) PUUCf / V7^ fl tJ" yy jP / / THESE SOBRE ALGUMAS CONSIDERACOES GERAES ACERCA DA VIDA E ALGUMAS PROPOSIÇÔES EM PAKTICULAR ACERCA DA INNERVACÂO. 9 i THESE ALGUMAS CONSIDERAMES GERAES ACERCA DA VIDA B ALGUMAS PROPOSIÇÔES EM PARTICULAR ACERCA DA INNERVAÇAO; PARA SER APRESENTADA cAd tTacidàaide De GJlil9eDtciua< Do e/vio De Hcateito ) COMO HUMA DAS PROVAS PARA 0 GOHGURSO A CADEIRA YAGA DE PHTSIOLOGU, A QUAL SAO CONCURRENTES LJ (Jdv. cAoubouio t/euœ cll)l9a*ttu<$ , E \J l/e\. koivteuco D c/loiMtrf ik-efcevccc ùco Oua» Fvwôi re auTOv. Nosce te ipsum. RIO DE JANEIRO TYI*OGRAl?HIA UIVIVERSAL DE LAEMMERT Rua do Lavradio, N.° 63. 1843. d*3>  DO RIO DE JANEIRO. Tendo nos de apresentar huma Thèse para ser levada ao exame, a que nossos Juizes tem de procéder, por occasiâo do actual concurso à cadeira de Physiologia d'esta Escola, e deixando a lei ad libitum do concurrente o seu objecto, nos passâmos a vista por toda a grande extensào d'esta sciencia, e hum grande numéro de questôes se offere- cerào â nossa consideraçâo, mais ou menos dignas de occupar a attcnçào, quer do Medico, quer do Philosopho. Por outra parte, attendendo a que em huma dissertaçâo, principalmente aonde se nâo tem a tratar hum objecto novo, huma descoberta intéressante , séria mais consentaneo com os fins a que he ella destinada, pôr patentes a seus juizes as ideias geraes do concurrente a respeitô da sciencia, a 2 — VI — que pertendc consagrar os seus cuidados; porisso nos nos resolvemos a tomar por thema o mencionado no tilulo d'esta nossa Dissertaçâo. \ào que desconheçamos a grandeza do objecto, ou que nâo vejamos a impossibilidade de tratar convenientemente, em meia duzia de pagi- nas , materias tâo vastas, que jâ occupâo tantos volumes, e que tem sido discutidas por tantas capacidades. Mas reduzindo-a a forma de consideracôes geraes, muito geraes, servindo a Primeira Parte como de introducçâo â Segunda, nos podemos em traços, quasi fugitivos , deixar entrever a nossos Juizes o nosso modo de pensar em alguns pontos capitaes; e, n'esses traços podendo delinear quasi todo o edi- ficio da Physiologia, apresentarmo-lhes assim hum meio mais cons- ciencioso, ou que melhor, no nosso entender, possa satisf'azer a sua rectidào. . .. Edidit quisque., quod potest : beatus tamen, cui pulchre est. 0 Dr. Lourenço d'Assis Pereira da Cinha. THESE SOBRE ALGUMAS CONSIDERACOES GERAES ACERCA DA VIDA E ALGUMAS PROPOSIÇOES EM PARTICULAR v ACERCA DA INNERVAÇAO. Algumas consideracôes sobre a Vida. .......... el dédit bominibus scienciam Altîesiniua , houoiai i in mirabiliiius suis. Eccl. , cap. 38. A ideia da vida tem sido generalisada por alguns philosophos até ao todo do Universo. Ella nâo he, segundo elles (*), hum attributo, exclusivamentc dado aos microscopicos enles organisados, que pollulâo â flor da casca do nosso planeta, e provavelmente (**) da immensidade dos que povoâo o lini- (*J Kruegcr, Quelques pensées sur la vie dans les corps solaires et planétaires. (*•) « Le soleil faisant éclore par l'action bienfaisante de sa lumière et de sa chaleur 1rs » animaux et les plantes qui couvrent la terre, nous jugeons, par l'analogie qu il produit, . des effets semblables sur les autres planètes ; car il n'est pas naturel de penser que la matière • dont nous voyons l'activité se développer en tant de façons, soit stérile sur une aussi grosse . planète que Jupiter, qui, comme le globe terrestre, a ses jours, ses nuits et ses années, » et .sur lequel les observations indiquent des changemens qui supposent des forces très-actives. • Cependant , ce serait donner trop d'extension à l'analogie, que den conclure la similitude • des habitans des planètes de la terre. L'homme , fait pour la température dont il jouit, et pour • l'élément qu'il respire , ne pourrait pas, selon toute apparence , vivre sur les autres planètes. » Mais ne doit il pas y avoir une infinité d'organisations relatives aux diverses constitutions des » "lobes de cet univers ?___ Si la seule différence des élémens et des climats met tant de o » variété dans les productions terrestres, combien plus doivent différer celles des diverses » planètes et de leurs satellites ! L'imagination la plus active ue peut s'en former aucune idée , ■ inais leur existence est Irès-vraisemblable. » Laplace. Essai philosophique sur les probabilités. — 8 — verso. KUa lie tambem attributo dcsses habitantes colossaes do espaço, eem ponlo muilo maior! Ver unicamente materia e orbitas descriptas na liarmonia desle immenso Todo, sem ligar-lhe a ideia de huma vida, he na verdade tirar-lhe toda a philosophia; lie desharmonisara ideiada creaçào e do Creador; tirar a este todo o seu sublime ; matar em fim a natureza ! As forças que movem debaixo de suas leis eternas cssas massas na immensidade , que regem seus prodigiosos phenomenos, sâo forças vivas ; sào a revelaçào mais philosophica e mais authentica da infinita Sabedoria e Omnipotencia de Deos, fonte de toda a vida ! Nâo he possivel duvidar, de boa fé, que grandes forças animâo o interior da Terra. Elias sâo rcalmente inaccessiveis aos* nossos meios de invesligaçâo ; mas ellas patenteiâo visivelmente a sua existencia pela influencia que exercem conslantemente na sua superficie , pelos volcôes , pelos lerremolos, pelos phenomenos magneticos, pelos phenomenos de elec- Iricidade e do calorico, que se observâo todos os dias no seu exterior, por esta acçâo e reacçâo conlinuada na prodigiosafuncçâo da evaporaçâo das aguas, roubadas ao Oceano pela força das calorificaçôcs terrestres, e restituidas pelas mesmas forças, modificadas para isso pelo modo mais admiravel ! Essas massas graniticas primilivas nâo indicâo huma certa organisaçâo ? atravessadas por veios metallicos como nervos conductores das forças geraes do centro â super- ficie , e desta ao centro ? esta tendencia para uma disposiçâo parlicular, que tem as partes deste grande corpo, mesmo em ponto pequeno, para obede- cerem as leis cosmicasna cristallisaçâo , tudoisto nâo nos indica evidentemente burna vida planetaria ? huma vida cosmica ? Estes phenomenos, na verdade, nâo bastâo para comprehender claramente us operaçôes desta grande vida, como nâo bastaria o exame da escama de lium peixe, porexemplo, para conhecer as numerosas forças que presidem as suas funcçôes interiores, â sua circulaçâo , digestào, geraçâo ; nem para ter a mais pcquena ideia da estructura intima dos orgàos que as executâo. :\ào lie dado ao invisivel verme, que nasce, habita e morre em hum ponto imperceptivel da casca de huma grande arvore, conhecer a extensâo dos phe- nomenos e os caractères da vida do corpo que faz todo o seo mundo..... He a razâo quem guia o philosopho em taes consideracôes, e estas conside- racôes todas o levâo â ideia da vida na liarmonia do Universo , no modo de existir deste immenso complexo ! Nos, nâo enlrando no exame destas allas concepçôes da philosophia no esludo do Universo, nâo aventurando mesmo uma opiniâo a tal respeitô , nos limitaremos simplesmente as consideracôes da vida, tal quai a conhecemos nos entes organisados, e que cabem propriamente ao dominio da physiologia. Além da opiniâo, que acima referimos a respeitô da vida, olhada como hum — 9 — attributo perlencente ao lodo do Universo, ha huma outra (*), que a considéra hum attributo inhérente aos atomos da materia, que possuiriào por si huma vida, sua, independente, inalienavel, e que nâo mudaria por fazer parle dos enles organisados, ou nâo. A sua disposiçào pôde modificar os diversos modos da manifestaçào desta força, mas nunca mudar sua essencia. Esta opiniâo parece-nos nâo estar no caso de poder se admittir : nos, decididamente, a temos por huma hypothèse gratuita , sô concebida na intençâo de explicar o grandiose facto da Creaçâo a seu modo. Ella he incompativel com as ideias da boa physiologia, c mesmo perigosa. Nos ligaremos unicamente a ideia de vida â existencia da organisaçâo, excluindo da materia inorganica, em qualquer estado ou condiçâo, que seja, toda a ideia de vitalidade; attributo que sô pertence aos entes organisados. Nos nâo avcnturaremos huma definiçâo de vida apesar de entrar ella no objecto da nossa dissertaçâo, pelas razôes seguintes : 1.° porquc a nâo conhecemos em sua essencia, mas unicamente por seus phe- nomenos ; ora, nâo conhecendo nos perfeitamcnte o objecto a définir, como poderemos bem defini-lo ? Esta nos parece a causa da insufiiciencia das defini- rôes dadas pelos mais célèbres physiologistas (**) ; 2.° se nos conhecemt j a vida sô e unicamente por seos phenomenos, entâo sô poderiamos dar huma (*_) Escola de Epieuro", antiga c moderua. (**) A vida he hum principio de acçâo, de mobilidade e de mudança. (Ivant.) A vida he a faculdade do movimento deslinado ao serviço do que lie movido. (Eriiard.) A vida he hum complexo de phenomenos que resistem â morte. (Bichat.) A vida he huma collecçào de phenomenos que se succedem durante hum tempo limitado nos corpos organisados. (Richerand.) Ella consiste na faculdade que tem certos corpos de evislir durante hum tempo , e debaixo de huma forma delermïnada , attrahindo conslantemente para sua subslancia huma parte das substancias ambientes , e restituindo aos elementos huma porçâo de sua piopria subslancia. [CuvierJ \ Consiste cm liuni centro onde a tbdos os momentos entiâo moleculas novas , sahem auti^a», mas onde a combinaçâo nâo he nunca fixa, mas sempre in nisu, d'onde vem hum movimento conlinuo mais ou menos lento, e algumas vezes calor. (Blainville). Consiste cm hum modo de actividade , de existencia, na quai se começa por hum nusii- uiento, se cresce por inluscepçâo, e se acaba por huma morte; durante esta existencia, que lie limitada, se se conserva como individuo por nutriçâo, como especie por huma reproducçâo; e se passa por diversas idades. (Adelon.) A vida he esta maneira deser , na quai os corpos , que a gozâo, obedecem a forças propria> . que os subtrahem durante hum tempo limitado ao imperio absoluto das lois plivsicas ordinaiias. (Iîu.lier.J Todas estas definiçôes e outras , humas evidentemente erroneas, e outras anles descripçôe* ou historias resum'idas de huma parle doJpheuoni'.uos da vida, ou mais geraes ; mas emfnn. cflnfirmaudo o que asseveracios. — 10 — descripçào , huma historia délia, e esta longa, e naturalmente impcrfeita? 3.° â palavra vida corresponde no nosso espirito huma ideia mais clara e mais simples do que aquella que nasceria de qualquer definiçâo para hum espirito, que aindanâo tivesse noçâo alguma dessa ideia. Diz o grande Linneo cm poucas palavras mais do que nos poderiamos dizer extensamente em militas : Os mineraes crcscem : Os vegetaes crescem e vivem : Os animaes crescem, vivem e sentem. Nos enles organisados tudo se encadeia, todas as funcçôes se ligâo, se harmonisâo, para a manifestaçâo deste grande phenomeno a vida. Esta pro- posiçâo he de intuitiva verdade applicada a toda a extensâo da escala dos entes vivos, desde os individuos collocados nos seos ullimos grâos até ao homem, que fecha a sua summidade. O conhecimento desta vida no homem, da sua essencia , de suas leis, e de suas condiçôes , sâo o importantissimo objecto da physiologia humana ; sciencia do mais alto interesse, sciencia sublime , que apezar de nâo ter tocado ainda o grâo de perfeiçâo desejado, he jâ bastante para revelar a grandeza do objecto, e dar-nos a conhecer a maior obra da Creaçâo ! Hum grande numéro de factos, até hoje mais ou menos bem observados, diversas hypothèses estabelecidas para sua explicaçâo, constituem o estado actual da sciencia da vida : estado , na verdade, ainda bem longe de satisfazer em muitos pontos o espirito, que aspira ao conhecimento da verdade em toda a sua clareza e plénitude, estado que ainda nâo tocou esse desideratum, e talvez, apezar dos esforços do espirito humano , a pezar do clarâo que de quando em quando lançâo sobre ella algumas descobertas nos différentes ramos das sciencias na- turaes, talvez nunca chegue a toca-lo. O espesso véo que nos véda o accesso ao sanctuario dos misterios da vida, ainda nâo foi ncm hum pouco levantado! Comtudo, nem por isso tememos desar, nem a sciencia da vida he porisso collo- cada baixo na escala das mais sciencias naturaes. He a sorte de todas ellas : factos observados, coordenaçâo desses factos, abstracçôes e generalisaçôes de ideias formando grupos, que se toeâo por caractères communs, e em summa, creando hypothèses para sua explicaçâo, dando assim origem a systemas, eis a marcha do espirito humano em gérai na investigaçâo da verdade, no estudo da sciencia da natureza : mas em todo o caso o resullado he o mesmo. Em chimica sabemos nos o que he afïinidade ? Dizemos que certos corpos tem affinidade entre si porque se combinào; e dizemos que se combinâo porque tem affinidade entre si. Mas a causa deste phenomeno, quem a conhece ? Qucin conhece em physica a essencia da materia , suas qualidadcs intimas , suas — 11 — forças? Em astronomia, onde o espirito humano tem ido tâo alto, que bem cabe o dizer-se : Ncc propîûs fas est morlali altingerc Divos. Apezar disso, que hc o que ahi se conhece senâo factos, admiravelmente obser- vados , abstracçôes de espirito na coordenaçâo desses faclos , dando lugar a generalisaçôes, d'ahi a hypothèses mais ou menos felizes para a sua explicaçâo? Mas quem conhece a essencia das causas desses grandes phenomenos da Nalu- reza, eterna e magestosamente desenvolvidos no espaço, e que espantâo tanlo mais o sabio que os estuda , quanto mais os profunda (*) ? Que he o que diz a sciencia? A attracçâo explica o movimento de rotaçâo e o movimento sidéral planetario, segundo as leis chamadas de Kepler, seu descobridor. Entretanto essa attracçâo nâo he mais que huma abstracçâo de nosso espirito, um modo de exprimir nossas ideias, de exprimir os factos sem periphrasis. Comtudo, os chimicos, os physicos, os astronomos contentâo-se, ou se resignâo ao conhecimento dos factos, fazendo o possivel esforço por bem observa-los, e deduzir, por generalisaçôes, as leis a que parecem elles estar subordinados. Avista disto, que fariamos nos, os physiologistas, no estudo da sciencia, onde, além das mesmas difficuldades, accrescem outras ? A qui nâo he a mate- ria em acçâo obedecendo uniformemente as leis geraes da chimica ou da physica : aqui ha huma luta constante, huma continua resistencia â acçâo dessas leis; aqui ha acçâo em opposiçâo a essas leis geraes, ha outra forma, outro resultado, a vida. Quando esta resistencia cède, o organismo succumbe. He debaixo deste ponto de vista que Bichat definia a vida: « Ham grupo de funcçôes que résistera â morte. » As leis geraes tomâo entâo o seu lugar, e a ma- teria morta entra de novo no circulo eterno do seu movimento no universo. Todos os nossos esforços se quebrâo quando pertendemos passar além dos limites da observaçâo do facto para entrarmos na sua essencia : pois entâo paremos no facto e procuremos comprehender as leis, a que esta elle subordi- (*) Kepler termina huma das suas obras sobre a astronomia pela oraçâo seguinte : t Avant que » de quitter cette table sur laquelle j'ai fait toutes mes recherches, il ne me reste plus qui » élever mes yeux et mes mains vers Je ciel, et à adresser avec dévotion mon humble prière à • l'auteur de toute lumière : O toi qui, par les lumières sublimes que tu as répandues sur » toute la nature, élèves nos désirs jusqu'à la divine lumière de ta grâce, afin que nous soyons » un jour transportés dans la lumière éternelle de ta gloire, je te rends grâces, Seigneur et . créateur, de toutes les joies que j'ai éprouvées dans les extases où m'a jeté la contemplation » de l'œuvre de tes mains. Voilà que je termine ce livre qui contient le fruit de mes travaux , • et j'ai mis à le composer toute la somme d'intelligence que tu m'as donnée. J'ai proclamé • devant les hommes toute la grandeur de tes œuvres, je leur en ai expliqué les témoignages » autant que mon esprit fini m'a permis d'en embrasser l'étendue infinie. ■ — 12 — nado, examinando a historia e a successâo dos phenomenos no organismo , procuremos conhecer essas leis especiaes. Na verdade, alguns sabios tem querido submetter esta excepçâo, no orga- nismo , que dizem ser sô apparente, as leis geraes physicas. Mas seus esforços, seus trabalhos tem sido completamenle infructiferos. Nos conhecemos a insuffi- ciencia das theorias mechanicas da escola boerhaveriana, para explicar as func- çôes da vida. Ascontradicçôes, as proposiçôes erroneas emittidas, os resultados de seus calculos os mais disparatados, nos revelariâo, em falta de outras razôes, os motivos da nenhuma crença que mereceriâo : por exemplo, o calor animal procedendo dos attritos dos liquidos , que circulào no corpo humano : erro em physica, erro em physiologia; e assim outros. Pelletan (*) tentou renovar esta theoria modificando-a pelos principios da physica moderna, seus esforços lorâo perdidos, tudo desappareceo no turbilhâo das illusôes. Os (**) Gregos, pouco sabios em physica, derâo os raios a Jupiter para explicar o trovâo, e a fâcha a Iris para explicar o phenomeno atmospherico, que tomao seu nome. Neptuno agita as aguas, Boreas os ventos.....A rotaçâo da Terra, desconhecida enlào, assim como o effeito do calor do sol sobre a dilataçâo do ar, forâo per- sonnificados sob estes diversos nomes. Assim os physiologistas, para incobrirem sua ignorancia, personnificârâo igualmente a sua sensibilidade, a sua irritabili- dade, o seu principio vitale sympathias; e formarâo assim com taes personagens tambem o seu Olympo ! Ora, nâo he islo hum desvio formai do bom senso , nâo ver senâo ignorancia em tudo que nâo seja a a'pplicaçâo das leis geraes na explicaçâo dos phenomenos da vida; achar mesmo o ridiculo, por exemplo, no sentido da palavra sensibilidade, affeclando desconhecer esta especialidade privaliva do organismo animai, ou se considère como funeçào, ou como pro- priedade vital ? Deixemos fallar Voltaire com o espirito que Ihe he conhecido: « Interrogez Borelli sur la force exercée parle cœur dans sa dilatation, dans » sa dvaslole; il vous assure qu'elle est égale à un poids de cent quatre-vingt » mille livres. Adressez-vous à Keil, il vous certifie que cette force n'est que i> de cinq onces. Jurin vient, qui décide qu'ils se sont trompés; et il fait un » nouveau calcul: mais un quatrième survenant prétend que Jurin s'est trompé x aussi. La nature se moque d'eux tous, et pendant qu'ils se disputent, elle » a soin de notre vie ; elle fait contracter et dilater le cœur par des voies que » 1 esprit humain n'a pas encore pénétrées. » On dispute depuis Hippocrate sur la manière dont se fait la digestion : » les uns accordent à l'estomac des sucs digestifs; d'autres les lui refusent. Les (') Dilatation inaugurale sur l'étude de la physiologie. (**) Leuot. De la vie. — 13 — » chimistes font de l'estomac un laboratoire; Hecquet en fait un moulin. » Heureusement la nature nous fait digérer sans qu'il soit nécessaire que nous » sachions swn secret. Elle nous donne des appétits , des goûts et des aversions » pour certains aliments dont nous ne pourrons jamais savoir la cause. » Ora, este philosopho nos nâo o julgamos grande physiologista; mas quem pôde negar-lhe o bom senso ? Nos teremos occasiâo, no decurso d'esté trabalho, de mostrar a tendencia de algumas tcntativas posteriores para explicar" os phenomenos da vida, por estes meios ou por hypothèses analogas, e veremos terem o mesmo resultado, dcsapparecerem no inexoravel abismo do esquecimento. He nossa convicçào , que estes phenomenos, no estado actual da sciencia, estào fora de toda a possibilidade de uma explicaçâo satisfactoria por taes meios, e que he muito mais philosdphico admittir este facto , a vida, como dependente de forças especiaes, embora nos sejâo ellas desconhecidas, do que fazel-o depender das forças geraes, que rcgem no Universo os phenomenos inorganicos da materia ; e isto por duas principaes rasôes. 