentindo-se tam- bém incommodado, deliberou adiar a operação, aconselhando ao doente que guardasse repouso por alguns dias. Infelizmente nesse mesmo dia foi elle acommettido de um calafrio intenso, demorndo e acompanhado de ranger de dentes, a pelle estava coberta de um suor frio e viscoso, o fácies profundamente alterado. Depois de ter verificado os symptomas que se manifestavão o Professor Valette fez o diagnostico de uma phlebite suppurada, que originou a infecção purulenta e á vista d’isso declarou que o prognostico não podia deixar de ser gravissimo. Apezar dos esforços empre- gados pelo Professor de Lyon auxiliado por Barrier e Teissier, o doente falleceu dois dias depois. Outro accidente não menos perigoso que os antecendentes é o da morte súbita por embolia. Valette transcreve da Gasette 17 des hôpitaux de Março de 1862 um caso curioso da clinica de Briquet. Eil o : — uma senhora ainda moça, cujas varices já tinhão sido por duas vezes séde de phlebites intensas e que sendo pela terceira vez victima d’aquella complicação, entrou para o hospital. Ahi a doente depois de ter feito algumas applicações calmantes e sob a influencia do repouso, apresentava melhoras á vista da desapparição dos phenomenos locaes, quando em uma certa noite acordou chamando por soccorro. As pessoas que acu- dirão-lhe, achárão-a extremamente pallida, a physionomia alterada, notárão que a doente sentia falta de ar, dor intensa no peito, agitação violenta dos braços, battimentos desordenados do coração sem que houvesse ruido anormal, emfim todos os symptomas ma- nifestos de uma syncope, que matou-a em menos de vinte minutos. Feita a autopsia, continúa o Professor Valette, encontrárão-se a saphena interna e as suas principaes ramificações occupadas por um coagulo duro, consistente, ennegrecido, mais ou menos adherente ás paredes da veia espessada; este coagulo achava-se interrompido no ponto em que a saphena abre-se na femoral, que nada apre- sentava de notável bem como todas as suas collateraes; o sangue nellas contido achava-se fluido, o que faz-nos crer que forão ellas que derão passagem ao sangue venoso do membro inferior afim de estabelecer a circulação complementar. A illiaca e a cava até sua entrada no coração estavam em seu estado normal. Este orgão, bem que molle e friável, nada oíferecia digno de nota a não ser uma pequena quantidade de sangue diffluente. A artéria pulmonar estava occupada por um coagulo que se applicára de encontro á origem das suas duas divisões no espaço comprehendido entre as valvulas sigmoides e a bifurcação e não adheria ás paredes ar- teriaes, que nada tinhão de particular, bem como o endocardo. O coagulo que tinha 15 centímetros de comprimento, era cylin- drico e o seu diâmetro não correspondia ao da artéria onde fora encontrado e sim ao da femoral de onde partira e fragmentado, caminhou desde a embocadura da saphena interna até o coração, atravessou a auricula e o ventriculo direitos, insinuou-se na artéria pulmonar onde se applicou de encontro á bifurcação, fez parar a r 4854 -2 18 circulação pulmonar e assim produziu a morte súbita por asphyxia e syncope. Outros accidentes ha que pódem perturbar a marcha das varices, taes como : a erysipela, o phlegmão, o eczema e a ele- phancia, porém estes não são tão frequentes como os precedentes e por isso pouco nos demoramos a fallar de sua influencia. A erysipela, segundo Follin, é notável pela coloração livida, marcha lenta e chronica, muitas vezes é ponto de partida de um phlegmão circumscripto ou diffuso e de abcessos múltiplos situados ao longo das veias. Se abrirmos esses abcessos, já sabemos que consequências terríveis nos esperão, ou uma hemorrhagia abun- dante difficil de ser sustida ou a penetração de pús no interior do vaso, o que vai dar origem á pyohemia, que infallivelmente matará o doente. Billroth diz que o eczema gera-se por processo idêntico ao das ulceras. A respeito da elephancia ha divergências entre os auctores, uns querem que ella seja dependente da ectasia lymphatica e são d’esse parecer Bouillaud, Fabre e Graide. Outros porém pensão de modo diverso e aífirinão que a elephancia, devida á influencia de um miasma, é causa e não consequência da ectasia. Finalmente outros adoptão uma theoria eclectica, isto é a ectasia lymphatica de concomitância com a influencia miasmatica determinando a elephancia. Depois do que narramos á respeito dos perigos que ameação a vida dos varicosos, haverá alguém que conteste de boa fé a gravidade das phlebectasias e sua curabilidade ? Cremos que não. II TRATAMENTO. MEIOS PALLIATIYOS E CURATIVOS. DA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. METHODOS E PROCESSOS. — VALOR DE CADA UM. O tratamento das varices póde ser dividido em duas cathe- gorias : — palliativo e curativo. O tratamento palliativo como seu nome indica tem por fim impedir que a affecção progrida pela applicação de meios brandos, e comprehende os seguintes : — a posição, a compressão e o debri- damento. Outrora, quando os cirurgiões não conhecião senão os meios curativos cuja descripção fazemos n este capitulo e que sem exagero qualificamos de barbaros, os meios palliativos erão commummente empregados porque alliviavão os doentes e não trazião graves con- sequências como os outros; hoje, porém, que se conhece um meio curativo efíicaz e absolutamente inoffensivo, como veremos quando nos occuparmos das injecções intra-venosas, os dois primeiros meios palliativos—a attitude e a compressão — são ainda muito empre- gados como auxiliares d’aquelle que adoptamos. Posição.—Este meio tem sido aconselhado desde os tempos mais remotos pelos cirurgiões, que têm-se occupado do tratamento das varices. Entre os antigos destaca-se o nome de Aétius, que obrigava os doentes a tomar uma attitude tal que diminuisse o diâmetro da coluinna sanguinea e assim tornasse menor a dilatação do vaso affectado. Em épocha mais próxima de nos, Gerdy seguia o mesmo systema e mantinha em decubitus dorsal os doentes cujas phlebectasias tinhão por sede os membros inferiores. Compressão. — Este meio também não é novo. Já Hippocrates o havia recommendado como o primeiro meio a pôr em pratica em casos de varices. Segundo Follin esta compressão é a geral, que favorece a circulação cedendo um ponto de apoio lateral á parede venosa, evacuando as veias superficiaes á custa das profundas, facilitando a reabsorpção da serosidade derramada, o que provoca a resolução da irritação cutanea e previne a ulceração. A compressão póde ser feita de diversos modos ou com uma atadura simples methodicamente applicada, meio este que não deixa de ser defeituoso porque a atadura depois de algum tempo torna-se frouxa, principalmente se o doente tiver feito algum exercicio e precisa de ser renovada muitas vezes o que é incommodo; ou com as tiras de diachylão imbricadas, apparelho este que exerce uma compressão regular e uniforme, porém que não deixa de trazer o inconveniente de ser pouco elástico e de obstar por isso os movi- 20 mentos do membro em que fôr applicado; ou ainda com o auxilio de meias, que pódem ser fabricadas de tecidos mais ou menos elásticos, quer de pelle de cão, quer metade de fio de linho e metade de caout-chouc, quer de caout-chouc vulcanisado. Este appa- relho costuma ser feito sob medida e antes de collocal-o, é pru- dente interpor á elle e á pelle uma camada de algodão ou uma compressa de panno afim de preencher as lacunas e impedir que o suor humedeça-o. A sua applicação é difficil, affirma Follin, porque convém evitar que elle exerça uma compressão mais forte em um ponto que em outro, o que daria logar á apparição do oedema ou embaraçaria a marcha do doente e por isso deve ella ser feita pelo cirurgião que só collocal-o-ha depois que o doente estiver em repouso algumas horas e apoz a applicação obrigará o varicoso a caminhar afim de poder apreciar o gráo de constricção e fazer as alterações necessárias. Dehridamento.