jp. J3 ALTHASAR DA J2 ILYEIRA '«ia te climas sobe a inteliigencia lumiana « THESE INAUGURAL I 8 7 4 7HESE INAUGURAL APRESENTADA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Á K SUSTENTADA EM NOVEMBRO DE 1S7V PO» JOÃO CARLOS BALTHASAR DA SILVEIRA NATURAL DE UARAGOGIPI (PROVÍNCIA DA BAHIA) Filho legitimo do Major João Antonio Balthasar da Silveira e D. Delfina Ricarda Baraúna da Silveira C’est la nature qui opere les guérisous ; r*rt ue fait que lui venir eu aide, il ue guerit que par elle Le médecin doit être non le maitre de la nature, mais son ministre, soíiserviteur, ou plutôt son aide, son allié. II doit mar- cher en la tenant par la main, etprocéder au grand ceuvre sana jamais oublier que c’e9t elle, et non luí, qui 1’accomplit. II doit avoir sana cesse les yeux fixés sur elle, et ne se permettre que le moins posaibla d’actes capables de la troubler. (Uufklant», Man. de JM. prat.) Bahia TYPOGRAPHIA DE FRANCISCO QUEIROLO 47 — Corpo Santo — 47 1S7 í FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR O Exn. Sr. Conselheiro Dr. ANTONIO JANUARIO DE FARIA VICE-DIRECTOR O Exm. Sr. Conselheiro Dr. VICENTE FERREIRA DE MAGALUAES LENTES PROPRIETÁRIOS Cons. Vicente Ferreira de Magalhães 1® Anno Physica em geral, e particularment em suas applicações á medicina. Francisco Rodrigues da Silva Cliimica e mineralogia. Barão de Itapoan Anatomia descriptiva. Antonio de Cerqueira Pinto Chimiea organica. Jeronymo Sodré Pereira Physiologia. Antonio Mariano do Doraíim Botanica e Zoologia. Barão de Itapoau Repetição de Anatomia descriptiva. 2® Anno Cóns. Elias José Pedroza Anatomia geral e Pathologica. Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira Continuação de Physiologia. 3» Anno Domingos Carlos da Silva Pathologia externa. Demetrio Cyriaco Tourinho Pathologia interna. 4» Anno Cons. Mathias Moreira Sampaio . Partos, moléstias de mulheres pejadas e de meninos recem-nascidos. Demetrio Cyriaco Tourinho Continuação de Pathologia interna. Luiz Alvares dos Santos Matéria medica e therapeutica. í3» Anno José Antonio de Freitas Anatomia topographica, Medicina operatória e Apparelhos. llosendo Aprigio Pereira Guimarães. . Pharmacia. Cons. Salustiano Ferreira Souto .... Medicina legal. Domingos Rodrigues Scixas Uygiene, e Historia da Medicina. 6» Anno José Affonso Paraizo de Moura Clinica externa, do 3<> e 4° anuo. Antonio Januario de Faria Clinica interna, do 5" e 6» anno. OPPOSITORES Ignacio José da Cunha Pedro Ribeiro d’Araújo José Ignacio de Barros Pimentel Virgílio Climaco Dnmazio . . . José Alves de Mello Secção Accessoria. Augusto Gonçalves Martins Antonio Pacifico Pereira Alexandre Alíonso de Carvalho .... José Pedro de Souza Draga Secção Cirúrgica. Claudemiro Augusto de Moraes Caídas Ramiro AíTonso Monteiro Egas Muniz Sodré d'Aragão Manuel Joaquim Saraiva José Luiz d’Almeida Couto Secção Medica. SECRETARIO — o sr. dr. ciscixxato pinto da silva OFFICIAL DA SECRETARIA — o sn. dr. thomaz d’aquino gaspar À Faculdade não npppova iumii reprova as «piiiiõfs omittidas nas thfsfs (]’ ihf> sin spnsentad»' Influencia dos climas sobre a intelligencia litiinana The proper study of mankind, is- man. ( POPE's, ESSAY ON MAk\ ) Malheur à nous, si nous croyons pouvoir sauter les obstacles à pieds joints, les yeux fermés, et si, entrai- nés par une imagination ardente ou par le désir d’arriver au but, nous negligeons les bases de toute Scien- ce positive, en nous livrant á des conjectures hasardées! ( vo«t. ) T Sob o nome de clima comprehende-se o com- plexo das condicções telluricas e atmosphericas. Geralmente chama-se clima toda região comprehen- dida entre dous circulos parallelos ao equador, e na qual os phenomenos meteorologicos constituem um conjuncto capaz de exercer uma acção mais ou menos assignalada sobre os seres organisados. Os antigos geographos tinham dividido o espaço do equador ao polo em trinta climas denominados astronomicos ou mathematicos, sendo vinte e