1.° Porque estas nâo passâo igual- mente de hypothèses, e por tanto com nenhuma superioridade de direito , em boa logica, para serem admittidos com prefercncia para a explicaçâo dos phenomenos da vida. 2." Porque as hypothèses physicas, para isso até hoje imaginadas, deixâo um vacuo no espirito infinitamente maior nas suas explica- çôes, do que as hypothèses propriamentephysiologicas, que, posto deixem ainda rauitos objectos fora do seu alcance, pôem com tudo a sciencia em harmonia com os outros ramos da Medicina, especialmente com a Patbologia e Materia medica, taes como se achâo hoje; assim como com a moral e a philosophia ; e por consequencia mais em harmonia com os seus fins, que sâo o conhe- cimento physico e moral do homem. Quem poderia, sem ferir a moral e o bom senso, ligar a ideia das forças geraes da materia com os phenomenos da intclligencia, das paixôes, da sensibilidade, da geraçâo, em fimdavida? Entretanto a chimica ea physica , elevadashoje a alto grâo de esplendor pelos seus admiraveis progressos, tentâo de novo por seus meios entrar nos dominios da physiologia. As bellas concepçôes dos naluralistas modernos nos fazem como entrever hum futuro, que farâ nas sciencias physicas e physiologicas prodigiosa revoluçâo. Mas este futuro , se elle he realisavel, esta ainda bem longe. Nâo ha duvida que taes progressos, no espaço de hum meio seculo, tem alguma coisa de extraordinario e de maravilhoso, e nos dào o direito de esperar, sem que se. nos possa taxar de visionarios, grandes acontecimentos scientificos, grandes revoluçôes no mundo sabio. Mas antes que estas sciencias possâo invadir corn vantagem os dominios do organismo, antes que possâo penetrar os misterios da vida, lem ainda de esmerilhar muitos objectos de sua casa. Paiece-nos com k — 14 — tudo , que os esforços empregados para tâo grande fim , as transcendentes concepçôes, imminentemente philosophicas n'este sentido sâo verdadeiramente (lignas do seculo actual; e se podesse em fim levantar-se o véo, que nos escondo as operaçôes do organismo, séria isso hum facto immenso nos annaes do espirito humano, hum acontecimento scienlifico, de que nâo nos he dado prever as consequencias ! Nos nâo julgamos isso impossivel, e estamos mesmo eonvencidos, de que nos entes vivos, posto que separados da materia bruta por hum abismo immenso, dois principios se achûo sempre em presença : no meio dos actos da vida os maleriaes, que ella emprega, nâo podeua deixar de ressentir-se da sua natureza inorganica; assim como nâo podem negar-se acçôes chymicas e physicas nos entes vivos. O successo de tal empreza inté- ressa allamente a physica, a physiologia e a philosophia. Mas, note-se bem, nâo he no sentido de explorar os entes vivos, como corpos inorganicos, para rénovar as eslereis e miseraveis theorias de materialismo. Pelo contrario , nada ha mais proprio para mostrar quanto ha de irracionavel n'estas, com rasâo esquecidas, theorias, que nâo vêem , nâo conhecem na natureza, senâo forças brutas, obrando cegamente, obrando sô pelo impulse do acaso. O espirito d'estas investigaçôes he absolutamente opposto; o seo fim nâo he negar ou anniquilar as ideias sublimes da Providencia, da inlelligencia, da vida; lie de levar a analyse ao estudo d'esses factos, de applicar toda a força do raciocinio para comprehende-los, admira-los, e submergir o espirito em reli- gioso enthusiasmo, à vista dos prodigios da creaçâo. Esta vida, cuja essencia confessâmes ignorar, mas que temos, como coisa admittida, ser dependente de forças especiaes, communicadas â materia como instrumento para sua manifestaçào, sera ella sempre dependente de huma Iransmissâo dos entes vivos, que sô gosâo d'essas forças , de geraçâo a geraçâo; sera sempre huma communicaçâo d'essas forças â materia, que tem de formar novos entes vivos no circulo eterno das formas, do estado, do modo de existir na natureza; em fim sera sempre o novo enle filho de huma geraçâo univoca? Ou sera tambem esta mesma vida procedente das forças da materia, dadas certas condiçôes favoraveis, mas sem précédente ou dependencia de transmissâo vital, nem de intelligencia organisadora , mas esponlanea, equivoca ? O enun- ciado d'estes problemas mostra sem duvida a sua intima ligaçâo com a phy- siologia transcendente, assim como a difficuldade da sua soluçâo no estado actual dos conhecimentos zoologicos. Nos, evitando o profundar este objecto, o que nos levaria muito além da nossa intençâo de darmos sômente hum esboço rapido sobre as generalidades da vida, com o fim de ligarmos nossas ideias, damos coin tudo nossa opiniâo, inclinando-nos à primeira hypothèse , que estabelece huma communicaçâo de vida sempre por geraçâo, por trans- — J5 — missâo; e pennitta-se-nos expormos cm duas palavras os motivos d'esta nossa preferencia. 1.° A progenese ou propagaçào por geraçâo he clara e évidente em todos os seres vivos, que estâo em huma certa relaçâo de grandeza physica com os nossos sentidos, e aonde por isso se podem melhor observar as operaçôes exteriores da natureza. Porque nâo sera assim no mundo miscros- copico? Ha por ventura pequenos ou grandes na presença da vontade do Creador (*)? Natura, semper sibi consona, como diz Newton, obrari dilfe- rentemente, sô porque os nossos sentidos nâo podem ver em ponto grande o resultado e as formas exteriores de suas operaçôes? 2.° Huma lei muito gérai rcge os phenomenos da reproducçâo incessante dos seres vivos sobre a superficie do globo ; ora estareinos nos authorisados a abolir esta lei, sô porque em alguns casos nâo podemos ou nâo sabemos applical-a ao facto ? Além disso o numéro d'esses casos nâo tem ido diminuindo na rasâo dos • progressos da zoologia? e nâo tejn muitos entrado no dominio das leis geraes da reproducçâo? 3.° Os atomos brutos, mnindo-se fortuitamente, e dando lugar a hum complicado organismo e a hum grande animal (digo grande em relaçâo a outros mais pequenos do que elle n'esse mundo microscopico) , com todas as faculdades necessarias â sua conservaçâo, e de cuja existencia nâo he permittido duvidar, visto que vivem hum tempo, se defendena, se nutrem, se propagâo, nâo nos revelariâo a mesma possibilidade a respeitô dos animaes superiores, a respeitô do homem ? E entâo para que a creaçâo, para que o Creador? Conscquencia atterradora, mas légitimai U." He huma queslâo resolvida em geologia, que a existencia do nosso planeta precedeo hum tempo illimitado, talvez milhares de seculos, a creaçâo dos entes vivos ; e que especialmente a especie humana, moderna de cincoenta a sessenta seculos, isto he de dois dias, em relaçâo as épochas anteriores, do que nos faz scientes a geologia, foi precedida de innumeraveis especies , de que muitas perecerâo, mas de que ahi estâo os restos fosseis : e como (diz o sabio Virey), nunca mais nem huma d'estas especies se apresentou de novo na scena da vida havendo evidentemente os mesmos elementos materiaes, as mesmas condiçôes physicas? Mas a causa he clara, hum individuo, que perdeo a vida, fica materia pura, nâo ressuscita, séria necessaria nova creaçâo, e por consequencia o mesmo a respeitô de huma especie. Nem se digaque esta doutrina vae de encontro â Historia Sagrada: sabios e orthodoxos geologos tem mostrado plena e satisfactoriamente que antes se achâo no mais admiravel acordo a relaçâo do Genesis, e as espantosas revelaçôes da geologia. (") Newton e Kepler elevarâo seo espirito até â Divindade pela conlemplaçào dos sôcs e dos mundos : Reaumur e Swammerdam pela contemplaçâo e extase na obscrvaçào dos pro- digios da orgauisaçào dos inseclos e vermes microscopicos e infuzorios. ( Virey. ) — 16 — Nos dissemos acima que, nâo se podendo, no estado actual da sciencia, penetrar no conhecimento das forças e da essencia da vida, deviamos parar no facto, procurando conhecer a ligaçâo, a marcha dos seos phenomenos , a ordem de suas funcçôes e suas leis. He assim que se procède nos outros ramos das sciencias naturaes. Ora estes phenomenos, sua connexâo, suas leis sâo de huma ordem bem complicada nos animaes superiores , e sobre tudo no homem, e o apresental-os por analyse, no estado em que hoje os concebe a physiologia, he jâ hum grande serviço feito â sciencia, para o quai tem cooperado hum grande numéro de sabios desde o berço da Medicina até nossos dias, dias em que mais progressos e mais felizes resultados se tem comparativamente obtido. Passemos huma vista de olhos rapida sobre o estado da sciencia relativamente a esta analyse dos phenomenos da vida, sem nos metermos nas particularidades da historia do seu progresso, nem na das opiniôes, que tantos illustres physiologistas tem successivamente emitlido erecusado, até ao ponlo em que rfos achamos; e com effeito para chegar a este ponto, quantos esforços se nâo tem feito ? quantos erros nâo teem por algum tempo revestido o caracter da verdade ? quantas causas occultas, hypo- thèses sem fundamento, nâo tem brilhado, e caducado até â nossa épocha, em que a sciencia estabelecendo por base a experiencia de acordo com o raciocinio, eliminando essas hypothèses sem fundamento, esses elementos imaginarios, se tem finalmente aproximado mais ao estado de poder satisfazer a hum tempo a razâo c os fins? Primeiramente : em todo o ente organîsado ha absoluta necessidade de conlinuada renovaçào no malerial dos seus orgâos; huma constante addiçâo de materia nova e proporcional subtracçào de materia servida sâo a primeira condiçào da existencia de todos os entes vivos: vegetaes e animaes estâo na mesma linha: as differenças consistirâo sômente nos meios mais ou menos complicados, mas a final concordando em hum mesmo resultado , a sua nutriçâo. Mas este acto ou funcçâo, que parece revestir as formas mas simplices no reino végétal, como nos ultimos individuos da escala animal, se complica a proporçâo, que se sobe n'esta escala; e nos veremos logo que esta asserçâo he exacta. Ao complexo , â reuniào dos actos, dos phenomenos d'esta grande funcçâo, se tem dado o nome gérai de funcçôes vitaes, de vida organica, de vida interior ; e os orgâos que os executâo, orgâos da vida organica, da vida interior. Se esta funcçâo he commum aos vegetaes e animaes, quer de hum quer de oulro extremo da escala, coizas ha nos phenomenos da vida que sô pertencem a estes ultimos. Com effeito, o animal, além de nutrir-se, foi vontade do Creador, que elle existisse em activa relaçâo com o universo exterior, e para isso foi dotado de sentimento, de consciencia, de vontade, e por conséquence ùi* — 17 — hum movimento volunlario nccessario para pôr estas relaçôes exlernas etn harmonia com a sua conservaçâo individual e de especie, com as suas neces- sidades, em fim para evilar a dôr e seguir o prazer. O complexo, a reuniào dos actos e dos phenomenos, que concorrem para se execularem estas duas séries de acçôes (de sentimenlo e movimento) , tem igualmente recebido o nctne de vida animal ou de vida de relaçâo, assim como os orgâos que as ex'jcutâo. Temos por tanto duas séries de phenomenos distinctos, dois modes da acçâo da vida, différentes quanlo a seus fins, e quanlo a seus meios. Vida interior, e vida de relaçâo: exprcssôcs physiologicas, que nâo tendo na verdade o rigoroso sentido, que inculeâo, pois que estas duas ideias separadas por abslracçào do nosso espirito, nâo sâo na realidade, senâo huma indivi- dualidade , sâo comtudo de util convençâo para facilitar o estudo da physiologia nos individuos, que possuem conjunctamente estas duas ordens de pheno- menos. Além disso ha um outro faclo na historia da vida, a reproducçâo, e por tanto a existencia ou a necessidade de huma outra série de phenomenos, de leis e de orgâos para sua execuçâo, c alguns physiologistas estabelecerâo porisso huma nova repartiçâo physiologica, huma nova nomenclatura, a vida de reproducçâo, consagrada â conservaçâo da especie, assim como sâo as duas primeiras destinadas â conservaçâo do individuo ; como diz o illustre Bichat. Nâo entrando na analyse d'esta ullima divisào, conheceudo-lhe igualmente vanlagens ou ao menos alguns dircitos â sua abstracçâo, como as duas pii- meiras , nos a suppomos envolvida nas duas séries de funcçôes communs aos entes vivos, como querem outros, sem termos isso como objecto de questâo, importante. Eis-nos portanto jâ em alguma especificaçâo sobre o faclo da vida considerada em différentes pontos de vista interior ou organica; animal ou de relaçâo. Digamos ainda duas palavras sobre esta ultima, pois que sô tralaremos da primeira com mais alguma particularidade nas nossas consideracôes sobre a innervaçâo. Vida de relaçâo. He no homem, que possue este modo , esta forma de vida no grâo mais imminente de energia e extensâo , que tomaremos o typo para seu rapido esboço. Esta vida he distincta da vida organica pelas differenças dos fins a que he destinada, e dos meios para isso empregados: seu caracter he fundado na differença de suas funcçôes, assim como pela disposiçào dos seus orgâos : estes sâo o systema nervoso cerebro spinal, os apparelhos dos sentidos exter- nos, o systema muscular voluntario com o seu apoio osseo : estes orgâos sâo com effeito os destinados para a vida de relaçâo, e pôde dizer-se que elles compoem hum todo, de que huma parte central he o encephalo ; de partes periphericas, que sâo os apparelhos dispostos para a reccpçâo das impr^ssôcs, e uma parte intermedia para a communicaçâo destas duas partes, que sâo os s — 18 — cordôes nervosos pertencentes ao systema encephalico. Os orgâos da vida de relaçâo tem de notavel a sua dualidade e symetria, que, se nâo he rigorosamente geometrica, he comtudo bem visivel; a mera observaçâo a patenteia. Como se a natureza quizesse acautelar-se, visto a sua disposiçâo peripherica , e a sugeiçâo em que se achào â acçâo dos agentes externos, podendo porisso acon- tecer frequentemente a perda de huma das partes correspondentes, para que o individuo nâo ficassc ainda assim privado da faculdade respectiva ! He porém quanto a suas funcçôes que intéressantes traços physiologicos se apresentào para tornar bem saliente a differença das duas vidas. O seu centro, dissemos-nôs, he o encephalo, e sobre este centro ha duas ordens de acçôes em sentido inverso; humas, que principiào ahi, outras que acabâo; humas que nasccm do centro para a peripheria , outras que nascem da peripheria para o centro; humas centrifugas, outras centripetas. Com effeito, o Universo exterior obra sobre nosso physico, esta acçâo tendo lugar nos orgâos da peripheria, a sua impressâo he logo transmiltida ao centro; e os agentes desta transmissào sâo os nervos da sensibilidade ou os nervos dos senlidos, formando assim esta repartiçâo chamada em physiologia, de sensaçôes, de sentidos externos e internos ; sendo, para assim dizer, a parte passiva da sensibilidade. Recebida no cerebro a acçâo da impressâo e percebida , tornando-se entâo huma sensaçâo, o cerebro reage sobre estes agentes exteriores, determinando os movimentos voluntarios , determinando-se assim a acçâo do centro para a peripheria, ou a reacçâo do organismo sobre o universo ; os orgâos transmissores desta acçâo sâo os nervos motores , e seos executores sâo os musculos voluntarios; he a parte activa da vida de relaçâo , he a acçâo da influencia centrifuga : de forma que o encephalo, ora recebendo impressôcs do exterior, ora reagindo sobre estas impressôes, centro de terminaçâo de humas , centro de origem de outras , eslabelece huma admiravel centralisaçâo de acçâo nos actos da vida de relaçâo, e, assim uma grande causa de harmonia nos seus meios e nos seus fins. He assim que o homem vendo o perigo, que o animal percebendo o seu inimigo , logo os mais rapidos movimentos se succédera , e o pôem longe délie; o senti- mento da fome lhe faz pôr em acçâo suas forças musculares para satisfazer a necessidade, que a natureza lhe indica por aquella sensaçâo interna. He assim que o individuo de hum sexo affronta todos os obstaculos para acudir ao cha- mado da natureza para o fim da propagaçào, &c. E por este admiravel concenso se acha estabelecida a harmonia das acçôes com as necessidades ; assim se réalisa huma parte das vistas do Creador para a conservaçâo do individuo e da especie. O encephalo, orgâo central, onde o sensorio percebe a acçâo dos agentes do Universo, apparelhos periphericos para receber esta acçâo, e para isso jâ organisados analomicae physiologicamente em relaçâo â nalureza desse* — 19 — agentes, de que tem de receber a impressâo, e nervos inlermediarios para sua communicaçâo, eis o nexo, que liga e harmonisa as différentes partes desta funcçâo: nâo he grande a differença que se apresenta entre o homem e os animaes superiores debaixo deste ponto de vista...... Além destas acçôes, que principiào e acabâo no cenlro da vida de relaçâo , o encephalo, ha neste mesmo centro huma ordem de operaçôes ainda mais subli- me , mais elevada, a psychologia : a sua extensào , a sua desenvoluçâo, a sua energiano homem he o que lhe constitue a sua supremacia na natureza , sua perfectibilidade social, sua immensa força moral; he por suas operaçôes que o homem se éleva as mais allas concepçôes, se éleva ao conhecimento das cousas, â ideia de Deos; he, n'huma palavra, a parte espiritualda vida do homem , he a aima manifestando sua intelligencia por meio de orgâos. A ligaçâo, a dependen- cia dos dois principios que constituem o homem, o principio immaterial e o physico , sâo para nos hum misterio impenetravel ; mas nem porisso sâo menos huma verdade eterna, huma verdade que, quanto mais a contemplamos, mais produz em nossa fraca razào o mais religioso enthusiasmo, a mais profunda admiraçâo. Oh Jehovah ! auam magna sunt opéra tua ! Supposto nos nâo possamos enlrar nesses misterios, sabemos comtudo que orgâo da manifestaçâo das operaçôes da aima he o cerebro, que a energia, à exlensâo dessas operaçôes esta em relaçâo com o estado physico ou physiolo- gico deste orgâo. Isto, que nos suppomos demonstrado no estado actual da sciencia, tem recebido ainda mais força pelo pensamenlo do Dr. Gall, que, depois dos mais profundos estudos sobre este importante objecto, formou hum systema psvchologico, em que estabelecc a necessidade de hum orgâo particular no encephalo para cada faculdade daalma, para cada ordem de operaçôes do espirito; suppondo a9sim tantos orgâos quantas sâo as faculdadeâ intellectuaes ou moraes, e estes orgâos encephalicos tanto mais desenvolvidos quanto mais energicas forem estas mesmas faculdades. Nâo ha neste modo de pensar em psychologia, e particularmente no deste distincto philosopho , motivo, que nos faça recear qualquer tendencia para as ideias de materialismo. Elle nâo fez mais que levar o espirito de analyse aos phenomenos intellectuaes e moraes do homem. ïsto mesmo tem sempre feito os mais orthodoxos philosophos , Condillac, S. Agostinho e outros: assim o tem praticado desde a mais alta anliguidade todos os moralistas os maispuritanos; assim o tem feito a escola escossesa no nosso tempo com muita semelhança â de Gall ; e todos concorda o na necessaria