— Este processo basêa-se em um facto anatomico observado por Verneuil e lembrado por Hérapath, isto é, na constricção que sobre certas veias produzem os anneis fibrosos que ellas atravessão, assim por exemplo: a saphena externa no concavo popliteo e a interna na dobra da virilha. Segundo Hérapath, auctor d’este processo, o cirurgião deve operar do modo seguinte : — levantar uma prega da pelle em ex- tensão sufficiente ao nivel do orifício aponevrotico atravessado pela veia, que se manifesta pela continuação até a séde da varice ; cortar completamente a base da prega, donde resulta uma incisão de 7 a 8 centimetros de comprimento, dirigida obliquamente para cima e para dentro; dissecar cautelosamente o faseia super- ficialis e separal-o do cribriformis, feito isto, o operador comprime com o indicador esquerdo a veia e passando o bistouri pelo ori- fício, divide o bórdo superior na extensão de 12 a 13 millimetros, immediatamente a varice deprime-se e reune-se a ferida por dous pontos de sutura. Malgaigne reprova o emprego do bistouri, que póde ferir um vaso proximo, compromettendo assim a vida do doente e aconselha que se faça a dilatação com uma espatula. O auctor cujo nome 21 acabamos de mencionar teve occasião de recorrer uma vez a esse processo sem que obtivesse a cura do doente. Comtudo observou que o doente havia experimentado melhoras, graças talvez á phlebite adhesiva que se manifestára consecutivamente. Em todo o caso Malgaigne condemna esse processo justamente pelo facto de trazer como consequência a phlebite, o que póde interessar qualquer vaso importante, que passe nas circumvisinhanças e admira-se que Hérapath tivesse alcançado a cura do seu doente a menos que não se tratasse de uma simples dilatação varicoide. O tratamento curativo de varices deve ser aquelle que tenha por fim empregar meios capazes de curar os doentes affectados da moléstia em questão, ora não é precisamente aquelle, o qualificativo que merecem os meios, que vamos descrever e que felizmente forão banidos da cirurgia moderna, por conseguinte os seus auctores devião com mais acerto chamal-os de: meios duvidosos. Si em absoluto esses meios não justificão o epitaphio satyrico applicado por Bocage ao tumulo do doente, que morrera victima da cura, ao menos merecerão o abandono a que forão entregues pela escola de Lyon e nomeadamente por Yalette. Assim pois declaramos desde já que exporemos aquelles meios emprestando- lhes o unico valor compativel — o valor historico. — Segundo Follin, o tratamento curativo das varices seguido pelos cirurgiões antigos traduzia-se por dous grandes me. thodos : l.° por perda da substancia da veia; 2.° por obliteração do vaso. Malgaigne subdivide os methodos e dá-nos a conhecer quatro —: 1. — Destruição de uma parte da veia. 2. — Obliteração da veia por phlebite. 3. — Obliteração da veia por adhesão das paredes. 4. — Obliteração da veia por formação de coágulos. Estes methodos abrangem não poucos processos que descre- veremos cada um de per si. Antes de recorrer á qualquer d’esses processos, os cirurgiões antigos attendião primeiramente ás indicações e contra-indicações estabelecidas criteriosamente por Bonnet (de Lyon). 22 Erão indicadas as operações : l.° quando as varices se modi- ficassem e dessem origem ás hemorrhagias; 2.° quando fossem vo- lumosas e impedissem o doente de andar e trabalhar; 3.° quando se manifestassem ulceras rebeldes. Erão contra-indicadas : l.° quando o doente fosse idoso; 2.° quando as varices fossem antigas; 3.° quando as duas saphenas fossem affectadas. l.° Methodo. — Destruição de uma parte da veia. — Este methodo comprehende todos os processos pelos quaes se procura alcançar não só a interrupção permanente da circulação, mas também a interrupção da continuidade do proprio vaso. (Malgaigne). Antes de fallar dos processos mencionados por Malgaigne, vamos dizer algumas palavras sobre os processos da extirpação e da resecção, de que aquelle auctor não se occupa senão por alto. Extirpação. — Este processo era apenas applicado segundo affirma Follin, ás varices disformes e consideráveis, ou antes aos tumores varicosos. Os cirurgiões antigos limitavão-se á incisar a pelle em uma dobra quando ella estava em bom estado e arran- cavão o feixe varicoso depois de o ter dissecado. Quando porém a varice estava obliterada ou adherente, fazião uma incisão elliptica e depois extrahião a pelle juntamente com as veias. Felizmente para a cirurgia essa operação foi abandonada por causa dos pe- rigos que trazia. Resecção. — Este processo exposto por Malgaigne sob a de- nominação de excisão consistia no seguinte : em incisar uma prega da pelle, cortar a veia posta a nú nos dous ângulos da incisão e retirar a parte da veia comprehendida entre os dous golpes. Rima (de Veneza) empregou muitas vezes este processo e nos doentes affectados de varices nos membros inferiores, escolhia para sede da operação o ponto mais elevado possivel do membro abdominal, proximo da arcada crural e fazia uma incisão de 3 centimetros. Em trinta casos, diz Rima que obteve um terço de curas, dous terços de insuceessos e entre estes, dous casos de morte por phlebite. Apezar d’essa estatística, este processo foi como o precedente também condemnado em virtude dos accidentes, que accarretavão, 23 que não erão de pequena importância, taes como : a dor excessiva, que se explica pela presença de filetes nervosos, que acompanhão as sapfienas e suas ramificações ; a hemorrhagia, que era muitas vezes considerável á ponto de reclamar a ligadura das duas ex- tremidades da veia cortada; a morte súbita, causada pela entrada do ar na veia e finalmente os accidentes inflammatorios taes como: o phlegmão, os abcessos, a erysipela e a phlebite. Lisfranc, querendo evitar o contacto do ar sobre as extremi- dades da veia dividida, fazia uma incisão- na pelle e depois pra- ticava a secção sub-cutanea da veia por meio de tezouras curvas. Um ajudante comprimia o vaso acima e abaixo dos pontos inci- sados, e finalmente, reunia a ferida por primeira intenção, aconse- lhando ao doente que fizesse uma ligeira compressão por meio de compressas graduadas. Apezar de todos os seus cuidados, os successos não corres- ponderam-lhe á expectativa. Em cinco operados, Lisfranc perdeu tres. (Follin.) Incisão simples. — Este processo póde-se effectuar de dous modos, ou cortar transversalmente com um bistouri convexo a pelle e a veia, ou levantar uma prega da pelle, fazer uma incisão em sua base e seccionar de uma só vez a veia na porção elevada. Depois d’isto, os cirurgiões fazião o curativo que os francezes chamão pansement à plat e que consiste em provocar a suppuração por meio de uma camada de fios interposta aos lábios da ferida. Petit apenas praticava pequenas incisões sobre as varices tumefactas e inflammadas. Richerand, empregando este processo nos casos de tumores varicosos, fazia uma incisão vertical que compromettia a pelle e as varices, incisão que attingia muitas vezes a extensão de 10 a 20 centimetros. (Malgaigne.) Este processo é máo porque expõe o doente á hemorrhagia, á phlebite e á infecção purulenta. (Follin.) Secção sub-cutanea. — Este processo, conhecido também pela denominação de processo de Brodie, nome de seu auctor, consiste em introduzir um tenotomo ligeiramente concavo e de ponta agu- çada entre os tegumentos de um lado, a pelle e a veia do outro, 24 do mesmo modo porque se procede em caso de tenotomia, isto é, insinuando o instrumento de maneira que as duas faces da lamina olhem, uma para diante e outra para traz, depois voltando o bórdo cortante para o lado da veia, retira-se o tenotomo de modo que córte transversalmente o vaso sem augmentar a ferida da pelle. É prudente comprimir brandamente o ponto da secção afim de evitar ao mesmo tempo o derramamento de sangue, e a entrada de ar, que pódem determinar accidentes graves taes como : a phlebite, a infecção purulenta e a morte. Embora este processo pareça preferível ao outro por ser menos perigoso, comtudo ninguém hoje aconselha-o. Bérard observou que após a applicação do processo de Brodie, apparecião a erysipela pblegmonosa, a phlebite, que davão lugar á pyohemia e á morte. Jobert, de 9 operados teve 8 casos fataes, Ricord, de 13 teve 1 e Rima, de 33 teve 2. Deviamos nos occupar agora da cauterisação, segundo a classi- ficação do professor Malgaigne, porém reserval-a-hemos para o fim d’este capitulo por motivo que mais tarde exporemos. Passemos, pois, ao processo immediato : Excisão por sutura; processo de Velpeau. — Consiste em atra- vessar um alfinete por baixo da veia, mas em vez de apertal-a com um fio em 8 afim de fechar provisoriamente o vaso, o cirur- gião enrolava o fio circularmente por baixo das duas extremidades do alfinete, apertanto fortemente de modo que cortasse e trouxesse a mortificação simultânea da veia e da pelle, o que se realisava em 10 a 15 dias. Recommenda Velpeau que o cirurgião conserve durante a operação o membro do doente em posição perpendicular ao sólo. Secção por ligadura. — Malgaigne subdivide este processo em tres : l.° Processo commum. que é muito simples, consiste em incisar a pelle, introduzir por baixo da veia um estylete munido de um fio, que se aperta por um duplo nó. 2.° Processo de Reynaud, este processo diífere do precedente em fazer passar a ligadura por intermédio de uma agulha curva, e em apertar o nó sobre um pequeno cylindro de sparadrapo ou uma compressa, o que per- 25 mitte graduar a constricção do vaso. 3.