qua- tro do equador ao circulo polar e seis do circulo polar ao polo. Tinham sido calculados estes climas conforme a extensão dos dias comparada a das noites, no solstício do estio; sendo os primeiros denomina- dos climas de meia hora, porque do equador ao circulo polar, cada um destes climas no solstício do estio tem o dia com mais meia hora de exten- são que o clima que precede;—e sendo denomi- nados climas de mez os que se achavam compre- hendidos entre o circulo polar e o polo, porque para cada um dVlles a duração do dia é de mais um mez, até que, finalmente, nos polos não haja mais que um dia e uma noite, ambos de seis me- zes consecutivos. No equador sabe-se que os dias e as noites são constantemente de doze horas. A antiga divisão da terra em climas foi quasi totalmente despresada pelos meteorologistas e geo- graphos modernos, que dividem o intervallo do equador aos polos em 90 gráos. A latitude, que serve para medir a distancia de um logar ao equa- dor, distingue-se em austral e boreal. A longitude é a distancia em gráos de um logar qualquer ao primeiro meridiano. O clima, na linguagem vulgar, designa somente a temperatura de uma região. Á exemplo, porém, dos mais celebres hygienistas e meteorologistas, Cabanis e de Ilumboldt em particular, e esposan- do a opinião criteriosa de P. Foissac, pela palavra clima entendemos o conjuncto das modificações athmosphericas e telluricas de que os nossos or- gãos são affectados de um modo apreciável, taes como a temperatura, o estado hygrometrico do ar, a quantidade de tensão electrica, as quedas de chu- vas, as variações da pressão barométrica, o grão de luz directa, a destribuiçâo do calor segundo as estações, a visinhança ou o afastamento dos ma- res, a tranquilidade ou os grandes movimentos da atmosphera, o abaixamento ou a elevação do so- lo, a natureza das terras assim como as produc- ções vegetaes, a serenidade ou o estado nebuloso do céo, emfim as emanações que das terras se elevam e, ainda que impalpáveis, tornam-se a cau- sa de epidemias formidáveis. Comprehende, pois, o clima o conjuncto das circumstancias physicas próprias á cada localidade, e a sciencia esclarecida pela observação se serve d’estes dados para dedu- zir a influencia que estes diversos agentes exer- cem sobre o homem physico e moral. Sendo mui complexas as causas que determinam as modificações de temperatura nos diversos pai- zes. esta multiplicidade de causas e de effeitos tor- na difficil uma classificação exacta dos climas, A circumstancia mais importante, mais caracterislica, que agrupa junto á si todas as outras como agen- tes modificadores é a temperatura própria á cada paiz; pode-se collocar na segunda ordem talvez o estado hygrometrico do ar, a abundancia ou rari- dade das chuvas. Alguns auctores modernos, entre os quaes Polybe, fundando-se sobre estas duas con- siderações propuzeram dividir os climas em quentes e seccos, quentes e húmidos, frios e seccos, frios e húmidos. Esta distinção despreza totalmente os climas temperados e não comprehende os climas excessivos. Com a profundeza de vistas que caracterisa suas obras, Buffon distinguira os climas em continentaes ou excessivos, em marítimos ou temperados. Posto que incompleta, esta classificação assim como a de climas de planícies, e climas de montanhas perma- necerão sempre na sciencia e terão uma significa- ção muito determinada em meteorologia. Quer se divida os climas segundo a temperatura, quer se os classifique segundo o gráo de humidade ou se- gundo as producções vegetaes, quer se estabeleça uma distribuição de tres, cinco ou um numero maior de zonas, não se deve esperar por uma classificação escoimada de censura. A imperfeição de todas consiste em ser arbitrarias e não ter nem limites, nem regras fixas. Em cinco grupos principaes divide Foissac os climas : Io. os climas polares; 2o. os climas frios; 3o. os climas temperados; 4o. os climas quentes; 5o. os climas