o- £f Cd/ZiSse < CONCURSO PARA A CADEIRA DE PATHOLOGIA INTERNA. ^; s?*^ ^$fe THESE ■M® DO W ~z)eme&t& (spi/ètoc? &&tMinne. T 2 2: CONCURSO PARA A CADEIRA DE PATHOLOGIA INTERNA. Qnaes as causas que mais concorrem para o desenvolvimento da hypoemia intertropical? Sob o ponto de vista etiologico poder-se-ha determinar e achar relações entre essa aflecção c a presença do ancbylostomum duodenale? THESE SUSTENTADA EM JULHO DE (871 rs a FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PELO £lr. EJcmctri* Cgrtctccr ®onnttl)o t)pp«?ôíti>fc Da ucecão Aveàica, LMiomme nc nait, ue \it, nc souffrc, nc mouit |»as d'une manière idcnliqiic sur tons Ics points de Ia lerre. Naissauce, \ic, inaladie, et moit, tout chaiuje a\ce le climal et lc sol, lout se mo- dilie avec Ia race et Ia nalionalité. Boudin: Góoçjraitliie üiídicale. BAHIA Tyiio(|i*a|»1iia tle «í. G» Tourinlio 1871 _ 4 - e se prendem á pathologia parasitaria, ramo importantíssimo da iníi ^tro- pical, teem occupado a attenção de muito poucos. A etiologia e p;'hoge- nia da febre amarella, da biliosa, da typhica, da malária, da hypoemia, tem tido algum adiantamento pelos esforços de médicos estrangeiros, e ultimamente pelas incansáveis investigações microscópicas de illustres sá- bios. A'pathologia verminosa teem trazido luz os aturados trabalhos de il- lustrados e conscienciosos observadores allemães. Seus estudos e impor- tantes descobrimentos derão impulso vigoroso a pontos de pathologia dos climas quentes até então involtos em mysterios que parecião impene- tráveis. A historia natural dos microzoarios, e microphytas do homem, e a pa- thologia verminosa que lhe corresponde vão tendo, graças aos estudos desses sábios, um brilhante desenvolvimento. E' por este lado que apre- senta o seu maior interesse o ponto que serve para esta these. Procuramos nas questões que desenvolvemos a verdade, sem espirito previnido por systema algum: procuramol-a onde os factos e a experiên- cia devião rcvclal-a com a sua luz própria. Em medicina todo methodo ex- clusivo é defeituoso: toda anticipação nas investigações leva o espirito ou ao vago das theorias, ou ao exclusivismo das seitas. Bem o disse o sábio Lallemand nestas palavras (*): La véritê toute enticre nc fut jamais le par (age des opinions exclusivos. (*) Lettres sur Ics maladies de 1'cncephale. PRIMEIRA PARTE. Quaes as causas que mais concorrem para o desenvolvimento da hypoemia intcrtropical? AS regiões intertropicaes, diz Saint-Yel (I), a anemia é a essência da maior parte das moléstias. Por si só consti- tuo um estado pathologico extremamente freqüente; as muito grave, accomettendo as difícrentes edades, e raças , especialmente as raças tropicaes. E observada ahi em todos ^~£ os seus matizes e gráos. Ora é leve equadra comas condições ordiná- rias da saúde, ora profunda c comprehende as mais graves desor- d^ps, e involve os maiores perigos. Enlre estes dous estados extremos desenrola-se a vasta cadeia dos estados intermédios. » Quem estuda com serio cuidado essa immensa cadeia de estados in- termédios; quem consulta os práticos que escreverão sobre a patho- logia intcrtropical, convence-se de que entre esses matizes diver- sos traçados pelas alterações de sangue, nos climas quentes, figura a entidade *que prende a attenção do observador e que se não encontra nas zonas temperadas e frias: ha uma alteração que se desenha com pró- prias c vivas cores em certas raças, e que se não confunde com alguma outra affecçãò que costuma manifestar-se nesses climas por causas tão fre- qüentes. Essa alteração de sangue sui gencris, e que c o ílagello da classe po- bre nos climas intertropicaes, foi definida e descripta pela primeira vez por um illustre medico brasileiro com a denominação de anemia intestinal e depois de hf/poemia intertropical. Em um discurso notável proferido em sessão de 30 de Junho de 1835 (I) Traitc des Maladiesllcs Kcgions Intertropicales—Paris—1868. '*---•.....■ \e y — ti na sociedade de medicina sobre as moléstias que mais afligem a c1ass« pobre do Rio de Janeiro, o Dr. José Martins da Cruz Jobim, esse distin- cto pratico, assim se exprime: ((Trataremos agora da oppilação, outra moléstia excessivamente com- mum no nosso paiz, sobre tudo na classe indigente: ella consiste em uma alteração de sangue, bem apreciável, que damniíica conseguintemente todos os nossos órgãos, e é caracterisada pelos symptomas que abaixo des^ deveremos. Como esía moléstia é acompanhada, as mais das vezes, pelo menos no ultimo puriodo, de um amollecimento, e espessura da mucosa do eslomago, o espirito de systema, que considera esta lesão como effeito necessário de uma gastrite chroniea, deve igualmente represental-a, com certa apparencia de razão, como causa primitiva e única de nossa moléstia: e na verdade, se as experiências de Marcet mostrão que o chylo se altera conforme os alimentos de que nos servimos, é também rasoavel suppor que a alteração do órgão principal da digestão modifique o mesmo chylo, e -conseguintemente o sangue que delle diriva: mas bastará uma única observação para não admittirmos essa gastrite chroniea, como causa de- terminante, e única de nossa moléstia: taes desordens gástricas são muito freqüentes nos paizes frios, entretanto não se observa nelles similhante effeito. Um único facto conheço, que desmente esta generalidade, e é o que refere o professor Chomel, a respeito de uma enfermidade, que atacou os trabalhadores de uma mina de carvão de pedra em Auzain, a qual, pela sua novidade, causou grande surpreza, e cujos symptomas, precedi- dos de signaes de irritação gastrointestinal, tem toda a analogia com a nossa moléstia: mas esse facto isolado, talvez possa entrar nas condições climatericas, que temos como causas essenciaes do seu desenvolvimento, que são paiz quente e humido. Se, pois, de uma parte,existindo muitasgastrites nos paizes frios, não se observa nelles esta moléstia, e de outra, os melhores médicos, e que tem praticado nos climas quentes, tem nelles reconhecido certa alteração de sangue, sem nos fallarem na precedência de uma gastrite, não poderemos deixar de considerar a dita alteração como effeito especial da influencia climaterica. Quando em 1831 eu tive a honra de vos submetter algumas observa- ções sobro esta interessante moléstia, dei-lhe o nome de anemia intestinal; o ainda que essa denominação fosse repetida e como acceita na Europa, iicV. hoje que lhe não convém por induzir a erro tanto como as palavras oppilação ou obstrucção, que nada significão, senão a idéa falsa que fazião os antigos humoristas das nossas moléstia. Si anemia exprime falta de san- gue, creio que a quantidade desse liquido não se acha consideravelmente diminuída, mas somente alteradas as suas qualidades; e pelo que já disse- mos as desordens do canal intestinal-não se podem considerar como ponto de partida em todos os;casos;'também a má natureza e falta de alimentos não se deve ter como causa essencial desta moléstia, porque a maior mi- séria que se possa encontrar no nosso paiz não é comparada á que se observa ás vezes na Europa-, onde a carestia de viveres em annos mingoa- dos reduz a pobreza a divagar pelos campos, em procura de viveres agres- tes, de que se serve como sen único alimento, como; se pode ver pela sa- bia exposição que ainda o anno passado a Academia Real de Medicina de Pariz dirigiu ao- governo das epidemias quercinarão1 na França desde 1771 até 1830, expendendo-lhe as suas causas, natureza e tratamento: entre- tanto é nesses paizes desconhecida a nossa moléstia. Por estes motivos pre- ferimos hoje dar-lhe o nome de hgpocmia intertropical que se pode tra- duzir por esta paraphrase: inferioridade ou pobreza de sangue, própria dos paizes que ficão entre os trópicos, ^áo pretendemos com isto que cila não exista também alguns gráos além da nossa zona; certa differença de latitude poderá por circumstancias topographicas- influir pouco para a mudan- ça de clima, mas o certo é que, tendo estado em Santa Catharina, Rio Grande do Sul, apezar de termos procurado esta moléstia com anciedade anão encontramos, sinão em grão diminuto em alguns habitantes miserá- veis das praias da Laguna, quando pelo contrario d'aqui para o norte ella é excessivamente communk » Pelo que diz o Sr. Dr. Johim se ve que a hypoemia intertropical (vulgo cansaço) é um estado mórbido especial dos climas tropicaes; é um depau- peramento do sangue—próprio desses climas e com um cortejo nascido sob causas e condições que só nelles se encontrão. Pela observação do-medico brazileiro, o primeiro que discriminou essa affecção de outras alterações de sangue, e pela observação de outros prá- ticos, devemos affirmar que é uma moléstia constitucional—consistindo em uma perturbação geral da nutrição, tomando a crase sangüínea as pro- porções da crase hydremiea, Apresenta-se o sangue não somente pobre em cellulas, porém também o] soro mais empobrecido em albumina e provavelmente mais abundante em saes—havendo pois uma diminuição — 8 — de elementos cellulares do sangue e menor densidade da substancia inter- cellular. O Di\ Rochoux que por muitos annos exerceu a medicina nas Antilhas assim se exprime: « nestes paizes o sangue soffre uma alteração que ex- plica a palidez de seus habitantes; os líquidos também sotfrem mudança na sua Índole e composição; aquelle fluido torna-se mais pobre em fibrina, em matéria colorante: desta pobreza vem a lentidão e languidez em que cahem os habitantes destes climas que sendo por isso incapazes de um trabalho regular e sustentado nada fazem sinão por intercadencia; e como da apathia á extrema actividade,da indolência ao frenesi só ha um passo, elles correm atraz de emoções fortes e é sem duvida esta necessidade o que os torna ambiciosos, emprchendedores, e atrevidos; a moderação, a eguallade dos gostos, os prazeres simplices lhes não agradão; em tudo pre- eisão de pimenta. Ora si a força reside mais na permanência e constância de acção do que no Ímpeto colérico que logo se rclacha, aquelle estado é uma verdadeira degeneração, uma fraqueza physica e moral. y> A hypoemia intertropical ó conhecida vulgarmente pelo nome de oppi- lação, incitação, cansaço. Os escriptores estrangeiros a denominão do seguinte modo: mal d'estomago: cachexia africana: dissolução: cachc.ria arjuosa; geophagia: malacia dos negros: mal de cmur: liydremia: eólica seca:chloro-anemia intertropical: hgpoplastemia: hypocliahjbemia e chio- rose do Egypto. Caracterisa a moléstia: Palidez extrema da face: côr da pelle amarellada como transparente e verdoenga; corpo seco, ou mais ordinariamente infiltrado de serosi- dade, brancura dos lábios: lividez em torno das palpebras inferiores que depois do somno apresentão-se edemaciados; expressão triste da physionomia: sclerotica côr de pérola ou azulada, conjunetiva bran- ca sem a menor apparencia de vasos capillares: as vezes côr térrea da pelle, da cara, pescoço e peito: ílacidez das carnes; brancura de toda a mucosa da boca; fastio ou anorexia completa; cardialgia, dyspe- — 9 — psia, malacia ou desejos de coisas impróprias para a digestão como par- ticularmente argila, carvão, sal etc. Esta inclinação é as vezes irresistível. E freqüente a constipação do ventre no principio da moléstia, as vezes náuseas, vômitos ou embaraço gástrico. O pulso vivo, largo, e molle, or- dinariamente muito accelerado; as palpitações do coração e das artérias carótidas bem distinctas, bulha de folie na região precordial, respiração accelerada, livre, ou difficil, vertigens e scintillações no campo da visão, peso de cabeça: impossibilidade de uma contensão aturada do espirito, zunido incommodo e constante dos ouvidos; cansaço com grandes pal- pitações pelo menor exercício que por esta rasão os doentes evitão e que sendo prolongado e excessivo pode determinar syncopes mortaes. Exas- peração dos symptomas á noite, alivio de dia, ou verdadeira complicação intermittente; as vezes symptomas de tuberculos, de inflammação do es- tômago, dos intestinos, do fígado, do baço, dos pulmões, de todos os ór- gãos cmfim; signaes muitas vezes de extravasações em diversas cavida- des; edemacia nos membros inferiores ou noslogares mais baixos do corpo conforme a posição ordinária do doente; anasarca ou leucophlegmasia; as feridas incuráveis ou difficeis de sarar exhalão um pus aquoso, os ve- sicatorios muita serosidade e cobrem-se de uma camada gelatinosa; fe- bre consumptiva; emfim vem ordinariamente pôr termo a esta scena triste uma diarrhéa colliquativa (Dr. Jobim). Sigaud no seu livro sobre o clima e moléstias do Brasil, occupando-se desta moléstia diz: « II ne faut pas confondre l'hypoémie intertropical e avec 1'anemie, su- ite d'abondantes hemorrhagies non plus qu'avec Ia chiorose, Ia cachexie, résultant de lésions organiques, le scorbut. Toutes ces maladies ont une marche et des complications qui les distinguent les unes des autres. L'hypoemie est en tout contraire á Ia gangrene. Celle-ci ne s' observe pas mome sur les malades qui ont sejourné long-temps dans leur lit, tandis qu' elle se declare promptement dans les fièvres typhoides, dans le scor- but et dans Ia cachexie cancereuse.» .... Elle est le cachet pathologique de Ia zone torride três repandue depuis 1'equateur jusqu' au tropique sud. Sigaud segue a opinião do Dr. Jobim; para ambos a hypoemia intertro- v — IO - picai é uma alteração de sangue devida a circumstancias authoctonicas e climatericas. Levacher nasua-importanto obrinha Guidemedicale des Antilles (1) com o titulo de mal d'estomac descreve uma affecção que outra não é sinão a hypoemia: seus traços e caracteres mostrão que o velho pratico tratava da hypoemia intertropical. Dutroulau no seu tratado das moléstias dos europeus nos paizes quentes (2) dá noticia da hypoemia com o mesmo nome que lhe dera Levacher mat de estomac-mccl de coeur: cachexie africaine. Os traços physionomicos da hypoemia são desenhados no seguinte trecho: Les premiers symptomes qu on remarque sur un nègre menacé de mal d'eslomac, c'est le changement qui s'opòre dans son caractère et ses habitudes: il devient triste, languissant, taciturno, recherche Ia soli- tude et manifeste une grande repugnance au mouvement, sa demarcho est lente et comme genée. Bientôt on voit Ia couleur de sa peau s'alte- ter, elle palitet prend une teinto terreuse et sale; ses lèvres, sesgencives, ses conjunetives se décolorent également et le regard est terne. Presque au même temps et suivante une marche parallèle, les extremités et le visage s'infiltrent, les traits deviennent bouffis et 1'anasarque tend á se généraliser; à mesure que les symptomes progressent, se perçoivent les signes qui dénotent les épanchements dans les cavités séreuses, et les trou- bles des mouvements du cceur.....Eiifin, par les progrés de 1'hydré- mie Ia respiralion et Ia circulation s'embarrassent de plus en plus, le malade se meut avec plus de peine et apròs un temps toujours assez long: il suecombe par syncope etc, ete. Com o mesmo titulo de mal d'estomac Fonssagrives e Le-Roy de Meiicourt escreverão um artigo onde mostrarão as causas e os pheno- (!' ; uide medicale des Antilles ou études sur Ics maladies des Colonics—Paris 183'i—i ag. 184. (-2) Traité des maladies des Européens dans les pays chauds—Paris 1808—pag. 160.. - 11 — menos da hypoemia intertropical (1): essas considerações são as mesmas de Dutroulau sobre a natureza e causa da moléstia: citão esses observadores as diversas condições etiologicas attribuidas pelos authores á esta moléstia, os caracteres anatômicos que lhe reconhecerão, e os symptomas mais ordinários que a distinguem. O Dr. Rendu em sua obra sobre o Brazil (2) desconhecendo o nome technico,dado pelo Dr. Jobim e