° Ligadura subcutânea, pro- cesso que foi indicado em 1830 por Gagnebé, imitado por Velpeau e aperfeiçoado pelo Professor Ricord, que empregava-o no trata- mento do varicocèle. (Follin.) Este processo, pouco seguido em França, foi adoptado por Ledwis, (de Philadelphia) que substituio o fio metallico pelo fio de seda ou vegetal, e resume-se no seguinte : em fazer penetrar a agulha munida de um fio por baixo da veia, impellil-a de modo que sáia pelo lado opposto, passar por cima do vaso e depois introduzil-a novamente pelo mesmo ponto onde já tinha entrado anteriormente, e assim por diante como se o operador estivesse cosendo um botão sobre a pelle do doente. Foi por esse facto, pela semelhança que se observa entre esse processo e a ma- neira pela qual se prégão os botões de osso que Bozemann (de New-York) denominou-o sutura em botão. 2.° Methodo. — Obliteração da veia por phlebite. — Este methodo abrange muitos processos, dos quaes uns fazem-se actuar directamente sobre a própria veia, e outros ao contrario fazem-se actuar nas proximidades do vaso. Os cirurgiões antigos recorrião a este methodo com o fim de obter a obliteração da veia por meio de uma inflammação provocada por um corpo extrariho. Processo de Delpech. — Este auctor, depois de fazer uma in- cisão na pelle, introduzia uma lamina de amadou entre a veia e os tecidos adjacentes, e assim provocava a inflammação e conseguin- temente a obliteração do vaso. Este processo cahio em desuso embora Faure quizesse em 1866 divulgal-o novamente á vista de tres casos de cura que havia alcançado. Sedenho metallico. — Este processo era applicado segundo a maneira particular de cada cirurgião que a elle recorria, assim Lallemand atravessava as varices com agulhas de acupunctura que elle deixava permanecer por algum tempo; Velpeau atravessava a veia com dous ou tres fios, que guardavão uma certa distancia entre si, e duas vezes por dia apertava-os, até que no fim do se- gundo ou quarto dia apparecia a inflammação ; finalmente, Eavat introduzia um alfinete não transversalmente e sim parallelamente á veia, atravessando a pelle em dous pontos distantes o mais pos- sível um do outro. Velpeau, de 12 doentes contou 5 insuccessos; 2 mortos e 3 casos de phlebite grave. 3. Methodo. — Obliteração da veia por adhesão das pa- redes. — Temos a considerar aqui um unico processo, o da com- pressão. Bem que este processo consista em interromper a corrente sanguínea em virtude da obliteração da veia por adhesão das paredes do vaso, comtudo, esta não se effectuará sem que haja phlebite, razão pela qual achamos que o processo da compressão não é mais do que uma modificação dos processos do 2.° methodo. O resultado é o mesmo, apenas varião os meios. Estes meios são constituídos pelos diversos compressores e pelas serra-finas. Colles applicava ao nivel da embocadura da saphena interna um compressor de Petit. Sanson inventou um mais aperfeiçoado, uma especie de pinça terminada por duas placas ellipticas, que se approximão e se afíastão á custa de um parafuso de torsão fixo nos dous ramos. O auctor fazia a compressão apprehendendo a veia entre as duas placas durante vinte e quatro horas. Breschet ideou por sua vez um compressor que empregava nos casos de varices do cordão spermatico. Este instrumento foi modificado por Landouzy, que apenas comprimia a base dos tegumentos. (Follin.) As serra-finas imaginadas por Vidal de Cassis tiverão acei- tação durante algum tempo. Este processo quando não produzia consequências funestas, nenhum allivio trazia aos doentes, e por fim foi abandonado. 4. Methodo. — Obliteração da veia por formação de coá- gulos. — Malgaigne dispõe em tres classes distinctas os processos pelos quaes se consegue a formação de coágulos nas veias. Na primeira classe vêem-se as diversas ligaduras e suturas ; na segunda : os processos dé acupunctura e galvanopunctura, e na terceira: as injecções intra-venosas. Os processos comprehendidos na primeira classe são os se- guintes : 27 Ligadura temporária. — Por este processo não se procurava obter a secção da veia como se fazia com a ligadura commum, e sim provocar uma phlebite, que determinava a obliteração do vaso. Empregarão este processo, Freer (de Birmingbam), que aper- tava fortemente a veia com um fio, que era retirado d’ahi a poucos instantes, e Wise, que comprimia directamente a veia por uma liga- dura que só era retirada vinte e quatro horas depois de applicada. Sutura entrelaçada e acupressura. — Este processo imaginado por Franc e seguido pelo Professor Roux tinha por fim deprimir as varices e obliteral-as. Praticava-se esta sutura na parte media da coxa, sobre o vaso em perfeito estado, atráz do qual passava-se um alfinete e em torno deste enrolava-se um fio em 8, fio que devia ser bem apertado. Deixava-se ficar o alfinete durante o espaço de 10 a 14 dias. Embora esta operação seja pouco dolorosa e não traga os accidentes que os outros processos acarretão, segundo diz Follin, comtudo deve ser banida da pratica cirúrgica porque permitte a reincidência da moléstia. Sutura cavilhada. — Processo empregado pelo Professor Ver- neuil, que costumava passar transversalmente por baixo da veia muitos fios de ligadura e comprimia a pelle e a veia entre dous fragmentos de sonda apprehendidos pelas alças dos ditos fios. Pra- ticada longe das varices, esta especie de compressão mediata, na phrase de Follin, obliterava o vaso principal sem actuar sobre as varices em virtude das numerosas ramificações, que ficavão isemptas da influencia operatória. Além disso este processo não podia ser applicado sobre os proprios tumores varicosos por causa da ex- trema flexuosidade dos vasos aífectados, que apresentavão-se envoltos em uma camada de tecido cellular endurecido e em uma pelle muito adherente. Ligadura dupla acima e abaixo da veia. — Este processo se- guido por Dupuytren, não é senão o desenvolvimento dos processos de ligaduras simples e póde ser posto em pratica segundo a ex- posição dos processos de Velpeau, Verneuil e Wise. 28 A segunda classe apenas contém dous processos, o da acu- punctura e o da galvano-punctura. Nada diremos sobre a acupunctura porque consideramos ver- dadeiros processos de acupunctura os de Lallemand, Davat e Yelpeau, de que já falíamos quando nos occupamos do sedenho metallico. Galvano-punctura. — Consiste este processo em atravessar os tumores varicosos com agulhas de aço muito finas, pôl-as em com- municação com o pólo da pilha, tendo o cuidado de applicar o outro pélo em contacto com a pelle; estabelecida a corrente formão-se os coágulos em 10 a 12 minutos. Estes coágulos não são persistentes e bastão alguns dias ou algumas semanas para que a veia torne-se permeável. Capaletti e Bertoni (de Milão) empregárão-o sem ter obtido successos vantajosos. Clavel e Pétrequin também lembrarão a indi- cação d’este processo para a cura dos aneurismas. Os processos comprehendidos na primeira e segunda classes do 4.° methodo trazem como consequência segundo Malgaigne, a phlebite e a obliteração da veia, porém podem também permittir a apparição de embolias, que se originão á custa dos coágulos pouco consistentes que se fórmão. A terceira classe dos processos do 4.° methodo pertencem as injecções intra-venosas, que são de duas ordens, ou de perchlo- rureto de ferro ou de licor iodo-tannico. Como já dissemos no principio de nossa these é esse o unico meio curativo que reputamos acceitavel para a cura das phle- bectasias e por isso discutil-o-hemos em capitulo especial. Para terminar este vamos tratar da cauterisação, processo de que não falíamos em lugar competente. O motivo pelo qual destacámos este d’entre os antigos pro- cessos que enumerámos, é porque consideramol-o mais digno de attenção que qualquer dos outros pelos successos felizes que com seu emprego têm alcançado os cirurgiões e por conseguinte mere- cedor de uma descripção mais minuciosa. Cauterisação. — Antes da descoberta da cauterisação poten- 29 ciai era a cauterisação actual ou do ferro em brasa empregada por alguns cirurgiões e entre elles por Celse, A. Pare, Dionis e Brodie. Este processo era usado em casos raros e em pouco tempo cahiu em desuso. A cauterisação potencial ou processo de Bonnet era ao con- trario d’entre os processos antigos o mais commummente empregado, não só pelo maior numero de curas que realisava como também pelo menor numero de accidentes que acarretava. A principio Bonnet empregava a potassa caustica, que foi substituida por Laugier pela pasta de Vienna e mais tarde Bonnet, reconhecendo que estes cáusticos na qualidade de alcalinos