ligaçâo do espirito com o corpo na vida terrestre (*). (*) « Ce n'est pas précisément la nouveauté de cette idée qui en fait l'iutérét, mais toute ■ l'attention qu'y a donnée l'auteur; car l'évêque de Ratisbonne, Albert-le-Grand , avait , de*- le — 20 — A differença d'esté systema, a respeitô de todos os outros, consiste principal- meule na localisaçâo dos orgâos a que pertencem taes faculdades especiaes da aima ; faltando algum d'estes orgâos, segue-se infallivelmentea nâo manifestaçâo d'esta faculdade; como deixaria de haver tal sensaçâo pela falta do orgâo, que o Creador dëslinou para esse fim. Systema que nos julgamos o mais conforme eom a phvsiologia e com a philosophia, apesar da contestaçâo a que tem sido sujeito. He a sorte de todas as grandes verdades, que por sua appariçâo chocào os systemas estabelecidos, que o tempo de seu longo dominio parece tornar inabalaveis. Galiléo e Harvey nos offerecem as mais salientes provas. Ainda os phvsiologislas dividem esta ordem de phenomenos em duas sccçôes, huma propriamente intellectual, e outra affectiva: ambas ellas se confundem no svstema em que acabamos de locar, entretanto que outros dào a maior impor- lancia â sua separaçâo. Tal he Bichat, que quer que esta ultima parte pertença â vida organica, tenha a sua séde nas visceras: o que realmente he insusleu- tavel. Seja qualquer que fôr o systema adoptado, o que he verdade sempre , he que a psychologia, isto he, que o moral e intellectual do homem forma o mais nobre attributo da sua existencia, e para o seu cumprimento parece quo tudo o mais no organismo he disposiçâo, sô para esse fim : o que deu lugar â dcfiniçâo : « O homem he huma intelligencia servida por orgâos. » Antes deentrarmos no nosso segundo objecto, a innervaçâo, faremos hum rapido esboço analytico da vida interior , do que hum dos principaeselcmentos he esta condiçào. Nos dissemos ha pouco que todo o ente vivo para existir nccessitava absolutamente de nutrir-se, e que esta nutriçâo, sendo hum acto comparativamente bem simples nos animaes infcriores , se complicava â pro- porçâo que passavamos a examinar esta funcçâo nos animaes de huma ordem mais elevada, e particularmente no homem, cuja physiologia temos sempre cm vista ; e dissemos mais, que esta funcçâo constituia principalmente a vida interior, e que era ella commum a todos os entes organisados. Este grande acto de nutriçâo, como dissemos a respeitô da vida animal ou de relaçâo, se » treizième siècle , dessiné une tête, où il avait marqué le siège des différentes facultés intellce- » tuelles. On connaît aussi la gravure de Pierre Montagnaua, représentant plusieurs cellules; » savoir : cellula ad sensum communem, cellula imaginativa, c. cogiiativa, c. tnemoraliva, e. ratio- » nalis. Bonnet, attribuant à chaque fibre du cerveau uue fonction particulière, avait aussi » reproduit, sous une autre forme, quelques-unes des idées de Willis et de Vieussens. • ■ On s est d abord récrié contre les dangers de cette philosophie; et, dans les élans d'un zèle » recommendable par sa bonne foi, on a pensé à la proscrire. Mais des personnes aussi é.ninentcs » par leur savoir«pie par leur piété l'adoptent présentement, et y tromenl le sujet d'une expli- • cation plus satisfaisante touchant la participation de l'âme dans les phénomènes intellectuels, • et son intervention sur tous les points des sensations perçues. (G. St. Uk.aibe.) — 21 — compôe de duas séries de movimento em sentidos oppostos, huma de l&rn para dentro, movimento de composiçâo ; outra de dentpo para fora, wtovimento de dccomposiçâo. Huma pola.risaçâo , hum antagonisuao de acçoes> Hwaa le* do organismo estabelece que estas duas séries de movimentos estejâo sempre em actividade, para haver a necessaria renovaçâo de materia que deve entrar nas composiçâo dos nossos orgâos, e a expulsâo da que jâ fez parte d'elles: he esta continuaçâo de acçâo huma das differenças das funcçôes e dos orgâos da vicia organica, comparados com as funcçôes da vida de relaçâo, que sâô sempre intermittentes, inclusivamente a vida intellectual. Mas para que estes dois actos de composiçâo e decomposiçâo tenhâo lugar, que complicaçâo de phenomenos nâo precedem estes resullados! Vcjamos cada série separadamente ; mas toeando sômente nos resultados sem entrarmos por ora em particularidades. Movimento de composiçâo. Antes que a materia bruta esteja apta para formar parte dos nossos orgâos, he de absoluta necessidade que ella tenha sido pre- parada por outra ordem de entes vivos, os vegetaes; que ella tenha sido orga- nisada e reduzida a certos principios immediatos organicos. Depols que a materia se acha n'este estado, he submettida a huma primeira operaçào da parte do animal, a cbymose, para a quai he destinado o apparelho gastrico, apparelho mais ou menos complicado em relaçâo â natureza do animal, e em relaçâo â natureza de seus alimentos. Differenças notaveis debaixo d'esté ponto de vista separâo os animaes carnivoros dos herbivoros. Esta primeira operaçào lerminada, outra immediatamente se lhe segue, a chylose. Orgâos especial- mente encarregados de sua exccuçâo, econducçâo do seu producto, a entregào assim, jâ muito différente do que era fora da economia, e cada vez mais proxima do estado de entrar na composiçâo animal, a hum outro systema, o da circulaçâo; e d'aqui, junto com o sangue venoso, com quem se acha actual- menle misturada, com os residuos, para assim dizer, das despezas do orga- nismo de toda a economia, he entregue a hum outro apparelho, o da respiraçâo, onde soffre a ultima operaçào de preparo para entrar na compo- siçâo do sangue arterial, elemento, sine auo, impossibilis vita, elemento que reune as mais importantes condiçôes da vida, os principios de nutriçâo, de calorificaçâo, de cstimulaçào. A circulaçâo arterial se incumbe depois de offerecer assim a materia, em toda a plénitude de sua aptidâo, por todo o interior do organismo, e o organismo utilisa o que délia lhe he necessario para suas necessidades. Eis aqui cm toda a sua simplicidade a marcha da materia desde o exterior até a profundidade dos orgâos, as methamorphoses por que vae passando até seu ultimo destino, devendo além d'isso, como jâ notâmos, ter sido antes preparada pelo reino vegelal, devendo ella, antes da sua commu- laçâo em substancia animal, ter jâ gozado da vida végétal. He assim que a 6 — 22 — vcgetaçâo he o grande preparador da animalisaçào, lie ella quem dâ â materia as necessarias condiçôes, para que esta possa ser animalisada, pois que nenhu- ma substancia inorganica he empregada na nutriçâo animal. Assim o organismo végétal forma pelas suas proprias forças vitaes os principios immediatos , que compôem a sua substancia ; elles tirào da atmosphera onde balançâo suas folhas, e pela sua absorpçâo, o seu oxigeno , o seu hydrogeno, o seu carbono, o seu azoto; assim como da terra, onde estâo ligados, pela absorpçâo queoperâo suas raizes: absorpçâo évidente se opéra pois n'estes entes d'estes elementos, e com elles se formâo, segundo suas proporçôes diversas, os seus principios immediatos, que devem servir hum dia â organisaçâo animal. A atmosphera, com a sua agua em dissoluçâo, lhos offerece : as aguas pluviaes os conduzem até as tranças capillares de suas raizes. A geologia nos mostra que esta grande classe de entes organicos lie, pelo menos, coeva, senâo anterior, com os primeiros traços de fosseis animaes ; e a razâo mostra o que a observaçâo confirma. Como poderia ser compativel a existencia do animal , especialmcnte da classe dos mamaes, e das aves, com huma atmosphera em que, pelo menos, a terça parte do seu volume dévia ser de acido carbonico ? A existencia da immensa quantidade de végétal fossil mostra que o acido car- bonico decomposto para a sua formaçào, nâo deixa crer este calculo exagerado: além d'isso a prodigiosa quantidade de oxigeno , que, pelo facto da immensa organisaçâo végétal, anterior, se desligou daquella base, o carbono , para enriquecer a atmosphera, e que ahi esta ainda hoje, no-lo confirma; esta immensa vegctaçâo ficou sepultada pelos espantosos cataclysmos que se succe- derào nos différentes pontos do globo, n'essas epochas anti-diluvianas, e de que tâo grandes massas eslào â vista em tantas partes da casca do globo, de que vâo apparecendo alguns traços em différentes pontos do Brazil, e que o tempo provavelmente mostrarâ mais évidentes e mais abundantes! O végétal , ente organisador por excellencia, fixando as quatro principaes bases clemen- tares do organismo, decompondo a agua e fixando o seu hydrogeno, o seu oxigeno , decompondo a frio, e debaixo da influencia da luz o acido carbonico, e fixando a sua base, lançando no grande reservatorio almospherico o oxigeno superabundante ; fixando o necessario azoto, e formando finalmentc materia organisada, a entrega ao animal, que, seguindo as operaçôes inversas, desor- ganisando , enlrega estes productos, ou antes os restitue ao universo em acido carbonico, em agua , em ammonia, pelas suas exhalaçôes , pelas suas excre- çôes, tornando-se assim o intermedio entre o végétal e a materia inorganica, como o végétal foi o intermedio entre elle e a mesma materia, formando-se assim o movimento d'esta em huma elerna circulaçâo , a que se tem querido dar tambem o nome de vida unhersal. — 93 — Movimento de decomposiçâo. Depois que a materia he assim preparada , e appresentada aos orgâos da economia, depois de ser por estes tomada, segundo suas necessidades, para fazer parte de sua composiçâo material, e se achar a final em toda a plénitude do goso da vida n'essa mesma composiçâo, ella ah1 nâo fica permanentemente ; mas he subslituida por outra nova, em igual estado de aptidào, depois de hum espaço de tempo, ainda nâo rigorosamente determinado, mas provavelmente em relaçâo com as condiçôes da vida, sujeitas a hum grande numéro de variaçôes nos différentes organismos, e no mesmo organismo em différentes occasiôes. Hum apparelho de orgâos (o lymphato e venoso) he entâo incumbido de transportar essa parte jâ. servida para nova hématose, e d'aqui para a circulaçâo arterial : talvez possa ella ainda fazer novo serviço, mas a final sera por elle apresentada aos orgâos da exhalaçâo mucosa e cutanea, assim como a alguns orgâos secretorios (os rins, por exem- plo) , que ultimamente se encarregâo de restituir ao universo os resultados d'esta decomposiçâo. Movimento continuo, necessario: a sua suspensâo perturba toda a liarmonia dos phenomenos da vida; o que nos mostra a physiologia he plenamente confirmado pela pathologia. Parece que a natureza nâo quiz deixar as moleculas que compôem o material dos nossos orgâos, o tempo de ellas se rebellarem contra as leis da vida, a que estâo accidentai e tempora- riamente sugeitas! Eis aqui fechado o circulo do movimento que começou na materia inorganica, circulo que comprehendeu o trabalho végétal, o Irabalho animal, e o Irabalho inorganico , d'onde nasceu, aonde parou ! Estas consideracôes , porém, ainda nâo completâo os traços geraes da vida interior, pois que nos dissemos, que orgâos erào incumbidos da preparaçâo da materia , e que esta materia era tomada da massa do sangue arterial, segundo as necessidades de cada orgâo, e que ultimamente outros erào incumbidos da sua expulsào. Ora, estas différentes ordens de movimento suppôem os orgâos em certas condiçôes para poderem executar as funcçôes de que sâo incumbidos em toda a plénitude que exige o estado physiologico ; condiçôes que a physio- logia reduz essencialmente a très : 1." integridade , disposiçâo normal anato- mica e physiologica ; 2." a presença do sangue arterial; 3.* a innervaçâo. ■ 'M <8i"t« G 1.° A primeira destas condiçôes he evidentemente de absoluta necessidade. Quem poderà esperar a realisaçâo do sentido1 da visâo na inteira opacidade do cristallino?e quem a poderia esperar ainda na paralysia donervo oplico ? Quem ignora que as monslruosidades que affectâo visceras importantes sâo incom- — 2h — paliveis com a vida ? Esta condiçâo he bastanle évidente por si para que scja necessario fazer consideracôes a seu respeitô. 2.° O sangue arterial he o producto immediato de huma importante funcçâo , a respiraçào : se esta por hum motivo qualquer se nâo cumpre devidamente, este producto nâo existe tambem no seu devido estado , e o resultado da nâo hématose he asphyxia e a morte. Com effeito, para que esta funcçâo se execulc completamente , lie necessario de huma parte o estado physiologico do orgâo, e de outra parle he nccessario o seu excitante funccional, o ar atmospherico, nas proporçôes que a natureza marcou para este fim. A ausencia de qualquer d'estas condiçôes produz ou ameaça a deslruiçào da vida. Se o orgâo, pela secçâo, por exemplo, dos seus nervos proprios, ou por outro qualquer motivo, estiver fora do estado de integridade physiologica, e por consequencia fora do estado de poder cumprir o seu serviço, embora torrentes do mais puro ar atmospherico se apresentem ao seu contacto, elle nâo tem acçâo, e a funcçâo nâo se cumpre. Se elle se acha no estado normal, mas o seu excitante func- cional, o ar atmospherico, nâo esta nas condiçôes physicas necessarias o resultado he o mesmo. Se o animal se submette ao vacuo dentro do recipiente de huma machina pneumatica, se he accidcntalmente relido cm hum espaço fechado, onde quer pela respiraçào de mais animaes, ou sô pela sua ; quer por huma combustào ahi acontecida, este ar tenha perdido as proporçôes de seus principios conslituintes, o resultado lie ainda o mesmo, isto hc, a nâo héma- tose, a ausencia do sangue arterial nos orgâos, a asphyxia, a morte consecu- tiva; ou seja pela presença do sangue venoso , que n'este caso tem substiluido o arterial, e a quem alguns physiologistas attribuent huma qualidade stupefa- ciente, ou scja simplesmente pela falta do estimulo do sangue arterial, condiçâo essencial para a manutençâo da harmonia no jogo das funcçôes do organismo, ou seja por simultancidade de ambas as circumstancias, o resultado lie cons- tante c promplo. A morte, poslo que comece aqui pelo apparelho pulmonar, ella vae continuar-se logo e complicar-se pela acçâo ou antes pela nâo acçâo dos outros orgâos essenciaes da vida, como sâo os centros da circulaçâo e da innervaçâo: assim o encephalo nâo recebendo a estimulaçâo, ou ainda rece- bendo uma acçâo estupefaciente da parte do sangue venoso, que tomou o lugar do primeiro , fica fora do estado de influir pelo poder da innervaçâo sobre o organismo pulmonar e cardiaco; ora estes orgâos, jâ feridos em uma das condiçôes fundamentaes da vida, pela falta do sangue arterial, o sâo ainda em outra, nâo menos importante, pela falta de innervaçâo; o enca- deiamento ainda nâo para aqui: por quanto o coraçâo, centro ou principal agente da circulaçâo , profundamente lesado pela falta das duas condiçôes — 25 — essenciaes dà vida organica, sangue arterial e innervaçâo, perde a sua acçào: o sâûgue para no systema venoso ôiide se acumula, e por consequencia nàô vae inais àos seus deslinos. De forma que ou se queira suppôr o ponto de partida d'esta successâo de phenomenos no apparelho pulmonar, proceôida da falta de ar respirafel ou da falta de suas condiçôes physiologicas, dando origem â asphyxia, e nâo fornecendo mais sangue arterial ao coraçâo e ao cerebro ; ou se queira fazer o ponto de partida do encephalo, como nas lesôes profundas d'esté orgâo , capazes de o inhabilitarem para a acçâo da innervaçâo sobre o organismo do apparelho pulmonar e coraçâo, realisando-se assim, como na apoplexia, a falta de huma essencial condiçâo da vida sobre estes ultimos orgâos, e por consequencia pondo-os fora do estado de cumprir os seus deveres ; ou se queira fazer este ponto de partida do coraçâo, como na syncope, que por uma qualquer lesâo sufficiente deixou de enviar o sangue arterial ao pulmâo e ao cerebro, e por consequencia nem a hématose tendo lugar por falta de materia, nem o cerebro sendo excitado por falta de exci- tante , e por consequencia, havendo impossibilidade de innervaçâo sobre pulmâo e coraçâo, em todo o caso, o resultado he constante, a morte: e pôde-se dizer, que ordinariamente he ella consequencia immediata da auzencia do sangue arterial: apenas algumas differenças nos ultimos symptomas da vida, algumas differenças no estado do cadaver. Por tanto, seja qualquer que for o modo ou a causa da falta do sangue arterial no organismo, o seu resultado sô tem differenças secundarias, mas sem elle a vida he impossivel nos animaes superiores. Quem nâo sabe que a morte he consequencia infallivel, nas lesôes traumaticas ou aneurismaticas dos grossos vazos, se a arte as nâo pôde remediar? quem duvida da morte parcial de qualquer orgâo, de que as arterias lhe tenhâo sido ligadas, sem possibilidade de communicaçâo por anastomoses? embora reste tudo o mais intacto, nervos, veias, lymphaticos, nâo he menos certa a asphixia da parte, a perda de sentimento, a gangrena, a morte. 3,° A terceira condiçâo da vida organica , de que temos a tratar hum pouco mais cm particular, he a innervaçâo, condiçâo, que he igualmente reputada pela physiologia como essencial; assim como o conhecimento de suas leis he do mais alto intéresse no estudo da physiologia e pathologia. Tem-se mesmo disputado sobre a supremacia entre estas duas condiçôes; sangue arterial e innervaçâo: quai d'ellas seja mais importante no organismo dos animaes supe- riores. Mas nos julgamos que estaquestâo, além de nâo ter lugar por inutil, mereceria a mesma soluçâo, que aquella, em que se discutisse quai dos ele- mentos, que formâo a agua, he o mais importante, ou quai he mais essencial, algum d'elles ou sua proporçâo? Assim sem qualquer das très condiçôes, inlegridade dos orgâos, sangue arterial e inncivaçtïo, corre grande risco a vida, 7 — 26 — principalmente quando esta falta affecta os orgâos essenciaes como sâo centros nervosos, apparelhos de hématose, de circulaçâo, de digestâo, em fim algum d'aquelles orgâos, de que dependem essencialmcnte as funcçôes organicas ou animaes. Nos passamos a tratar d'esta ultima condiçâo em um artigo â parte, nào por ser ella nem mais nem menos importante, mas para satisfazer a nossa promessa. — 27 — SSS<3WS»& 3S»&3&3?£§q Algumas proposiçôes sobre innervaçâo. Ainsi Pythagore voulait expliquer les lois de l'économie animale par la puissance des nombres: Démociite par le mouvement et les rapports de forme ou de situation des atomes; Heraclite par les diverses modifica- tion» que peut éprouver l'influence du feu créateur et conservateur de l'univers...... De là naquirent tant de futiles théories qu'on retrouve encore dans les ouvrages de Platon, d'Aristote, de Platarque, et dont ceux d'Hippocrate lui-même ne sont pas dégagés..... (Cibinis.j Na Primeira Parte d'esté nosso trabalho, dando nos mui succincta ideia da vida no homem, isso mais como Introducçào a esta Segunda Parte, mais como razâo de ordem, do que como objecto a tratar especialmente, a dividimos, quanto a seus modos , e conforme com as ideias actual e geralmente admittidas nos systemas physiologicos, em duas séries de phenomenos : huma relativa ao seu modo de existir em continua acçâo e reacçâo como universo exterior, chamada por isso vida de relaçâo ; outra pertencente ao seu modo de existir, em relaçâo ao individuo, como hum ser independente, provendo por seus proprios meios as suas necessidades, para manter-se no universo ; vida organica. Emquanto a esta segunda série de phenomenos, dissemos que em gérai elles se achavào comprehendidos debaixo da ideia final de nutriçâo, para o complemento da quai huma cadeia insoluvel de actos se opéra , huma successâo de funcçôes se poem em continua actividade ; e que, para a inteira execuçâo e exercicio d'estas funcçôes, he de absoluta necessidade, além da integridade dos orgâos, duas outras condiçôes essenciaes, sem alguma das quaes a vida he impossivel; sangue arterial, e innervaçâo. Ora, tendo nos jâ dito alguma cousa sobre a necessidade absoluta do sangue arterial, segue-se naturalmente fallar da segunda: e, como nos propozemos tratar esta parte hum pouco mais especificadamente, come- çaremos por dizer: 1.