Sigaud, dedica um longo artigo com o titulo de opilação à hypoemia intertropical. As suas considerações não merecem grande valor, porque todas ellas se fundão em informações inexactas e até falsas sobre as nossas moléstias, costumes, e usos. A memória do Dr. Mariot (3) que estudou a moléstia por alguns an- nos no Brazil não é destituída de interesse. Em 1859 deu para prêmio a Academia Imperial de Medicina a questão da diffcrença entre a hypoemia inlertropical, a anemia, e a leucocythemia. Apresentou-se uma só memória, a do Dr. Doelinger. Não foi premiada. O Dr. Souza Costa, medico distincto do Rio de Janeiro, em diversos artigos da Gazctta Medica (4) tratou da opilação como moléstia distincla da cachexia paludosa, e completamente independente do miasma paludoso. O Dr. Antônio Felicio dos Santos escreveu sua theze inaugural em 18G3 sobre a Injpocmia intcrtropical como moléstia de caracter distincto de qualquer alteração de sangue conhecida.Esse trabalho em relação a epocha em ias: nevral-1 Diíficuldade de imprcssionabilida- trias: perturbações nervosas: paralv-;?c (,° syste™ nervoso: as vezes em- ,, . botamento da sensibilidade da vida sias: hysterismo: (]e ^^^ Infiltrações raras limitando-se aosj Infiltração geral e especialmente maleolos e ao redor das palpebras. desenvolvida na face. — 14 — Caeliexiías A tuberculosa, cscrophulosa, can- cerosa, syphilitica & tem suaslocali- sações próprias, e alterações orgâni- cas palpáveis: Na cirrhotica e cancerosa do fígado a collecção liquida tem sempre logar na cavidade peritoneal ou membros inferiores. Cachexia palustre A côr é amarella térrea, desagra- dável a vista: Accessos intermittentes: enormes desenvolvimentos do fígado e baço: Hemorrhagia: nevralgia: enteral- gia, artralgia: Marcha muito amorosa: É curavel ainda que tenha deter- minado lesões profundas no orga- nismo: O sulfato de quinina é o especifico: IjeueocytSieiaiia Augmento dos glóbulos brancos do sangue com diminuição notável dos vermelhos: É constante este augmento em di- versos estados mórbidos e mesmo no estado physiologico:—nos primeiros ha alteração hypertrophi do baço e glândulas lymphaticas; no segundo não ha alterações na economia: É rara, acompanhada de hemor- rhagias, sua causa é obscura: a hy- pertrophia do baço é as vezes enorme, sólidos. Eseorbuto Rara nos climas intertropicaes: tu- mefacção, ulceração, amollecimento e facilidade de hemorrhagias nas gen- givas, vacillação e queda dos dentes, máo odor do hálito: lividez das mu- cosas, petechias, echymoses, arthral- gias, ulceras fungosas, hemorrhagias cutâneas, gangrena, etc. ISTyiioemia Não tem alterações orgânicas es- peciaes e locaes: As exsudações serosas dependendo de um estado particular do sangue são menos abundantes no ventre e generalisadas. ffyiioemia E' a cor de palha ou cera suja es- verdinbada: Figado e baço quasi sempre nor- rnaes: o baço as vezes atrophiado: não ha febre: Nevroses gástricas,malacia—e geo- phagia: Sopro carotidiano: perturbações di- gestivas: dyspepsia: sentimento de fa- diga: palpitações do coração: syn- copes: Marcha menos morosa: E' de cura muito mais difficil: O sulfato de quinina é completa- mente inerte: IVyiioemia Augmento do serum do sangue sem augmento de glóbulos brancos: Não ha alteração hyperlrophica de nenhuma das visceras: as glându- las não se encontrão em estado de hyperplasia, ou neoplasia: E' commum nos trópicos: sem he- morrhagias: causa sempre conhecida: falta das lesões caracteristicas dos Iffypoeiiiia Nada disto se observa na hypoemia: 15 — IfXolestia do eoração Ifyi»oemia Facics cardíaca: face vultuosa, con- testa; lividezdos lábios: saliência dos Facies própria sem congestão nem olhos: dilatação das narinas em razãolhidcz: ruido de sopro, de ordinário da dispnéa: imeeção das veias fron- . , . , taes: sign.es locaes revelados pelacom cerl° t,mbre' as vezes mUSlcal> sthetoscopia, constantes e palhogno-sempre no primeiro tempo, raras ve- monicos:anasarea muito notaveh as-!zcs estendendo-se ao segundo, mais cite devida aos obstáculos da circu-. , . , , laçãovenosa muito pronunciada, com|,ntenso n0 bordo sternal e base do albuminuria: congestões enormes docoração, progredindo pela crossa da fígado e do pulmão; escarros sangüí- neos: ausência de abaúlamcnto na região precordial: signaes negativos1 de augmento de coração pela percus- são: tremor felino: ruidos de serra, de lima, de raspa: sopro no segundo tempo; ruidos de reíluxo: pulso re- currente. aorta até as subclavias e carótidas: não ha augmento da força impulsora do coração: pelo exame das causas, se vê que nunca houve rheumatismo articular, que não ha endocardite, myocardite ou pericardite. 1 iiriitfjaçôes sobre o s»nf|«ie. lüstatfo normal (onze onças de sangue.) A serosidade apresenta um amarel- E8yB»oemia (nove onças de sangue) A serosidade vista contra a luz a- presenta umaçòr amarellavcrdoenga: O coagulo apresenta uma côr maislo avermelhado: negra: sua superfície mostra uma mista inflammatorJa assaz consisícn- O coagulo muito mais consistente, te, de uma linha de espessura em fí~0 ha crustn: Sua superfície é toda torno de qual ha unia zona de bellaj l eòr rubra: o resto do coagulo, muito l'ubra: seu interior menos escuro: moile, não se pode levantar sem des- fazer-se: A serosidade coalhou totalmente A serosidade coalhou totalmente -'pelo calorico: pelo ácido sulfuricocoa- nolo calorico: pelo ácido sulfurino són . , , , , . 1 ,, . li, . , , . Inou toda a porção, devendo cone uir- coalhou a metade devendo concltiir-j l se d'ahi (pie havia pouca porção des<" d'ahi que havia grande porção de albumina. Jalbumina. As nove onças de sangue derão 6; e meia de serosidade e só l> e meia| As onze onças de sangue derão duas de um coagulo pouco consisíente. |. ., , . , Porconset[ucnc;aumapoiçãodese-de serosidade e nove de coagulo: rosidade mais de quatro vezes maior, • loque daria egual porção de sangue normal, differença enorme, que prova evidentemente a grande pobreza de librina, no sanauc. — 16 — Não podemos dar uma analyse do sangue como fora para desejar. Ella devia trazer muita luz. A esse respeito podemos dizer com Saint-Vel «II serait á désirer que des analyses du sang fussent faits dans les anèmies des pays chauds. Elles ajouteraient un chapitre interessante á Thema- tologie.» Como phenomeno constante e caracteristico desta alteração de sangue figura a malacia por alguns considerada como causa da moléstia, sendo por muitos, e com a melhor rasão, um resultado dessa mesma alteração. Já o Sr. Dr. Jobim chamara a attenção dos practicos para esse facto. Este phenomeno que caracterisa a oppilação em certo estado de adianta- mento; essa nevrose exquisitado apparelho gástrico que obriga o paciente a comer terra, barro, cal, e mil outros objectos, é a expressão de uma pro- funda e especial anemia. Em nenhuma alteração de sangue dá-se tal perversão da inervação, com tamanha constância e em gráo tão des- envolvido. E como o cuidado dos práticos tem sido constantemente dirigido para combater semelhante nevrose que marca uma das phases mais criticas da hypoemia intertropical não nos devemos furtar ao dever de dizer al- gumas palavras a esse respeito. « Ces malheureux, diz Levacher (1) sont alors domines par une dépra- vation de goüt tellement insurmontable, qu'ils sont portes avec fureur vers les substances grossières. Ils recherchent à Ia derobée le tuf le plus blanc des carrières, le renferment dans des couins ou des cocos (vases faits avec les fruits du calebassier et du cocotier) le suspendent dans leurs ca- ses au dessus de leur feu et en perfectionnent Ia préparation en le faisant sécher de cette manière. « Ils en mangent en secret, et sans jamais en convenir: plusieurs fois je les ai surpris encore de ces substances dans Ia bouche, entre les dents et sur Ia langue; malgré cette évidence, ils me protestaient que je me trompais, et qu'ils n'avaient jamais en 1'idée d'en faire usage. » Rendu (2) tratando deste período importante da moléstia diz: «Ia per- (1) Gnide médicale des Antilles—pag. 187. (2) Études medicales sur le Brazil—pag. 111. — 17 — vcrsion du gout augmente, les malades éprouvent alors un besoin vio- lent de manger de Ia terre, et rien ne peut les en empêcher: il est même neeessaire de récourir à des moyens mécaniques pour les empêcher de se livrer á ce penchant irrésistible. » Quando apresentamos a desci ipção da moléstia feita pelo Sr. Dr. Jobim íisemos menção desse phenomeno. Entre as importantes observações do Sr. Dr. Rodrigues de Moura (l) vem a de um menino de 4 annos de idade, hypoemico que faltava innu- meras vezes a escola, sendo o professor informado que por doente, em rasão de comer barro, cinza, e pó de caffé, é que elle tanto faltava ao Col- legio. Eoi este um caso de autópsia de que adiante fallaremos. Ha casos, diz o mesmo Dr. Rodrigues de Moura, em que a moléstia c incurável, e são aquelles em que a ingestão de substancias inassimilaveis, provocada por essa malacia infernal, para a qual não ha peias......De que modo, se é humanamente impossível refrear-se a voracidade com que os infelises atiram-se a comer o barro, a cinza, o tabaco, o pó do caffé, a cal e até os próprios excrementos? « Vi ha pouco tempo, diz o Sr. Dr. Wucherer (2) no Hospital da Santa Casa, na enfermaria de S. José, a cargo do meu distincto collega e amigo Dr. Silva Lima um hypoemico que comeu durante o tempo que se demo- rou no Hospital parte de sete camisas fornecidas para seu uso, inclusive uma polluida de matéria purulenta de varíola de que elle fora acommettido no Hospital: roeu também pedaços dos lençoes e da baeta que serviam na cama, e foi até aceusado, por alguns doentes seus companheiros, de furtar lenços para devorar. Este doente, rapaz de 18 annos, pardo, livre, confessou ao mesmo Dr. Silva Lima que não podia resistir ao seu depra- vado apetite; que principiara por comer hervas no campo, e, o que é mais singular, na posição peculiar aos quadrúpedes! » Mason conta o caso de um rapaz preto que comia baeta. Vejamos agora quaes são as alterações que nos mostra a anatomia pathologica: (l) Vide Gazetla Medica da üahia—w. 11 — 10 de Dezembro de 1800. (2) Gazelta Medica da Bahia n. 27 de Io de Acosto de 1807. o - 18 — Infiltração geral ou secura do corpo, alvura de todas as membranas mucosas, que nenhuma apparencia mostrão de vasos capillares: a do es- tômago as vezes com manchas rubras, mas ordinariamente branca como papel, coberta de muito muco, espessa e molle, formando como uma camada de meia linha, semelhante ao caseum um pouco consistente. Des- pega-se facilmente em pedaços com a unha, apresentando-se por baixo o tecido muscular, fino polido e apenas distincto. Algumas vezes o estado schirroso e degenerescencia completa de todas as membranas do estômago, que apresentão porções, como cartilaginosas, que ringem debaixo do es- calpello, e onde podem sobrevir perfurações completas. Estas desordens estendem-se as vezes até o duodeno, e encontrão-se também nos intesti- nos crassos: estes, as vezes diminuídos de diâmetro, outras vezes assaz dilatados e particularmente o colon descendente, que parece um segun- do estômago. Os gânglios lymphaticos no estado natural, raras vezes in- tumecidos e avermelhados nas crianças. O coração mais ou menos dila- tado, particularmente nas cavidades direitas e mais que tudo a auricula do mesmo lado, que se mostra muito fina, e como transparente; freqüen- tes vezes concreções polypiformes nas suas cavidades, menos vezes sim- plesmente coágulos pequenos e pouco consistentes, a sua base cercada de gordura, como gelatinosa. Freqüentes vezes concreções abundantes, igualmente gelatinosas, nas diversas cavidades sorosas, particularmente do peito, accumulações de soro mais ou menos abundantes nas mesmas cavidades. O fígado e baço perfeitos, de um volume menor, que o natu- ral, poucas vezes maior e seu tecido degenerado: os pulmões de uma côr menos rosada, algumas vezes tuberculosos: o tecido muscular mais bran- co e molle. Estas lesões forão sempre encontradas por todos os qjue estudarão a hypoemia intertropical. Em 1866 porem o Sr. Dr. Wucherer com o talento a attenção e a solicitude de um profundo investigador que todos lhe re- conhecem, procurando estudar a natureza da moléstia depois dos traba- lhos de um notável medico o Dr. Griesinger que estudara no Egypto a affecção tão freqüente ali e que é conhecida por Cholorose do Egypto en- controu no duodeno, e jejuno, e começo doileon, alem de sangue derra- mado, pequenas echymoses namucosa, semelhantes as que produzem as sanguesugas e agarrados a esses pontos pequenos vermes brancos. Sendo os vermes muito pequenos, diz o Sr. Dr. Wucherer, não admira que elles passassem por bastante tempo desapercebidos. — 19 — Levamos alguns para casa e examinando-os ao microscópio achamos que elles correspondião mui aproximadamente á descripção do anckylos- (omum duodenale dada por Copland no seu Diccionario de Medicina pratica e mais tarde convencemo-nos de que não havia differença entre os nos- sos exemplares e a sua descripção. Eis a descripção feita por Diesing e Yon Siebold: Caput ápice rotundatum; oris limbi papillis conicis inuequalibus, dua- bus minoribus, uncinis papillis impositis apicibus convergentibus. Cor- pus sobrectum v. parum curvatum, anteriore parte transparens, ventricu- lo g^oboso nigrescente, posteriore flavido-fuscum, maris antrorsum atte- nuatum, extremitate caudali inflexa: bursi cyathiformi biloba radiata, cujusradii ita sunt positi, uttriplicem eorum ordinem conspicere possis. in utroque enim latere ordinem quatuor, media in parte trium radiorum (radiis lateralibus utriusque simplicibus: Diesing) radio dorsali ápice fnr- cato: feminae extremitate postiça acute conica. Pareceu-nos logo, continua o Sr. Dr. Wucherer que a continuada subtracção do sangue, causada por estes vermes, não só daquelle de que elles necessitavão para o seu sustento, mas também o que elles farião derramar, era sufficiente para explicar a anemia: os vermes, pela sua presença, e muito mais pelos continuados ferimentos da mucosa, devião constituir uma fonte constante de irritação, que servia para explicar ou- tros symptomas da moléstia. Comtudo, era preciso verificar se o anclglostonio se não encontrava tam- bém cm cadáveres de indivíduos fallecidos de outras moléstias, e se a sua presença, em casos de hypoemia, não era uma coincidência casual. Neste intuito abrimos até hoje doze cadáveres de pessoas mortas de outras mo- léstias, phlhysica, amollecimento do cérebro, moléstia orgânica do cora- ção, ferimento, moléstia de Brigth, etc, sem nunca acharmos anchy- lostomos. Proseguindo em tão importante estudo o Sr. Dr. Wucherer, observou em todos os indivíduos mortos de hypoemia a existência do anchylosto- num duodenale. Muitas destas autópsias forão feitas em presença de vários médicos, entre os quaes devo apontar os illustres Srs. Drs. Faria, Silva Lima, Pires Caldas e Mariano do Bomfim, e todos elles verificarão a exis- cia do anchylostomum duodenale. Os estudos e as investigações do distincto medico o Dr. Rodrigues de ~ 20 — Moura confirmão também a presença desse verme nos intestinos dos in dividuos fallecidos de hypoemia. Quando escrevíamos esta these tínhamos debaixo dos olhos alguns hy- poemicos das enfermarias da Santa Casa da Misericórdia á cargo dos Srs. Drs. Januário de Faria e Silva Lima. Para não tomarmos este trabalho muito longo, não apresentaremos a historia de todos elles, nem os resul- tados das observações thermoscopicas e sphygmographieas obtidos no exame, visto como não passavão de casos muito communs. Tendo, porém, fallecido um delles, aqui damos a sua historia e competente autópsia que ainda uma vez vem confirmar