tinhão a propriedade de dissolver os tecidos recorreu ao emprego do chlorureto de zinco que ao contrario, tem a propriedade de coagulal-os. A esse respeito diz Follin : — « Ces propriétés différentes des caustiques alcalins et du chlorure de zinc peuvent être tour à tour utilisées. TTne couche três mince de pâte de Yienne appliquée pendant une ou deux minutes sur le point quon veut cautériser, ramollit les couches superficielles de la peau, et rend plus facile 1’action du chlorure de zinc, qui vient coaguler le sang dans la veine variqueuse sous-jacente et transformer le tout en une eschare dure peu propre aux hemorrhagies. » Entre o tratamento pela potassa caustica e o tratamento pela pasta de Yienna ha diíferença de acção. Com a potassa caustica a eschara não se forma senão depois de duas ou mais applicações, guardando entre si dous ou tres dias de intervallo, ao passo que com a pasta de Yienna basta apenas uma só applicação de 15 a 20 minutos de duração para desorganisar os tecidos sem exclusão da própria veia. O processo é tão rápido que o doente poderia levantar-se do leito se não fosse prudente conservar-se em decubitus durante tres ou quatro dias afim de evitar qualquer accidente. Em geral os cirurgiões não fazião curativo algum, salvo se houvesse probabilidades de uma hemorrhagia e nesse caso para obstal-a, applicavão uma compressa de linho ou um pedaço de amadou com- primido por uma atadura. 30 Mas apezar da vantagem entre a acção da potassa caustica e da pasta de Vienna, quanto á questão de duração, não concor- damos com Follin, que acha preferível o segundo ao primeiro e pronunciamo-nos d’esse modo baseado nas próprias palavras do auctor que acabamos de citar. Diz Follin que em ambos os casos a eschara é molle, mal circumscripta, lenta a destacar-se, predispõe ás hemorrhagias e deixa feridas de cicatrisação demorada. Em que consiste pois a preferencia ? Unicamente quanto ao tempo que dura o tratamento. Mas o cirurgião nada tem que ver com o tempo que durão as operações e sim com o resultado feliz que ellas produzem, ora no caso em questão o resultado não é favoravel, quer seja empregada a potassa caustica, quer seja a pasta de Vienna, por conseguinte não vemos razões que justifiquem a preferencia. Si adoptassemos este processo de tratamento, applicariamos o chlorureto de zinco, que como afíirma o proprio Follin é um meio rápido de cauterisação, cuja reacção é passageira, cuja eliminação realisa-se em dez dias, cuja ferida cortada á pique cicatrisa-se rapidamente, enfim com o chlorureto de zinco não se dá hemor- rhagia e a eschara é espessa, secca, bastante solida, imputrescivel, bem circumscripta e na qual reconhece-se o fragmento da veia cortada. Porém o chlorureto de zinco não actua senão directamente sobre o derma e por isso o seu emprego exige um processo pre- liminar, .que consiste em determinar na epiderme uma vesicação, que póde ser feita por uma ligeira camada da pasta de Vienna. Feito isto, diz Follin, que outrora applicava-se um pedaço de sparadrapo de chlorureto de zinco (de 1 centímetro de extensão sobre 5 millimetros de largura) no centro da eschara primitiva e deixava-se demorar durante 24 horas, tempo findo o qual adquiria a eschara a espessura de 8 millimetros. Qualquer que seja o cáustico escolhido, aconselha Follin que antes de applical-o deve-se raspar os pellos da região preferida, que é quasi sempre a porção dos membros inferiores situada entre o joelho e o tarso, ainda mais, quer que se recommende ao doente 31 que na vespera da operação faça uni exercício prolongado afim de auginentar a turgencia dos vasos e marque-se com tinta ou com um lapis de nitrato de prata o ponto ou os pontos em que deve ser feita a cauterisação. Esta deve ser profunda não tanto que comprometta os ossos ou as articulações próximas, porque sabemos quão graves são os accidentes, que resultão do contacto do ar com um osso ou uma articulação, porém o sufíiciente para que na formação da eschara seja comprehendida a parte da veia que se quizer obliterar. A eschara cujas dimensões são variaveis, pode attingir sem receio a 3 ou 5 centímetros de comprimento e 5 a 18 millimetros de largura. Por essas dimensões conclue-se facilmente que ella não deve ser circular e sim allongada e parallela ao vaso. A proposito da cauterisação diz Yalette (de Lyon) que é uma operação innocente, que goza de uma innocuidade completa e accrescenta que desde o anno de 1838 até 1852 praticou a cauterisação de veias varicosas mais de quinhentas vezes e nunca presenciou um só insuccesso. Como prova da superioridade d’esse processo, Yalette refere o caso de uma cliente de Bonnet affec- tada de varices complicadas de ulceras; 32 annos depois da operação, a doente não manifestava o menor indicio da reincidência da moléstia. Elle não desconhece os casos fataes de phlebite de dous doentes operados por Bérard e Laugier, mas não trata de inquirir qual a verdadeira causa do resultado infeliz d’essas duas operações, de modo que elle proprio não sabe se deve attribuir á má escolha dos cáusticos; porque convém observar que Bérard operou o seu doente com a pasta de Yienna e Laugier empregou no seu a po- tassa caustica depois de ter feito uma pequena incisão na pelle; ou si deve attribuir á vicio de applicação dos ditos cáusticos. Inclinamo-nos mais pela primeira hypothese porque como já dissemos, Bonnet tendo obtido resultados desfavoráveis com o em- prego dos cáusticos escolhidos por Bérard e Laugier, abandonou-os e passou a applicar o chlorureto de zinco, que começou a dar-lhe resultados mais satisfactorios. 32 Quanto á efficacia (Teste processo, affirma Valette que ella não é tão absoluta como se julgava á principio. Quando vemos a veia destruída pelo cáustico em dous ou tres pontos, repugna-nos crer na possibilidade de restabelecer-se a cir- culação no vaso obliterado, porém a observação clinica tem revelado reincidências frequentes depois da applicação do processo de Bonnet e o proprio cirurgião de Lyon refere o facto de uma sua cliente tratada pela cauterisação e que passado um anno entrára novamente para o hospital afim de curar-se de outra moléstia, queixando-se além d’isso do reapparecimento das várices. Tendo fallecido essa mulher, Valette e Bonnet fizerão-lbe a autopsia, dissecárão-lhe as saphenas e verificarão que estes vasos não tinhão sido attingidos pelo cáustico, o que prova que a operação não tinha sido praticada escrupulosamente. E não é de admirar que a doente ostentasse uma cura apparente porquanto ella esteve em repouso durante algumas semanas e nós já sabemos que o repouso é considerado um factor importante na cura das varices. Este insuccesso clinico impressionou por tal fórma Bonnet, que elle d’essa épocha em diante aconselhava sempre aos seus discípulos, que examinassem a eschara quando cahisse, afim de adquirirem a certeza se com effeito a veia tinha sido attacada pelo cáustico, o que era facil de verificar, procurando no meio da massa esbranquiçada que constitue a eschara uma especie de canal cheio de sangue coagulado e cuja cor escura denuncia a sua presença. Embora Valette reconheça na operação de Bonnet duas vir- tudes dignas de nota : — a innocuidade e a efficacia - — e considere esse processo superior aos demais processos antigos, comtudo é elle o primeiro a enumerar os inconvenientes á que estão sujeitos os indi- víduos tratâdos pelo processo sobre o qual discorremos. Além da reincidência de que já nos occupámos, ha outros não menos importantes, taes como : l.° A dor excessiva e persistente, que se observa durante e mesmo alguns dias depois da operação, dor que se explica pela acção caustica do chlorureto de zinco que determina a lesão das ramificações dos nervos, que acompanhão as 33 veias; 2.° A lentidão da operação que obriga o doente a guardar o leito durante dous mezes e mais até que se effectue a cicatrisação completa das feridas, que além de tudo deixão cicatrizes de máo aspecto. 3.