° O que entendemos por innervaçâo; 2.° Quaes os seus orgâos, e sua descripçào gérai; 3.° Quaes as leis e phenomenos geraes d'esta condiçâo. — 28 — I. Em que consiste a innervaçâo? Félix qui poluit rerum cognosccre causa). Viecilio. Quando nos entramos no estudo do systema nervoso pertencente â vida de relaçâo, quando nos o examinamos em relaçâo a suas funcçôes, observamos: 1.° huma parle d'esté syslcma disposta como em expansào peripherica na generalidade dos orgâos sensitivos, destinada especialmente a receber as im- pressôes, jà. dos agentes do exterior, jâ do interior da economia. 2.° Hum centro, o encephalo, consagrado â percepçâo d'essas impressôes, que por esse facto ficâo pertencendo â categoria de sensaçôes ; consagrado as altas funcçôes da intellecçào e das faculdades affectivas ; e finalmente a reagir pelos actos da vontade sobre o exterior. 3.° Emfim huma parte d'esté systema, disposta em cordôes, encarregada de conduzir da peripheria para o centro as impressôes sensilivas , c do centro para a peripheria as determinaçôes da vontade. Tudo isto se réfère â série de operaçôes pertencentes ao primeiro modo de vida, chamado de relaçâo. Ora, além d'esté systema de nervos, assim disposto, ha hum outro deslinado as funcçôes da vida interior , nos animaes superiores ao menos; este outro systema, différente em suas formas, différente em suas qualidades, exerce sobre estas funcçôes huma essencial influencia , e de tal forma necessaria, que o orgào desligado d'essa influencia, ou interrompida ella por qualquer modo, nâo sô elle nâo exécuta a sua funcçâo, mas nem pôde continuar a viver. He hum facto provado, que a secçâo, a lesâo sufficiente dos nervos d'esté systema, a interrupçâo de sua continuidade, de sua acçâo desde os centros d'estes systemas até aos orgâos onde se terminâo , e sobre cuja vida elles influcm, como nas funcçôes mais intéressantes da vida interior, na digestâo, na respiraçào, na circulaçâo, produz constantemente, nâo sô a ani- quilaçâo de todas as funcçôes respsetivas dos orgâos da digestâo, da respiraçào, da circulaçâo , mas produz a morte, pelo encadeiamento de phenomenos per- turbadores, como indicâmos quando fallâmos da essencialidade da presença do sangue arterial nas funcçôes da vida. Isto prova concludentemente que este systema de nervos tem huma influencia immediata, essencial, sobre os orgâos d estas funcçôes, sem a quai suas acçôes sâo incompativeis. Ora , esta influencia, que funda huma das condiçôes tâo essenciaes da vida, e no conhecimento da quai réside talvez o seu segredo, como diz hum illustre physiologico, e que comtudo he ainda hum dos pontos mais obscuros da sciencia, he ao que chamamos innervaçâo. Sô podemos dizer que ella consiste na influencia — 29 — que este systema de nervos exerce nas funcçôes da vida interior, sein comtudo podermos penetrar em sua essencia, mas de que o exame de seus phenome- nos, de suas leis, offerece o mais alto interesse no estudo da physiologia, e de outras partes da sciencia medica, como da pathologia, da hygiène, da materia medica. II. Anatomîa gérai dos orgâos da innervaçâo. Omnes fibrilla nerveae post ortam manen* in ipse fascicule intra proprias membranas distincts ab ortu, in decursu, ad inseitionem, junctae modo intr» mem- branam communes» ad te invicem. (Bobruiivi.) Disposiçâo do systema nervoso organico. Quai seja o systema de nervos que dispensa na economia organica esta influencia, quai o orgâo de que dépende a innervaçâo, lie o que nos anticipamos, estabelecendo que he o systema nervoso chamado organico, ganglionar, grande sympathico : que he este o systema cuja influencia especial rege as operaçôes profundas da economia, que irresislivelmente, sem intervençâo nem da consciencia nem da vontade , se execulào na vida interior. Como depois daremos as razôes d'esta nossa asser- çâo, temos que he de boa ordem darmos huma succincta ideia d'esté systema quanlo â sua disposiçâo e estructura em gérai. Este systema pois, no homem, consiste em hum grande prolongamento, apparentemente em forma de cordào, composto de'huma série de ganglios, todos unidos entre si por meio de ramos intermediarios, formando hum todo desde a base do craneo até ao coccix , formando communicaçôes com cada hum dos trinta pares, dos nervos espinaes e com muitos nervos cerebraes, e enviando ramos que acompanhào as arterias até ao intimo dos orgâos, de que lem a reger as funcçôes. A sua parte supe- rior se acha collocada no interior do canal carolidiano, e seios cavernosos , e se appresenta debaixo da forma de hum plexus gangliforme, de que dous filetés vâo ao encontro, hum do sexto par encephalico , e hum outro ao do ramo vidieno do quinto. Por este quinto par elle communica tambem com o ganglio ophlhalmico , considerado como pertencendo a este systema, que he consequentemente o seu ganglio superior. Sahindo do canal carotidiano elle se dirige para baixo sobre o lado da columna vertébral até ao sacro , apre- sentando huma série de ganglios : 1res no pescoço, os ganglios cervicaes; supe- rior , medio , e inferior; doze no dorso; os ganglios thoracicos : cinco na regiâo lombar, os ganglios lombarcs; c très ou qualro no sacro, os ganglios sacros. Chegado ao coccix, elle se termina por hum pequeno ganglio, o coccixigicno, s v- 30 — ou se une em arcada com o do lado opposto. No intervalle que sépara os pilares do diaphragma, hc a sua passagem do thorax para o abdomen. Os ganglios tem em gérai huma forma arredondada; elles, além do seu invo- hicro cellular, e de vasos sanguineos para sua nutriçâo, sâo compostos de duas partes: 1.° de filetés nervosos brancos, que alli vâo ou terminâo; 2.° de huma malcria de hum cinzento avermelhado, polposa, albuminosa ou gelalinosa, que enche os intervailos dos filamentos nervosos. Alguns physiologistaspensarâo que esta substancia séria homogenea com a chamada cortical do cerebro; mas ella appresenta realmente differenças aos reactivos, como mostrâo as expe- riencias de Bichat e de Wutzer. O que sejâo estes ganglios, tem sido isso objecto de opiniôes muito différentes entre os physiologistas ; huns os suppoem pequenos cerebros segregando os espiritos animaes, e outros huma especie de coraçâo imprimindo huma impulsào a estes espiritos, ou réservalorios desti- nados a conserva-los em deposito. Outros os censiderào como meios de divisào distributiva dos nervos, ou como servindo a os unir; outros, que elles servem a obstar a transmissâo das sensaçôes e as ordens da vontade aos orgâos em que os nervos, que d'ahi seoriginâo, vâo ramificar-se ; outros, que elles sâo desti- nados a concenlrar e reforçar a acçâo nervosa, ou a reparti-la uniformemente nos apparelhos das funcçôes nutrilivas: emfim, muitos tcm-ossupposlo centros de outros tantos systemas nervosos parliculares. Os nervos do grande sympalhico sâo de très sortes: 1.° Os que unem os ganglios entre si, e parecem assim formar d'elles hum orgâo unico ; 2.° os que unem estes ganglios aos Irinta pares spinaes; 3.° os que dos ganglios se distribuem aos orgâos. Os primeiros sâo brancos, curtos , nâo formâo plexos, nem fornecem nenhuns ramos lateraes. He a mesma cousa a respeitô dos segundos. Mas os ultimos, que parecem ser os mais importantes, julgando-se os primeiros e segundos unicamente anaslomosicos, sâo de huma diversa dis- posiçâo ; elles sâo avermelhados, molles, manifestamente compostos cm seu interior da materia particular que forma os ganglios , isto he, da materia cin- zenta de que fallâmos, e tem sempre a forma particular de serem curtos e delgados. Nascendo sempre dos ganglios, e nâo do cordâo nervoso que sépara estes ganglios, elles se entrelaçâo ao redor das arterias, e as acompanhào até suas ullimas ramificaçôes ; elles vâo d'esta sorte constituir hum dos elementos geradores dos orgâos, e provavelmente existem em toda a parte. Muitas vezes antes de seguirem as arterias elles se entrelaçâo entre si, formando isto que se chaîna plexos, e a que se tem dado nomes particulares; e he d'estes plexos que partem depois os nervos, que ligando-se as arterias as seguem ao seu des- lïnos. Assim do plexo gangliforme, collocado no canal carotidiano, nascem os files, que vâo as arterias cerebraes (segundo Winslow e Ribes). Do gan-~ — 31 — glio cervical superior provém outros, que seguem a carotida externa. Muitos filetés provenientes dos ganglios cervicaes e thoracicos formâo o plexo cardiaco, d'onde nascem os nervos do coraçâo e dosgrossos vasos. Estes mesmos ganglios thoracicos os fornecem para as inlercostaes : o nervo chamado grande splan- chnico, proveniente de alguns dos ganglios thoracicos , passa atravez dos pila- res do diaphragma, do thorax ao abdomen , e entrando n'esta cavidade ahi forma o grande plexo semilunar : este unindo-se com o do lado opposto formâo hum entrelaçamento nervoso ainda mais vasto, chamado o plexo solar , e he immediatamente d'esté que partem os numerosos filetés que se ligâo as arterias coronarias estomachicas, hepatica, splenica, spermatica, rénal, inesentericas superior e inferior, hypogastricas, e vâo se distribuir as partes que estas arterias alimentào, ao eslomago, ao figado, ao baço, &c, &c. Os ganglios lombares for- necem igualmente muitos filetés que formâo hum plexo à aorta abdominal, e vào concorrer â formaçâo dos plexos acima mencionados. Emfim, os ganglios sacros, que se anastomosâo entre si e com os do lado opposto, fornecem muitos filetés que se dirigem ao plexo hypogastrico , e outros unem-se com os filetés dos nervos vesicaes, uterinos e vaginaes do plexo sciatico. Sua estructura organica. Os physiologistas admiltem cm gérai, para a for- maçâo material de todos os orgâos dos animaes superiores, très fibras elemen- tares : a cellulosa oulaminar, a musculosa, a nerval; e ainda, segundo Chaus- sier, a albuginea. Estas fibras sâo os elementos que formâo todas as partes organicas. D'estes elementos o que talvez seja mais essencial à vida he o cellu- lar, pois que he o mais espalhado, o mais abundante na organisaçâo dos entes vivos : a musculosa hum pouco menos, e que parece ser forniada da primeira ; e emfim a nerval, a que Burdach dâ o nome de neurina. He esta ullima que compoem a principal ou fundamental base da organisa- çâo nervosa. Os nervos sâo compostos de fasciculos d'esta fibra, formando cordôes mais ou menos grossos, comprehendidos em huma bainha commum, onevrilema; cujos fasciculos, parallelos huns aos outros, marchâo sem se confundir , mesmo quando elles se scparào para fazer parte de outro cordâo nas suas anastomoses. Estes fasciculos sâo compostos da fibra primitiva nerval, cujo diametro tem sido calculado em algumas décimas millesimas de linha. Alguns tem supposto huma massa homogenea com huma consistencia média entre liquida e solida ( Bichat) ; outros, huma innumeravel quantidade de glo- bulos transparentes, cnvolvidos em hum fluido gelalinoso ( De La Torre ) ; outros, como globulos unidos por hum tecido cellular tenuissimo ( Prochaska); cutros, globulos do diametro de 0,003 de linha, e disposto em-séries ( Milne Edwards) ; outros julgarâo ser os mesmos globulos que.es do sangue, menos sua materia colorante ( Home) ; outros, huma reuniào de fibras solidas sem — 82 — cavidade (Monro); e emfim, Fontanna, Mullcr, Trevirannus, Ehrenbcrg os suppoem, com mais convicçâo , com huma disposiçâo filamcntosa de forma tubular; tendo o primeiro d'estes physiologislas chegado mesmo a separar a parte exlerna ou involucro do seu contheudo em huma porçâo de hum fila- mcnto, notou que a parte descoberta cra lisa, transparente , igual, e a parte coberta ainda de involucro, offerecia hum aspecto menos transparente , de huma espessura quasi dupla, e tubcrculosa: d'onde elle concluio que o cylin- dro primilivo nervoso se compunha de hum filamento mais fino , mais unifor- me e transparente, e de huma capa de huma natureza provavelmente cellulosa. Talvez ainda estes nâo sejâo os ultimos elementos organicos d'esté systema . pois que Trevirannus viu ainda d'estes filamentos primitivos prccederem outros muito mais delicados em alguns reptis. Os physiologistas modernos, Muller, Trevirannus, Ehrenberg, Burdach, concordâo n'esta ullima disposiçâo tubular organica dos nervos em gérai, com differença que a massa do systema sympa- thico apresenta huma côr sempre cinzenta, e que suas fibras sâo muito mais tenues, menos fortes do que nos nervos cerebro-spinaes; e que os fasciculos cinzentos que se encontrâo nos nervos brancos , nâo sâo senào fasciculos dos ner- vos organicos, distinctos por sua côr; caracter que conservào sempre. De forma que os dous systemas se fornecem reciprocamente grande numéro de fasciculos, cujos filamentos marchào ao lado huns de outros, sem perderem sua primitiva côr, e sem se confundirem. Assim as duas sortes de vida se achào em continua ligaçâo pela fusào parcial d'estes dous systemas : sendo reputados hoje como independentes quanlo â sua origem, e distinctos hum do outro em sua natureza; e mesmo reputados différentes entre si os ganglios organicos, formando cada hum d'elles centros especiaes, affectos a funcçôes différentes no organismo. Do pcqueno sympathico. Além do systema, de que acabamos de dar hum rapido esboço, e de que ainda prescendimos de algumas consideracôes sobre sua origem e tcrminaçào, pelo motivo de que sobre estes objectos tudo sâo conjecturas, de que se nâo podem tirar inducçôes rigorosas para o conheci- mento das suas funcçôes, e além disso nos tornariamos extensos além da conveniencia, temos ainda de dirigir a nossa attençâo para o nervo oitavo par encephalico, chamado vago ou medio sympathico, que, apezar da sua origem encephalica, tem tâo grandes e tâo intimas relaçôes com o systema organico, que parece pertenccr-lhe mais do que ao proprio syslema, d'onde tira sua origem ; pois que em todo o seu trajecto elle se une por muitos fasciculos aos différentes ganglios cervicacs e thoracicos; pois que elle, como veremos, tem immediala influencia sobre muitas funcçôes, propriamente orgamcas ; além disso concorre , para assim o considerarmos, como affecto em grande parte as funcçôes organicas, a observaçâo zoologica da circunstancia de que — 33 — a sua desenvoluçào, nos animaes vertebrados, esta na rasào inversa da do systema nervoso ganglionario. O oitavo par tem na verdade a mesma origem encephalica dos nervos da vida animal; mas por sua irregularidade a respeitô da sua distribuiçâo nâo symetrica nos orgâos da vida organica, d'onde lhe vem o nome de par vago, por suas anastomoses continuadas, antes de se intro- dusir nos orgâos, com os ganglios organicos e seus plexos, elle se pôde consi- derar um nervo mixto ou commum, e por tanto da maior importancia na funcçâo da innervaçâo. O nervo vago nasce das partes superiores da medula no seu bulbo, em ordem de filetés, que se reuncm logo em hum cordâo hum pouco largo e achatado, sem com tudo se confundirem. Assim que sâcm do craneo estes filetés se anastomosâo entre si, a ponto de simularem hum plexo : depois continuando a descer na regiâo cervical, começa logo este nervo a receber e a dar filetés de communicaçâo com o primeiro ganglio cervical. Entrando depois no thorax, elle passa do lado direito, diante da arteria sub- clavia, e do lado esquerdo diante da crossa da aorta: depois seus ramos se dirigem para trazpara a parte posterior dos bronchios augmentando de volume: d'aqui elles se dirigem para o esophago, e chegados â parte inferior d'esté canal elles passào com elle pelo orificio do diaphragma, e vâo terminar-se no estomago e em algumas partes circumvisinhas. N'este longo decurso este nervo fornece filelcs a hum grande numéro de partes. Assim elle destaca os ramospharingeos, concorre a formaçâo do plexo pharingeo, dâ os ramos laringeo superior externo e interno, logo abaixo d'estes ramos; mas ainda durante seu trajecto na regiâo cervical, elle destaca muitos ramos, chamados cardiacos, très ou quatro do lado direito c hum sô do lado esquerdo; mas nenhum d'estes ramos vae directamente ao coraçâo; elles se anastomosâo antes no ganglio cardiaco com os nervos cardiacos, provenientes dos ganglios cervicaes. Elle concorre a formar os plexos pulmonares, com os nervos dos ganglios cervicaes e thoracicos superiores : além d'estes plexos elle desce em dois cordôes ao longo do esophago, que se chamâo os plexos esophagianos; e emfim chegado ao abdomen elle se distribue ao estomago e a alguns outros orgâos visinhos; o do lado direito, que he naturalmente o mais forte , sempre unido â parte direita e posterior do esophago, forma ao redor do cardia hum plexo. D'esté plexo nascem duas ordens de filetés; huns destinados ao estomago, outros se dirigem aos différentes plexos visceraes, como o hepalico, splenico, celiaco, e se entrelaçâo com as irradiaçôes do plexo solar; e outros vâo ao pancréas, ao duodeno , à vesicula biliar, e se diffundem sobre a veia porta. O vago da parte direita vem ao estomago, ahi se anastomosa com o do lado esquerdo, segue a arteria pylorica, e se termina no plexo hepatico. 9 — 34 — III. Algumas proposiçôes sobre a innervaçâo. Cependant il est plus que probable que l'action vitale il» système nerveux engendre un agent impondérable, une matière trèj-sublile. ( Tiioivixk. J Atéqui nos temos posto que a innervaçâo he a influencia nervosa , que procède do systema ganglionar, e par vago, seu congénère, sobre os orgâos das funcçôes interiores. E pela ordem démos hum rapido esboço da disposiçâo e estructura d'esté systema, incompletamente na verdade, mas sô com o fim de dar huma ideia gérai a seu respeitô. Agora passaremos â parte mais phy- siologica d'esté objecto, estabelecendo algumas proposiçôes, e fazendo algumas consideracôes, que tem por fim desenvolve-las ou demonstra-las. Nos temos recorrido para isso aos materiaes, que nos offerecem os diversos authores , que nos sâo conhecidos, seguindo as opiniôes, que nos parecem mais fundadas, mais racionaveis, ou ao menos mais conformes com o nosso modo de pensar relativamente ao objecto. • i. A innervaçâo he o resultado de uma influencia, procedïda principalmente do systema nervoso da vida organica sobre os orgâos, em que ella se effectua. Para compléta demonstraçào d'esta proposiçâo bastaria o conhecimento da existencia de hum systema, o ganglionar, independente do systema nervoso da vida animal, por consequencia com différentes usos destinados a funcçôes de huma natureza différente; ora nào sendo estas funcçôes nem do movimento volunlario, nem do sentimento, as quaes he consagrado aquelle outro, jâ d'aqui se pôde inferir a verdade da nossa proposiçâo. Mas vejamos isto por partes. 1.