as importantes observações do Sr. Dr. Wucherer relativas á existência do anchylostomum duodenale: No leito n. 15 da enfermaria de S. José está Firmino de S. Felix, pardo, solteiro, de 49 annos de idade, natural do Joazeiro, pescador, e actual- mente morador na freguezia deRrotas. Entrou em 25 de março. Da histo- ria pregressa sabe-se que padeceu de uma anasarca, com grande cansei- ra, vertigens e amarellidão notável, devido, segundo elle crê, a seus traba- lhos de roça, com pés na água o dia inteiro, comendo mal, apanhando chuva, ou na pesca sempre molhado e as vezes sem comer. Algum tempo depois destes soffrimentos apparecerão-lhe febres intermittentes que ain- da mais o prostrarão e enfraquecerão, sendo acompanhadas de uma tosse que o obrigou a procurar os soccorros da Santa Casa. O doente apresenta um emagrecimento considerável, e abatimento profundo: tem as mucosas muito brancas, e a pelle esverdinhada: tem diarrhéa, e uma congestão adiantada do fígado. Sente difficuldade em mo- ver os membros inferiores. Pela auscultaçâo notão-se estertores sibilantes no pulmão direito, sendo que no esquerdo ha um ruido respiratório muito áspero. Não descobrimos sopro no coração, nem nas carótidas por que os batimentos daquelle órgão era quasi imperceptíveis, o que se revelava perfeitamente pelo pulso que era filiforme e vagaroso. Não podemos obter traçado sphygmographico, em vista da asystolia do coração. O thermometro marcou 37,2. Falleceu no dia 21 de junho. No dia 22, ao meio dia, procedemos á au- tópsia com os estudiosos acadêmicos do sexto anno Ferreira Nina e Ro- drigues da Cruz. - 21 — O pulmão ofterecia uma côr branca acinzentada, com edema conside- rável na base e adherencias muito sólidas, tendo na parte central dos lo- bullos grande quantidade de focos purulentos em forma de pequenas ca- vernas. O coração nada apresentava de anormal. Na cavidade abdominal encontramos o fígado extraordinariamente hypertrophiado, apresentando a superfície lisa e offerecendo rigeza considerável ao escalpello. O baço era normal. A mucosa do estômago e duodeno achava-se hyperemiada. No jejuno apresentava alguns pontos com echymoses e outros amollecídos e adherentes a ella muitos vermes brancos, filiformes, alguns vivos e outros já mortos. Examinados esses vermes com o microscópio de Raspail em presença dos Srs. Drs. Silva Lima e Faria e alguns acadêmicos reconhecemos se- rem os verdadeiros anclylostomos daodenaes como foi descripto pelo Sr. Dr. Wucherer, e anteriormente por Griesinger e outros. E' mais um caso de autópsia que temos de ajuntar a muitos outros que havemos de mencionar na segunda parte deste trabalho. Definida assim a hypoemia e determinada a sua natureza, estudemos as causas que concorrem para o seu desenvolvimento. Todos os pathologistas que se teem occupado das moléstias dos cli- mas intertropicaes são concordes em attribuir á natureza do clima esta affecção. O clima doRrasil, diz Rendu (1), a partir do Rio até o Rio Amazo- nas é um clima muito debililante: os calores ahi são muito fortes, muito húmidos; tirão portanto toda espécie de força e energia. Com estas condições athmosphericas languecem as funcções digestivas: seria ne- cessário despertar e excitar o apetite por estimuantes que sustentassem ao mesmo tempo estas mesmas forças digestivas. Si na zona tropical ha ilhas privilegiadas, sem cessar refrescadas pelas brisas de um mar clemente (2); si ahi os olhos se deslumbrão pelo spe- ctaculo de uma natureza rica e variegada; si o espirito se extasia na ad- miração de um céo esplendido, cuja serenidade embriaga a alma: si o es- trangeiro se embevece diante de planícies tão férteis, tão luxuriantes de (1) Rendu L. citato. (2) Foissac: de l'influencc des climats sur riiomme—Paris 1867, — 22 — verdura e banhadas de rios magestosos, o medico investigador procura a rasão de tão variadas e freqüentes moléstias e descobre na humidade uma das causas pathogenicas mais funestas. Em parte nenhum do globo, diz Foissac, a humidade é tão grande como debaixo dos trópicos: reunida ao calor é o díssolvente mais activo e mais geral: é ella que preside a este movimento de Composição e de- composição de vida e de morte, que anima toda natureza. Os insectos pu- lulão, a agoa das chuvas arrasta milhões de mosquitos que se putrefa- zem com rapidez. Os gazes deletérios que produzem as águas dos pân- tanos, as plantas, os rios, e as folhas em decomposição misturão-se ao ar que se respira e infectão a economia. «Element de Ia vie végétale, de sa force, de sa vigueur d'expansion, sous les tropiques, de même que dans les autres latitudes du globe, 1'humidité (diz Sigaud) est pour Ia vie animale un agent actif de destruction, bien plus nuisible encore que Ia chaleur solaire. Si 1'extrême ferlilité du sol resulte de sou degré d'humidité, 1'insalubrité de Tair devient une con- dition inséparable de deux autres. L'humidité est donc le premier des modificateurs atmospheriques (1). M. Aubert Roche está convencido de que sobre cem moléstias, noventa são devidas ao orvalho e humidade das noites, e crê que si nada soffreu nos quatro annos de estada em Suez, deveu-o ás precauções que tomou contra o frio. Os médicos de todos os paizes quentes, diz M. Rufz, têm reconhecido que o resfriamento é a causa mais freqüente e mais geral de todas as mo- léstias n'estes climas. Para provarmos a acção perniciosa de semelhante estado hygrometrico constante entre nós, basta lembrarmos a rápida decomposição das sub- stancias animaes, da infallivel alteração dos corpos vivos, do abatimento da energia physica e moral, da oxydação prompta dos metaes, da deliques- pencia dos saes, do descoramento dos tecidos etc. A humidade é um dos agentes mais podeiosamente predisponentes da hypoemia. De toutes les influences météorologiques, Fair froid et humide est ce- lui qui apporte le plus de tronble et d'irrigulanté dans les actes de Ia vie organique. (lj Loco citato. — 23 — L'impression brusque et prolongée de 1'air froid et humide, surtout si Ia transpiration se trouve activée, determine des maladies graves et serieuses (1). L'action combinée du froid et de Thumidité est essentiellemant per- tubatrice de 1'ordre naturel des mouvements organiques, et quand elle sévit d'une maniére habituelle, comme il arrive dans certames localités, elle finit par altérer l'hematose et Ia complexion des tissus (2). < É certo, diz o Dr. Jobim, no seu discurso, que elles (falia dos escra- vos) são também mais expostos aos effeitos da humidade, por andarem descalços, mal vestidos, e dormirem ao sereno, em palhoças abertas, e im- mediatamente sobie a terra fria ehumida. Sabemos que os indivíduos mais atacados da hypoemia são os escravos, são os trabalhadores das roças que vivem com os pés dentro dágua, que morão em casas de palha, assentadas em logares baixos, mal vestidos, ex- postos ao sereno da noite e as chuvas do dia. Si durante o dia trabalhão aos ardentes raios do sol num clima abrasador, ou semi-nus, ou envolvi- dos em uma grossa baeta, expõe-se á repercussão da transpiração, á sup- pressão das funcções exhalantes das mucosas, por um abaixamento rápido de temperatura, por uma chuva, por uma columna de vento, pela água que bebem, estando suados, a contrahirem, pelas congestões que vão deter- minar a alteração do sangue, com a maior freqüência, a moléstia de que tratamos. Si o resfriamento é uma das causas mais ordinárias do catarrho gastro- intestinal, como o demonstra a observação, e si o catarrho gástrico épor sua vez uma das causas mais freqüentes das dyspepsias, e das gastralgias, não podemos negar que elle prepare as hypoemias, de modo tão nocivo, e que abra a scena a essa perturbação tão grande no sangue. E de facto, si o es- tômago, estepater famílias, como lhe chamarão os médicos da idade me- dia, sente-se enfraquecido, empobrecendo os seus próprios productos, bem se vê que não pode elaborar os sucos nutritivos, capazes de reparar as perdas do organismo, provindo d'isto muito immediatamente uma alte- ração desse fluido essencialmente reparador. Si accrescentarmos á isto a quasi paralysia dos exhalantes, em con- seqüência do mesmo resfriamento, teremos a suppressão da transpiração (I) Pictra-Santa—Essai de climatologie—Paris 1860. (2) Michel Levy—Traite d'hygiène publique et priyée. — 24 — echoando sobre as mucosas, congestionando-as e dando elementos cons- tantes para maior desenvolvimento do mesmo catarrho gastro-intestinal. Estas suppressões da perspiração tegumentaria, diz o Dr. Felicio dos Santos (1), pelas alternativas de temperatura, devem ser attendidas, não so- mente como influencia lenta e gradual, mas ainda, segundo alguns, como a causa única apreciável em muitas circumstancias. O fallecido Dr. Silya, talvez exageradamente, tinha em grande conta dormir sobre a argila hu- mida. A humidade, obrando ou de uma maneira rápida ou de um modo lento, deprime todo o systema nervoso da vida de relação e orgânica, e pro- duz essas perturbações funccionaes, que se revelão logo pela atonia ou asthenia do tubo intestinal, e que determinão posteriormente o catarrho gastro-intestinal em grau mais elevado, as dyspepsias e as nevroses, espe- cialmente as do estômago. Temos tido por muitas vezes occasião de observar a hypoemia no Hos- pital da Santa Casa, e na enfermaria do convento de S. Bento. Podemos asseverar que a humidade é uma das condições etiol«»gicaspredisponentes mais enérgicas do seu desenvolvimento. A muitos doentes ouvimos datar a moléstia de uma constipação (vulgo suppressão de transpiração) na oc- casião do trabalho: a outros do trabalho em lugares de brejo, em lugares baixos. Nas roças, nos engenhos e nas fasendas a moléstia é freqüente: nas ci- dades é rara. O Dr. Reinholdt, em sua these appresentada á Faculdade de Medicina do Rio em 1853 refere que a oppilação é devida a uma mortalidade de 2/3 dos escravos nas fasendas do Rio de Janeiro. Entre nós, nos nossos engenhos si a mortalidade não é superior, é talvez egual. Será porque a cul- tura da cana é mais penosa que a do café e dos cereaes? O Dr. Mariot fallando da perniciosidade do elemento humido assim se exprime. « Nous avons fait remarquer déjà que dans les contrées occidentales de 1'Afrique tropicale nous n'avons pas vu sévir 1'hypoemie si commune au Brésil sous des latitudes correspondentes; cependant Ia chaleur y est plus elevée encore,et il ny guère que 1'état hygrornetrique de rathmosphère (1) Em sua these já citada. — 25 - par sa secheresse habituelle, qui forme un véritable contraste avec les pays brésiliens sous le rapport climatique!! Outra causa que não é menos activa e predisponente para o desenvolvi- mento da hypoemia intertropical é a alimentação. Insufficiente ou pouco reparadora é ella quem mais concorre para o depauperamento do san- gue, privando a economia de princípios próprios para satisfazer os seus gastos. Insufficiente ou pouco reparadora é ella quem deteriora o orga- nismo do escravo ou da população pobre, enchendo-lhe o estômago de substancias indigestas, inassimilaveis e não azotadas. « O uso exclusivo de alimentos feculaceos (diz o Dr. Jobim) como fari- nha de mandioca, milho, feijão nos parece uma das poderosas causas pre- disponentes do seu desenvolvimento: a primeira d'aquellas substancias he opinião geral, que comida só e seca basta para desenvolver, a segun- da he de difficil digestão e quanto á ultima, o milho, ainda que o Dr. Duchene, em uma excellente memória sobre elle, coroada ultimamente pela academia de medicina de Paris, o considere como um bom alimento de que a classe pobre, em certos lugares da Itália, e media da França, faz um uso exclusivo, sem o menor inconveniente; ainda que nos Esta- dos-Unidos da America do Norte, nutrem-se os criminosos, condemnados a prisão por toda a vida, somente com farinha de milho, fervida em agoa com melado, julgamos com tudo que o nossa clima onde he necessário huma alimentação mais animalisada, se não pode fazer impunemente uso exclusivo destas substancias vegetaes, sem correr o risco de ficar hypoe- mico. Assim o suppomos lembrando-nos que os escravos tanto das fasendas de baixo, como de cima da serra, alimentando-se exclusiva- mente daquellas substancias são muito sujeitos á esta moléstia. » A classe pobre e os escravos nutrindo-se exclusivamente em muitas localidades de farinha de mandioca, de aipim, de feijões, de abóboras, sub- stancias em que predomina a fecula de envolta com os princípios refracta- rios á digestão como a cellulose, estão expostos a contrahirem a moléstia tanto porque fatigam extraordinariamente as forças do estômago, deixan- do-o em uma espécie de paresia ou atonia, como porque estas substancias da ordem dos alimentos hydrocarbonados ou respiratórios não fornecem como os azotados os elementos nutritivos, sem os quaes não pode haver 4 — 26 — a reparação necessária dos tecidos, sem os quaes.não se fôrma sangue rico em glóbulos brancos e vermelhos. X alimentação hydrocarbonada depaupera tanto o sangue como a ali- mentação insufficiente: gasta os tecidos, e enfraquece o systema nei - vo-muscular, preparando em ambos os casos, esse abatimento da economia. Dos trabalhos de Chossat, Boussingault, Bedder e Schmidt, e das investigações mais recentes de Bischaf e Voit, Panum, Ranke, etc, resulta que, si o organismo só receber o oxygenio atmospherico, e ficar privado de todo alimento, pode, por muitos dias, viver de sua substancia constitutiva: haverá então perda dos elementos histologicos e se pronun- ciarão todos os phenomenos da inanição: o sangue e concomitantemente as funcções do coração, da respiração e da nutrição padecerão. O regimen não azotado ou exclusivamente hydrocarbonado produz as vezes, rapidamente, as mesmas desordens que a abstinência. Do emagre- cimento dos tecidos organisados rápido, resulta que a uréa que se man- tém em principio em sua cifra normal, acaba por diminuir, e cahir no minimo, exactamente como na dieta. (1) O ácido urico diminue também, porém em menores proporções, por um regimen mixto, sua relação com a uréa se exprime por 1,45: soba influencia do regimen hydro-carbonado, só é representado por 1,61. A eliminação do carbono, pelo contrario, se mantém na media physio- logica durante muito tempo: o ácido carbônico continua a formar-se á custa dos elementos feculentos, e de outra parte, á custa da gordura de reserva: mas como o azoto absorvido não basta para cobrir as perdas da mesma natureza, a actividade nervo-muscular diminue, as oxydações das matérias hydrocarbonadas, de origem externa ou interna, acabão por sua vez de se extinguir. Estes phenomenos que acabamos de resumir aeompa- nhão ou revelão tanto a alimentação insufficiente, como a alimentação pobre em princípios reparadores da economia. « Les noirs (diz Rendu) ont un système de nourriture peu en harmonie avec les besoins de leur climat. A 1'exception du porc, ils mangent peu de viande, et consomment en revanche beaucoup de farineux. Cette alimen- tation vicieuse existe surtout parmi les noirs. En general ils mansent fort peu de viande, et celle qu'on leur distribue pèche souvent par Ia qualité ! c'est de Ia carne sèche, lambeaux de chairs séchéesau soleil, privées d'une (I) Vid. Sée-Lections de Patholoüie expeiimcnlalc—Pariz 1807. — 27 — pai lie de leurs sues nutritifs et souvent alterées. Leur principale nourri- ture consiste en haricauts et en farine de manioc etc.» Todos nós sabemos que a classe pobre e os escravos pela sua maior parte nos engenhos e fasendas não se nutrem de carne: a ração d'estes úl- timos é em alguns lugares miserável: em outros dá-se a carne seca uma ou duas vezes por semana, e as vezes estes infelizes recebem a carne já despida de todos os seus princípios nutritivos. A alimentação é por isso quasi toda vegetal; e si bem que alguns cereaes encerrem em si princípios análogos aos proteicos dos animaes (glúten, ca- zeina, e albumina vegetal) sua proporção porem é muito insufficiente. Para se avaliar, diz o Dr. Felicio dos Santos, a inferioridade, em relação ao trigo, das substancias que nas fasendas substituem o pão, aqui appresen- taremos os seguintes algarismos comparativos: Farinha de trigo......... 