° Por não ser applicavel em todos os casos, assim por exemplo quando os tumores varicosos tiverem por séde o joelho ou os malleolos, a cicatrisação é contra-indicada por motivos que anteriormente já referimos, isto é, pelo perigo que ha em expor ao ar os ossos e as articulações. Não nos consta que em nosso paiz algum cirurgião tenha em- pregado a cauterisação para a cura de varices e o proprio Professor Saboia diz em sua Clinica Cirúrgica que nunca applicou esse pro- cesso para aquelle fim. III INJECÇÕES INTR A-VENOSAS. — PERCHLORURETO DE FERRO E LICOR IODO-TANNICO. ESTUDO COMPARATIVO. — CONCLUSÃO Lamentamos que em nosso paiz a estàtistica de casos de va- rices tratadas pelas injecções de perchlorureto de ferro e de licôr iodo-tannico seja tão defficiente para nos fornecer dados em que possamos basear a nossa argumentação afim de estabelecermos um parallelo entre a primeira e a segunda d’aquellas injecções e assim manifestarmos com mais segurança o nosso modo de pensar. D’entre os cirurgiões brazileiros, informão-nos, que os únicos que em sua clinica civil e hospitalar contão um certo numero de doentes de varices são os Snrs. Drs. Catta Preta e Professor Saboia. Porém esses dous distinctos cirurgiões não seguem o mesmo pro- cesso de tratamento. Assim o Snr. Dr. Catta Preta tem recorrido á injecção de perchlorureto de ferro e tem obtido resultados vantajosos como provão as observações que S. S. obsequiosamente enviou-nos, ao passo que o Snr. Professor Saboia tem applicado sempre a injecção de licôr de iodo-tannico, segundo o processo do Professor Valette (de Lyon) e os successos não têm sido menos felizes, como provão as observações publicadas no segundo volume de sua Clinica Ci- 34 rurgica. No emtanto devemos observar que esses dous agentes eoa- gulantes obrão diversamente, segundo affirma o Professor Valette :— O perchlorureto de ferro em contacto com o sangue produz um coagulo primitivo, que não se organisa e provoca acima e abaixo do ponto em que fôr injectado, uma irritação que dá lugar á for- mação de coágulos secundários, que são constituídos apenas á custa do sangue e se organisão promptamente. O licor iodo-tannico coagula o sangue permittindo a formação de um coagulo composto de elementos múltiplos, dos quaes uns são assimilados sem perigo para a economia e outros são facilmente organisaveis. Além disso, o primeiro d’esses agentes, apezar do seu poder coagulante mais energico que o do segundo e apezar de trazer como o outro a obliteração do vaso, exige duas ou mais injecções em todo o percurso da veia, afim de reprezar a corrente sanguinea em differentes pontos, ao passo que o segundo — o licor iodo-tannico com uma só injecção oblitera facilmente a veia em toda a sua extensão, não só acima como abaixo do ponto escolhido. O licor iodo-tannico descoberto por Guiliermond, pharmaceutico de Lyon é um composto chimico, que resulta da mistura de 1 gramma de iodo e 16 grammas de tannino puro. Para sua acquisição, o auctor adoptou o seguinte processo, que transcrevemos do com- pendio de Clinica de Valette : — Depois de reduzido a pó o tannino, addicionão-se 500 grammas d’agua distillada em pequenas dóses, tendo o cuidado de agitar ao mesmo tempo o frasco; depois de feita a solução, colloca-se em banho-maria e fáz-se evaporar até que o liquido fique reduzido a 60 grammas. O licôr obtido por esse pro- cesso deve ser transparente, limpido, porém depois de algum tempo preparado deixa accumular-se no fundo do frasco um deposito de cor esbranquiçada constituído por tannino. Diz o Professor de Lyon que ainda assim o licôr conserva a sua propriedade coagulante, porém com menos energia e por isso aconselha que se empregue o licôr recentemente preparado, afim de evitar uma cura incompleta, facto este confirmado pelo Professor Saboia, que assegura ter observado em sua clinica. A acção coagulante d’esse producto chimico é menos pronup- 35 ciada que a do perchlorureto de ferro e em apoio d’esta asserção, Yalette accrescenta o seguinte: —« Si, par exemple, on verse, sur un centilitre de sang sortant de la veine, huit gouttes de per- chlorure de fer, on obtient la coagulation presque immédiate de tout le sang. Le caillot est ferme, et deux heures après, il est très resista nt; il est en outre grenu, cassant, et présente une teinte brune très prononcée. Si on verse la même quantité de liqueur iodo-tannique sur la même quantité de sang, on obtient un magma homogène d’une belle couleur vermillon, et de la consistance de la gelée de groseille. Au total, le perchlorure de fer m’a paru avoir une force coa- gulante double, mais le caillot produit par la liqueur iodo-tannique est susceptible d’une organisation complete. — » Já dissemos no primeiro capitulo de nossa these que o me- chanismo pelo qual o perchlorureto de ferro actúa em uma dilatação venosa é idêntico áquelle que se observa quando injec- tamol-o em um sâcco aneurismal e agora accrescentamos o seguinte, que a solução de perchlorureto de ferro deve marcar 30° no areo- metro Baumé, ser limpida e não precipitar no fundo do vaso, con- dicções essas necessárias para que não se fórme no interior da veia peroxydo de ferro, o que daria lugar á que se constituísse um corpo extranho capaz de produzir uma inflammação eliminadora e sim o perchloro-ferrato de albumina e ferro, que possa ser absorvido sem perigo para a economia. (Follin). O Professor Yalette, que teve occasião de ver o modo pelo qual os phenomenos se passavão em um caso de aneurisma, pro- cedeu á autopsia em um doente, que fallecêra de uma aífecção pulmonar, dissecou o braço e verificou o seguinte : — 1.° Que o sacco aneurismal estava cheio de uma substancia semi-liquida, na qual reconhecia-se a presença de grande numero de pequenas mo- léculas organicas. — 2.° Que as artérias humeral, radial e cubital, que communicavão com o sacco, tinhão sido em uma certa extensão a séde de uma inflammação que determinára a obliteração completa. A descoberta das propriedades coagulantes do perchlorureto de ferro feita por Pravaz, despertou no espirito do Professor 36 Valette a ideia de applieal-o em injecções intra-venosas no trata- mento das varices dos membros inferiores e por analogia no do varicocèle e dos tumores hemorrhoidarios, que como sabemos não são mais do que varices do cordão spermatico e do recto. Além d’isso o perchlorureto de ferro allia á propriedade coa- gulante já conhecida o poder anti-septico, prevenindo os accidentes de reabsorpção purulenta. Diz o Professor de Lyon que as injecções de perchlorureto de ferro são uma operação innocente. Entre o grande numero de curas destaca-se apenas um caso de morte por infecção purulenta, que não constitue por si só um protesto contra esse processo operatorio, mesmo porque ninguém garante que esse insuccesso não fosse devido á causas inteiramente extranhas e desconhecidas para o cirurgião. Incontestavelmente depois da cauterisação é a injecção de perchlorureto de ferro um processo excellente pelas vantagens que possue, é simples e expedito, oblitera facilmente a veia, manifesta innocuidade completa e efficacia relativa, enfim, cura o doente apezar do inconveniente que n’elle encontrão, isto é, dá lugar á formação de um coagulo, que não se organisa, e que representa o papel de um corpo extranho, que se enkysta no interior do vaso, como assegura o proprio Valette. Afíirma o Professor Saboia que: — «o perchlorureto de ferro offerece resultados tão efficazes e vantajosos como o licor iodo-tannico. A sua acquisição é sempre muito facil e si não o tenho empregado nos doentes da clinica é porque a experiencia adquirida com as injecções da solução iodo-tannica me deu uma segurança no resultado que tornou inabalavel a confiança que no seu em- prego posso depositar. » Embora sejamos os primeiros a respeitar a auctoridade clinica do Professor Saboia, em questão de medicina operatória, sentimos dizer que S. Ex. está em contradicçâo comsigo, quando depois de ter asseverado que — « as differenças nos phenomenos conse- cutivos não são de natureza a estabelecer vantagens clinicas no 37 emprego da solução iodo-tannica.» — S. Ex. accrescenta o topico que transcrevemos anteriormente á este. S. Ex. está em contradicção e vamos demonstral-o: Ou S. Ex. tem confiança no emprego do licor iodo-tannico ou não. Si tem, como diz S. Ex., essa confiança não póde deixar de ser filha da observação dos phenomenos consecutivos e S. Ex. sabe que é pela comparação dos phenomenos consecutivos ao emprego de quaesquer meios therapeuticos que o medico escolhe um de preferencia á outro, conforme a marcha favoravel ou não que seguem aquelles phenomenos. Nunca tivemos occasião de assistir á caso algum de varices tratadas pelo perchlorureto de ferro e nem por isso ousamos contestar a efficacia daquelle meio therapeutico, não só porque fallece-nos auctoridade para isso, como também porque firmão os factos de observação conhecidos, dous nomes respeitáveis — o do Professor Valette e o do Dr. Catta Preta. Já dissemos qual a opinião do primeiro sobre o assumpto. Agora attendamos ao segundo. Refere-nos o Snr. Dr. Catta Preta nas observações clinicas que temos á vista, o seguinte: — « Tendo lido em 1857 a me- mória de Ed. Caron sobre a cura das varices pelas injecções de perchlorureto de ferro e occupando nessa epocha o lugar de oppositor chefe de clinica cirúrgica da Faculdade de