° Que he exacte ser este systema especial e independente, as conside- racôes seguintes o demonstrào. Primo. Os antigos supposerâo com effeito, o grande sympathico como huma dependencia, ou do cerebro pelos ramos, que procedem do quinto e sexto par, ou antes da medulla spinal pelos ramos, que para isso envia cada hum dos seus trinta pares; por isso que a circuns- tancia de ser o grande sympathico cada vez mais fino quanto mais visinho d'aquella supposla origem, nào favorecia aquella ideia. Mas este mesmo modo de origem, posto que mais racionavel, foi logo %abandonado depois das ideias anatomicas de Winslow, Bichat, Reil e outros, que mostrarâo ser este systema independente em sua origem, ser hum orgào â parte, formado de huma — 35 — série de ganglios ou centros igualmente distinctos. Os ramos, que se prolongâo d'estes ganglios as origens dos nervos spinaes, sâo evidentemente anastomosicos, e nào ramos de origem. A sua côr na proximidade dos ganglios, a falta de proporçâo entre o volume dos ramos enlrados, e que dariâo origem a sua supposta composiçâo, com o volume dos que sâem; a textura de cada ganglio manifeslamente diversa; a circunslancia d'elles mesmos se acharem algumas vezes separados, como se tem enconlrado por interrupçâo de continuidade no trajecto do grande sympathico, sâorasôes, que tem feito inclinar os phy siologistas a esta opiniâo. Secundo. A sua disposiçâo anatomica diffère eviden- temente, sua côr, sua consistencia sâo diversas, seus nervos sâo mais curtos, mais delgados, mais molles. A sua estructura elementar he mais problematica, sua composiçâo chimica he différente. Tercio. Em suas propriedades vitaes elles ainda differem dos cerebro-spinaes. Elles nâo dâo a sensaçâo da dôr quando sâo a isso provocados por estimulos, como acontece nos sensitivos dos systemas lateraes : e se algumas experiencias com meios violentos tem alguma vez mostrado alguma coisa n'este sentido, ou he obscuramente, ou ha equivoco : ficando sempre firme esta importante differença quanto aos nervos sensitivos. Ella nâo he menos notavel a respeitô dos nervos motores d'aquelle systema; por quanlo aqui nunca ha movimentos produzidos no orgâo por qualquer esforço da vontade, nem mesmo ordinariamente por estimulos applicados sobre seus nervos; salvo no caso de applicaçôes galvanicas: e n'este caso, o estimulo sendo propagado até ao musculo, a sua irritabilidade he posta em acçâo pela electricidade, de que o nervo foi sômente hum conductor; e quando se produzem movimentos, sâo equivocos, e taes que huns os tem observado e outros nâo: mas sempre com notavel differença de resultado comparados com os rachio-encephalicos debaixo d'esté ponto de vista. Fica por tanto sendo certo que lie muito menos molor o systema do grande sympathico. Ora esta differença de propriedades, a este respeitô, confirma o que sua textura e a sua nâo proveniencia anatomica do outro systema jâ nos mostrava ; isto he a sua independencia. He por tanto o grande sympathico hum systema especial. 2.° He igualmente manifesto, que este systema nervoso he destinado a cumprir uma missâo particular, nas funcçôes dos orgâos, pertencentes â vida interior: pois que he sobre elles que se ramificào seus filetés, ora formando plexos antes para irein depois exercer suas funcçôes no interior d'estes orgâos, ora acompanhando as arterias até suas ultimas ramificaçôes, e com ellas perderem-se em seu tecido. Disposiçâo, que impossivel séria nâo ter com effeito hum fim especial e organico. 3.° Do que temos dito se segue, que elle nâo he destinado nem ao movi- mento voluntario, porque elle he pouco dotado da propriedade motora, — 36 — especialmenle pelo estimulo da vontade ; e porque a sua distribuiçâo he em orgâos onde a vontade nâo tem imperio : nem tambem ao sentimenlo, porque igualmente a sua distribuiçâo he em orgâos, de que as funcçôes se executâo sem intervencâo nom de consciencia, nem de sentimento. Ora se este systema especial he consagrado as funcçôes da vida organica, e ahi nào serve para a producçâo dos movimentos voluntarios nem das sensaçôcs, pôde-se con- cluir, que he a innervaçâo o seu principal destino. Esta inducçào he corro- borada pela sua constante disseminaçâo n'estes orgâos, dirigindo-se a elles , ligando os seus nervos com as arterias, nâo havendo na economia parle alguma em que se nâo possa suppôr a sua dependencia. He o grande sympathico , que apparece primeiro, tanto nos animaes onde começa a baver hum systema nervoso, como na evoluçâo do feto, onde elle précède o systema encephalico, cuja desenvoluçào esta em harmonia com suas necessidades, a respeitô das funcçôes sensoriaes e dos orgâos dos sentidos, evidentemente posteriores â primeira, isto he, â necessidade da innervaçâo. Muitas vezes este nervo sô compôem o systema nervoso do ente nas monstruosidades de acephalia. A analogia dos ganglios, nos animaes superiores, com estes pontos nervosos, disseminados no organismo dos animaes amorphes, onde nâo ha senâo huma vida evidentemente interior, he mais huma circunstancia que corrobora esta opiniâo. He tal a convieçâo de alguns physiologistas, quehe o systema nervoso ganglionar o orgâo da innervaçâo, que préside as funcçôes organicas "da nutriçâo , que Brachet, como levado desta ideia, assemelha a medulla dos vegetaes a este systema, servindo no organismo d'estes entes para huma innervaçâo, presidindo igualmente aos actos de suas nulricôes e calorisaeôes, como os nervos organicos na vida animal. n. A innervaçâo he tambem dependente dos centros nervosos da vida de relaçâo, ao menos em circumstancias extraordinarias, e provavelmente sempre. A prova mais convincente d'esta proposiçâo he a intima ligaçâo do systema ganglionar com os nervos rachio-cncephalicos. Esta intirnidade indica eviden- temente huma relaçâo intima nas funcçôes d'estes dois systemas, huma depen- dencia de cooperaçào em suas acçôes. Os nervos encephalicos nos seus actos parecem muito mais independentes do outro systema, porque elles vâo ordi- nariamente sem mistura de fasciculos organicos fazer os seus deveres de motores ou sensitivos, quando sô movimento ou sensaçâo he o seu fim: sein com tudo deixarcm em alguns casos de receber fasciculos d'aquelle systema, segundo a opiniâo de Muller e Pietzius, firmada nas suas observaçôes sobre — 37 — a estructura dos nervos. Pelo contrario os nervos organicos recebem frequen- lissimamente fasciculos brancos dos cerebro-spinaes antes de se lançarem no interior dos orgâos, como mostrâo claramente as anastomoses ganglio-spinaes. Ora esta communhâo e a reciproca troca das duas quaiidades dos nervos, n'estes dois systemas, nos mostra claramente que lie facil de provar a nossa asserçào. Por quanto, podendo-se objectar que as fibras organicas, que rece'be o systema rachio-encephalico, devem ser sômente consideradas como elementos necessarios para o exercicio das funcçôes, que estes nervos tenhâo a seu cargt> cumulativamente de actos de relaçâo e actos organicos, com tudo nâo se pôde dizer o mesmo, quando se réfère a questào ao entrelaçamento das fibras rachio-encephalicasnos nervos destinados exclusivamenle as funcçôes organicas, onde nâo ha nada de sensorial ou voluntario, e por consequencia nada de cumulativo de acçôes différentes. Logo aqui ha huma cooperaçào, ha huma dependencia manifesta, n'este systema, do centro rachio-encephalico para o complemento de funcçôes, que por outra parle tudo mostra pertencerem ao systema ganglionar principalmente, mas nâo exclusivamente. Os physiologistas, que pertenderào attribuir as funcçôes da vida organica unicamente ao systema ganglionar, nào tem rasào. O oitavo par, ninguem o duvida, he hum nervo encephalico por sua origem, por suas propriedades physicas e physiologicas , e entretanto elle parece tâo necessario ao cumprimento da innervaçâo, como o mesmo ganglionar. Elle se confunde com este ultimo em numerosos plexos; elle vae com elle lançar-se nos orgâos da vida interior. A sua lesâo perturba a harmonia d'estas funcçôes : e entretanto este nervo tira sua origem do centro encephalico, e por consequencia a funcçâo, que elle conjunctamente com o ganglionar tem a exercer, tira tambem sua origem do centro encephalico, e he d'elle dependente. Alguns physiologistas, para se evadirem a esta consequencia, dizem , que os nervos vagos nào presidem, nos orgâos interiores, senâo as sensaçôes, de que estes orgâos sâo a séde : como he a da necessidade de expirar e inspirar, as da fome, da sede, &c. &c. , e que he .unicamente o grande sympathico que ahi rege as acçôes organicas, propriamente ditas. Segundo elles a natureza forneceo a todos os orgâos interiores , que tem a desenvolver sensaçôes, nervos cerebro-spinaes, e ao mesmo tempo nervos do grande sympathico : e he assim que além dos ramos, que recebem d'esté nervo a bexiga, o recto, o utero, estes orgâos os recebem tambem da porçâo inferior da medulla spinal, para presidirem n'elles as necessidades de ourinar, à defecaçâo, e as contracçôes uterinas na occasiâo do parto. Sem duvida os nervos vagos presidem as sensa- çôes normaes do estomago e do pulmâo, como os nervos da parte inferior da medulla spinal, as sensaçôes do recto, da bexiga e do utero. Os animaes, 1» — 38 — a que elles se cortarào, nâo sentem mais nem a fome nem a saciedade : porque elles ou recusâo comer, ou comem com indifferença, e tâo machinalmente, que continuâo a comer depois da replecçâo do estomago. Elles nâo sentem mais a necessidade de vomitar, pois que em vâo se lhes applicào os emeticos. Da mesma forma nâo sentem mais a necessidade de inspirar e expirar : sub- mergindo ao mesmo tempo dois câes (segundo Brachet) , tendo feilo a hum a secçâo dos nervos vagos, se vê que o primeiro se agita em anciedades aie chegar o ponto da asphyxia : entretanlo que o outro se deixou morrer sem luta, nem anciedades ; porisso que elle nâo senlia a necessidade da respiraçào. Além disso, he sabido, que a lesâo da parle inferior da medulla spinal torna a bexiga e o recto inaplos a produzir as sensaçôes rclalivas as suas funcçôes. Mas se estes factos provâo, que effectivamente os nervos vagos, e outros nervos spinaes presidem as sensaçôes dos orgâos, a que elles se distribuem, ha outros factos, que provâo que estes nervos fazcm mais alguma coisa n'estes orgâos. De que serviriâo os nervos vagos no coraçâo, orgâo, que, no estado natural, nào he nunca a séde de qualquer sensaçâo? Além disso, pela secçâo dos nervos vagos, sâo exlinctos, nâo sô as sensaçôes pulmonares e estomachaes, mas ainda as suas funcçôes de chymificaçâo e de hématose. Em consequencia d'esta secçâo os alimentos ficâo no interior d'esta viscera sem serem chymificados. O mesmo tem lugar a respeitô dos movimentos. Quando se irrita em hum animal os filetés do nervo vago, que ecreâo o esophago, se provoca o movi- mento de peristole do estomago e o movimenlo peristallico do intestino ; e se elles se corlào nào ha mais movimento do estomago. A lesâo da parte inferior da medulla paralysa o recto igualmente, a ponto de nâo ser mais sensivel â acçâo dos irritantes. Assim nâo ha duvida que os nervos vagos presidem tam- bem a phenomenos propriamente organicos, e mesmo que outros nervos spinaes presidem a movimentos involuntarios. Além de todas estas conside- racôes , acresce que os nervos ganglionarios nâo existem apparentemente cm toda a parto; elles nào acompanhào as arterias dos membros e da face, onde sâo substiluidos pelos cerebro-spinaes. N'estas partes certamente ha funcçôes organicas, como as da nutriçâo, e entâo he necessario que o influxo nervoso indispensavel seja devido ao centro rachio-cephalico- Além de todas estas rasôes nâo temos nos bem clara a perturbaçâo , que produzem nos orgâos da vida organica, na sua innervaçâo, os affectos d'alma, quando sâo hum pouco vivos ? Os movimentos do coraçâo, os da respiraçào, os actos da digestâo, nâo sâo evidentemente allerados mais ou menos na proporçâo da violencia d'essas emo- eôes moraes? Concluamos, que a innervaçâo he tambem dependente dos centros nervosos da vida de relaçâo. -- 39 — tu. A innervaçâo e a sua necessidade he évidente nas funcçôes organicas de primeira ordem, aonde ha movimentos sensiveis, como na'digestâo, respiraçào, circulaçâo. l.° Em p iinciro lugar: as experiencias dos mais notaveis physiologistas provâo evidentemente que a digestâo he absolutamente dependente do influxo nervoso, quer do cerebro, quer da spinal medulla, quer doscentros ganglionarios, como nos pôde eonvencer o exame d'esta operaçào em suas diversas partes. l.° Quem pôde desconhecer asmodificaçôes que soffrem os orgâos da digestâo, em conse- quencia das affecçôes ccrebraes, ou sejào de natureza physica ou pathologica, ou sejâo procedentes de emoçôes affectivas violentas, ou de trabalhos intellectuaes intensos ? Aspaixoes rapidasc violentas ordinariamenle pcrturbâoa funcçâo tâo profundamente, que as subsîanciasalimen lares ou sâo expulsas pelo vomito , ou permaneeem sem alteraçào, sem que sobre ellas se tenha operado a força chvmificadora. Nos csludos excessivamente aturados, nas fortes contençôes de espirito, nâo lie menos évidente a modificaçâo que soffrem os orgâos de diges- tâo: a hygiène funda sobre este facto muito importantes preceitos, e a obser- vaçâo a mais .trivial mostra o fundamento daquelle proverbio : « Quem digère muito, pensa pouco. » O que accontcce por causas moraes, se verifica ainda muito mais claramente nas perturbaçôcs palhologicas do orgâo encephalico. Quando estas sâo reveladas pelo delirio ou pelo estado comatoso, que série de desordens nâo tem lugar na economia, espcciahnente em relaçâo â funcçâo da digestâo, que ordinariamenle se impossibilita de todo, a nâo poder mais executar-se. As causas physicas, que de qualquer maneira offendâo a inlegri- dade do orgâo encephalico, lem igualmente a mais immediata influencia sobre os orgâos da digestâo, como o provâo as experiencias de Edwards e Vavasseur, que notarâo sempre, depois da ablaçào de huma certa porçâo dos hemisphe- rios cerebraes, que a digestâo nào tinhi mais lugar, as secreçôes gastricas se nâo faziâo , e o bolo alimenlar nâo soffria alteraçâo alguma; e notâo mais os mesmos physiologistas que huma injecçâo nas veias de huma forte dose de solu- çâo de opio, sufiieiente para mergulhar o animal cm hum estado comatoso, produz absolutamente o mesmo effeito sobre os orgâos da digestâo. 2.° Os effei- tos que produzem sobre as funcçôes gastricas , os estados différentes em que pôde achar-sc o cerebro , como nos acabamos de ver, sâo mais claros do que aquelles que procedem das modificaçôes do systema rachio-spinal, sem comludo screm mais certas. Além das razôcs fornecidas pela pathologia, além da in- ducçâo tirada da disposiçâo ncrvosa, pela quai lantos ramos rachilicos, de naistura com os organicos, se envolvem no tecido das visceras gastricas , temos — ao — a prova directa nas experiencias de Wilson Philip, que demonstrào a perda da faculdade digestiva do estomago pela secçâo da parte inferior da spinal medulla. 3.° A influencia dos nervos vagos n'esta funcçâo esta igualmente provada por numerosas experiencias : a sua secçâo, a sua ligadura perturba , impede constantemente a funcçâo da digestâo. Wilson Philip, Legallois, Blain- ville e outros tem variado estas experiencias por muitos modos , sobre diversos animaes, em diuersas circumstancias, e o resultado lie constantemente o mes- mo : o que nào sô prova a verdade da nossa asserçào, mas se oppoem a todas as explicaçôes, que nâo sejào as physiologicas, sobre os phenomenos d'esta funcçâo. Alguns physiologistas, na verdade , nào tendo sido tâo felizes nas suas expe- riencias, dizem que nunca virâo tal resultado, e que, antes pelo contrario, observarâo sempre a continuaçâo da digestâo , apezar da secçâo dos nervos vagos. Magendie diz que a interrupçâo da digestâo dépende verdadeiramente da desor- dem da respiraçào, produzida pela falta de seus nervos proprios, comprehen- didos na secçâo; e quer que o nervo vagosô sirvano estomago para aproducçâo das sensaçôes que se desenvolvem n'esta viscera, a fome e a nausea. Laurel e Lassaigne tambem negâo que a secçâo do oitavo par se opponha ao exercicio da digestâo. Mas Dupuytren confirma victoriosamente a opiniâo contraria , cortando separadamente os filetés do par vago, pertencentes ao estomago, abaixo do plexo pulmonar; e o resultado foi a suspensâo da digestâo. Ha huma circumstancia que foi notada por Edwards e Vavasseur, muito attendivel para explicar a causa das dissidencias dos physiologistas, sobre este ponto de dou- trina ; e vem a ser, que nâo basta a simples secçâo dos nervos, mas que he necessaria, ou a sua destruiçâo em huma certa distancia, ou revirar suas extre- midades , de forma que em todo o caso nâo haja contacto entre as polpas das duas extremidades nervosas. Parece que, no caso de contacto das extremidades, huma communicaçâo nervosa tem ainda lugar , e que he sufficiente até certo ponto â continuaçâo da funcçâo. Mais notarào os mesmos physiologistas que huma irritaçâo, produzida pelo galvanismo, ou mesmo por qualquer outro meio de estimulaçâo sobre a extremidade viscéral do nervo, suppria por algum tempo a influencia dos centros. Parece-nos portanto que esta claramente demonstrada a existencia e a necessidade da innervaçâo a respeitô d'esta funcçâo. 2.