18 a 24% de glúten ou mat. az ) Becauerei » » ......... 3% » » » ; ' q i » ......... 7,5% » » » Payen e Boussingault. » favas e feijões. 4% » » » Becquerel. » milho........ 12,5,% » » » Payen. Este ultimo algarismo nos parece muito elevado, confrontando-o com o que dizem outros chimicos acerca da pobresa do milho. A' respeito da mandioca faltão-nos analyses exactas, mas é sabido que a sua inferioridade é ainda mais sensível. Uma prova (continua o Dr. Felicio dos Santos) da neccessidade da ali- mentação animal é a raridade da oppilação nos campos em que o uso do leite é geral: por isso também no sertão é ella pouco commum. O nosso amigo e collega Domingues dos Santos referiu-nos que na fazenda do Marqnez de Paraná (Minas) a moléstia é desconhecida apesar do grande numero de escravos, não se podendo explicar essa immuni- dade senão pelo uso quotidiano da carne secca: circumstancia notável que comprova a innocencia desse alimento por si só contra a opinião de al- guns práticos. Oxalá fosse elle mais geralmente empregado! Lavacher, na sua Guia das Antilhas, fallando do mal do estômago, con- sidera como uma das causas mais predisponentes da moléstia uma alimen. lação aquosa e vegetal, Essa alimentação, repetimol-o, fornece o assucar ou glycose, o amido, a fecula, a gomnia, o álcool, os óleos vegetaes, etc: nenhuma dessas sub- stancias, tomadas exclusivamente, pode entreter a vida: o assucar e a gor- dura fornecem a quantidade de calor necessário ao organismo, atravessao ~ 28 — por elle sem nelle se fixar. É impossível a nutrição sem matérias azota- das, principalmente a carne. É a carne por sua composição chimica, e suas propriedades bem provadas, um excellente alimento, e na opinião de Foissac o correctivo necessário dos feculentos que, segundo os physio- logistas, não contém matéria nutritiva. L'organisme, diz esse sábio medi- co* se détruisant et se renouvelant sans cesse a besoin de trouver dans Taliment tous les príncipes qui sont elimines: si un seul manque, Ia vie lan- guit et est menacée de s'éteindre. Eis demonstrada a segunda causa preparadora da hypoemia. Não demo- raremos mais no desenvolvimento das causas: as duas que deixamos apon- tadas são sufficientes para explicarem a invasão da hypoemia intertropical. Alguns escriptores enumerão a geophagia ou allotriophia como causa da moléstia, mas devemos consideral-a antes como effeito do que como causa. Não consideramos também que o abuso do tabaco fumado ou mascado seja causa valiosa ou de importância, porque muitos indi- víduos tem sido acommettidos do mal sem nunca terem mascado o fumo. O abuso das bebidas alcoólicas, a nostalgia, a hypochondria, o envenena- mento, de que falia Lavacher, etc, são causas tão remotas, que não acre- ditamos que tenhão por si sós de dar apparecimento a moléstia. Também não cremos que os fructos aquosos e ácidos perturbem por tal modo a alcalinidade intestinal, que prejudique á digestão dafecula,e dêem origem á essas dyspepsias tão características da hypoemia. As duas causas apontadas actuão abrindo o período inicial da moléstia, e preparão o organismo para receber e desenvolver a que vem dar o cunho, a physionomia da moléstia, pelas modificações que produz na eco- nomia, pelos estragos que opera em toda ella. Por si sós não produ- zirião ellas mais do que uma simples anemia, como soem fazer quando se manifestão em qualquer clima. Mas esses estragos que consecutiva- mente se observão: esses phenomenos notáveis de um depauperamento de sangue: essa nevrose gástrica descripta com o nome de malacia, sem- pre constante revelação do estado nervoso, esses edemas de origem co- nhecida, essa rara alteração do fígado, do baço, e do coração, esse trata- mento pelo ferro quasi sempre improficuo, si não é precedido dos antel- minticos, tudo isso nos diz que além dessas duas causas predisponentes, — 29 — preparadoras da hypoemia, ha uma que actúa e representa um papel assás preponderante na evolução da moléstia como determinante, dando-lhe uma facies própria que a discrimina e distingue da anemia vulgar. Limitada a investigação etiologica da moléstia a esse único estudo, de causas preparadoras, teríamos apenas afirmado que a hypoemia é uma sim- ples anomalia geral da nutrição por pobreza de sangue, e assim teríamos respondido perfunctoriamente ao primeiro quesito. Para responder, porém, ao segundo, no qual está envolvida a grande e importantíssima questão etiologica da hypoemia, como se vê da substan- cia do próprio quesito, é-nos preciso indagar uma outra causa, que é sem duvida alguma a que vem dar a feição própria a moléstia de que tratamos, SEGLXDA PARTE. Sob o ponto de vista etiologico poder-se-ha determinar e achar relações entre a hypoemia intertropical c a presença do anchylostomum duodenale? Em 1838, Dubini, sábio professor de Milão, praticando uma autópsia em um indivíduo fallecido de chlorose do Egypto deparou com grande quantidade de vermes nos intestinos. A esses vermes deu elle o nome de anchylostomum duodenale. Pruner alguns annos depois assignalou a ex- istência d'elles no Egypto. Bilharz e Griesinger por indicação de de Siebold fazendo investigações especiaes, estudaram-nos mais escrupulosamente do que os anteriores observadores. Foi Griesinger quem primeiro demonstrou, no Cairo, a relação d'esses vermes com a chlorose do Egypto, que é sem duvida alguma a mesma hypoemia intertropical. A presença de taes vermes, diz Griesinger, deter- mina por sangrias pequenas, mas incessantemente renovadas, essa mo- léstia que afílige o quarto da população do Egypto. Em uma das suas sessões, no Cairo, em 17 de Abril de 1852, dizKuchen- meister (1), Griesinger que ignorava a verdadeira causa da chlorose do Egypto e que receitava, ora ferro, ora quinina, e ora phosphato de cal, ficou sobremodo admirado quando achou o duodenum, todo jejunum e até a metade superior do ileum completamente cheios de sangue fresco, ver- melho, somente coalhado em alguns lugares, e milhares de anchylostomos na membrana mucosa dos intestinos delgados, cada um com a sua peque- na echymose. Tendo de deixar o Egypto e não podendo recolher dados de experiência clinica chamou o prosector árabe e disse-lhe « Deveis empre- gar de hoje em diante calomelanos, e outros anthelminticos contra estes anchylostomos e distemos da veia porta, em uma palavra, contra a chlorose (1) Die in und au dem korper des belebendem Meuschen Yorkonimendem parasitem. — 32 — tropical, assim como contra a hematuria, concreções calculosas, dysente- ria, abcessos do fígado, e todas as enfermidades incertas dos paizes quen- tes, talvez até contra uma parte da febre tropical, e vós mesmo deveis examinar de novo esta ultima moléstia em relação com os mais modernos descobrimentos helminthologicos ! Rilharz em vista de tal recommendação e por conselho de Von Siebold fez muitas investigações no Egypto e depois d'elle Pruner, e tanto um co- mo outro observarão sempre, em todos os corpos que examinaram, depois da morte, os anchylostomos, ora por milhares, ora por centenares, ora em menornumero, menos no duodeno do que no jejuno, entre as dobras trans- versas da membrana mucosa, e sempre nessa moléstia que aflige em lar- ga escala a população do Egypto, a qual Griesinger deu a denominação de chlorose egypciaca, e cuja discripção é feita por elle nestes termos: No primeiro período da chlorose do Egypto: palidez da face, da peri- pheria do corpo, descoramento considerável dos lábios e das gengivas: palpitações do coração, especialmente ao menor exercicio: ruido nas veias jugulares, quando escutadas: cansaço, debilidade sem emaciação, são os principaes phenomenos. Subseqüentemente o doente se queixa de diges- tão perturbada: irregularidade e catarrho intestinal. Estes symptomas po- dem continuar por um tempo indefinido, mas se não forem combatidos por um tratamento decisivo, as conseqüências serão muito serias e geral- mente fataes. A emaciação muitas vezes só começa para o fim da moléstia. O doente sente cephalagia frontal e temporal: atordoamentos: zunido aos ouvidos: dores articulares e precordiaes: fome constante: dyspepsia e sensibilidade no baixo ventre. O edema das extremidades e das palpebras: uma cor pá- lida amarellada, ou amarella esverdinhada da superfície do corpo, os te- gumentos mirrados,ora seccos, orabalofos e frios; uma palidez notável das extremidades dos canaes mucosos; notável apathia; sentimento de cansa- ço; palpitações constantes e incommodas; ruidos do coração: murmúrios em todas as artérias mais calibrozas, um som áspero felino nas jugulares, eis os phenomenos que sobrevém a pouco e pouco. O pulso é freqüente e pequeno; os movimentos respiratórios são fracos, freqüentes e curtos: a urina é abundante, pallida, e raras vezes contém albumina. Commumente apparecem vertigens e cephalalgia: observa-se fome constante, appetites exquisitos, e ligeiros movimentos febris, raras vezes crescimento do baço, e atrophia do fígado. Com descuido e sem a - 33 — dieta necessária este estado pode durar por annos, mas em muitos casos é rápido o progresso da moléstia. Muitas vezes e nas melhores circumstancias o doente se conserva pal- lido, doentio e abatido, exhibindo um alto gráo de anemia e hydremia. Outras vezes sobrevém varias affecções agudas e complicão a moléstia e uma diarrhéa ou dysenteria chroniea por fim arrebatão o doente. Apressão a dissolução um trabalho fatigante, um tratamento debilitan- le e antiphlogistico ou deprimente. Um regimen restaurador, mudança de clima, e um tratamento racional muitas vezes sustão o soffrimento. Todos os phenomenos conseqüentes da presença destes parasitas são caracterís- ticos de uma perda de sangue muito vagarosa, mas continuada, a qual, si não for obstada, continua até que a quantidade e a qualidade deste fluido não são mais sufficientes para sustentar a vida, sobrevindo a morte com desmaio, dyspnéa e syncope fatal. Ao exame microscópico observa-se: os órgãos e tecidos estão geralmen- te gastos, pallidos e amarellicidos: o baço pouco volumoso, o fígado palli- do e atrophiado; as voias quasi vasias, o coração e os grossos troncos ve- nosos contém somente coágulos pequenos, trigueiros, moles, com mui pouca fibrina. Até em muitos dos grossos troncos venosos ha somente um fluido escuro, mostrando asorosa com poucos glóbulos sangüíneos, pallidos, largos e sem còr. A substancia do coração, especialmente os pilares, ficão muito pálidos e até gordurosos. O endocardo e as válvulas são geralmente irregulares, como se estivessem espessadas em parte. O cérebro, o pulmão, os músculos, a superfície mucosa do apparelho intestinal apresentão notável pallidez e anemia, achando-se amollecido e flacido: o tecido cellular e os músculos mostrão em parte uma infiltração aquosa. Encontra-se o anchylostomum duodenale em gran- de quantidade firmemente agarrado ás membranas mucosas e sub-mueo- sas, e observa-se que o logar em que este verme esteve preso é indicado por uma echymose do tamanho de uma lentilha, em cujo centro apparece uma nodoa branca do tamanho de uma cabeça de alfinete, a qual é atra- vessada por um buraco penetrante no tecido sub-mueoso. Destas feridas entra o sangue livremente para o intestino do verme, o qual fica cheio nos logares pungidos. Freqüentemente a membrana mu- cosa é marchetada com elevações chatas, lividas, vermelho-anegradas, do tamanho de uma lentilha. É isso devido a collecção do sangue entre a membrana mucosa e a túnica muscular. Em alguns casos um specimen 5 — 34 — do verme ê encontrado jazendo na cavidade assim formada, coberto com sangue com que tem-se completamente engorgitado. A conseqüência manifesta deste padecimento é a anemia. Eis a chlorose egypcia descripta por Griesinger, eque ataca, na sua opinião, um quarto da população. Pela descripção que acabamos de transcrever do observador allemão se vê qUe a chlorose do Egypto é a hypoemia intertropical. Entre ambas ha tal similhança, ha tal correlação de phenomenos ini- ciaes, de symptomas, de marcha, de lesões pathologicas que não se pode deixar de afirmar que uma aflecção é a mesma que a outra, que ambas nascem sob as mesmas condições etiologicas, marchão e se desenvolvem. Yamos agora ver si o anchylostomum duodenale descripto por Dubi- ni, Yon Siebold, Rilharz, Griesinger, Copland e Davaine e encontrados sempre na chlorose do Egypto é o mesmo verme que entre nós foi observa- do pelo Sr. Dr. Wucherer nos cadáveres hypoemicos. Extrataremos da gaseta medica da Rahia de 25 de setembro de 186G a descripção do anchylostomum duodenale feita com toda a minuciosida- de e perícia pelo mesmo Sr. Dr. Wucherer. «Os vermes, que receberam este nome de seu descobridor Dubini, teem o comprimento de três até cinco linhas, sendo as fêmeas um pouco maiores do que os machos. A sua côr é branca, acinzentada, tirando em alguns para o encarnado. O corpo é roliço, atenuando-se para ambas as ex- tremidades. A extremidade anterior é obliquamente truncada, e ahi se vê a boca, de figura de acetabulo ou funil, circular, virada para o dorso do animal. Na margem abdominal desta cavidade veem-se, dentro da boca, quatro dentes conicos, com pontas convergentes umas para as outras, que parecem nada mais ser do que prolongamentos dessa margem, que é de uma substancia cornea e transparente como o é todo o tegumento do corpo. De certa distancia da extremidade anterior para traz a cutis mostra riscas transversaes estreitas. O esophago tem a figura de uma clava, mais grossa posteriormente, e carnosa. No ponto em que o sexto anterior do comprimento total do verme se une aos cinco sextos posteriores, vê-se, de cada lado? uma proeminencia — 35 - da cutis, curta, conica, e pontuada, parecendo um espinho. A extremida- de posterior da fêmea é conica, pontuda, e o ânus fica em pequena dis- tancia da ponta. A extremidade caudal do macho acaba em uma espécie de cartuxo, continuação da cutis transparente do corpo do animal em for- ma de cálice, partido de um lado, em cujo interior se divulgam umas sa- liências, longas, pontudas, em numero de onze. O penis é duplo, muito delgado e longo. A abertura genital da fêmea é situada no dorso, distan- te da extremidade posterior do corpo. Nas fêmeas um canal muito com- prido percorre, em linha irregularmente espiral, quasi toda a extensão do corpo, em volta do intestino, e, contem muitas vezes innumeros ovos. Encontra-se um macho por cada quatro ou cinco fêmeas. Verificamos, continua o Sr. Dr. Wucherer, a existência do anchylostomo em cinco cadáveres de indivíduos, que tinham apresentado todos os sym- ptomas da hypoemia no mais subido gráo: a anemia em todos era tal, que não se podia explicar bem por aquellas circumstancias, que se costumam olhar como causa do cansaço; o que nos parecia evidente, era, que os an- chylostomos a não serem a causa única da anemia, deviam ter contribuído muito para agraval-a. Quem compulsar qualquer das obras dos helminthologistas citados ha- de reconhecer que adiscripção e estudo do anchylostomo feitos pelo illus- trado Sr. Dr. Wucherer e que acabamos de apresentar, em quasi nada di- ferem dos de Dubini, Rilharz, Pruner, de Siebold e Kuchenmeister. Ora si o verme é o mesmo tanto na hypoemia intertropical como na chlorose do Egypto, resta-nos saber si a sua presença