intertropicaes. Mais geral e synthetica- mente se reduzem os climas a tres classes especiaes: climas quentes, climas temperados e climas frios; esta classificação é a que deve ser mais admittida sob o ponto de vista das applicações hygienicas. A temperatura media do anno, as temperaturas estival e invernal, e as variações experimentadas pela temperatura dos dias, dos mezes e das esta- ções, são os tres elementos principaes, que cara- cterisão um clima. Entre as condições da existência do homem, das quaes pertence-lhe apropriar-se por instincto ou por intelligencia, contam se os climas que são o complexo das condicções topographicas e athmos- phericas que constituem o estado mais ou menos habitavel de qualquer logar do globo. Estas con- dicções se classificam assim sob cinco grandes di- visões : Io. temperatura; 2o. athmosphera; 3o. flui- dos imponderáveis; 4o. causas alterantes; o°. topo- graphia, geographia physica e medica, Ainda que se possa reduzir os agentes do clima principalmente a agua, ao ar, ao calor, á luz, ás substancias alterantes, á electricidade; estes se com- binam entre si de mil modos. É da relação, que se estabelece entre estas acções múltiplas e os syste- mas de orgãos, que resulta a existência. Feitas estas considerações geraes imprescindíveis, tracemos um quadro, ainda que de estreitas pro- porções, das influencias que os diversos climas ex- ercem sobre o homem sob os pontos de vista phy- siologico c pathologico. II G ponto incontroverso na sciencia, que a influ- encia dos climas é extensiva ás funcções, ás mo- léstias e ao moral. Ainda que seja o nosso empenho examinar uma só d’estas influencias n’este trabalho, julgamos dar a este mais importância e tornal-o mais completo adduzindo algumas reflexões sobre as outras influencias. Procederemos, pois, á ana- lyse de cada clima. Climas quentes — Do equador aos tropicos, e destes a 30 ou 3o gráos de latitude austral e bo- real estendem-se os climas quentes, sobre cuja in- fluencia tem-se feito relativamente estudos mais po- sitivos, attentos os fortes e immediatos liames commerciaes e políticos que ligam os paizes tropi- caes á Europa, que conta ahi ainda muitos tributários; e attenta a grande corrente de emigração. Estes climas comprehendem o sul da Asia e particular- mente a Pérsia, a Syria, o sul da China, a Índia, Arabia, a Conchinchina;—as ilhas de Ceylão, Mal- divas, etc.; a maior parte da África e as ilhas contíguas—Madagascar, Bourbon, Mauricia, Sechef- las, etc.; a parte da America septentrional compre- hendida entre o golfo de Califórnia e o islhmo de Panamá; e na America meridional a Colombia, as Guyanas, as Antilhas, o Paraguay, o norte de la Plata; quasi toda a Nova-Hollanda e as ilhas nu- merosas da Oceania. E’’ nestes climas que reinam os ventos mais vio- lentos, quaes o kamsin do Egypto, o harmatlan ou o vento geral que vem do Sahara e sopra o inverno em Guiné, o simoun, vento ardente do deserto na África, e o samiel da Arabia; ventos que queimão a vegetação e parecem irromper de uma fornalha. Nos climas quentes a economia é sobrecarregada de um excesso de calorico, e a força de calorifi- eação, reduzida à seo minimo, é como que suffo- cada pela temperatura do ar que, ás vezes, exce- de a do sangue humano; o temperamento bilioso- lymphatico parece ser a forma predominante; a circulação é mais activa e a respiração tem menos energia; as exhalações pulmonar e cutanea são au- gmentadas e bem assim as secreções biliar e es- permatica, d’onde resulta uma languidez da vida organica considerada de um modo geral; as outras secreções, e particularmente, a da saliva, das uri- nas, dos liquidos intestinaes, do sueco pancreatico são diminuidas, observando-se o mesmo com as forças musculares. Um phenomeno physiologico importante nestes climas é a necessidade de uma alimentação substancial e excitante, necessidade re- sultante das causas numerosas de enfraquecimento, devidas ao calor do clima. Em