* Esta innervaçâo e sua necessidade he igualmente demonstrada na respi- raçào. He hum facto que suppomos admittido, e fundado em as mais conclu- dentés observaçôes physiologicas, que o systema pulmonar tem huma vida, huma energia, huma extensâo de acçâo relativas ao estado especial do individuo a qoe pertence. As suas modificaçôes segundo o sexo, a idade, o tempera- — a — mento, os diversos gràos de saude nào attestào claramente esta verdade ? As experiencias de Edwards e Vavasseur, sobre este objecto, provâo que o material sobre que obra esta funcçâo, o ar atmospherico, he differentemente modifi- cado segundo as circumstancias em que se acha o orgâo, segundo as necessi- dades da hématose, segundo o estado des centros nervosos. Ora, isto he jâ huma prova de que a acçâo vital, e nâo huma outra de qualquer natureza, rege esta funcçâo ; e isto he o mesmo que dizer, que huma influencia nervosa, huma innervaçâo, préside aos seus phenomenos organicos. A célèbre experiencia dé Bichat, que consiste em hum apparelho, de tal forma disposto, que a entrada e sahida do ar na cavidade pulmonar, por hum tubo adaptado à trachea, e com hum registo, he regulada â vontade do experimentador ; assim como a sahida do sangue, em qualquer arteria que se escolha para a sua inspecçâo, por hum outro semelhante apparelho: esta experiencia, digo, nos prova bem claramente ainda a verdade da nossa asserçâo: ella nos mostra as differenças na côr do sangue que circula nas arterias, segundo o estado de integridade ou nâo integridade das relaçôes do orgâo com os centros nervosos, embora o ar respirado fique constante em suas qualidades physicas; o que nos indica a existencia e a necessidade de huma acçâo vital, de huma innervaçâo que rege a funcçâo. Além d'isso, esta asserçâo he concludentemente demonstrada pelas expe- riencias , sobre os orgâos mesmo da innervaçâo, sobre o nervo vago ; attento que, sobre o grande sympathico se nâo pôde operar com vantagem, pelo motivo de seguir-se a morte subitamente, consequencia dos grandes estragos causados em razâo da sua disposiçâo profunda na cavidade thoracica. O nervo vago envia os seus filetés aos orgâos de outras funcçôes, como sâo os da digestâo, circulaçâo e apparelho da voz, e por isso séria necessario operar por secçâo, compressâo ou ligadura sobre a parte d'esté nervo , exclusivamente destinada a esta funcçâo, para assim poder avaliar a sua influencia sobre ella. Foi isto que Dupuytren tentou : primeiramente cortou os nervos laringeos, e o resul- tado foi a compléta aphonia: tentou a secçâo dos cardiacos sô, mas nunca o pôde conseguir, (apesar da habilidade conhecida d'esté operador) ; pôde emfim conseguir a secçâo do nervo, abaixo do plexo pulmonar ; mas, ou o animal morria subitamente logo depois, ou, se algum escapava, sô apresentavalesôes relativas â funcçâo da digestâo, como dissemos acima. Portanto nada se poderia concluir d'esta experiencia em relaçâo â respiraçào. Mas pela secçâo do nervo vago e grande sympathico acima do plexo pulmonar, quehe menos difficil, e em que o animal nâo morre subitamente, dando por consequencia o tempo de se observarem os seus effeitos sobre as funeçôes, se podem tirar inducçôes rigo- rosâs e as mais concludentes. Os effeitos d'esta secçâo sobre a respiraçào sâo il — 42 — devidamènte avaliados por este physiologista, observando por meio do appa- relho empregado por Bichat, que no tempo que o animal tem de vida depois d'esta secçâo, a hématose he cada vez mais imperfeita; que o sangue que circula nas arterias, he cada vez menos arterial; que emfim esta funcçâo vae em huma decadencia progressiva, estabelccendo-se pouco a pouco a cyanose, especialmcntenas membranas mucosas, até â asphyxia. Concluio que a funcçâo foi profundamente lesada, nos orgâos de sua innervaçâo, pela secçâo dos nervos vago e grande sympathico. Provençal comprova ainda mais a legitimidade d'esta conclusâo, observando que, ao passo que o sangue salie das arterias menos arterial, o ar inspirado perdia menos oxigeno, o ar expirado continha menos acido carbonico, e o animal baixava em temperatura. Todas estas experiencias forào confirmadas por Legalloise Magendie. Ainda huma objecçâo appareceu a esta conclusâo. A secçâo : do nervo vago e grande sympathico devendo paralysar a glote, que tem huma acçâo forçada na respiraçào , e deven- do esta paralysia difficultar a respiraçào até produzir por fim a asphyxia , seguir-se-ia daqui a mais natural explicaçâo do phenomeno, sem recorrer a razôes pouco claras, e talvez illusorias ; mas esta objecçâo desapparece com- pletamente pelo facto de que prescindindo da necessidade do glote, estabelc- cendo sufficiente communicaçâo com o exterior por meio de huma aberlura na trachea, verifica-se exactamente a série inteira de phenomenos descriptos, e o animal, apesar de todo o ar que lhe pôde entrar na sua cavidade pulmonar , morre nâo menos asphyxiado. Podemcs portanto avançar que he évidente e necessaria a innervaçâo tambem n'esta funcçâo. 3.° Sem nos mettermos no exame da theoria d'aquelles physiologistas ( escola halleriana), que pertenderâo explicar os phenomenos d'esta funcçâo pela dependencia unicamente da acçâo propria do coraçâo, pela força da sua irritabilidade muscular, e sem intervençâo da influencia nervosa ; que nem entra isso no nosso piano, nem he hoje duvidoso que tal opiniâo nasceu de falsas apparencias, que induzirâo o illustre chefe d'esta escola a tal opiniâo: nos nos limitaremos pelo contrario a mostrar que a influencia nervosa he ahi necessaria e existente. Com effeito, para que fim teria a natureza feito penetrar no interior d'esté orgâo, o coraçâo, hum tâo consideravel numéro de fasciculos nervosos, provenientes do grande sympathico e do oitavo par encephalico, formando, antes da sua immersào no orgâo, plexos especiaes e proprios para os fins a que sâo destinados ? Nâo sào estes nervos evidentemente da natureza daquelles, que estâo fora do imperio da vontade , e " que sâo constantemente destinados aos orgâos onde este imperio nem poderia ter lugar, nem realmcnte o tem ? Além d'isso, esta provado pelas experiencias feitas sobre muitos ani- maes, especialmenle sobre os reptis, que melhor se prestào a ellas pela sua — 43 - tenacidade de vida , que o galvanismo, os irritantes, applicados as extremidades dos nervos cardiacos, no coraçâo separado do corpo, provocào movimentos, e estes , segundo Muller , rythmicos e continuados por mais tempo depois da acçâo irritativa , do que acontecc nos musculos voluntarios pela applicaçâo dos mesmos estimulos. Este mesmo physiologista estabelece segundo as experiencias de Wilson Philip, que nâo sâo sômente taes e taes partes do cerebro e da medulla spinal, que influem sobre o coraçâo , mas ainda o cerebro em totalidade, e a medulla spinal inteira, ou toda a sua extensâo , podem modificar os movimen- tos do coraçâo. Mais estabelece o mesmo physiologista, que suppondo, como certo, que as ultimas ramificaçôes do nervo sympathico podem ainda reger os movimentos do coraçâo, comtudo, nâo sô o cerebro e a medulla spinal, mas os mesmos ganglios, quando sâo irritados, exercem a mais poderosa influencia sobre o modo d'estes movimentos, em quanto a integridade de relaçôes nâo deixa de existir entre elles. As experiencias de Wilson Philip demonstrâo com effeito, que a lesào de muitas partes nos centros rachio-encephalicos destroe igualmente a faculdade que possue o coraçâo, nào sô de ser sensivel ao seu excilante natural, mas mesmo de mover-se. Sobre tudo, nâo temos nos a mais évidente prova da dependencia em que esta o coraçâo da jnfluencia nervosa, nas commoçôes do espirito, na violencia das paixôes, estado este, que influe lào rapidamente, tâo constantemente, e com tanta energia sobre a vida do coraçâo, activando frequentemente a sua força, perturbando mesmo o seu rythmo quasi sempre, e que levou hum espirito tal como Bichat a collocar a séde das paixôes principalmente n'este orgâo ? Nâo foi no tempo das grandes lempestades polilicas, nos primeiros tempos da revoluçâo franceza, quando as paixôes violentas affectavâo hum tâo extenso numéro de individuos, que o illustre Corvisart observou tâo grande quanlidade de affecçôes organicas d'esta viscera? e nào foi debaixo da impressâo que lhe fez esta observaçâo, que elle escreveu o seu Tralado sobre as molestias d'esté orgâo ? Nâo he portanto mais duvidosa nesta parte a influencia da innervaçâo. * A nossa proposiçâo se acha concludentemente demonstrada em todas as suas partes. ■v. A innervaçâo he tambem condiçâo essencial nas funcçôes de grâo inferior de ani- malisaçâo, onde nâo ha movimentos sensiveis: absorpçôes, secreçôes, caloriGcaçôes , nutricôes. Huma das questôcs cuja soluçâo mais directamente nos poderia levar ao conhecimento e esclarecimento d'esta proposiçâo, séria o exame da opiniâo d'aquelles que querem que o systema nervoso organico, que evidentemente he — au — différente do rachio-encephalico em suas qualidades anatomicas e physiologicas, seja simples e exclusivamente applicado aos actos moleculares, que se passâo no inlimo do organismo, a esse movimento de composiçâo e decomposiçâo, chymica organica de Bordach, chymica viva de Broussais, e a presidir conse- quentemente as funcçôes de nutriçâo, absorpçôes e calorificaçôes. N'este modo de conceber a acçâo do systema nervoso em gérai, vem a acçâo dos nervos rachio-encephalicos, que tâo intimamente se entrelaçâo com o systema orga- nico e como que com elle se confundem, a ser destinada positivamente a reger os phenomenos que ahi se passâo, além da nutriçâo, de contraciibilidade e sensibilidade organicas. Na verdade que este systema ganglionar he anatomi- camente différente, jâ nos o fizemos ver ; sua origem, sua côr, sua molleza, sua muito superior delicadeza de fibras, sua disposiçâo particular nâo deixâo duvida a este respeitô. Sua differença physiologica nos he tambem revelada pela circumstancia d'esta mesma differença, pelos orgâos a que exclusivamente se dirige, que sâo constantemente independentes da vontade; emfim pela sua especial influencia nas funcçôes d'estes orgâos. Ora, nos estabelecemos, na parte em que tratâmos da estructura e disposiçâo dos nervos em gérai, que as fibras nervosas nào se confundem, nâo se anastomosâo, nào se dividem , mas que em seu trajecto, por mais longo que seja, marchào juxta-postas, parai- lelas ao seu destino (Boerhaave, Fontanna, &c). Por oulro lado vimos, que os dous systemas se forneciâo reciprocamente hum grande numéro de fibras em muitas partes das suas ramificaçôes. A' vista d'estas consideracôes, â vista das differenças entre as duas sortes de nervos, da sua reciproca remessa de ramos, da sua marcha, sempre como separados, ficarâ sendo da maior veri- semelhança que aquella opiniâo he fundada, ficando o systema ganglionar servindo para reger os actos profundos moleculares da nutriçâo, secreçôes, calorificaçôes; e o rachio-encephalico para presidir as sensaçôes, onde as ha naturalmente ; e à sensibilidade organica e contraciibilidade quando as impres- sôes que a produzem ou provoeâo nâo vâo ao cerebro, mas ficâo nos centros ganglionares. Na verdade , muitos fasciculos escuros, que nos revelào evidentemente huma origem ganglionar, seriâo destinados a presidir as funcçôes organicas dos orgâos, aonde elles vâo acompanhando os nervos rachio-cerebraes, que com toda a certeza vào encarregados de outra ordem deofficios, (movimento e sentimento). He em consequencia d'esta distribuiçâo de attributos, que elles , os organicos, se lançào em plexos sobre as arterias, e as acompanhào até a profundura do organismo, para influirem sobre seus actos nutritivos : outras vezes se combi- nâo com os encephalicos, para se ramificarem no tecido das visceras, e reali- sarem sua influencia nas partes, onde devem desenvolver-se phenomenos — u5 - desensibiUdade e contractibilidade organica, como no coraçâo, nos apparelhos gastrico e pulmonar, no utero, &c, pois que esta sensibilidade e esta contrac- tibilidade formâo hum phenomeno â parte, e distincto do movimento molecular profundo inscnsivel das nutriçôes e seus actos. A mistura, a fusào em parte, para assim dizer, dos dous systemas, para cooperarem, para produzirem aquella ordem de funcçôes de movimentos organicos, sem a intervençâo, nem da consciencia nem da vontade, o que produziria necessariamente huma pertur- baçâo gérai na sua marcha e natureza, suppoem huma modificaçâo na sua disposiçâo organica; e posto que nos nâo conheçamos perfeitamente em que consiste esta modificaçâo, podemos plausivelmentë attribuil-a â sua mistura e entrelaçamento nos plexos, e por tal modo , que depois d'elle em diante as impressôes ordinarias pârâo nos ganglios, dando origem a esta especie de reacçâo chamada sensibilidade organica, e estes influindo depois sobre as partes, produzindo os movimentos involuntarios. Por este modo de ver, os ganglios interceptâo as relaçôes sensoriaes entre as partes da vida interior e o centro rachio-encephalico ; mas esta intercepçâo, que he compléta no estado de saude, deixa de o ser no estado pathologico, em que o sensorio recebe e percebe as impressôes que lhe sâo transmiltidas d'estes orgâos , e tudo nas admiraveis vistas da natureza. Sem esta circumstancia o individuo séria victima da destrui- çâo de huma viscera importante sem o sentir! Assim tudo séria subordinado a hum systema gérai de unidade , cm que o grande sympathico forneceria os nervos de nutriçâo, a spinal medulla daria os nervos para as partes aonde devem executar-se movimenlos involuntarios; e o cerebro, pelo oitavo par, os nervos por onde , além d'isso, tem de se desenvolvcr sensaçôes, como na respiraçào, na digestâo, &c. D'esta forma o systema da innervaçâo fica formando hum todo, composto de toda a sorte de nervos, ligados para cooperarem em certos casos , separados em outros, mas a final centralisando a vida individual, e tanto mais quanio o animal lie mais superior, e por consequencia o mais possivel no homem. Entretanto por mais atlractivos que tenha esle modo de conceber as funcçôes do systema nervoso em gérai, pelo que diz respeitô a innervaçâo, nos com tudo nâo podemos reputa-lo, se nâo como huma hypothèse, brilhante na verdade, mas carecendo ainda de provas concludentes, e de novas observaçôes anatomicas. Por quanto o systema ganglionar, que realmente envia muitos ramos ao systema cerebro-spinal, e muitos fasciculos proprios d'aquelle sys- tema se tem encontrado, dirigindo-se a par das fibras encephalicas, ainda com tudo se nâo pôde dizer, que isso seja demonstrado por toda a parte , como o exigiria a hypothèse ; porque em toda a parte ha funcçôes organicas a preencher-se: e sobre tudo, parece que estes nervos nào acompanhâo as 12 — 46 — arterias, que se distribuem aos mcmbros, posto que vâo até ao cerebro pela carotida interna, e até â placenta, procedendo do plexo hypogastrico. Apesar disso se nos nâo podemos seguir os systemas dos nervos, que influeui nas operaçôes profundas do organismo, se nos nâo podemos directa e anato- micamenle demonstrar essas connexôes, estamos com tudo Icgitimamenle aulhorisados a suppo-las à posteriori ; estamos na forçosa necessidade de admittir huma relaçâo entre os orgâos e os centros nervosos. Ora se estas relaçôes existem de facto, quem pôde ser o intermédiare, que as estabelece, senâo os filetés nervosos, embora cm muitos pontos a anatomia as nâo mostre aos sentidos do observador? pois que estes, ainda ajudados pelos instrumentos opticos , sô chegâo ao alcance de partes demasiadamente volumosas, deixando huma infinidade de coisas desconhecidas abaixo d'esse ponto! Que esta influencia existe, nâo pôde isso desconhecer-se: quem pôde duvidar do effeito das paixôes sobre a nutriçâo? quem pôde pôr em duvida o seu effeito sobre secreçôes? nâo estamos nés todos os dias vendo, na pratica medica, huma mullidào dos effeitos de causas moraes sobre nutriçâo, perturbando-a, dimi- nuindo-a excessivamente na sua energia, no seu typo normal? Nâo estamos vendo o mesmo effeito sobre secreçôes, jâ augmentando-as, jâ diminuindo-as? nào vemos as emoçôes hum pouco vivas do espirito influirem rapidamente sobre as secreçôes mucosas e dermoides, augmentando ou supprimindo as excressôes alvinas, produzindo grandes modificaçôes sobre o suor? nào he igualmente évidente este effeito sobre a calorificaçâo ? uma nolicia inesperada , alterradora, nào nos deixa frios, e logo depois nào ha huma como rcacçâo , hum augmento de calor? nâo sera huma modificaçâo d'esta innervaçâo, a que produz as alteraçôes thermaes na febre ? Ora se tudo isto he verdade, se tudo isto nào pôde ser produzido no lugar, onde se representâo estes phenomenos, sem que haja hum orgâo productor, que nâo pôde deixar de ser o nervoso, e este ligado physiologicamente coin os centros nervosos, a conclusâo a tirar he clara, estas funcçôes sâo presididas por huma innervaçâo. v. A innervaçâo, quanto â sua dependencia dos centros nervosos, esta na razâo inversa da maior simplicidade organica na escala zoologica. Esta lei, que he como a que se segue, senâo descoberta, dcscnvolvida pelo illustre Adelon, he demonstrada por huma mullidào de factos em physiologia comparada. O systema nervoso, nos animaes superiores, e sobre tudo no homem, offerece a maior desenvoluçào possivel ; suas complicadas disposiçôes, suas extensas funcçôes sâo levadas ao mais alto grâo: mas esta importante — 47 - complicaçào de machinismo vai diminuindo até aos ultimos grâos da escala zoologica, onde ella se acha em hum estado de simplicidade, relativamente as suas funcçôes especialmenle de nervos, que estes orgâos poderiâo merecer apenas o titulo de primeiros traços do systema nervoso. He assim que elle se apresenta nos infusorios, onde Ehrenberg os descubrio! Nos animaes amorphes nâo ha forma constante, necessaria, na sua disposiçâo nervosa : parece que ganglios nervosos, disseminados em sua massa aqui e ali, influem sobre seu organismo, sem dependencia entre si, nem de algum centro commum. He d'aqui que provém a circumstancia de que a sua divisâo em partes dâ origem a outros tantos individuos independenles, e gosando da mesma vida; ainda nos radiares tudo se passa obscuramente, com tudo ahi começa a haver hum centro, e apezar d'esta especie de centralisaçâo, estes animaes ainda offe- recem algumas vezes o mesmo phenomeno de absoluta independencia d'esté centro, pois que, divididos em partes, cada huma constitue ainda hum animal independente. Nos moluscos jâ o organismo começa a complicar-se, pois que hum saco membranoso constitue o seu apparelho gastrico, e sobre este principalmente lie que se ramifica o seu systema de nervos, havendo jâ o annel nervoso ou colar esophagiano ; mas por ora nem a disposiçâo radiar de seus ramos, porque a sua forma o nào exige; nem segmentaçâo propria dos articulados, porque aqui ainda a vida se reduz unicamente a huma nutriçâo estomacal, a hum tacto passivo e a huma lenta locumoçâo. Nos articulados o annel esophagiano se répète, formando ganglios ao longo do interior do animal, e dando origem ao cordào ventral d'estes animaes : mas os ganglios, que formâo este cordào, parece, segundo Ehrenberg e Lamark, ser o systema da vida animal, havendo outro, distincto d'esté, encarregado da repartiçâo organica, tirando igualmente sua origem do cerebro, e lançando-se em forma de ganglios sobre o apparelho gastrico. Por consequencia n'estes animaes, segundo a opiniâo dos zoologistas modernos, ha jâ systemas de nervos diversos, desti- nados a diversos modos de influencia; huns destinados aos senlidos, outros as visceras. D'aqui subindo aos vertebrados, esta divisâo he cada vez mais patente, até ao homem, aonde todo este admiravel apparelho se apresenta aos olhos do physiologista no ponto de vista o mais cîaro possivcl. Além da escala zoologica, se he exacta a opiniâo de Brachet, que quer, que hum systema nervoso ou seu analogo, representado pela parte inedullar végétal , présida as funcçôes organicas, unicas n'esta classe de entes, ainda nos n'este caso vamos mais longe ou mais abaixo, procurar os primeiros traços d'esta condiçâo essencial da vida, verificada até sua mais conhecida simplicidade. Em todo o caso se mostra a verdade da proposiçâo eslabelecida. Os vegetaes, se se quer admittir aquella opiniâo, os animaes amorphe», e mesmo alguns — â8 — dos radiares, parecem indepcndentes, quanto â influencia ncrvosa, dos sens centros, tanto que div'ulidos em parles, cada huma d'essas partes constitue hum novo individuo. Além disso vè-se nos mais simples animaes, mas onde jâ existe hum centro nervoso claro, que a ablaçâo d'esté centro, nào sô nào produz a morte do animal, mas este centro se reproduz: he huma observaçâo trivial no hélix. Jâ subindo aos reptis a coisa muda: estes centros separados, nâo sô se nâo reproduzem, mas causâo a morte; com muito grande differença com tudo dos animaes superiores, porque a sua decapitaçào, posto que produza a morte, nâo he com a rapidez, com que ella se verifica por ex. , nos mainaes ou nas aves, pois que aquelles podem viver ainda muito tempo depois da decapitaçào, como Redi e Fontana verificarào na tartaruga, sobrevivendo estas ainda muitos dias â sua decapitaçào. Os exemples de aves, ainda exe- cutando movimentos voluntarios depois de sua decapitaçào, como se vê nos patos e outros; isso admitte plausivelmente a explicaçâo da influencia ncrvosa, para a produçâo do movimento, irradiada aos muscuios voluntarios no mo- mento anterior ao da decapitaçào, e essa influencia, nâo achando obstaculo, deve produzir o seu effeito, isto he, os movimentos de progressào por exemplo. Os actos semelhantes praticados por individuos da especie humana, depois de sua decapitaçào, ou sâo apochryfos ou sô admittem a mesma explicaçâo. Tal he hum facto, que suscitou tantas qucslôcs a respeilo