Medicina, deparei com um magnifico caso de grossas varices assestadas na perna esquerda de um preto, que entrára para a enfermaria de cirurgia á meu cargo no Hospital da Misericórdia. Dous dias depois e em presença de muitos alumnos da Faculdade operei o doente, em- pregando para esse fim a seringa de Pravaz completamente cheia da solução normal de perchlorureto de ferro, injectei 4 a 6 gottas desta solução tendo previamente comprimido a veia por meio de uma atadura, que apertava a parte inferior da coxa. Depois passei uma atadura circular que comprimia igual e brandamente todo o membro, desde a raiz da coxa até o pé, embebi de vinagre esse apparelho, o que foi repetido durante 3 dias. Obriguei o doente a guardar a maior immobilidade possivel e foi isso o que maior 38 incommodo cansou-lhe porque elle nenhuma reacção febril apre- sentou e apenas sentiu alguma dor nas primeiras horas, que se- guiram-se á operação. No fim de oito dias retirei o apparelho e notei que o ponto endurecido, isto é, o coagulo que se formára apoz a penetração do agente coagulante e que representava o vo- lume de uma pequena avelã, estava quasi absorvido, bem como havião quasi desapparecido as grossas nodosidades varicosas. Con- servei o doente por mais algum tempo afim de observar se o andar fazia com que se reproduzissem as varices, o que não aconteceu e julgando-o completamente curado, dei-lhe alta. » — « Dous annos depois encontrei outro individuo nas mesmas condições, segui em tudo o mesmo processo de tratamento e o resultado foi igualmente satisfactorio. » « O terceiro caso de varices que deparei em minha clinica é de data recente, do principio d’este anno (1883). É um africano escravo de Tavares & Guerra. Foi recolhido á minha enfermaria da Casa de Saude dos Drs. Catta Preta, Marinho & Werneck. Aquelle doente apresentava ligeiras varices na perna direita que gosavão da curiosa particularidade de tornar-se túrgidas invaria- velmente á tarde, ao passo que durante o dia mostravão-se depri- midas. Ainda mais, essa turgencia era acompanhada de dôres nevrálgicas na perna e pé correspondente, dôres que não permittiam ao doente conciliar o somno. « Empreguei debalde e em larga escala os anti-periodicos, os calmantes, etc. « Como nos casos precedentes, recorri á injecção intra-venosa de perchlorureto de ferro, mas ou porque a seringa não funccio- nasse bem ou por qualquer outra causa, o que é verdade, é que a veia inflammou-se em differentes pontos e suppurou. Este inci- dente desagradavel fez demorar o tratamento do doente, que res- tabeleceu-se como os outros, porém em tempo relativamente mais longo em consequência da nevralgia e das ulcerações. Estas forão tratadas pelo curativo de Lister. » Bem que respeitemos a auctoridade do operador, cujas obser- 39 vações acabamos de transcrever e á quem não podemos deixar de ser grato, sentimos dizer que estamos em desaccôrdo com S. S. Sem querer de modo algum estabelecer um parallelo entre as nossas individualidades, o que seria absurdo, pedimos per- missão a S. S. para fazer nossas as expressões, que nos dirigiu quando lhe interrogámos sobre a vantagem das injecções de licôr iodo-tannico: — os cirurgiões em geral adoptão e seguem sempre o methoão de tratamento que melhores resultados dão-lhe a principio. Eis o que nos disse o Snr. Dr. Catta Preta. Pois bem. Não somos cirurgião, não temos experiencia própria porque nunca empregámos nem uma, nem outra das injecções supra mencionadas e apenas temos visto varices tratadas pelo licôr iodo-tannico. Estamos pois em terreno opposto ao do Snr. Dr. Catta Preta. S. S. referiu-nos que não tinha opinião formada á respeito das vantagens do licôr iodo-tannico porque nunca empregou-o e nós responderemos que não só não empre- gámos, como também nunca vimos empregar em doentes de varices, as injecções de perchlorureto de ferro, cujas vantagens S. S. preconisa. E para que não pareça á alguém que adoptamos as injecções de licôr iodo-tannico apenas para nos curvarmos á pressão do magister dixit por ser aquelle o methodo de tratamento seguido pelo Professor Saboia, affirmamos desde já, que não só, não temos por norma a adhesão cega e irreflectida á opinião de quem quer que seja, como também basta o simples confronto da data em que foi publicado o compendio de Clinica Cirúrgica do Professor Saboia (1881) com a data da publicação da Clinica Cirúrgica do Professor Yalette (1875) para apreciar-se que não fizemos mais que imitar o Professor Saboia em uma cousa, haurir os elementos necessários á confecção de nossa these na mesma fonte em que o nosso illustrado mestre buscou os elementos de que serviu-se para a sua licção de clinica sobre varices. Preferimos o licôr iodo-tannico ao perchlorureto de ferro pelas razões expostas pelo Professor de Lyon e que já mencionámos no principio deste capitulo, razões estas que vimos confirmadas na 40 clinica da Santa Casa de Misericórdia, onde acompanhamos com interesse um caso, que vem referido no 2.° volume da Clinica Cirúrgica do Professor Saboia e tanto mais justificada é a nossa preferencia porquanto o proprio Valette, que como já dissemos foi o primeiro a empregar o perchlorureto de ferro na cura das varices, abandonou esse meio therapeutico para applicar o licor iodo-tannico, logo que reconheceu superioridade de vantagens d’este sobre aquelle meio de tratamento. O professor Valette diz nunca ter observado o mechanismo que se passa nas varices tratadas pelo licor iodo-tannico, porquanto não teve occasião de dissecar as veias varicosas depois de ope- radas, porém affirma ter visto entrarem novamente para o hospital, affectados de outras moléstias, muitos dos seus doentes curados das varices e dá-nos uma observação minuciosa de uma experiencia feita em um cão. Itesumidamente eis o que elle verificou: —trinta dias depois que o animal havia soffrido a operação e notando Valette que os lábios da ferida já se tinhão unido, procedeu á dissecção da coxa afim de procurar a veia crural, que foi o vaso escolhido. A cica- trização dos tegumentos deu-se por primeira intenção. O tecido cellular que envolve os vasos (veia e artéria) achava-se rubro e eudurecido. A obliteração da veia era completa, e eflectuára-se em uma extensão superior á dos limites estabelecidos antes da operação, á ponto de ser impossível distinguir o que pertencia ao coagulo e ás paredes venosas. Enfim, a veia transformou-se em uma certa porção de seu comprimento em um cordão solido, no qual não se reconhecia cousa alguma, que indicasse ter sido feita uma injecção iodo-tannica. O Professor Valette descreve os phenomenos consecutivos á operação e affirma com a convicção de quem tem obtido sempre resultados favoráveis que os ditos phenomenos manifestão-se com a mesma uniformidade. Assim para o lado da sensibilidade nota-se que no acto da operação a dor é insignificante, é a mesma que se sente ao intro- duzir uma agulha no corpo. Passadas algumas horas, a dor começa 41 a manifestar-se não só no ponto em que foi feita a injecção, como também em toda a extensão do vaso e augmenta-se de intensidade á ponto de reclamar a applicação de um meio sedativo qualquer ? por exemplo: agoa vegeto-mineral. Algumas vezes mesmo não se manifesta a menor dor. Os phenomenos de reacção geral são de pouca importância. Para o lado da veia observa-se o seguinte : — endurecimento pouco sensivel no dia da operação, no dia immediato mais per- ceptivel e no terceiro dia já se nota uma especie de cordão, que augmenta de volume e cuja exploração é dolorosa. Nos quatro ou cinco dias que se seguem ao da operação, observa-se que os symptomas de reacção local aggravão-se, que os tecidos circum- visinhos adquirem uma cor mais ou menos rubra. Em uma semana todos esses phenomenos desapparecem e o habito externo nada revela que denuncie ter-se oífendido a sua integridade. Quinze dias depois percebe-se pela apalpação a veia endure- cida, indolente, que de dia para dia reduz-se de volume e seis mezes depois ainda encontra-se, porém com um diâmetro muito menor. Quando nos occupámos das ulceras, que se observão nos va- ricosos dissemos que emquanto os doentes não se tratassem das varices pelas injecções iodo-tannicas, as ulceras não desapparecião senão temporariamente. Pois bem. Á proposito refere o Professor Valette um caso de sua clinica em que o doente applicára durante muito tempo apenas meios palliativos e se conservára em repouso no hospital, porém ne- nhuma melhora experimentára para o lado das ulceras, que se conservavão estacionarias. Logo porém que o Professor de Lyon recorreu ao seu pro- cesso, começou a observar dous dias depois da operação que a superfície da ulcera passava por uma