nos intestinos é tão constante naquella affecção, como é nesta, segundo foi verificada por tão sérios observadores, lla-de ser o exame microscópico feito pelos nossos - facultativos quem ha-de responder-nos: elle nos ha-de diser si é ou não real e exclusiva a existência de taes vermes nos hypoemicos, ou si por ven- tuia podem coexistir em algumas outras affecções e determinar nos intes- tinos as mesmas lesões que encontramos nos dos hypoemicos. Affirmão os helminthologistas que observarão o anchylostomo mchloro^ se do Egypto— que em nenhuma outra affecção poderão descobrir a pre- sença d'esses vermes. - 36 — «Abrimos dose cadáveres, diz o Sr.Dr.Wucherer, de indivíduos fallecidos de diversas outras moléstias: procuramos cuidadosamente os anchylosto- mos e não os achamos. Alguns desses cadáveres estavão anêmicos, e d'ahi podemos inferir, que não é a anemia, por si só, que parece determinar a existência dos anchylostomos. Vamos agora consultar a Gazetta Medica da Bahia, esse archivo pre- cioso da medicina bahiana, e examinar todos os casos de autópsia de hypoemia feita por distinctos facultativos para concluirmos em vista delles si ha ou não relação entre aquella affecção e a presença do anchy- lostomo. Em uma questão de facto como esta é, só a observação é quem nos hade ministrar as bases em que deve ficar assente a nossa convicção: íóra d'ahi é perder tempo em divagações estéreis, e frivolas capciosidades que podem servir alguma vez nas sciencias especulativas, mas que não podem nas sciencias positivas agradar aos que buscão no rigor dos factos a explicação seria e legitima dos mesmos factos. Primeira historia e autópsia praticada pelo Sr. Dr. Wucherer: Delfino, pardo, de 30 annos pouco mais ou menos d'edade, casado, de es- tatura regular. A côr era pallida, não havia emagrecimento notável: o rosto estava inchado, mormente as palpebras, e havia edema das mãos e dos pés. A pelle era seca, a temperatura do corpo baixa, sobretudo a das ex- tremidades. O doente permanecia deitado. A physionomia denotava grande anciedade, pois que a respiração era excessivamente laboriosa, principal- mente quando o doente fazia algum movimento; podia conservar-se sentado por minutos apenas, escurecendo-se-lhe a vista si não se tornasse a deitar logo. O exame dos órgãos respiratórios nada revelava afora algum edema dos pulmões, das suas partes inferiores e posteriores. Havia fastio, sede, e freqüentes náuseas; a lingoa como toda mucosa da boca e bem assim a conjunctiva palpebral erão de uma brancura extraordinária. As dejecções alvinas erão retardadas: havia infiltração no ventre, e também debaixo da pelle desta região. A urina era clara, côr de palha, quasi sem cheiro ourinoso: seu peso especifico 1007, sendo a temperatura 27 1/2 centígrado. Ouvia-se o sopro systolico sobre o coração, e um sus- — 37 — surro continuo sobre as jugulares. Pulso pequeno e freqüente. O fígado e o baço não parecião augumentados de volume; não havia sensibilidade em parte alguma do ventre. O doente dizia que havia softrido de intermitten- tes, havia muito tempo e só quando vivia nas margens do Rio de S. Fran- cisco, e que não era dado a bebidas alcoólicas; pelo que dizião os seus companheiros elle tinha adquirido o costume de comer barro. No enge- nho Inhatá gosou saúde a principio, mas passados alguns mezes, depois de ali chegar e ter-se casado, adoeceu da sua presente moléstia. No Inhatá as águas são de vertente e boas; o cansaço ahi é muito fre- qüente entre os escravos, entretanto que nas margens do Rio de S. Fran- cisco éraro. A alimentação dos escravos da Ordem, tanto do engenho Inha- tá, como do Rio de S. Francisco é boa, e não é provável que a alimenta- ção do nosso paciente fosse peior depois do seu casamento. Em todo o caso não era á má alimentação, ao excessivo trabalho nem ao abuso de bebidas alcoólicas que se podia attribuir a anemia n'este doente. O seu estado era péssimo; não se podia esperar nada do emprego de tônicos, nem do ferro, em cujo uso o doente estava já havia algum tempo (vinho quinado e ferro); o effeito de taes meios seria demasiadamente lento para um caso tão desesperado. Lembramo-nos do leite da gameleira, cujos excellentes effeitos ouvíamos gabar, mas não o tínhamos logo á mão, e sabendo que os drásticos bem como a tinctura cathartica de le Roy e outros erão freqüentemente empregados no cansaço com proveito, e con- siderando o leite da gameleira, pelo que tínhamos ouvido dizer um drás- tico, resolvemos substituil-o pelo elaterio, e receitamos dous grãos dessa substancia para serem repartidos em oito doses e ser dada uma de três em três horas. Retiramo-nos, porem, pouco satisfeito com esta prescripção, e, logo que tivemos tempo, procuramos ler alguma cousa a respeito de uma moléstia, que freqüentes vezes, durante mais de vinte annos que habitamos n'este paiz, nos tinha parecido rebelde a diversos methodos de tratamento. No dia seguinte voltamos ao Mosteiro com o propósito de receitar para o nosso doente o sueco leitoso da gameleira, si ainda fosse possível, porém elle havia expirado ás duas horas da manhã, depois de ter feito poucas dejecções. Insistimos na autópsia e ficamos bastante surprehendido quando achamos nos intestinos delgados exactamente o que tinha descri- pto o Sr, Griesinger, — 38 — Sendo os vermes muito pequenos, não admira que elles passassem por bastante tempo desapercebidos. Levamos alguns para casa, examinamos ao microscópio, achamos que elles correspondião muito aproximadamente a descripção do anchylosto- mum duodenale, dada por Copland no seu diccionario de medicina pratica, e mais tarde convencemo-nos de que não havia differença entre os nossos exemplares, e a sua descripção. Pareceu-nos logo que a continuada subtracção de sangue causada por es- tes vermes, não só daquelle de que elles necessitão para seu sustento, mas também o que elles fazião derramar, era sufficiente para explicar a anemia; os vermes, pela sua presença e muito mais pelos continuados ferimentos da mucosa, devião constituir uma fonte constante de irritação que servia para explicar outros symptomas da moléstia. Segunda historia e autópsia praticada pelo Sr. Dr. Wucherer, em pre- sença dos Srs. Drs Faria, Silva Lima e Caldas: Vicente Domingos de Araújo, branco, 10 annos de idade, natural de Valença, morador na freguezia da Penha, entrou para a enfermaria no dia 27 de novembro de 1865, e occupava o leito n. 15. O estado geral eramáu e denunciava enfraquecimento adiantado. A pelle descorada, assim como as mucosas labiaes e as conjunctivas: havia infiltração das extremidades inferiores. O olhar era amortecido, e a physionomia exprimia abatimento e desanimo. A auscultação nada re- velava de anormal no apparelho respiratório, a não ser o enfraquecimento e difficuldade do trabalho pulmonar: havia o sopro anêmico na base do co- ração, ouvido no primeiro tempo: o exame abdominal não deixava per- ceber alteração notável nas visceras contidas nessa cavidade: o ventre era indolente á pressão: a lingua era branca e pastosa: o doente era atormen- tado quasi constantemente por dores nevrálgicas, que variavão de sede, mostrando-se mais freqüentemente na cabeça e sobretudo na região ocei- pital: fatigava-se por qualquer movimento, e só desejava o repouso com- pleto. Havia anorexia, o pulso era apressado e as vezes irregular, mas sem coincidência com o augmento de temperatura da pelle, que quasi sempre esteve abaixo da temperatura normal. Em vista do exposto capitulamos o caso de anemia essencial (hypoemia) devida, naturalmente, á vicio de constituição hereditária, ou á má alimentação, e péssimas condições hy- gienicas em que vivia esta infeliz creança, etc, etc. A autópsia foi feita no dia 20 de dezembro ás 10 horas. O corpo estava — 39 — muito magro, não havia infiltração notável de parte alguma: parecia exces- sivamente privado de sangue. Abrindo o ventre, não achamos derramamento soroso. O intestino del- gado continha um muco escuro, quasi preto, em differentes partes, e no duodeno e jejuno achamos innumeros anchylostomos: no jejuno e ileon existião numerosas ulceras, algumas do diamentro de quasi uma pollega- da, apparentemente antigas, com bordos revirados e grossos. Por falta de tempo contentamo-nos com o achado dos vermes, que vinha confirmar o diagnostico. O óleo de terebenthina foi dado na supposição de que existissem anchy- lostomos, porém no exame escrupuloso das fezes, depois do seu emprego, não se acharão aquelles vermes. Era o segundo caso em que a autópsia revelava os anchylostomos em cadáveres de hypoemicos. Terceira historia c autópsia: O seguinte casooccorreu na clinica do Sr. Dr. Silva Lima, á cuja bon- dade (diz o Sr. Dr. Wucherer) devemos a historia: «Renedicto, africano liberto, de 70 a 75 annos de idade, entrou para a enfermaria de S. Lino, no hospital da Caridade, em 30 de abril de 1866. Veio em estado de grande abatimento e magreza, com diarrhéa sem fe- bre, com edema das extremidades inferiores e anemia. Não podia estar sinão deitado: queixava-se constantemente das pernas, onde sentia algu- mas dores, e fraqueza muscular. Não tinha indicio algum de moléstia do coração, nem se ouvia, se quer, o sopro que costuma acompanhar as ane- mias. Com um tratamento estimulante, boa alimentação e vinho, reani- mou-se pouco a pouco, mas nunca ponde dar um passo, nem ao menos pôr-se ou sustentar-se em pé. Appareceu-lhe depois edema consideraval no escroto, que necessitou de algumas escariíicações: por este meio desap- pareceu, em poucas horas, toda a serosidade, e o escroto voltou ao seu vo- lume natural. Estas pequenas soluções de continuidade erão de côr intei- ramente branca, assim como as unhas e todas as mucosas apparentes. «Nos últimos dias de abril cresceu-lhe a canceira a ponto de não poder estar um só momento deitado: a respiração era laboriosa, sem stertor al- gum: as forças fora o-lhe faltando rapidamente, até que, no dia 2 de ju- nho, quasi de súbito, falleceu ás 6 horas da manhã. Procedendo a autópsia, o Dr. Wucherer e eu encontramos as vísceras abdominaes bastante descoradas, mas sem lesão especial em nenhuma — 40 — dellas: os intestinos delgados contrahidos em alguns pontos até á grossura do dedo mínimo: aberta esta parte do tubo intestinal, encontramos nume- rosos anchylostomos duodenaes, mais abundantes no duodeno, ou começo do pyloro, mas nenhum no estômago, nem no intestino grosso: estavão ainda, pela maior parte, vivos e agarrados á mucosa, sendo precisa alguma força para os despegar: os intestinos delgados continham um liquido espesso, como gelatinoso, de uma côr vermelha escura, coincidindo a maior abun- dância de anchylostomos com os pretos, onde havia mais deste liquido. A membrana mucosa era avermelhada em algumas partes, como ecchy- mosada, e notavelmente amollecida: encontramos também nos intestinos delgados alguns vermes lombricoides e no intestino grosso alguns tricoce- phalos. Existia neste caso uma anemia considerável, sem lesão de órgão algum á que se podesse attribuil-a; a autópsia veio verificar a nossa suspeita da existência dos anchylostomos. Quarta historia e autópsia: O caso seguinte, cuja historia foi escripta pelo estudante do 5.o anno o Sr. J. J. dos Santos Pereira, foi observado também na clinica do Sr. Dr. Silva Lima, no Hospital da Caridade: Antônio Manoel de Rittencourt, 50 annos d'idade, constituição deterio- rada, temperamento lymphatico, occupava o leito n.° 22 da enfermaria de S. Lino. Soffrera, na primeira idade, de sarampo, e scarlatina, alem de outros incommodos passageiros, dos quaes apenas conserva alguma remi- niscencia etc etc Observação no dia 19 de Maio: O estado geral do doente é máo e denuncia que elle está soffrendo uma dessas moléstias chronicas que arruinam pouco a pouco a economia. A pelle descorada, em extremo secca e rugosa: as conjunctivas tão des- coradas que bem se pode comparal-as com a brancura de uma folha de papel. O pulso, pequeno e freqüente, dá 100 pulsações por minuto: ede- macia nos membros inferiores e face. Conserva-se sempre o doente em decubito dorsal, bem que não sinta incommodo algum em tomar outra posição. Não pôde ter-se de pé, porque lhe sobrevém continuadas ver- tigens: a temperatura do corpo é normal. A mucosa dos lábios e da gen- givas muito descorada: a lingua saburrosa, esbranquíçada e humida. Na região epigastrica sente dôr pela pressão: a pelle do ventre é escamosa e enrugada, com diminuição considerável da sua espessura. A mais ligeira pressão na linha media dohypogastrio ao umbigo,o doente — 41 — accusa dòr. Não tem nenhum engorgitamento visceral, pelo menos sen- sível. Queixa-se de uma dôr gravativa na fronte, que se exacerba de meio dia para tarde. A auscultação apenas nos mostra um ruido de sopro na região precordial, curto, no primeiro tempo. Do dia 14 em diante appare- ceu-lhe uma diarrhéa pertinaz, e uma dôr ao longo da espinha, da região cervical aos lombos. As dejecções eram líquidas e amarelladas, sem nen- hum vestígio de sangue. O tratamento foi dirigido pelo Dr. Silva Lima em cuja clinica se achava o doente e consistiu em preparados de ferro, antihelminticos etc. No dia 28 a 1 hora da tarde expirou tranquillamente, depois de uma ago- nia lenta e prolongada. Á autópsia, feita pelo Sr. Dr. Wucherer, encontrou- se uma infinidade de anchylostomos duodenaes, ainda vivos e presos á membrana mucosa. Os anchylostomos achavam-se em numero crescente subindo na direc- ção do pyloro: no jejunum havia poucos e no ileon apenas um ou outro. No duodeno estavam entre as válvulas conniventes, nunca sobre ellas, e •'• o que temos notado (diz o Sr. Dr. Wucherer) sempre nas outras autó- psias. O fígado e baço nada apresentavam de notável a não ser desco- ramcr.lo e palidez. Existiam neste, como nos outros casos, que temos observado, muitas adherencias entre o mesenterio e colon transverso com o estômago e as convoluções dos intestinos delgados: o as glândulas me- senteiicas estavam engorgitadas. No estômago não havia anchylostomos: as suas paredes eram grossas, as dos intestinos em algumas partes muito atenuadas, em outras grossas, e o calibre do intestino muito desigual. Em cinco autópsias mais, diz o Sr. Dr. Wucherer ter verificado a existên- cia do anchylostomo. A anemia em todos elles era tal que não se podia explicar bem poraquellas circumstancias e que se costumam olhar como causas do cansaço etc. O que parecia evidente era que os anchylostomos a não serem a causa única da anemia deviam ter contribuído muito para agraval-a. O illustrado medico brasileiro o Sr. Dr. Júlio Rodrigues de Moura em uma nota escripta sobre a hypoemia intertropical e publicada na Gazeta Medica da Bahia de 10 de Dezembro de 1806 traz o seguinte caso de autópsia em um indivíduo fallecido de oppilação aos 18 annos. «Apenas me foi possível abrir o ventre, o que aliás mais me interes- sava para verificar a descoberta de Griesinger, e com effeito era ahi que — 42 — existiam as lesões anatômicas mais importantes. Pouco derrame no perí- toneu. O figado tinha passado pela degenerescencia gordurosa, e pouco augmento apresentava no volume. Raço normal na côr, no volume, na consistência, o que me veio certificar que no meu doente, apesar do» commemorativos, não havia complicação patente. O estômago anêmico ao ultimo ponto, adelgaçado, tendo a sua mucosa, que se destacava com o cabo do escalpello, tomado a consistência putlacea. No duodeno e no jejenum, onde havia grande quantidade de muco, de mistura com bilisT encontrei, logo á simples inspecção, uma infinidade de pequenos ver- mes, esbranquiçados ou ligeiramente avermelhados de meia pollegada de comprimento, pouco mais ou menos, dos quaes alguns estavam mortos no muco, e outros vivos e presos á mucosa intestinal, entre as suas dobras conniventes: destes últimos, vários estavam tão agarrados, que foi preciso servir-me de uma pinça para separal-os. Havia na mucosa manchas echy- moticas de pequenas dimensões. Ainda alguns casos importantes de autópsias: Fomos ultimamente chamados, diz o Dr. Rodrigues de Moura (l)por par- te da justiça para procedermos á abertura cadaverica de um preto, que falleceu em estado de inanição em casa de um lavrador de Theresopo- lis. Este preto era escravo de um fasendeiro de serra abaixo que ia de mudança para Cantagallo, vinha muito oppilado e não poude resistir ás- fadisas da viagem. A respeito do cadáver, era o de um homem, de côr negra, octogená- rio: achava-se em estado de magreza extrema, profundamente anêmico co- mo demonstravam as conjunctivas palpebraes, as gengivas, as palmas das mãos e as unhas. Pela autópsia notamos o seguinte: o figado achava-se augmentado de volume, se bem que normal na sua textura: o estômago muito atrophiado, diminuindo de calibre, semelhando á primeira visto antes a continuação do intestino: a sua membrana mucosa degenerada, pultacea, branca e parecendo uma solução de gomma aleatira, e desta- cando-se facilmente com o cabo do escapello. No meio de uma sanie es- cura encontramos no duodeno e jejuno grande numero de helmintos, que, pelo miscrocopio os reconhecemos como verdadeiros anchylostomos, erosões e echymoses da mucosa intestinal. Raço normal. Coração flaci- do, descorado apresentando em suas cavidades coágulos differentes„ (1) Gazeta Medica da Bahia de Í870-N. 87, lu de Marçov — 43 — Na Revista Trimcnsal da Sociedade instituto Acadêmico publicado em 15 de outubro de 1867, lê-se o resumo de duas autópsias feitas em in- divíduos fallecidos de hypoemia, em os quaes o Sr. professor Dr. Teixei- ra da Rocha verificou a existência dos helmintos. l.a autópsia.