da inhumanidade da invençâo do supplicio da guilholina em França; pois que alguns, os seus antagonistas, diziâo, que a rapida separaçâo da cabeça do tronco deixava ainda n'aquella toda a extensâo da consciencia do seu moi, o que era clara- mente demonstrado pelos movimentos espasmodicos (grimaces) dos muscuios da face nos momenlos immediatos â decapitaçào, como pintando o furor ou as paixôes, que as produzi/io em tâo terrivel situaçào! Assim foi que o rubor da vergonha cobrio as faces de Charlotte Corday , quando o carrasco pegando na sua cabeça pendurada pelos cabellos em huma mào, c com a outra lhe dando huma bofelada, grilou â multidào espectadora « voilà la tête de l'assassine du grand Marat! » Mas o bom senso da escola physiologica, a que o immorlal Bichat dava entâo o impulso, nâo sô nega estes factos, mas mostra a sua impossibilidade. Nos animaes superiores todas as acçôes sensoriaes, todos os movimentos voluntarios, lodas as funcçôes da vida ficào necessariamente extinctos pelo facto da sua separaçâo dos cenlros nervosos, como nos demonstrâmos evidentemente, quando fallâmos da necessidade da presença do sangue arterial, como condiçâo essencial da vida. As mutilaçôes parciaes do cerebro, nas experiencias ou por causas accidentaes, podem deixar ir tanto mais longe a conservaçâo da vida, quanto os animaes, sobre que tem lugar estas mutilaçôes, sâo de huma ordem _ 49 - mais inferior. As experiencias de Rolando e de outros physiologistas, feitas principalmente no intuito de verificar no cerebro o uso de cada huma de suas partes, evidentemente o provâo: que differença na possibilidade de sup- portar as lesôes cerebraes entre os reptis e os mamaes ! Quem pôde duvidar das consequencias graves, e promptamente mortaes, das perturbaçôes patho- logicas profundas do apparelho cérébral no homem ; e que differença em relaçâo. ûs outras especies! vi. A innervaçâo, quanto â sua dependencia dos centros nervosos, he proporcional à idade do individuo, e no mesmo individuo, à elevacâo da funcçâo, a que préside. A independencia, diz ainda o illustre physiologista, a que acima nos refe- rimos, em que se achào dos centros nervosos todas as partes nervosas inferiores, he tanto maior quanto o animal he mais moço. As provas, que pôem este facto fora de duvida sâo muitas. Cada vez que a sciencia mais se esforça por descubrir a ligaçâo dos phenomenos da vida, mais sâo os pontos de contacto, que se descobrcm n'estes phenomenos, maiores provas e mais claras da admi- ravel simplicidade e uniformidade dos meios empregados pela natureza para a producçào da espantosa infinidade de effeitos no universo : de longos em longos periodos, ideias creadoras, como pontos luminosos, sâo a producçào de hum talento, que lança na sciencia novas luzes, que abre o caminho a novas verdades. Tal he o pensamento de Serres. Este physiologista na sua anatomia comparada do cerebro (*), nas quatro classes de animaes verte- brados, apresenta ao mundo sabio huma ideia brilhante, inleiramente nova„ ao menos no modo de a conceber. Este physiologista considéra como partes permanentes, e que, em a série dos animaes vertebrados , formâo o todo cérébral, as quatro : hemispherios cerebraes, lobos opticos ou tuberculos qua- drigemeos, lobulos olfativos, e cerebello. Estas quatro partes, pelas suas proporçôes respectivas, sâo o fundamento das differenças d'estes animaes em auas vidas de relaçâo e organicas; de maneira que tal combinaçâo, n'estas partes cerebraes e nas suas proporçôes, darà o peixe, outra o replil ou a (*) « Démocrite, Anaxagoras disséquaient le cerveau il j a trois mille ans: Haller, Vicq- « d'Azyr et vingt autres anatomistes l'ont disséqué de nos jours; et, chose admirableI il n'en • «st aHcuu qui n'ait encore laissé des découvertes à faire. • ( Cuvub. ) 13 — 50 — are. Eis aqui como este philosopho dâ a disposiçâo d'estas proporçôes na série d'estes animaes, começando do mais simples, o peixe, até ao homem. 1.* N'a- quelle; os lobos opticos sâo o elemento dominante, os hemispherios cere- braes estâo atrophiados : os lobulos olfativos sâo muito consideraveis ; o cerebcllo medianamente desenvolvido. 2.° Nos reptis : os lobos opticos pcrdem a sua influencia; o cerebello lie quasi nullo; os hemispherios cerebraes se dcsen- volvem consideravelmente ; o lobulo olfativo esta atrophiado. 3." Nas aves: o cerebello torna-se a parte dominante; os lobos opticos dimi.iuem; os lobulos olfalivos quasi desapparecem; os hemispherios cerebraes augraentarào. â.° Nos mamiferos: sâo os hemispherios cerebraes, que tomâo o lugar dominador; o cerebello continua sua desenvoluçào transversal; os tuberculos quadrigemeos se reduzem ao minimo de sua existencia ; os lobulos olfativos soffrem grandes variaçôes, muito desenvolvidos quando os hemispherios o sâo menos; elles diminuem e desapparecem, quasi completamente, â medida que o observador se éleva dos ruminantes aoscarnivoros, d'estes ao ourang-outang, e finalmente ao homem. Nào fica ainda aqui o trabalho d'esté philosopho, na demonstraçâo da analogia radical e da differença permanente do encephalo n'estas quatro classes de animaes. Elle vai adiante. Depois de percorrer lodas as transformaçoes do orgâo encephalico na escala zoologica, elle examina sua desenvoluçào, no mesmo individuo, em todas as épochas da sua existencia, e tira em resultado de seus trabalhos a inducçào gerat, que o mamifero, nas diversas épochas de sua vida uterina, tem o seu cerebro primeiramente como o de hum peixe, depois como de hum reptil, e depois como o das aves, até fixar-se em sua forma permanente. Isto nâo he huma identidade philosophica, he huma seme- lhança inteira, absoluta. Duas vesiculas, isoladas huma da outra, sâo o primeiro estado dos hemispherios cerebraes; e lie o que se observa ou no primeiro estado de desenvoluçào cérébral no feto, ou na vida adulta das ultimas ordens da série animal dos peixes. Se nos desenvolvessemos pelo pensamento o cerebro das classes inferiores, nos teriamos de hum peixe hum reptil, d'esté huma ave, d'esta hum mamifero, e emfim descnvolvendo ainda este o mais possivel, teriamos o homem: ora, tendo por demonstrada a lei das dcsenvoluçôes, que acabamos de tocar, segue-se, que fica jà sendo huma consequencia sua o ennunciado da nossa proposiçâo. Além disso muitos factos positivos o comprovâo plenamente. Piollando e Fleurons, nas suas vivisecçôes sobre cerebro, notarâo constanlemente huma capacidade para ellas muito maior nos animae» de pouca idade, que muito melhor supportavâo as lesôes cerebraes, sem •uccumbirem. Quanto â reproducçâo de que fizemos mençâo acima, tem-se igualmente notado, que ella tem lugar tanto mais facilmente , quanto o animal — 51 — he mais moço; assim como que os animaes decapitados, como as viboras, as tartarugas e outros, segundoRedi, sobrcvivem tanto mais tempo aesta decapitaçào quanlo tem menos idade. As monstruosidades concorrem a confirmar, na especie humana, a nossa asserçâo. Na acephalia a vida do feto começa, con- tinua, e chcga ao termo. Na enancephalia incompleta o phenomeno he ainda muito mais concludenle; porque nâo sô o feto continuou a viver, até chegar a termo, mas elle nasce vivo, vive algum tempo, e nào morre senâo quando mais avançado navida, este estado lhe era incompalivel. Legallois, qucrendo demonstrar que a innervaçâo sobre o coraçâo nâo hc dependente do cerebro, mas da spinal medulla, e para isso decapitando animaes, e Hic entretendo a vida por huma respiraçào artificial, nolou sempre, que para taes experiencias, sô convinhào os animaes de pouca idade, porque erào os que as podiao,supporlar. A segunda parte da nossa proposiçâo nào lie menos exacta nem menos fun- dada em factos os mais concludentes. Quando huma causa qualquer produz a morte do individuo, quai he a ordem successiva que se observa na extineçào dos phénomènes da vida? Em primeiro lugar sâo as funcçôes superiores, a sua psychologia, as sensaçôes, os movimentos voluntarios, que cessào de existir. Pela profunda lesâo dos centros nervosos , no caso, por exemplo, de huma apoplexia, o individuo começa por perder toclas as suas relaçôes com o universo exterior, embora os agentes naturaes estejào em contacto com os orgâos dos seus senti- dos , embora os mais activés estimulantes se appliquent as partes sensitivas , as sensaçôes nâo existem, a conscicncia deixou de fazer a sua importantissima parte n'aquella existencia. Se nos cortamos ou ligamos os nervos cnceplialicos , se emfim nos interrompemos as communicaçôes, por qualquer modo, entre a parte onde estes nervos se distribuent, immediatamente cessurâô todos os phe- nomenos de sentimento e movimento voluntario n'estas partes, assim seques- tradas â influencia cérébral ; a vontade deixou de ser o excitante da contracçào d'aquelles muscuios, e os estimulos debalde se applicâo para desafiar a sua sensibilidade : quando esta interrupçào he sobre hum orgâo dos sentidos externos, este deixa igualmente de communicar ao sensorio a modificaçâo que lhe produziria o seu excitante no caso de integridade. Entretanto , seja na perturbaçâo gérai, seja na parcial, nos vernos constantemente que, perdidas jâ as funcçôes de relaçâo, como na apoplexia, as funcçôes organicas continuâo ainda: a respiraçào, a circulaçâo enlretem pela sua acçâo aquella meia vida , e isto por hum tempo relalivo â gravidade da lesâo cérébral, e a outras cir- eumstancias. No hvdrocephalo das crianças se observa bem claramente este faclo, quando as funcçôes sensoriaes tem terminado complelamente de mani- festar a sua existencia, ainda por alguns dias muitas vezes continuâo a entreter aquella vida, as funcçôes organicas da respiraçào e da circulaçâo; e n'estes — 52 — ultimos dias nada ha de intellccçâo nem de sensaçôes, e finalmentc aquellas mesmas funcçôes se apagâo por falta de innervaçâo. Na secçâo dos nervos vagos e sympathicos, nos observamos que , posto venhâo a cessar as funcçôes organicas pela destruiçào ou separaçâo dos centros nervo- sos , nào he com a rapidez com que cessâo as animaes. Na decapitaçào , tendo-sc ligado antes os vasos para evitar a hemorrhagia, e supprindo-se a respiraçào por huma insuflaçâo artificial, ainda por algum tempo se entrelem a circu- laçâo; o coraçâo nâo sente tâo rapidamente a falta do centro cérébral. Se nos dirigimos nossa attcnçào para outra ordem de funcçôes , como nulriçào , secre- çôes , nés vemos que estas ainda sobrevivem â destruiçào gérai ; as absorpçôcs ainda algumas vezes tem lugar depois da morte , como nota Bichat, os cabcllos ainda crescem, a irritabilidade nos muscuios e nos nervos ainda se manifesta,. a circulaçâo capillar he évidente, o organismo inteiro ainda résiste por hum tempo.à acçâo das leis geraes, e estes phenomenos sâo tanto mais pronunciados... quanto a causa que produzio a morte nâo deu muito lugar a huma lula final prolongada, â consumpçâo das ultimas forças do organismo. De todas estas brève* reflcxôes se segue a verdade da nossa proposiçâo em toda a sua clareza. vu. Rfâo sabemos, no estado actual da sciencia, nem o modo da innervaçâo, nem «m que ella consiste. Huma das questôes que mais lem occupa do os physiologistas em todos os tempos, lie o conhecimento da essencia da acçâo dos nervos , isto he quai seja o agenle d'esta acçâo, o agente principal, elementar, e como se comporta este agente para a producçào dos tào variados phenomenos da vida. He a tendencia do espirito humano, aqui como em todos os outros ramos das sciencias natu- r,aes, sempre em acçào para obter a razâo primeira das causas, para tudo explicar ; e ordinariamente huma explicaçâo mesmo insuflficiente, e que real- înente deixa o objecto envolvido na sua anterior obscuridade, se julga preferivel a hum modesto, mas exacto, « nâo sei. » Comtudo, se este modo de procéder lem muilas vezes o inconveniente das illusôes, dos erros consecutivos, das falsas illaçôes, tem tambem a van tige m de servir ao descobrimenlo de muitas verdades, urovocando as discussôes scientificas, e obrigando os espiritos a novos esforços, « tobretudo a apoiar os seus raciocinios cm novos factos, ou em factos mais b«m — 53 — observados. N'esle caso esta a questâo que nos occupa. Desde os primeiros tempos da sciencia, desde os primeiros philosophos da antiguidade até nossos dias, se tem sempre agilado esta questâo, e o resultado de taes discussôcs tem sido hum grande numéro de hypothèses, nas quaes seus différentes autores atlribuirâo a acçâo dos nervos ou os phenomenos da vida a hum principio motor principal, causa primeira : e como isto foi sempre huma creaçâo sua, tambem a sua denominaçâo lhe pertencia de direito. D'aqui vem o principio motor e gerador de Aristoleles, o enormon de Hyppocrates , o archeo de Van Helmont, a aima de Stahl, o principio vital de Barthez, a irritabilidade de Haller , a excitabilidade de Brown, e ouïras entidades, que alternativamente lem servido de pharol na sciencia, de base fundamental para todas as explicaçôes physio- logicas c palhologicas, prisma pelo quai se observavào todos os factos; cada huma d'estas hypothèses teve seu brilho, seu dominio ; por fim expirou para dar o lugar a outra, que vae soffrer a mesma sorte; e eis aqui o ponto em que nos estamos tambem com o nosso fluido nervoso. Ha, com effeito, hum fluido especial nervoso, a cuja acçâo sejào devidos os phenomenos da vida, e por cuja acçâo se possâo elles explicar? O facto exube- rantemente demonstrado, de que huma impressâo qualquer sobre hum orgâo sensitivo, no caso de integridade entre este orgâo e o cerebro, provoca huma reacçâo , huma sensaçâo, e dâ origem a outra ordem de acçôes, os movimentos voluntarios; o facto igualmente incontestavel, que sâo os nervos intermediarios os encarregados da communicaçâo d'estas acçôes centripetas e centrifugas; estes factos, digo, suppoem huma de duas manciras para se realisarem; huma das causas deve aconlccer : ou hum fluido se move no interior dos nervos, occu- pando os seus tenuissimos canaes, e por seus movimentos rapidos , como os da luz, da electricidade, servira para a producçào dos phenomenos nervosos, ou, nâo havendo tal fluido, a disposiçâo dos nervos, representando cordas lensas enlre os centros e as extremidades, explicarâ a mechanica d'esta ordem de funcçôes, pelas vibraçôes produzidas em suas extremidades, e propagadas por eslas cordas nervosas até aos centros, o que daria lugar a toda a série de sensaçôes exteriores; ou, produzidas mesmo nos cenlros eslas vibraçôes, e propagadas até a peripheria, dando lugar a outra série de funcçôes, a dos movi- mentos voluntarios, involuntarios, e innervaçâo; e assim se explicariào mechani- camente as funcçôes nervosas, tanto na sua direcçâo centripeta como centrifuga. Quanto a esta segunda hypothèse, nada diremos; ella acha-se abandonada; e, na verdade, muitas objecçôes e diffieuldades tinha ella com que lutar. Quanto â primeira , ella he hoje a mais seguida, c sobre ella nos faremos brèves reflexôes, afim de moslrarmos a exaclidào da nossa proposiçâo , admit- lindo mesmo a existencia d'eslc fluido, de que algumas razôes apoiâo a exis- 14 — 54 — tencia; e nos nào vemos motivo para que a natureza nâo possa servir-se de tal meio para seus fins. Nos dizemos que algumas razôes, deduzidas principalmente da analogia, em falta das positivas, sâo hum argumento sufticiente para deixar suppôr a exis- tencia d'esté fluido. A forma tubular das fibras nervosas, que he manifesta especialmenle nos fasciculos brancos , e que parece indicar , por analogia , a existencia de hum contheudo ahi circulante, ou na possibilidade de ahi ter hum qualquer modo de movimento. A apparencia bulbosanas origens nervosas, principalmente dos fasciculos cinzentos, como nos ganglios e substancia cinzenta do cerebro, offerece huma analogia notavel com os orgâos secretores, e como taes tem sido reputados, estes corpusculos , que parecem dar origem as fibras nervosas, por muitos physiologistas. A grande quanlidade de sangue, que se dirige para a cabeça, muito superior, a que comparativamente aos outros orgâos séria necessaria para a sua nutriçâo, parece mostrar que ahi tem a fazer-se huma grande despeza d'esté elemento, além da nutriçâo, e que esta provavelmente he a da secreçào d'esse fluido, que todas as razôes induzem a accreditar pela sua continua consumpçâo , e pela necessidade da sua proporcionada producçào. A disposiçâo parallela das fibras nervosas, que marchâo independentes , sepa- radas, ao lado huma das outras, sem se confundirem , desde suas extremidades até aos centros, disposiçâo , que nâo peraiitte conceberem-se, cm qualquer nervo mixto , as suas acçôes em separado, ora sensitivas, oramotoras, ora organicas, senâo por meio de hum agente tambem separado econtido n'estes canaes. O facto de se poderem interceptar as rclaçôes entre os centros e face peripherica d'esté systema , por meio de huma compressào ou ligadura , parece nào deixar duvida sobre a existencia d'esté fluido, que por este facto, nâo podendo mais circulai- atravez de tal embaraço, deixa absolutamente de manifestar as suas funcçôes. Todas estas consideracôes sâo arguinentos de analogia, que, se nào provâo evidentemente, favorecem muito esta hypothèse, e contra a quai nâo vemos motivo sufïiciente para excluireste fluido do quadro dos elementos materiaes do organismo. Mas sabemos nos como se comporta este concedido fluido, para a manifestaçào dos phenomenos da vida ? Que modificaçôes soffre este productor, para dar taes resultados ? Ha aqui huma emanaçào , huma irradiaçào , huma corrente dos centros para a peripheria, e vice versa, segundo as necessidades ? ou sômente huma vibraçâo, ondulaçâo , em hum dos dous sentidos, ou centri- peto, ou centrifugo. A analogia com as leis da electricidade nâo nos esclarcceni satisfactoriamente ; os conductores do agente nervoso se comportâo differente- mente. As leis da mechanica da luz nos deixâo no mesmo eslado (*) : hoje se (') « Cependant, malgré tous ces fait?, il est vraisemblable que l'agfnt impondérable qui _ 55 — poem em duvida o systema das emanaçôes , e se inclina ao systema das ondu- laçôes, como na propagaçào dos sons, assim pensâo physicos da primeira ordem. Emfim, como podemos comparar esta acçào do agente nervoso aos phenomenos dos sons, daluz, da electricidade, do calorico, se nos nào cowhe- cemos nem a natureza d'estes agentes, nem vemos no universo exterior hum analogo, e muito menos hum identico, d'esté admittido fluido nervoso ? Os progressos da physica nos deixào racionavelmente esperar que as quatro forças que regem principalmente os phenomenos do universo, luz, calorico, electricidade, magnetismo, nâo sâo na realidade senâo huma ; e que esta sera pelas suas modificaçôes o agente universal dos grandes phenomenos na natureza physica, e que modificado ainda o sera na natureza organica, como quer Lamarck. Estas enlidades mostrâo cada dia mais pontos de contaeto, e jâ hoje os physicos reconhecem entre a luz e o calorico taes analogias, que se pôde prever, nào longe, a confirmaçâo da sua identidade. O magnelismo e a electricidade, como que se achâo confundidos, O calotf forma a luz e a electricidade, e esla desenvolve os très outros iraponderaveis, produzindo phenomenos magneticos, luminosos, e calorificos. Ora, â vista d'estas consideracôes, nâo se vê que a sciencia marcha para o ponto culmi- prend naissance dans le système nerveux doué de la vie se rapproche davantage de la lumière que de lélectricité. Ce qui semble justifier cette