visivel transformação e que a cicatrisação realisava-se com uma rapidez admiravel, o que con- firma a nossa asserção. Caso idêntico observamos na clinica do Professor Saboia. Apezar da influencia benefica exercida pelo licôr iodo-tannico 42 sobre as ulceras varicosas, achamos conveniente, como aconselha o Professor Saboia que apressemos a cura d’aquellas ulceras com o auxilio do apparelho de Baynton que consiste na applicação me- thodica e regular de tiras de sparadrapo imbricadas. Este apparelho, que estabelece uma ligeira compressão e abrevia a cicatrisação em virtude da acção curativa do sparadrapo, deve ser applicado, como muito acertadamente diz o Professor Saboia, antes da injecção iodo-tannica, afim de evitar uma congestão para o lado do membro affectado causada pela compressão circular feita na coxa pela atadura. Agora passemos á descrever a maneira de operar. O cirurgião deve aconselhar ao doente que uma hora antes da operação faça algum exercicio afim de augmentar a turgencia das veias pela contracção muscular causada pela posição vertical, e como é bastante uma só injecção no ponto em que a dilatação varicosa fôr maior, segundo recommenda o Professor Yalette, o cirurgião deve escolher de preferencia o vaso inais calibroso. Apezar de reconhecer o cirurgião que as veias achão-se suf- ficientemente dilatadas passará uma atadura bem apertada em volta da coxa do doente ao nivel do terço superior afim de inter- ceptar a circulação venosa, e obrigará o doente a conservar-se de pé, encostado á cama ou á qualquer outro movei, durante a ope- ração afim de manter a turgencia d’aquelles vasos. O cirurgião examinará cuidadosamente o instrumento apro- priado, a seringa de Pravaz, afim de certificar-se se está em per- feito estado e se funcciona bem. Apóz esta precaução, explorará com attenção a veia afim de assegurar-se de sua mobilidade e distensão, fixal-a-lra entre o index e o pollegar da mão esquerda e com a direita praticará a funcção com o pequeno trocart, dirigido não perpendicularmente, o que deprimiria o vaso e sim obliquamente de modo que a ponta da agulha se approxime o mais possível do eixo da veia para não ferir a parede opposta. Feito isto, retirará o estylete e pela eanula- verá escaparem-se algumas gottas de sangue, o que constitue um signal certo de ter penetrado o instrumento no vaso. Tendo pre- 43 viamente enchido a seringa com o liquido coagulante, o cirurgião adaptal-a-ha á canula e imprimirá ao embolo do instrumento um movimento de torsão acompanhado de outro de impulsão, afim de que o licôr iodo-tannico penetre no interior da veia em pequenas doses. Diz o Professor de Lyon que a quantidade de liquido a injectar varia segundo o gráo de dilatação das varices ; á principio elle apenas injectava dez a doze gottas, mais tarde elevou o numero á quinze e em casos de varices muito volumosas, nunca empregou menos de vinte e cinco. O Professor Saboia em um dos casos de sua clinica injectou uma gramma de liquido. Terminada esta parte da operação, o operador não deve retirar logo a canula, ao contrario conserval-a-ha durante 10 a 15 minutos pelo menos, afim de dar tempo a que se effectue a coagulação e nem consentir que o doente se deite sem ser auxiliado por alguém. Para isso o cirurgião fará com que um ajudante suspenda os membros inferiores e outro sustente as espaduas, mantendo o operador a canula sem fazer movimento. O doente assim conduzido será collocado no leito em decubitus dorsal, attitude que guardará durante muitos dias. Passado o tempo ne- cessário para que o coagulo se forme, o cirurgião retirará o instrumento communicando-lhe um movimento de torsão e applicará sobre o ponto da injecção um pequeno quadrado de sparadrapo, como vimos na clinica do Professor Saboia, ou uma pelota de algodão cardado, mantida por meio de uma atadura ligeiramente apertada como aconselha o Professor Valette. O laço atado na coxa afim de interceptar a circulação venosa, não deverá ser reti- rado senão duas ou tres horas depois da operação e caso o doente sinta dor, o operador applicará, como já dissemos, compressas embebidas de agoa vegeto-mineral, o que allivial-o-ha grandemente. O Professor Valette refere ter praticado cerca de duzentas operações de varices sem que tivesse observado o menor accidente e diz que muitos cirurgiões têm tido occasião de recorrer ao seu methodo de tratamento e obtido sempre resultados favoráveis, o que justifica a affirmativa de que o methodo do Professor de Lyon realisa as duas condições indispensáveis —innocuidade e efficacia. 44 Pará terminar resta-nos transcrever tres observações da clinica do Professor Saboia. OBSERVAÇÃO I Manoel Teixeira Ribeiro, portngnez, de 43 annos de idade, de cor branca, de temperamento lympbatico, de constituição regular. Este individuo, que era carpinteiro, entrou em 29 de Abril de 1876 para o hospital afim de tratar-se de um estreitamento or- gânico da urethra. Queixou-se que desde a idade de 18 annos tem o membro abdominal direito varicoso. Referiu que sua mãe e um seu irmão também tinhâo varices no mesmo membro e que ha quatro annos começou a tornar-se varicoso o membro esquerdo. Com efíeito observão-se grossas nodosidades varicosas em ambos os membros, que achão-se oedemaciados assim como cicatrizes de ulceras, que suppuravão, quando o doente baixou ao hospital. O Professor Saboia depois de tel-o operado do estreita- mento, convenceu-o da necessidade de tratar-se das varices pelo processo do Professor Valette. Realisadas as preliminares da operação, o Professor Saboia punccionou com a agulha da seringa de Pravaz o ramo mais volumoso das veias varicosas que achava-se situado ao lado interno e inferior do joelho e injectou 15 gottas da solução iodo-tannica, que continha a seringa. Esta operação foi praticada a 26 de Maio. No dia seguinte queixou-se o doente que 4 a 6 horas depois de operado, sentira dores ao longo das pernas, dores que desapparecêrão apóz a applicação de compressas de agoa vegeto-mineral. Dezoito dias depois repetiu-se a mesma operação um pouco abaixo do ponto em que foi feita a primeira. No dia immediato o membro estava rubro, o doente queixou-se de insomnia e de dores e pela manhã observou-se um certo augmento da tempe- ratura, e do pulso. De dia para dia esses phenomenos forão-se dissipando e um mez depois teve alta o doente, que não manifestava pela inspecção ocular signal algum de ter soffrido de varices. Apenas pela apalpação sentião-se sob os dedos os cordões fibrosos e duros, resultantes da acção coagulante do liquido injectado. 45 OBSERVAÇÃO II Um portuguez, cujo nome ignoramos, de idade de 50 annos, serralheiro. Todas as veias dos membros inferiores apresentavão-se extremamente varicosas e observavão-se ulceras na parte anterior e inferior de cada perna. Estas ulceras tinhão a férma circular e 4 a 5 centímetros de diâmetro; os bórdos erão cortados obli- quamente, acha vão-se túrgidos, descollados e de cor violacea; do fundo elevado e coberto de granulações molles transudava um liquido sero-sanguinolento e infecto; as partes circumvisinhas mostravão-se oedemaciadas, rubras e sensíveis á pressão. Quando o doente conservava-se em decubitus dorsal apenas notavão-se estas ulceras de que falíamos, porém desde que elle mudava de posição, isto é, desde que tomava a attitude ver- tical, observava-se em alguns segundos uma turgencia exagerada de todas as veias cutaneas dos membros abdominaes de modo que estes perdião a regularidade e perfeição dos contornos e eobrião-se de tumecencias tortuosas e ampoulares, ficando unica- mente intervallos desiguaes, principalmente na parte inferior das coxas, acima do condylo interno do femur e na face supero- anterior e interna das pernas. Referiu o doente que aquellas ulceras cicatrisárão-se e reap- parecêrão no mesmo logar mais de uma vez e observando que ellas mantinhão-se abertas durante tres mezes e augmentavão de tamanho, resolveu entrar para o hospital afim de tratar-se. Foi empregado o mesmo processo seguido no caso precedente e o apparelho de Baynton adoptado para auxiliar o curativo das ulceras. Este, como o primeiro doente, retirou-se perfeitamente curado. OBSERVAÇÃO III Marcos, africano, escravo, de idade de 45 annos, de consti- tuição fraca, temperamento lymphatico. Este doente, que era cozinheiro, entrou para o hospital em 6 de Junho de 1879. Queixou-se que ha seis annos soífre de insultos erysipelatosos em ambas as pernas, que achão-se oedemaciadas, bem como os pés, 46 Yêem-se tanto n’estes como naquellas, cicatrizes de ulceras que fechárão-se. Na face interna de cada perna observão-se ainda duas róseas, vestígios de ulceras, que acabão de