—Figado notavelmente redusido de volume, de aspecto gorduroso á primeira vista; examinado ao microscópio descobria-se ainda a rede das cellulas hepaticas mal distinetas: cada cellula apresentava in- teriormente uma grande quantidade de granulações gordurosas; algu- mas tinbam sido completamente destruídas e achavam-se substituídas por pequenos cúmulos de granulações gordurosas. Raço muito desenvolvido. Derramamentos serosos nas cavidades do thorax e do abdômen. Intestinos. Descoramento e amollecimento geral da mucosa, sendo mais notável o amollecimenlo no duodeno e jejuno. Anchylostomos duodenaes cm grande quantidade no duodeno, em chieoses c erosões da mucosa. A mesma achava-se em certos pontos extraordinariamente amollecida e redusida a uma substancia pultacca, de côr escura, quasi negra. O sangue examinado ao microscópio era sensivelmente diminuído em seus glóbu- los vermelhos. 2.a autópsia.—Figado e baço de volume normal. No figado metamor- phosc gordurosa bem adiantada. A mucosa gastro-intestinal achava-se muito amollecida. No duodeno e no jejuno encontrou-se uma quantida- de immensa de anchylostomos. Havia hemorrhagias pequenas em todos os pontos oecupados pelos anchylostomos. Existia algum derramamento na cavidade pleuritica. Os pulmões estavam perfeitos, seu tecido era per- meável e flacido. O coração continha grande quantidade de gordura na sua superfície e coágulos differentes no interior. Excusado é dizer que o habito externo é de um indivíduo hypoemico. Na sessão de 12 de Agosto de 1867 da Academia Imperial de Medici- na do Rio de Janeiro o Sr. Pontes leu a observação de uma autópsia ca- daverica feita pelo Sr. José Antônio de Andrade, então estudante de me- dicina, em um sugeito fallecido de hypoemia no qual encontrou uma mul- tidão de anchylostomos duodenaes, não só no duodeno, senão também em todo trajecto do tubo intestinal. Os Drs. Grenet e Moruslier na ilha Mayote e Rion Kerangel em Cay- enna autopsiarão alguns indivíduos fallecidos do mal de cczur, que é a própria hypoemia, como ja dissemos, e encontrarão em todos elles o an- _ u — chylostomum. 0 primeiro destes facutaltivos enviou de Mayotte ao Dr. Leroy de Mericourt conservados em álcool o duodeno e parte do jeju- no de um indivíduo em que encontraram uma grande quantidade de an- chylostomos. Os vermes forão examinados microscópica mente e o distin- cto redactor dos Archivos de Medicina Naval reconheceo nelles todos os caracteres do anchylostomo duodenal segundo a descripção que se pode ler na obra de Davaine. O Dr. Rion Kerangel depois de ter observado esse nematoide diz assim: Os anchylostomos encontram-se nos indivíduos profundamente anêmi- cos, qualquer que seja a raça a que pertençam. Elles são observados nos índios coolis, nos negros, árabes e chineses, e sobre tudo nos Europeus. Um facto notável é que elles particularmente accommettem os indivíduos que não apresentam symptomas biliosos, e cujas mucosas intestinaes se acham em geral descoradas. Parecem fugir da presença da bilis e falham nos sugeitos que tem o duodeno colorido de amarello ou verde. Nós os observamos no intestino delgado e mesmo até o cego, onde parecem estacionar. Apezarde pesqui- zas minuciosas, não os achamos no grosso intestino. São encontrados de ordinário em grupos no duodeno, intestino delgado e mesmo cego..... Em dous casos observamol-os no estômago: achão-se sempre implantados na mucosa, e com difficuldade são elles destacados, quer com o escapei- lo, quer por meio de lavagens: então vê-se que a mucosa é penetrada, e ha signaes de sub-inflammação. Como recusar, a vista dos factos, a verdade? Si os vermes teem sido encontrados por tantos observadores e de tanto critério, em casos de hy- poemia bem manifesta, podemos negar a sua coexistência nessa moléstia? Nella, e na chlorose do Egypto é tão constante a presença dos anchylos- tomos que o espirito mais previnido, mais obcecado por um esturrado seepticismo, não pode deixar de admittir a irresistível prova dos factos. E pode-se affirmar que era outras affecções se apresentão os anchy- lostomos? Muitas autópsias praticadas pelo Sr. Dr. Wucherer e por nós quando chefe da clinica interna não revelarão, apesar do maior cuidado com que T f -- 10 procedamos, a existência desses vermes, nem mesmo em casos de aneiirfà procedentes de causas diversas. Si ha tão espantosa copia de anchylostomos ferindo a mucosa intestinal, e nulriiulo-se de sangue; si as hemorrhagias que produzem são constan- tes, ainda que pequenas, o processo intimo da assimilação dos princípios alimentares deve ser imperfeito* irregular e insufficiente. Si a presença ou o contacto de entozoarios mais innocentes no tubo intestinal produz aceidentes dynamo-nervosos tão extraordinários, como se reconhece na helminthiase, em que se vê a perda das forças, a paliidez, o emagrecimento, a dilatação das pupillas, o strabismo, a perversão dos >H>ntidos, a fome insaciável, os vômitos, as eólicas, as nevroses do appaíe- Iho genito-urinarios, as lipothymias, as syncopes, as convulsões, a epile- psia e a choréa, com maior razão esses accidentes serão mais intensos e mais graves com a implantação de entozoarios que ulcerão a mucosa in- lestinai, agarrando-se a ella como sangue-sugas e offendendo em pontos diversos as raízes nervosas que animão as vilosidades intestinaes. Estará ligada sem duvida alguma a esta lesão nervosa tão continuada e lão constante o phenomeno d i nevrose conhecida por inalada ou boulimui, que na nossa opinião é um symptoma quasi pathognomonico da hypoe- mia iiiter'ropi/al. Já dissemos que alguns tomão por causa da hypoemia o que é mero ef- n-ito delir.; que essa nevrose marca um período muito critico da moléstia, e citamos casos diversos dessa desbaratada voracidade. Não será por demais ainda uma citação para provar que é caso muito ordinário e muito freqüente da hypoemia similhante nevrose, que traduz sem duvida alguma, não o estado dyscrasico do sangue, porque então ella se manifestaria sem- pre em outras alterações profundas desse liquido, rnas a perturbação ner- vosa que traz a sua origem das lesões provocadas nas raízes nervosas pelas preMis do anchy!osvomo. k A extravagância do appetite, diz o Dr, Felicio dos Santos, leva o doen- te a procurar particularmente o carvão, a terra, a lã, o sal de cosinha, cascas de arvores, de fruetos, e, o que é peior, a cai, a cinza, especialmente a do tabaco. Algumas vezes a depravarão é tal, que as matérias fecaes e outras immundicias não escapão á voracidade desses miseráveis. « Certas substancias, como a argilla, o barro de telha, de panellas, são exqua-á^iinenlc apreciadas. Os moringues, os potes, são buscados de uma maneira irresistível: nada pôde impedir taes desejos, pois quando são re- __ 46 — freados imprudentemente o menor descuido dá azo a que os doentes se atirem a esses objectos com uma violência, de que um ou outro tem sido victima. O Dr. Jobim refere o caso de um, e que desembaraçando-se da da mascara da folha de Flandres, que o impedia de satisfazer os seus de- sejos vorazes, devorou tal porção de cacos de moringues, que pereceu em conseqüência de tão desparatado acepipe. « O Dr. Mariot viu um indio guarany hypoemico ingerir diariamente grandes porções de lã arrancada de um carneiro que o acompanhava. j> A economia animal, já o dissemos, pode aninhar muitas vezes parasitas, que lhe não causão damno tão grande: na superfície das mucosas, no re- côndito dos tecidos, no trama dos parenchymas se acoitão, vivem, se des- envolvem e procreão por muitos annos sem determinar modificações tão profundas: vivem do chymo, vivem do chylo, vivem dalympha, vivem das secreções, vivem dos exsudatos, etc, mas nenhum vive do sangue, ne- nhum é hemophago como o anchylostomo: nenhum a excepção das trichi- nas produz no organismo estragos tão consideráveis e tão permanentes. Â pathologia parasitaria ou verminosa devemos nossos últimos tempos a demonstração de grandes verdades. Os trabalhos de Davaine, Kuchen- meister, Cobbald, Hallier, Desinger, de Siebold, Griesinger e outros sábios são uma prova de seus progressos. Operários incansáveis nesse vasto campo, indagão, investigão, perscrutão com o microscópio em punho essas myriades de gerações, cada qual mais exquisita e extravagante, que se forma, que surge, que pulula, que se desenvolve, e que em filas cer- radas, e de um modo mysterioso acomettem o organismo para lenta e pausadàmente destruil-o, quando as vezes não o fazem baquiar ao pri- meiro assalto pelas armas que empregão, pelas minas que abrem nas dobras mais intimas, no trama mais recôndito da economia humana. D'onde vem os anchylostomos ? que causa determina a sua presença nos intestinos? como são levados ahi? como se desenvolvem? As observa- ções seguintes respondem peremptoriamente á semilhantes interrogações. Não ha parte alguma do corpo que esteja ao abrigo da invasão dos — 47 — entozoarios. Nos pontos mais inaccessiveis como o interior do olho, o cé- rebro, o canal rachidiano, até na cavidade medullar dos ossos se os tem encontrado. O que ha porém de singular, e de algum modo mysterioso o que órgãos diffcrentes não dão asylo a entozoarios da mesma espécie. E assim, diz o Sr. Davaine, (1) que o intestino delgado do homem é a habita- ção da ascaride lombricoide, do teenia solum, do botriocephalo largo etc. mas alguns desses vermes não vivem normalmente no estômago ou no grosso intestino: o cecum é habitado pelo tricocephalo; o recto pelo oxyuro; as vias biliarcs pelo distomo hepatico; e as vias urinarias pelo strongylo gigante. Os systemas, bom como os órgãos, tem vermes que lhes são pe- culiares: nos músculos da vida animal encontra-se o trichina spiralis, no svstema nervoso central o caoiuro, e nas cavidades sorosas naturaes ou adventicias e cysticerco e o cchinococo. São diversas as condições que promovem o desenvolvimento e a prodi- giosa multiplicação dos vermes. A dos climas é a mais poderosa e manifesta. Entre os antigos já Plínio o havia dito e Theophrasto (2) escreveo que os Thracios, e Phrygios, e até os Atticos erão isentos de vermes. Assegurão muitos que na Abys- sinia todos os habitantes são atacados do toenia. O que entretanto é ver- dade demonstrada é que em certos paises ha vermes que se não encon- trão cm outros:—a filaria do homem e o anchylostomo se desenvolvem nos paises tropicaes: o distomo hematobio e o Ur-nia nana só se tem en- contrado no Egypto: o botriocephalo na Europa (Suécia, Rússia e Suissa). É muito difficil, sinão impossível, dizemos helminthologistas, deter- minar as condições que derão logar a producção dos entozoarios nos di- versos paizes, entretanto o clima parece ser a condição principal da exis- tência da filaria, do anchylostomo, e do distomo hematobio. As estações tem alguma influencia na producção e desenvolvimento dos entozoarios. As observações de Bloch (3), de Bremser (4j, de Rudolphi, (5), (1) Trailé das enlosoaircs — Paris 1860. [2) Theophrasto—De historia plantaram li» IX. Cap. XXIÍ. (U) liloeh: Trailé de Ia genération des vers des inlestins. Trad. Strasbourg 1788 p. 4. [\] Bremser: Trailé zoologique et phi/siologique sur les vers inteslntaux de 1'homme. Trad. por Gnmdler, p. 196—Paris 182-4. (,'i) fcntozoontin sice cermium intestinalium historia naturalis, autore Carole A. /?«- dolplii. T. 1, p. 'k22 — Amslmiam 1808. - 48 — e de Dujardin (1), são muito importantes a tal respeito, e merecem ser consultadas. Vê-se dellas que as ascarides são freqüentes no outomno: a filaria de medina nos grandes calores: o tenia e o botriocephalo em septembro ou outubro etc De todas as condições favoráveis porem ao desenvolvimento dos ento- zoarios, e que dependem do clima ou da estação, affirma o Sr. Davai- ne, nenhuma é mais manifesta do que a humidade. As chuvas prolongadas nos climas tropicaes dão logar a verdadeiras epidemias da filaria e na índia os vermes dos olhos e que são muito com- muns nos cavallos apparecem na estação fria, quando ha chuvas abun- dantes. Conhece-se, continua a observar o mesmo helminthologista, a in- fluencia dos pastos sobre a freqüência do distomo hepathico no carneiro, de sorte que o estado atmospherico, normal ou anormal da estação, a dif- ferença dos tempos tem acção muito próxima e muito grande sobre o ap- parecimento, a freqüência, ou o desapparecimento de certos entozoarios. A observação seguinte confirma a influencia da humidade sobre a pro- pagação da filaria. «Em 1820Mahomet Aly, diz o Dr. Maruchi (2) fez partir para o Cordofan uma expedição militar, commandada por Mahomet- Rey Deftardar, seu genro Acompanhei a este ultimo na qualidade de medico particular e com elle fiquei trez annos em Cordofan. Tinha lido muitas observações a respeito da filaria, e esperava a occasião para tratar delia nos nossos soldados: mas dous annos se passaram sem que se ma- nifestasse alguma nelles. Foi ao correr do terceiro anno, depois de chu- vas exordinarias, que eu a vi declarar-se, e em tão grande numero que o quarto das tropas foi atacado, e eu mesmo fui infelizmente atacado em vinte e oito pontos do corpo. Observei, acrescenta o doutor Maruchi (o que se verifica pela experiência) que os indivíduos que são mais fre- qüentemente atacados são os que habitão um solo coberto de agoa esta- gnada: os que teem a sua habitação nas ribeiras do Rio-Rranco são raras vezes sugeitos a essa moléstia. O gênero de alimentação e as agoas são duas circumstancias muito valiosas para o desenvolvimento dos entozoarios « D'aprcs mes propres (1) F. Dujardin: Histoire naturelle des helnÀnlhes ou vers inlestinaux. P. 87—Paris 1845. (2) Lettre du docteur Maruchi medecin de S. E. le Deftardar Bey, á M. Clot, me- çlecin en chef: Clot. Mem. pag. 29—31. — 49 — informations, (diz Davaine 1. c.) Ia frêquence comparativement plus grande des vers á Ia campagne est certaine, mais