conjecture , c'est que tous les phénomènes qui ont lieu, dans les plantes, sous 1 influence de la lumière, en particulier, le mouvement des fluides, la respiration, l'assimilation, la nutrition, les mouvemens automatiques et la génération, sont produits, dans le règne animal, par celle du système nerveux. D'ailleurs on observe un développement de lumière dans les nerfs \ivans mis à découvert. Tandis que cet agent, qui entretient la vie émane du soleil, e arrive ainsi du dehors, il parait s'engendrer au dedans même des animaux, dans leur système nerveux. Mais quoiqu'il paraisse se produire dans le système nerveux une matière subtile , qui ressemble au fluide électrique et à la lumière sous certains rapports, nous ne pouvons cependant point admettre qu'elle soit parfaitement identique avec ces deux fluides , parce que l identité n est point encore démontrée. Nous devons, au contraire, la considérer comme un principe à part, auquel nous donnerons le nom de principe nerveux. L'opinion que l'acte de -l'intelligence humaine qui a lieu quand on conçoit la pensée de Dieu, de l'immortalité et de la vérité, ne consiste que dans les occillations des fibres médullaires, dans une décharge électrique de la substance cérébrale vivante, ou seulement dans un développement de lumière, produit par cette substance, implique contra- diction avec l'idée de l'âme humaine agissant avec conscience et liberté, et susceptible de se perfectionner par l'éducation, car nulle force purement physique ne nous présente rien de semblable. » (Tiedema™.) « Sans la lumière la nature était sans vie ; elle était morte, inanimée. Un Dieu bienfaisant, en apportant la lumière, a répandu sur la swrface de ia terre l'organisation, le sentiment et la pensée ! • (L&tqisieb.) — 56 — nante d'onde poderà certificar-se que esta profusâo de meios que a natureza emprega para a execuçâo de tantos resultados, nâo lie senâo apparente, e-que pelo contrario, nào he a simplicidade dos meios e a immensa multiplicicade de effeitos quem nos mostra mais authenticamcnte a sua grandeza e o immenso, încomprehensivel poder do Creador ? ! Huma sô causa basta para precipilar o atomo, para elevar massas de nuvens as alturas atmosphericas, para reter os planetas nas suas orbites, para lançar no espaço esses astros de tào pasmoso curso , huma sô causa, o peso. Ora, se estas consideracôes se acharem apoiadas por fortes traços de analogia, que passe para a sciencia ! He justamente o que acontece a respeitô da electricidade; pois que hum grande numéro de factos parece eslabelecer a mais perfeita analogia entre o fluido nervoso e o electrico; parece mesmo fazer d'esté ultimo hum succédané© do primeiro. O fluido galvanico, applicado depois da morte aos nervos, détermina nos muscuios em que estes nervos se dislribuem, conlracçôes analogas as que ahi determinavào a vontade. O Dr. Ure eommunicou â Sociedade litleraria de Glas-" cow o resultado de suas experiencias sobre o cadaver de hum suppliciado , em que este medico operando sobre o nervo phrenico produzio huma verdadeira respiraçào, e sobre o suborbitario diversas e fortes expressôes nos muscuios da face. Substituindo, na secçâo de hum nervo, o influxo nervoso por huma corrente galvanica, se nota que a paralysia nâo sô nâo tem lugar, mas que as funcçôes continuâo no orgâo onde se ramifica este nervo, como experimentou Wilson Philip, fazendo passar, na secçâo dos nervos vagos, huma corrente galvanica por esles nervos; e vio continuar-se a chymificaçâo, assim como a respiraçào sem o incommodo ordinario, que a costuma acompanhar por occa- siâo d'esta secçâo. A mesma acçào do galvanismo foi demonstrada em outra» funcçôes, como secreçôes e calorificaçào pelo mesmo experimentador e outros. Da mesma forma que o fluido galvanico produz durante a vida e depois da morte a mesma influencia que o influxo nervoso ; da mesma forma elle parece podersupprireste mesmo influxo em ouïras funcçôes, como na chymificaçâo, hématose, secreçôes, calorificaçôes, applicado aos nervos dos senlidos, elle faz nascer as sensaçôes proprias daquelle sentido: duas peças de métal différentes, huma em baixo e outra emeima da lingua, e fazendo-as communicar por hum fio metallico, o individuo tem immediatamente huma sensaçâo bem clara de sabor, que até se pôde fazer variar de acido para alcalino,e vice versa, trocando as peças metallicasem sua posiçâo. Quando as correntes atravessâo os orgâos da vista, mesmo na escuridade, o individuo tem a sensaçâo da luz, vê relam- pagos, e sente sons quando isto tem lugar sobre os ouvidos. Certos peixes, eomo o gymnotus electrico , desenvolvem â vontade verdadeiros phenomenos eleclricos. Ora, o orgâo que n'elles he o instrumente de sua acçào electrica , — 57 — nào sô tem huma estructura semelhante a huma pilha voltaica, sendo formada de duas ordens de tubos apenevroticos, cheios de hum humor albuminoso e gelatinoso, e contiguos superior e inferiormente â pelle de huma e outra super- ficie do peixe; mas, além d'isso, huma grande quantidade de nervos se dis- tribuem a esses tubos , e a sua secçâo paralysa este apparelho , como se fossem estes nervos os productores do fluido. Dumas e Prévost querem que a contrac- tibilidade muscular nâo seja senâo a expressâo de hum phenomeno electrico, estabelecendo que a fibra muscular, no momento da sua conlracçâo, se dobra em zig-zag; e que os angulos de flexâo sâo sempre correspondentes aos mes- mos pontos, em que os filetés nervosos cahem sobre a fibra muscular em angulo recto. Estes physiologistas fazem depender esta contracçào da lei electro-dyna- mica, que consiste na attracçâo das correntes do mesmo nome , que se passâo nos nervos pcrpendiculares â mesma fibra muscular. Além d'isso ha entre o fluido electrico e nervoso mais analogias. Vê-se que o fluido electrico passa aos seus conductores, sem que seja necessario hum verdadeiro contacto; ora, he assim que tambem se comporta o fluido nervoso, quando as duas pontas dos nervos, cortados nas experiencias, ou ficâo em contacto , ou ficâo perlo ; vê-se que o influxo nervoso continua, como saltando o fluido do corpo electrisado ao seu conductor: o que, depois de conhecida esta circunstancia , obrigou os physiologistas, nas suas experiencias, a dobrar estas pontas ; e foi esta circums- tancia que fez dizer a Humboldt eReil, que huma atmosphera nervosa cercava os nervos, como a elerlricidade cerca os seus conductores. Finalmentc sabe-se que a intensidade dos phenomenos electricos esta na razào da superficie onde ella se dcsenvolve , e que a natureza, querendo dar maior intensidade nervosa a hum orgâo, procéda n'esta conformidade , como na retina de certos animaes. Estas analogias entre o fluido nervoso e fluido electrico jusfificâo até hum certo ponto a opiniâo dos physiologistas, que crêem naidentidade d'estes dous fluidos. Mas outros poem em muita duvida todos os argumentes em que se funda principalmente esta opiniâo. Quanto as experiencias do Dr. Ire, diz • Muller, nâo tem nada que as distinga das mais ordinarias, senâo o serem feitas sobre hum corpo humano. A causa da agitaçào dos muscuios da face, n'esta experiencia , consiste na irritaçào de seus nervos; irritaçâo que deve produzir movimentos, como os da expressâo, e que pôde serfeita, tanto por meios electricos, como por meios mechanicos. A apparencia de huma respiraçào, quando se fechaperiodicamente a cadeia comprehendendo o diaphragma, nâo tem nada de mais exlraordinario. Quanto as experiencias de YYilson Philip «obre a digestâo e respiraçào, suppondo que o facto fosse verdadeiro , elle nâo provaria a analogia do principio nervoso e da electricidade. Porque, depois da secçâo de hum nervo, a parte correspondente ao orgâo conserva ainda, 15 — 58 — durante algum tempo, a faculdade de executar suas funcçôes ordinarias quando se irrilào. Mas muitos que lem repctido estas experiencias nâo lem podido obter os mesmos resultados; e, se ( segundo Brachet e M. Edwards ) depois da seccçào do par vago, a digestâo se acha hum pouco favorecida por huma cor- rente galvanica dirigida alravcz da parle nervosa do orgâo, lie unicamente porque o movimento do estomago he provocado pelo estimulo, c elles reconhe- ccrâo, além d'isso, que huma irritaçâo mechanica produzia exactamente o mesmo effeilo. Entretanto tudo isto parece erroneo ao mesmo autor ; porque, nem irritando mechanicamenle o par vago, nem galvanicamcnte nâo fazendo entrar o estomago na cadeia, se nào chega nunca a determinar o movimento d'esté: sem a consideraçào, além d'isso, que esle movimento nào poderia cumprir a digestâo por si sô. O mesmo author com Dieckhoff nega a sua exac lidào , porque elles as repetirâo escrupulosamente cm huma série de animaes sem notar a mais pequena differença em os phenomenos conseculivos depois da secçâo do par vago, quer se empregasse ou nâo a electricidade. Além d'isso se fosse a electricidade que obrassc nos nervos, como seus conductores, ella nào poderia ficar limitada a estas, pois o nevrilema lie humido e muito bom conductor de electricidade, e as partes que o cercào o sâo igualmente. Alguns partidistas d'esta hypothèse tem como argumento em seu favor os peixes electricos; mas a existencia d'estes orgâos, formados com huma pilha galvanica, nào he favoravel â sua hypothèse ; porque nào se observâo phenomenos elec- tricos nos animaes , senào positivamente n'aquelles que sâo dotados de orgâos para os produzir ? Ora, se a electricidade fosse o agente nervoso, os peixes nâo teriào necessidade de apparelhos particulares, sô lhes seriào precisos sim- ples conductores. Quanto â explicaçâo de Dumas c Prévost sobre a contracçào muscular pela electricidade, o mesmo author faz as seguintcs consideracôes : As explicaçôes dadas por estes physiologistas se fundâo sobre a supposiçào, que as fibras nervosas, que se dirigem transversalmente sobre as fibrasmusculares, se attrahem e que, por este facto, contrahem estas fibras: hypothèse muito pouco verosime- lhante; poisqueobrigaria aconsidcrarasinnumeraveis fibras muscularesredusidas a hum papel puramente passivo. Que a electricidade seja a causa da attracçâo mutua dos nervos nos muscuios, lie ainda huma hypothèse. Para mostrar as eorrentes eleclricas nos nervos a favor do galvanomctro, nào convém applicar os fios d'esté instrumente ao nervo e ao musculo ao mesmo tempo, porque huma cadeia de substancias animaes heterogeneas, laes como nervo musculo e métal, séria sufficiente para excilar a eleclricidade ; o galvanometro, na experiencia de que se trata, descobriria nâo a electricidade, que obra nos nervos, mas a produzida pela cadeia. Em consequencia, para que nào se produza a ele- — 59 — ctricidade pela uniâo do galvanomelro com o nervo e o musculo, he preciso applicar os fios conductores a hum nervo sô, e ver se este nervo détermina oscillaçôes na agulha, durante os movimentos voluntarios. Se assim acontecer, se poderà acreditar, que a innervaçâo, partindo do cerebro, he huma corrente electrica: mas Prévost e Dumas confessâo que, quando assim se opéra, se nào observa nunca a menor oscillaçâo da agulha. Para provar em fim o nào fundamento da hypothèse de que se trata, o mesmo author estabelece as seguintes proposiçôes, que nâo sâo nem mais nem menos, que a expressâo de factos bem observados e confirmados por innumeraveis experiencias, e d'onde se conclue huma differença tal entre os dois principios, que a hypothèse he insustentavel. 1.° Quando se arma hum nervo com os dois polos, ou que se faz passar huma correnle galvanica atravez de sua espessura, o musculo, onde elle se ramifica, entra em convulsôes : nào porque o galvanismo obre até sobre elle, mas porque a corrente transversal d'esté fluido excita o poder motor do nervo, que nâo obra senâo segundo a direcçâo de seus ramos , absolutamente do mesmo modo que se determinâo convulsôes em cauterisando ou irritando o nervo chimica ou mechanicamente. 2.° Se nào he o nervo, que faz a communicaçâo com os dois polos, mas que hum d'estes sômente seia posto em relaçâo com elle, e outro com o musculo, n'este caso se estabelece huma corrente galvanica, nâo sô atravez da espessura do nervo, mas ainda do nervo ao musculo entre os dois polos : e o effeito lie entâo semelhante ao que se produz, quando se galvanisa o proprio musculo. 3.° D'aqui vem, que nâo se estabelecem convulsôes quando, depois de ter feito huma contusâo ou huma ligadura sobre o nervo, se o pôem em relaçâo com os dois polos acima da contusâo ou ligadura. Aqui o galvanismo passa bem atravez da espessura do nervo, como no primeiro caso, mas a força nervosa nâo obra mais atravez do ponto contuso ou ligado. U.9 Entreîanto o nervo contuso ou ligado he perfeitamente apto a condusir o galvanismo : com tanto sômente que os polos sejào applicados acima e abaixo do ponlo lesado : a corrente galvanica atravessa este ponto e provoca con- vulsôes, porisso que a porçâo ainda sâa do nervo, comprehendida entre a lesâo c o musculo, se acha eslimulada. — 60 — 5.* Os nervos, mesmo quando estâo cm estado absolutamente de morte, ficâo ainda conductores do galvanismo, â semelhança de todas as partes animaes humidas ; entretanto que elles perderào jâ a aptidâo a provocar con- lracçôes nos muscuios por suas irritaçôes. 6.° Emfim as experiencias d'esté author e de Stickher demonstrào, que quando a influencia dos nervos sobre os muscuios he abolida desde muito tempo, a irritaçâo galvanica nâo obra mais sobre os muscuios, nem produz mais as suas convulsôes. He o que elles observarâo sobre mamiferos, cujos nervos tinhâo muitos mezes antes sido cortados de tal maneira, que suas pontas nâo podessem reunir-sc completamente. A vista de taes provas jâ se vê que a theoria de Dumas e Prévost nào pôde ser considerada senâo como huma hypothèse, nascida do esforço do espirito para a explicaçâo dos phenomenos da innervaçâo por meios conhecidos, hypo- thèse na verdade brilhante, mas que depois de severo exame se acha inadmissivel, como em opposiçào com os factos. Além do que fica dito, que suppômos sufïiciente, outras rasôes, que julgamos, nâo ser necessario produsir, mostrào manifestamente esta opposiçào. Taes suppômos igualmente quaesquer hypo- thèses fundadas nos mesmos principios e sujeitas por consequencia as mesmas difficuldades e objecçôes, inclusive a de Dutrochet com sua endosmose e exosmose, que nos parece ainda menos em estado de sustentar hum exame serio. Se a respeitô dos phenomenos do movimento fica manifesta a differença entre o principio nervoso e o fluido electrico, tal quai nos o conhecemos, nào menos valiosas sâo as rasôes para estabelecer esta differença, quando se passa para a sua comparaçào a respeitô dos phenomenos da sensibilidade. Por quanto se he a electricidade, que serve de agente nos phenomenos centrifugos do systema nervoso, esta claro que deve ser igualmente a electri- cidade o agente d'estes phenomenos, quando centripetos e centraes na repartiçâo da sensibilidade. Ora, como podemos nos combinar a instantaneidade do movimento d'esté fluido nos seus conductores com a demora mensuravet ( * ) entre a impressâo do excitante e seu effeito no sensorio em alguns casos de (*) Huma pessoa respeitavel d'esta capital offerece este phenomeno, que parece ser devido a hum estado morbido da spinal medulla. Além disso poderia citar algumas notas commn- nicadas por Treviranus â assembléa gérai dos Naturalistas em Heidelberg, cm que mesmo no estado physiologico ha differenças na velocidade do principio nervoso em certos individuos comparados n'este ponto de xisla com outros. Mas isso séria mais extenso do que convém. — 61 — modificaçôes pathologicas dos centros nervosos ? Diriamos que o fluido electrico encontrou no caminho hum embaraço, e que Irabalhando a vencer esse em- baraço, a final conscguio vence-lo e a continuar seu caminho ; e foi essa a causa da demora? Nâo séria isso andar de hypothèse em hypothèse, criando humas â proporçâo que sâo necessarias para explicar as outras, e a final deixar as coisas no mesmo estado ? Como £e pôde explicar o facto das sensaçôes como perccbidas em membros , que desde muito forâo amputados, e que apesar disso o sensorio as julgaria realmente em seu lugar, pela sensaçâo que ellas parecem produzir (*), a nâo ser a infeliz certeza , que he isso huma illusào? Quem envia a corrente electrica centripeta n'este caso? sera o membre», que nem se quer existe? Se nos passamos além: se das sensaçôes vamos ao sentimento, ao moral, ao intellectual, oh que abismo insondavel! que labyrintho infindo ! Quem nos daria o fio para d'elle sahir? séria a nossa pobre intelligcncia, cujos limites approuve ao Creador deixar tanto abaixo d'essas alluras? A experiencia tem provado que, quando se tenta passar esses limites em materias tâo transcen- dentes, o erro apparece frequentemente com seu funesto cortejo.... He nossa convieçâo que he muito mais philosophico pararmos onde se limitâo nossas forças depois de termos chegado até onde ellas possâo alcançar; e sobre tudo reconhecer a grandeza incomprehensivel das obras do Creador, confessando a nossa ignorancia a respeitô dos seus meios e dos seus como; confissâo , que nos honra tanto mais, quanto he ella mais sinceramente proclamada por aquelles genios superiores, com que a natureza tem raras vezes adornado a especie humana. Mas sera sô dado a esses espiritos superiores, aos Newton, aos Kepler, o elevarem-sc aie ao Creador na extase de suas contemplaçôes à vista do sublime da Creaçâo ? ! Confessarem a insignificancia dos seus conhecimentos em comparaçâo do que ignorâo!? Nào: sem pertendermos comparar-nos a esses gigantes de philosophia; sem a insensala vaidade (*) Sâo tantos os factos, que confirmâo este phenomeno, de se sentirem dores em partes que jâ nâo existera, citados pelos authores, que nos julgamos dispensados de produzir exemplos, apenas citaremos dois (hum de J. Muller): « Une femme, atteinte d'une paralysie du sentiment « au bras gauche, éprouva une fracture de ce membre, qui tomba en gangrène, et dont il « fallut pratiquer l'amputation. Celle-ci ne fut nullement sentie. Mais il parait que la section « du nerf ranima le sentiment dans son tronc , car , dès la première nuit la malade se plai- « gnit d'éprouver des douleurs dans les doigts. » Onlro cilado pëlo mesmo author de huma dissertaçâo, em que se pertendia explicar este phenomeno.- Diunc temporis, etiam ibi versâtur juvenis , cui ante novem menses brachium sinistrum demtum est. In hoc eadem sensalio sub quinto et sexto mense post opérâtionem decessit, sed mensc octavo aliquot dies, ubi tellementior esse cœpit,habuit, ut interdiu tantum ope ocuti, et nocte ope manus alterius jacturœ hujus se convincere posset. 16 — 62 — de imita-los; he bem por nossa intima conviççào, he pela attenta reflexâo sobre os conhecimentos humanos, particularmente a respeitô dos que fazcm parte da sciencia, a que nos dedicamos, que nos temos como huma proposiçâo em toda a sua extensào verdadeira e philosophica — que os talentos, os prodigiosos trabalhos dos muitos sabios, que por si constituem o lado brilhante da especie humana, e por suas obras as mais honrosas paginas da sua historia, seus esforços emfim, tudo nos confirma que tantos meios derâo a final o conhecimento d'esta verdade — sabemos pouco, ignoramos muito — e, cotisa admiravel ! para ser patente, para ser bem sentida esta mesma verdade, he preciso nào ser ignorante! RIO DE JANEIRO, 1843. TÏP06RAPHIA IMVERSAL DE LAEMMERT, R«A BO LAVRADIO , 53.