cicatrisar-se. Referiu o doente que das ulceras menores emanava um liquido de consistência viscosa, de cor esbranquiçada e algumas vezes de aspecto sanioso e bem assim que em certas horas aug- mentava-se o corrimento das ulceras, que erão de cicatrisação lenta. Os tecidos situados 2 centímetros abaixo do tendão rotu- liano achavão-se endurecidos e d’ahi até os pés apresentavão-se flácidos, porém espessados. A saphena interna da perna direita formava um cordão nodoso, o que recordava a configuração de um rosário; na saphena interna esquerda este phenomeno era pouco pronunciado. No triângulo de Scarpa do lado direito os tecidos tinhão a consistência pastosa do algodão. Sentião-se tumefactos os ganglios, dos quaes uns estavão duros e outros molles. Observavão-se varices em toda a extensão da saphena interna e das collateraes do membro direito, bem como tres grandes dilatações varicosas:—uma sob o malleolo externo, outra no terço médio da face externa da perna e final- mente outra ao nivel do encontro do costureiro com o recto interno. Abaixo de cada rotula via-se um tumor duro e indolente, que tinha o volume de uma nóz e sobre a olecrana direita outro de menor volume. Adoptou-se para este doente o mesmo tratamento seguido para os outros e o resultado foi igualmente favoravel. O doente retirou-se curado no fim de doze dias, tendo apenas experimen- tado no dia immediato ao da operação uma ligeira reacção febril, que foi combatida pelo sulfato de quinina. Em conclusão diremos que, desde o momento que pelo diag- nostico feito, o cirurgião notar a existência de varices, que não tenhão cedido apóz a applicação dos meios palliativos e reconheça que da sua chronicidade possão resultar accidentes e complicações, que compromettão a vida do doente, deverá recorrer aos meios cirúrgicos e d’entre estes, preferir a injecção intra-venosa de licor iodo-tannico á qualquer outro . Eis o que tínhamos a dizer a respeito do nosso ponto. Si não conseguimos o nosso desiãeratum, isto é, senão pro- vámos claramente em que casos é imperiosa a necessidade de curar as varices e si não demonstrámos cabalmente a efíicacia do em- prego das injecções iodo-tannicas, devemos attribuir este senão á carência de nossa lingoagem desataviada das louçanias litterarias, que tanto realce dão ao estylo e renome ao escriptores. Se errámos, perdoem-nos os leitores este assomo de vaidade, erramos com o Professor Valette, um mestre á quem devemos em grande parte a acquisição dos elementos, que constituem o arcabouço d’este modesto trabalho e cujas licções de clinica são frequentemente compulsadas pelos nossos primeiros cirurgiões. PROPOSIÇÕES CADEIRA DE MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA Condições de estupro I Estupro é o crime praticado pelo homem que attenta violen- tamente contra o pudor da mulher. II Em uma questão medico-legal d’esta ordem, o perito deve attender á uma circumstancia importante, a epocha em que deu-se o attentado. III Porque tendo havido defloramento, é de rigorosa necessidade saber-se si este é antigo ou recente. IV O que se verifica pela inspecção ocular, que revela ao perito differenças de signaes no primeiro e no segundo caso. V Considera-se como facto caracteristico do estupro, a defloração e aponta-se como signal comprobativo d’esta, a ausência da hymen. 52 VI Ha porém casos em que existe defloração sem que por isso o homem seja accusado de ter commettido estupro, quando o acto sexual é praticado sem violência e com o consentimento da mulher. VII Também o facto por si só da ruptura ou ausência da hymen não importa defloração, porque têm-se dado casos de ruptura ou ausência d’aquella membrana em consequência de um esforço, de uma queda durante a dansa ou equitação ou pela introducção de qualquer corpo extranho. VIII Ou vice-versa, mulheres têm sido violentadas sem que a hymen tenha desapparecido e isso devido á extrema rigidez d’aquella membrana e pelo facto do perito encontrar a hymen não deve-se considerar innocente o individuo apontado como auctor do atten- tado: desde que subsistão outros signaes que próvem a sua cul- pabilidade. IX E são estes signaes que concomitantemente com a ruptura ou ausência da hymen constituem as verdadeiras condições de estupro : X l.a Inflammação vulvar seguida de um corrimento amarellado, principalmente na infancia e que não se deve confundir com a in- flammação catarrhal, moléstia commum nas creanças, nem com a inflammação, que se observa nas moças, que entregão-se ao onanismo. XI ‘2.a Ecchymoses e escoriações observadas nas partes genitaes do homem e da mulher, o que denota desproporção do orgão mas- culino para o feminino. XII 3.a Signaes de mordedura ou de contusão em ambos, o que indica ter havido luta e denuncia superioridade de força physica do culpado e resistenciá da victima. XIII 4.a Moléstias venereas idênticas observadas tanto na victima como no culpado. XIV 5.a Manchas de sperma e de sangue encontradas nas roupas que a victima trazia no momento do attentado. XV A deformação da vulva que só se observa com a presença da hymen e depois de frequentes repetições do acto sexual. CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA Meningeas I Meningeas são as membranas que protegem os centros nervosos II Dividem-se em craneanas e rachideanas. III São em numero de tres : dura-mater, arachnoide e pia-mater IV A dura-mater, fibrosa, é a membrana externa; adhere ás paredes internas do craneo, insinúa-se pelos orifícios osseos servindo de bainha aos nervos craneanos. V Envolve os vasos e prolonga-se pelo canal rachidiano onde toma o nome de dura-mater rachidiana. VI A face interna da dura-mater tanto craneana como a rachidiana são forradas pela folha interna da arachnoide. VII A dura-mater craneana apresenta quatro prolongamentos, cujo fim é isolar as difíerentes partes do encephalo e são : a foice do cerebro, a tenda do cerebello, a foice do cerebello e a dobra pituitária ou diaphragma de hypophyso. VIII A dura-mater rachidiana não adhere directamente ás paredes internas do canal vertebral porque impedem-o as veias e o tecido adiposo que ahi encontrão-se. IX A arachnoide, serosa, é a membrana media; envolve o cerebro e continúa-se pelo canal vertebral constituindo a rachidiana. X A arachnoide decompõe-se em duas folhas, uma parietal, que fórra a dura-mater, e outra, visceral, que passa pelos intervallos das circumvoluções e da base do cerebro á maneira de uma ponte. XI A pia-mater, cellulo-vascular, é a membrana interna; adhere directamente ao encephalo em cujas anfractuosidades penetra. XII A 2na-mater rachidiana, é mais densa, menos vascular e ter- mina na parte inferior da medulla por um prolongamento chamado filum terminale. 57 XIII Aos lados e em toda a extensão da medulla, vêem-se situados entre dous pares de nervos rachidianos, appendices triangulares, á que dão o nome de ligamentos dentatos da medulla. XIV Outra membrana—o ependymo—muito fina e coberta de um epithelium cylindrico, fórra as cavidades encephalicas e o canal central da medulla. CADEIRA DE HYGIENE E HISTORIA DA MEDICINA Dos hospitaes I Todo o hospital deve ser edificado em lugar, cuja renovação de ar seja frequente, cujo sólo seja secco, extenso, e declive. II A atmosphera de um hospital será tanto mais pura, quanto mais afastado elle estiver das localidades populosas. III Não se devem construir no centro das cidades senão os hos- pitaes uteis ao ensino das clinicas. IV Obtem-se facilmente boas disposições hygienicas em hospitaes, que contenhão apenas 200 a 250 doentes. V Não se conseguem combater as influencias contagiosas augmen- tando sómente o espaço cubico destinado á cada doente, é preciso também ampliar o espaço superficial. VI Pela mesma razão não é conveniente multiplicar o numero de pavimentos de um hospital, porque a atmosphera de cada um delles em ordem ascendente será mais viciada. VII Attendendo á princípios rigorosos de hygiene não se devem estabelecer mais de duas ordens de leitos. VIII Nada suppre a insuficiência ou a falta de ventilação natural. IX De preferencia devem sêr construidas salas, que comportem 15 a 20 leitos porque n’estas condições os cuidados de limpeza são mais fáceis, o incommodo reciproco dos doentes é menor, as probalidades de contagio são raras e a retirada das impuresas é mais rapida. X A mobilia das salas não deve offerecer nenhum obstáculo á circulação do ar. XI As salas devem ser separadas uma das outras por comparti- mentos reservados ao serviço commum. XII A evacuação periódica e regular das salas e o seu repouso durante um espaço de tempo indeterminado dão em resultado grandes vantagens principalmente em quadras epidemicas. innoKPATors a