on verra que ce nest ni aux fru- its ni aux legumes verts, ni aux aliments farineux quil est rationnel d'attribucr ce fait, cest á Ia qualité de Veau qui sert aux boissons. Os Judeus e Mahometanos que se abstem da carne de porco, raras ve- zes teem o toznia, e os Abyssinios são todos invadidos por elle, excepto os frades carluxos que só vivem de peixe. Muito freqüentemente é encontra- do nos indivíduos que comem carne crua: e nos meninos fracos que fazem uso da mesma carne pisada encontra-se um verme solitário a que dão o nome de toznia mediocanellata. A ascaride e o oxyuro, diz Niemeyer, (1) se encontrão mais freqüentemente nos indivíduos que de preferencia se nutrem de alimentos amylaceos, e esta observação acha talvez sua expli- cação no descobrimento de Stein que reconheceu a presença de entozoa- rios no corpo do tenebrion meunier. Não é impossível que o uso da farinha avariada faça chegar ao intestino ovos ou larvas de ascarides ou oxyuros. No homem a trichinose, diz o mesmo Niemeyer, resulta unicamente do uso da carne de porco contendo trichinas. É freqüente a existência do bothriocephalo a borda de certos lagos ou rios. É finalmente de observação que o estado de saúde passa por ser uma causa da existência ou da freqüência dos vermes: é por isso que alguns epizoarios invadem os tegumentos dos animaes mal nutridos, doentes e miseráveis; é por isso que na cachexia aquosa os carneiros são acco- mettidos de grande numero de distomos hepaticos; é por isso que indi- víduos delicados e débeis e atacados de moléstias asthenicas apresentão grande quantidade de vermes: é por esse emfim que os vermes cysticos são mais freqüentes nos hydropicos. Ao óvulo, a larva, a fissiparidade, ou a gemiparidade devem esses ento- zoarios seu prodigioso desenvolvimento. A hypothese da geração espontânea é hoje em dia ridícula perante a historia natural e a physiologia. Esses entozoarios vem todos primitiva- mente de fora. (1) Traité de Pathologie interne et de Therapeutique—Paris 1869, t. Io, pag. 729. — 50 — Apresentão-se no organismo levados pela agoa, pelos alimentos, c por condições exteriores que permittem a introducção de suas larvas atra- vez dos tegumentos, facto hoje comprovado com o tcenia, a ascaride lombricoide, o tricocephalo, a filaria etc. As esplendidas e memoráveis experiências de Kuchenmeister (1) de Virchow, (2) de Leukart e de Rertholus (3) demonstrão a origem, fecunda- ção e digenesia de muitos entozoarios que parecem manifestar-se spon- taneamente no organismo, mas que o fazem por uma metamorphose ad- mirável, e ainda mais admirável e espantosa reproducção em indivíduos que em nada se parecem com os que os produzirão! A digenesia dos cysticercos em tcenia solum, a presença do trichina spi- ralis na profundeza dos músculos do homem representam um estado transitório de um tricocephalo e metamorphoseando-se de verme agamo em sexual respondem de modo victorioso as objecções que parecião mais robustas dos heterogenistas e então nós podemos, sem entrar na demonstração desenvolvida destas verdades dizer com Longet: (4) «il est necessaire pour le physiologiste de poursuivre, avant tout, Ia ve- rité et de Ia decouvrir partout lá ou il peut 1'éclairer des lumières de l'ex- perience. Or si rhétérogenie se conçoit, rien de positif ne Ia justifie: Fex- perience et 1'observation lui ont arraché un à un tous les faits qui constituirent ses plus forts arguments; les animaux, et en general tous les êtres organisés, sont donc le produit d'une géneration directe.» As affecções verminosas, diz Foissac (5) são evidentemente endêmicas. Rrenser considera o ar frio e humido como causa predisponente. Se as encontra nos logares baixos e pantanosos como a Islândia, a Sué- cia, os arredores d' Arkangel, a baixa Áustria, a Holanda, a Suissa, a Sa- boia: mas os helminthos são mais freqüentes nos climas quentes do que nos outros, em Ceilão, no Senegal, e mais que tudo na Abyssinia. Não existe duvida alguma no nosso espirito, continua Foissac, e ex- emplos quotidianos o attestão: (1) Exper. relat. à Ia transmission des vers inlestinaux chez 1'espèce humaine. Ann, des se. nat. 4. serie 18o5 t. 3o pag. 377. (2) Rccherches sur le developpement du Trichina spiralis: Jcomptes rerulus de 1'Acad. des se. de Paris 1859. (3) Dissertalioii sur les metamorphoses des cystoides these sustentada em Mont- pollier—1856. (4) Trai té de physologic—Paris 1869. (5) De 1'influence des climals sur 1'homme—Paris 1867. — 51 — É pelos alimentos, e pelas agoas que os helminlos pcnetrão pela eco- nomia, onde teem a faculdade de viver, de se desenvolver, e de se mul- tiplicar ____É ao queijo, ao leite e talvez ás agoas que são devidas prin- cipalmente as affecções verminosas na Suissa. O quarto dos habitantes de Genebra é atacado do bothricephalo: e o tenia solum só se observa em Zurich. A historia dos vermes cysticos e suas metamorphoses diversas, ace- phalocystos, cysticercos, cenuros, tenias forma uma parte muito curiosa da zoologia. Innumeros ovos ou larvas ficão em estado embryonario, si não achão condições propicias à seu desenvolvimento, como o provarão os trabalhos de Kuchenmeister, Roll, Leuckart e Yan Rénéden. Si estas considerações que ahi expomos de modo muito succinlo, para não tornar mais extenso este trabalho, recebem sua sancção da experiên- cia e das investigações de todos os helminthologistas: Si o clima concorre para a producção e desenvolvimento de vermes que lhe são peculiares: Si a humidade é uma causa muito activa e muito constante do mesmo desenvolvimento e propagação: Si as agoas podem conter em si esses vermes em espécie, em óvulos, em larvas que pelo modo ordinário ou por uma geração alternante ou dige- nesica se centuplicão, crescem e pululão espantosamonte: si o máu estado de saúde é uma causa predisponente para a produção dos entozoarios, como negar que o anchylostomo duodenal que tem sido sempre encontra- do na hypoemia intertropical, e na chlorose do Egypto, seja o privilegio dos climas quentes, que viva nos rios, riachos, ou lagos, que appareça por uma geração alternante, se desenvolva e se propague espantosamente com a humidade, e que encontre em indiviiuos já doentes os elementos de que elles precisão para o seu mais fácil e prompto apparecimento? Não vemos razão alguma que a isto se opponha: pelo contrario acha- mos, sob lodo ponto de vista, uma relação intima entre a hypoemia inter- tropical e a presença do anchylostomo duodenal. Como explicar essa existência constante do anchylostomo na oppilação, verificada por observadores tão conscienciosos e illustrados e tão innume- ras vezes? — 52 — Devemos crer que a presença delles nos intestinos é a causa poderosa de que a hypoemia tome essa fades tão característica, e por onde ella se differença de toda e qualquer outra anemia. Em que alteração de sangue, profunda como no cansaço, já se viu per- turbação nervosa tão exquisita, tão extravagante como a que obriga o doente a comer terra, cal e outros objectos? Não classificaremos, por hora, a hypoemia entre as moléstias primiti- vamente parasitárias: não podemos ainda classifical-a entre as moléstias puramente verminosas. Para tazel-o faltão-nos observações e factos, que demonstrem a existência do entozoario no período inicial da moléstia: si ellas verificarem um dia esse desideratum de alguns práticos, nenhuma duvida haverá em que assim seja classificada. Não é pouco o que nos tem revelado as autópsias: ellas nos dizem muito: a moléstia não pode ser encarada hoje sob o mesmo ponto de vista em que o foi outr'ora por alguns práticos: a isto se oppõe os factos: a isto se oppõe a therapeutica. Si não podemos determinar a epocha, nem o modo por que as larvas, ou ovos, ou embryões dos anchylostomos se introduzem no corpo, nem as condições em que elles existem fora delle, podemos entretanto julgar pela freqüência da moléstia que dadas as circumstancias, que temos ex- posto na primeira e segunda parte desta these, elles apparecem no orga- nismo, fazendo na mucosa intestinal (duodenum e ileon) os estragos que todos sabemos. É preciso, portanto, o conjuncto de todas estas causas para que se de- clare a hypoemia com sua physionomia característica: umas dependem de outras: si umas não actuão sobre o organismo, as outras se não dão. O que acontece na hypoemia intertropical, acontece na cachexia aquosa do gado: o distomo hematobio, como muito bem pondera Gerard (1), se ma- nifesta no figado do gado, quando pasta nas baixas alagadiças, e de- pois das chuvas abundantes, e quando todo elle, por falta de pastagem, já se achava emagrecido e definhado. O uso de alimentos impróprios, ou pouco variados, diz o illustrado Sr. Dr. Wucherer, de muitos feculentos, com exclusão de certos estimulan- tes e condimentos; a digestão demorada, ou por excessivo trabalho, ou por falta de exercício; as circumstancias que enfraquecem as funcções do corpo, em geral, como o frio, a humidade: emfim, pouco escrúpulo nas (1) De Ia cachexie aqueuse chez 1'homme et dans le mouton—Paris 1840. — 53 — águas de beber; são condições todas estas que facilítão aos germens dos anchylostomos o seu desenvolvimento. Si os descobrimentos deHallier, e as investigações de Zumdel (1) de- monstrão que os parasitas vegetaes cryptogamas, mycrophytas desta ou daquella família introduzidos no organismo dão como resultado esta ou áquella affecção mórbida infectuo-contagiosa: si os mesmos estudos de- monstrão que os parasitas animaes, ora no sangue, ora nos tecidos, ora neste ou naquelle órgão tornao a moléstia bem caracterisada, e de exis- tência conhecida, cada uma revelando seu parasita especial ou próprio como na trichinose, não podemos fechar os olhos a evidencia, e negar que a hypoemia intertropical seja a revelação de uma anemia sui-generis, porque nenhuma outra se manifesta nas condições delia, com a physiono- mia tão distincta nos climas intertropicaes. E nem se diga que cada uma das causas que enumerei possa desen- volver, por si só, a hypoemia intertropical: não. Prende-se a estas considerações uma de não pequena importância. Quando estudamos a medicação empregada pelos práticos e pelo povo para a cura do cansaço não podemos deixar de reconhecer que os anti- helminticos teem um poder vigoroso para debellar a moléstia. Temos a prova no uso do leite de gamelleira—considerado como o especifico da opilação. Práticos notáveis, e de epocha muito remota, já tinhão ensaiado esse poderoso vermifugo na hypoemia e tirado vantagens extraordinárias. É vulgar o emprego do leite da gamelleira. Todo povo o emprega, nas cidades, e no centro como um excellente antihelmintico no cansaço e só a elle attribuem a cura dessa moléstia. A sua acção therapeutica não cremos que seja somente purgativa ou drástica, porque nesse caso qualquer medicamento dessa classe poderia (1) De Ia naturc du Yirus dans les maladies contagieuses—Lyoa 1869, — 54 — aproveitar: mas não: elle encerra na sua doliarina (1) talvez o principio vermifugo a quem é devido o meio efficaz e vigoroso de extinguir a geração prodigiosa dos anchylostomos: e si éverdadeiro como cre- nioà que é—naturam morborum curationes ostendunl havemos reconhecer na hypoemia o estado verminoso como causa, não primordial, mas espe- cial que determina e faz com que á moléstia apresente o aspecto pelo qual ella se torna grave, rebelde aos diversos tratamentos inclusive o dos próprios ferruginosos que aproveitão em muita anemia, produzindo uma cura fácil e prompta, um resultado efficaz e muito lisongeiro, mas que na hypoemia, por si sós, não debellão a moléstia. « Não temos ainda colhido, diz o Sr. Dr. Wucherer, bastantes factos para decidir qual dos anthelminticos aproveita mais contra os anchylos- tomos. Apenas podemos affirmar que os doentes parecem restabelecer- se mais cedo no uso de ferruginosos combinados com os anthelminticos, do que sem estes. Temos tirado bom resultado do emprego da terebenthina, da assefeti- da, aloes e camphoras combinados com o sulfato de ferro: vimos tam- bém bons effeitos do sueco leitoso da gamelleira branca, sem a sua ac- cão ser tão drástica como tínhamos sido levado a receiar: chegamos a dar aos nossos doentes até cinco onças d'ella por dia misturado com par- tes iguaes d'agoa, sem que produzisse uma irritação mui violenta da mucosa intestinal. Os distinetos Srs. Drs. Faria e Silva Lima não prescrevem o tratamen- to ferruginoso aos hypoemicos em suas enfermarias, sem que anterior- mente os submettão ao tratamento antihelmintico, edizem queaacção do ferro é inteiramente inerte, si não é precedida do antihelmintico. Vemos agora que as palavras dirigidas por Griesinger ao seu prose- ctor quando fazião a autópsia nos casos de chlorose do Egypto em que sempre se manifestarão os anchylostomos, tem um fundo de incontestá- vel verdade: « Deveis empregar de hoje em diante calomelanos e outros (1) Doliarina é o nome proposto para designar um principio immediato, branco, pul- verulento, amorpho fpelo microscópio parece perceber-se uma tênue crystallisação) de um cheiro particular, insipido, insoluvel na agoa, solúvel no ácido sulfurico, no ether, e no álcool absoluto fervendo. Foi por intermédio deste ultimo díssolvente, que a dolia- rina foi isolada. Ella gosa das propriedades do um ácido resinoso fraco. Uma gotta de sua tintura alcoólica produz em uma grande porção de agoa um aspecto lactescente no- ta™1 • (Dr. Felicio). — 55 — antihelminticos contra esses anchylostomos e distamos da veia porta, con- tra a chlorose tropical e todas as enfermidades incertas dos paizes quen- tes, contra a hematuria, a concreção do figado, a dysenteria.» A observação apoia o principio e os factos clínicos demonstrão a effí- cacia desse mesmo principio. Um medico intelligente e pratico, diz o Dr. Rodrigues de Moura (1), o Sr. Dr. Costa Pires (de Magé) apresentou-me em 1864 um preto escravo de sua fazenda em S. José d'Alem-Parahyba que de longa data soffria de incommodo que se conhece vulgarmente pelo nome de oppila- ção. Contra a rebeldia da moléstia embalde esgotava o meu collega todos os recursos da therapeutica; os tônicos, as preparações ferruginosas as mais apreciadas e racionaes, os drásticos moderadamente e por facilita- rem as absorpções, todas as leis hygienicas recommendadas, tudo, em- fim, se tinha empregado sem a minima vantagem, e o doente chegara á um estado tão desanimador que o medico, em desespero de causa, lan- çou mão do sueco lactescente da gamelleira, remédio empírico, e que só tinha por si a confiança e o apreço do vulgo. Os resultados, com tudo, excederam a sua expectativa, e quando observei o preto, cuja cura pro- gredia a olhos vistos, tinha-lhe desapparecido o edema do rosto e dos membros, o cansaço diminuirá, e com o recobro da saúde iam-lhe voltan- do a actividade e a animação. Comtudo, continua o Dr. Rodrigues de Moura, a minha convicção tinha de ser abalada pela repetição de factos análogos ao do Sr. Dr. Pires, e, não me peja confessal-o, tive occasião de tratar de indivíduos affectados da hypoemia, sem que tirasse vantagem duradoura das applicações as mais recommendaveis, ao passo que pessoas extranhas á arte apenas com o leite da gamelleira, insistiam e poderam restituir corados e fortes a lavoura, indivíduos que, pouco antes, eu vira quasi hydropicos, inacti- vos e n'um estado desesperador. O que dizer com effeito do seguinte caso? Um hypoemico, completa- mente inutilisado pela moléstia, deixa o interior e busca os soecorros va- liosos do hospital da Santa Casa: ahi, sugeito ás melhores e mais proveito- sas medicações, variadas ao infinito, e ás condições de melhor hygiene, não colhe resultado algum, e o pratico que medicava desesperado acon- (1) Gazetta Medica da Bahia, n. H—10 de Dezembro de 1866. — 56 - selha-lhe a mudança para fora da Corte. O infeliz deixa o hospital e vem para Suruhy, logar pantanoso, insalubre, açoutado por constantes epide- mias de febres intermittentes, onde, sendo sugeito ao uso continuado e repetido do leite da figueira branca, alternado com as preparações de fer- ro, pôde converter-se, de um indivíduo inerte, infiltrado, e que mal po- dia levantar-se do leito em que jazia, em um trabalhador forte, robusto, rosado, e ainda hoje (4 annos depois) a cura persiste, embora seja esse homem um pobre, e, por conseguinte, condemnado a passar por todas as misérias de uma alimentação má, e do peior agasalho. Como quer que seja, conclue o Dr. Rodrigues de Moura, á vista do con- ceito que goza entre o vulgo o leite da gamelleira (ficus dolaria de Mar- tins) á vista dos resultados vantajosos do seuempiego em casos de oppi- lações, averiguadas por pessoas conscienciosas e profissionaes, não será fora de propósito consideral-o como um medicamento especifico, cuja ac- ção é eliminar e destruir os anchylostomos, effeitos idênticos aos que tem a santonina e o calomelanos para os asarides lombricoides, os oxiuros, a therebentina e o kousso para o verme solitário. » Não cremos qne os estudos sobre a hypoemia intertropical estejão con- cluidos. Muita ha a fazer ainda, A attenção dos nossos práticos deve di- rigir-se para esse ponto de pathologia intertropical, que muito de perto nos interessa. Em quanto porem não for pronunciada a ultima palavra, em quanto novos factos não se contraposerem ás observações que ahi deixamos es- tampadas, não nos arredaremos do ponto em que nos collocamos. Não fecharemos porem esta segunda parte sem a transcripção de um importante trecho, que nos foi facultado, de uma carta dirigida de Thereso- polis em 18 de Junho deste anno pelo Sr. Dr. Rodrigues de Moura ao Sr. Dr. Wucherer. Compraz-nos extraordinariamente concluir este trabalho com as observações transmittidas por um distincto e estudioso pratico a outro illustrado e não menos distincto facultativo, a cujos talentos a me- dicina brasileira deve estudos muito sérios e talvez a elucidação de um de seus rriais importantes pontos. « Eu não tenho deixado de mão o estudo curioso da hypoemia, antes tenho feito repetidas observações no logar onde resido, e onde, sendo o clima temperado, agoas excellentes, athmosphera pura e ricamente oxy- genada, e dadas, bem entendido, certas condições hygienicas quanto ao regimen e quanto as moradias, parecia á priori que não deveria appare- — 57 — cer ahi a oppilação. Pelo contrario tenho observado muitos casos, alguns delles em familias de classe media, que nascerão e residirão sempre aqui, em geral bem alimentados, bem vestidos, ebem resguardados das intem- péries do tempo, Uma cousa porem, sobre que tenho questionado, e cujas respostas tem sido sempre uniformes, é a circumstancia para mim muito importante de fazerem uso os doentes, não de agoa de fonte ou de nascente, mas de agoas de pouca correnteza, empoçadas, atravessando sempre brejos, e vales cobertos de vegetação aquática. Creio bem que d'ahi depende toda a origem do mal e que os óvulos dos anchylostomos, assim como de outros entozoarios, sejão levados ao seio da economia por esse vehi- culo insalubre. Em todo o caso, como creio já tive occasião de referir a V. S., tenho tratado satisfactoriamente e com promptidão os meus enfer-^ mos com o emprego constante da doliarina (principio activo do leite de gamelleira) e de ferro. Um medico, e muitas pessoas alheias a profissão, me tem referido que em S. Paulo de Muriahé logar situado no extenso vale do rio Parahyba e onde a hypoemia é ftagcllo dos moradores, o remédio mais preconisa do e cujas vantagens são incontestáveis, é o leite de uma papayacea cha- mada vulgarmente jaracotiá ou jacotid, o que corresponde ao carica do- decaphyla (Vellozo). O sumo é extraindo do tronco ou dos fruetos, e e conhecido pelo povo como excellente vermifugo. Eu conheço a planta e hei de expcrimental-a. O capitão de engenheiros Alfredo de Escragnole, botânico distincto e que fez parte da desgraçada expedição do Matto-Grosso, me referiu que nesta província também lanção mão com grande proveito do leite de ja- racotiá para os mesmos casos de opilação, e cousa que me surprehendeu e muito me satisfez, o mesmo capitão acerescentou: « e agora tem isso sua explicação, por que esse leite é antihelmintico, e a hypoemia é hoje, segundo reputão, devida a um entozoario o anchylostomo duo- denale. » Do que fica exposto devemos concluir: l.o Que a hypoemia nasce como uma anenia commum sob a influen- cia da humidade e da má alimentação, e talvez de outra qualquer causa unida a essas duas. 2.° Que predisposto o organismo por uma dessas causas preparadoras 8 - 58 — introduzem-se os anchylostomos, que ahi encontrão elementos para o seu espantoso desenvolvimento. 3.o Que as larvas desses vermes ingeridas com a agoa, e talvez com os alimentos passão por uma metamorphose que as habilita a viverem de sangue, isto é, adquirindo dentes com que podem ferir a mucosa intestinal e procrião a espécie (Dr. Wucherer). 4.o Que estes vermes encontrão-se em todos os cadavres de indivíduos fallecidos de hypoemia intertropical. 5.o Que o seu alimento depois da sua metamorphose é sangue, pois é deste liquido que se acha repleto o seu tubo intestinal: os seus dentes e a estructora musculosa do seu pharynge vem em apoio desta asserção. 6.o Que a multidão prodigiosa desses vermes encontrada nos intestinos e as lesões profundas que produzem explicão sufficientemente a hy- poemia. 7.o Que a presença delles é uma causa essencialmente determinante da hypoemia, e não resultado ou producto inerte delia. 8.o Que a curabilidade da moléstia pelo ferro, em seu período inicial, demonstra que nesse período a hypoemia não é determinada pela acção dos anchylostomos. 9.° Que a maiacia é um symptoma quasi pathognomonico da hypoe- mia por ser a revelação do estado de degenerescencia de amollecimento em que se acha a mucosa gastro-intestinal. lO.o Que a medicação antihelminthica confirma a opinião de que a mo- léstia é, depois de seu período inicial, verdadeiramente parasitaria. ll.o QUe ha emfim uma relação estreita entre essa alteração de san- gue e o verme, cuja presença tem sido constantemente verificada por obser- vadores distinctos. SECÇÃO DE SCIENCIAS MÉDICAS Pathologia interna. Tetanos. I.—0 tetanos é uma nevrose da motilidade: sua sede é na medulla es- pinhal. II.—Admittimos como muito precisa e exacta a seguinte formula de Rar- deleben: o traumatismo é a causa predisponente do tetanos, o resfriamento r sua causa determinante. III.—A enorme elevação da temperatura do corpo pode considerar-se como um symptoma pathognomonico do tetanos. Pathologia geral. Diathese. I.—Diathese é uma disposição geral e latente, em virtude da qual um indivíduo é acommettido de muitas affecções locaes da mesma natureza. 11.—É tão difficil conhecer a causa das diatheses, quanto penetrarem sua natureza intima. 111.—Na diathese, além da alteração das forças vitaes, ha modificação especial do sangue, e nutrição anômala dos sólidos. Clinica medica. Quando se deve empregar a sangria no tratamento da pneumonia? I.—Quando a pneumonia accommetter um indivíduo anteriormente são, e não houver complicação, nem grande intensidade de phenomenos, con- vém o melhodo expectante. II.—A sangria deve ser indicada: l.o si o indivíduo for robusto: si a pneumonia for de recente data: si a temperatura se elevar além de 40.°, e si a freqüência do pulso exceder de 120 pulsações por minuto. III.—A sangria deve ser indicada: 2.o si a vida do doente for ameaçada de um edema collateral nas partes do pulmão, poupadas pela pneumonia: 3.o si se manifestarem symptomas de compressão cerebral, revelando um estado comatoso e paralysias passageiras. — 60 — llaterla medica. Em que consiste a medicação alterante? I.—Consiste na mudança do estado dos sólidos e dos líquidos de modo insensível e sem provocação de evacuações. II.—A medicação alterante comprehende medicamentos de differentes classes: é complexa. III.—O maior e mais efficaz resultado da medicação alterante consiste em tornar impossível a formação de produetos accidentaes epigeneticos^ Ilygiene. Dos banhos. I.—Em todas as circumstancias da vida, o homem, em estado de saúde, pôde e deve fazer uso dos banhos. II.—Nos climas e estações quentes, o banho frio é de maravilhoso ef- feito, não só pela subtracção do calorico em excesso, que abate e deprime a força nervosa, como também pela actividade normal que communica as funcções do coração, dos pulmões, do estômago e do cérebro. III.—Nos climas e estações frias as indicações são oppostas. Convém que o calor stimule directamente as funcções da pelle que se achão redu- zidas a estado de inércia, e a todas as outras funcções enfraquecidas por falta do mesmo stimulo. Physiologia. Geração spontanea. I.—As experiências de Pasteur demonstrão cabalmente que a theoria da geração spontanea assenta sobre bases falsas. II.—O desenvolvimento dos infusorios, e a producção dos epizoarios e entozoarios no organismo do homem responde a todas as questões apre- sentadas por Pouchet quando sustenta a geração spontanea. III.—O famoso axioma omne vivum ex ovo não pôde até agora ser aba- lado pelas mais serias objecções dos heterogenistas. SECÇÃO DE SCIENCIAS CHIRURGICAS o Pathologia ciíerna. 0 rachitismo e a osteomalacía serão estados mórbidos distinctos? I.—O rachitismo e a osteomalacía são estados mórbidos distinctos. Na osteomalacía os ossos de duros que erão tornão-se molles porque os saes calcários a quem devião sua dureza são dissolvidos e reabsorvidos: no ra- chitismo ha amollecimento persistente do tecido ósseo por falta de saes calcareos: II.—As causas que determinão na osteomalacía a dissolução dos saes calcários é desconhecida: no rachitismo conhecem-se as causas que obs- tão a chegada dos saes calcários aos ossos. III.—Na osteomalacia ha uma inflammação parenchymatosa sem depo- sito e exsudato intersticial: no rachitismo ha uma perturbação nutritiva das cartilagens epiphysarias e do periosteo. Medicina opcratoria. Diagnostico diferencial dos sarcoctles e seu tratamento. I.—O sarcocèle pôde ser: encephaloide: cystico: syphilitico ou fibroso: e tuberculoso. II.—A natureza da dôr, a forma, a côr, o volume, e a consistência do lesticulo varia em cada uma destas espécies. III.—O tratamento é differente reconhecida a causa que deu logar a alteração do órgão. Partos. 0 telanos dos recem-uascidos, suas causas, diagnostico e tratamento. [.—O tetanos dos recem-nascídos tem por causa ordinária a ligadura e secção do cordão umbelical. II.—Os gritos, os círculos azues em redor dos olhos e dos lábios, a con- tracção dos músculos da face, das palpebras, do frontal: a dilatação das alas do nariz: os lábios contrahidos e reunidos em ponta; a cabeça recli- — 62 - nada para traz, a columna vertebral recurvada em arco de circulo indicão precisamente a existência do tetanos dos recém-nascidos. III.—A cura do tetanos dos recém-nascidos é um facto muito raro. Clinica cfiirurgica. Quaes são os caracteres distinetivos e o tratamento do anthraz e os do pblegmão difíuso? 1.—O anthraz é um tumor inflamatorio, circumscripto, muito duro, muito doloroso, com calor abrasador: o phlegmão diffuso não é de inflama- ção pyogenica circumscripta, não tem limites traçados, extende-se a uma parte ou totalidade de um membro. II.—O phlegmão diffuso total pôde ser confundido com a erysipela edematosa, com o edema doloroso. III. As incisões constituem a parte essencial do tratamento tanto do anthraz como do phlegmão diffuso. Anatomia descrlntiva. Apparelho biliar. I.—O apparelho biliar é a reunião das partes que concorrem para a secreção e excreção da bilis. II.—Compõe-se: das radiculas do condueto hepatico: da vesicula biliar: do condueto cystico: do condueto choledoco, que é a continuação do hepa- tico e cystico reunidos. III.—A vesicula biliar representa o primeiro logar neste apparelho pelo duplo papel de reservatório, e pelas qualidades activas que communica a bilis. Anatomia pathologica. Tecido dos pulmões e suas alterações mórbidas. I.—O pulmão deve sua elasticidade ao trama de fibras elásticas. II.—A interposição de muitas fibras laminosas pelas fibras elásticas constitue corpos fibro—plásticos fusiformes ou estrellados de prolonga- mentos ramificados e anastomosados. III.—As alterações mórbidas do pulmão consistem, alem das moléstias inflammatorias, nas seguintes: tuberculo: tumores fibro-plasticos: granu- lações cinzentas pulmonares, granulações milhares da phthysica quer aguda, quer galopante: epithelioma: e depósitos cretáceos e calcários. SECÇÃO DE SCIENCIAS ACCESSORIAS Physica medica. Que vantagem se pode tirar d'agoa fria na febre tvphoidc. I.—Si o maior perigo que ameaça o doente na febre typhoide é a in- tensidade da febre, o remédio efficaz para combatel-o é a agoa fria. II.—Si é evidente que a elevação da temperatura do corpo, alem de certo nivel, traz a paralysia do coração, e que uma desassimilação pro- longada dos tecidos traz a consumpção dos doentes, o meio mais heróico para debelal-os, só encontramos na agoa fria. III.—O processo hydrotherapico de Ziemssen é de brilhantes resultados no tratamento da febre typhoide, Pharmacia. Considerações geraes sobre os sucos, e especialmente sobre os aquosos. I.—Suco é o liquido que se obtém expremendo uma substancia animal ou vegetal. II.—A composição dos sucos aquosos é muito variada; podem elles conter diversas espécies de ácidos, de assucares, de gommas, de matérias colorantes e de saes orgânicos ou inorgânicos. III.—Os sucos aquosos contem algumas vezes em um estado de meia dissolução substancias resinosas que lhes dão um aspecto lácteo. Chimica mineral* 0 ar alhmospberieo. I.—O ar athmospherico é um fluido invisível, transparente, sem cheiro, nem sabor, pesado, compressivel, elástico, que forma em derredor da terra uma camada de quasi 15 a 10 léguas de altura. II.—Este fluido é composto de 0,79 de azoto, de 0,21 de oxygenio, e de uma quantidade de ácido carbônico variável segundo as estações do anno. llí.—O ar athmospherico também contem uma certa quantidade de agoa dissolvida, de electricidade, de calorico, de luz e de parcellas de substancias estranhas. — 04 — Botânica. Tecido cellular nos vegetaes. I.—Todos os elementos anatômicos das plantas se reduzem á cellulas. II.—As cellulas são corpos extremamente pequenos e de formas diver- sas; immediatamente juxta-postas umas ás outras, livres; geralmente ocas; fechadas de todos os lados, representando utriculos, cujo conteúdo é variável. III.—Todo elemento anatômico vegetal compõe-se de uma parede, for- mando uma cavidade e cheia de um conteúdo muito variado. Chimica orgânica. Fermentação. I.—A fermentação é uma reacção espontânea que se opera em um composto de origem orgânica pela única presença de uma outra subs- tancia, que não tem, nem cede nada ao corpo que decompõe. II.—A fermentação é phenomeno que tem como resultado um desdo- bramento, como producção e desenvolvimento de gaz. III.—X fermentação se manifesta por compostos cristallisaveis de origem orgânica. Medicina legal. Póde-se reconhecer e distinguir as espécies de asphyxia? I.—Ha quatro variedades de asphyxia: por submersão: por strangula- ção ou suffbcação: por gazes não respiraveis: por gazes deletérios. II.—A asphyxia por submersão não se pôde confundir com a asphyxia por estrangulação. III.—A asphyxia por gazes deletérios é um verdadeiro envenenamento- e os phenomenos varião necessariamente segundo a natureza do gaz e a intensidade de sua acção. Typographia de J. G. Tourinho. .*~í Vi >c~