quanto que n’estes climas a fecundidade é manifestamente mais considerável, que em outra qualquer parte; fecundidade que entre muitos po- vos meridionaes, os Persas, os Phenicios, os Roma- nos, os Espartanos, os Carthaginezes, permittia o infanticidio, e o sacrifício sob diversoos pretextos de uma multidão de creanças victimas em seo nas- cer; a mortalidade é evidentemente mais conside- deravel que em outros climas, e em apoio d’este asserto os hygienistas apresentam estatisticas que fazem calar no espirito a verdade d’esta asserção. É que sendo a fecundidade tão espantosa, e estan- do tudo na natureza em equilibrio, para estabele- cer-se uma compensação era mister que a morta- lidade estivesse em equilibrio com a fecundidade. Tinha lugar aqui o exame das influencias des- tes climas sobre a coloração da pelle, e a estatu- ra; deixamos, porém, de o fazer por termos, no plano de nosso trabalho, reservado um capitulo especial para analysarmos simultaneamente os di- versos climas em relação â estas influencias. Passemos a fazer a analyse nosologica dos cli- mas quentes. Não somos de opinião que se possa determinar a energia pathogenica de um clima tão precisa- mente, que se encontre em um clima um grande numero de enfermidades, á cuja acção o homem esteja quasi rigorosamente sujeito. « A experi- encia, diz Foissac, e o raciocínio provam qne, em todos os paizes do mundo, o homem submettido ás regras de uma sabia hygiene e moderando suas paixões, pode lograr da plenitude de suas func- ções organicas; exceptuando-se, porem, as regiões polares, onde a terra recusa meios de existência e toda a industria consiste em procurar-se alimen- tos. » São mais numerosas e mais intensas nos climas quentes as moléstias do apparellio tegumentar, em razão do angmento da vitalidade, da sensibilidade e da exhalação cutaneas. Gozando de uma activi- dade extraordinária o fígado que deshydrogena o sangue; prevalecendo o systhema venoso ás pro- porções do systhema arterial; sendo a bilis secre- tada com mais abundancia trazendo o maior des- envolvimento do systhema da veia porta; —d’este «xcesso de acção resulta o augmento de moléstias ou no parenchyma, ou nas funcções do apparelho biliar. Ainda que o calor convide ao repouso, re- laxe os solidos, faça de todo exercicio uma fadiga produzindo um suor na pelle e uma perspiração pulmonar abundantes, ainda que elle occasione uma languidez geral e tenha os sentidos em uma especie de entorpecimento, dorme-se menos nos paizes quentes; a privação de um somno re- parador é, pois, uma das causas que torna mui graves as affecções cerebraes e nervosas idiopathi- cas. O uso das carnes salgadas, dos estimulantes alcoolicos, os fructos e os legumes aquosos de que se usa immoderadamente, e os excessos de todo o genero são, com a humidade, as causas mais frequentes e geraes das moléstias que encontra-se nos climas quentes. Uma causa pathogenica mais funesta ainda, é a humidade fria, e a exposição do corpo em suor ao sopro dos ventos frescos que levantão-se á tarde e á noite; são os refriamentos. É durante a frescura que succede á estação das ehuvas, que se declarão as pleuresias, as affecções catarrhaes, as pneumonias, promptamente seguidas de hepatisação dos pulmões e ás vezes de phtisi- ca. A estação das chuvas é a epocha em que as emanações pútridas alargão sua actividade maléfi- ca. onde sob sua acção funesta reinão as moléstias mais temíveis: a febre amarella, as febres reinit- tentes e intermittentes perniciosas, a asthma, a heino- ptyse, a dysenteria, o abscesso do ficado, a hepatite, as nevroses de toda a especie, as epidemias de coque- luche, sarampo, variola e escarlatina; sendo as intermittentes de toda a natureza mais frequentes nos paizes pantanosos, as inflamações e a phtisica aguda nos lugares seccos, as hemorrhagias e as nevroses nas alturas. Nos climas quentes modifi- cão-se as affecções communs á outros paizes; as febres typhoides, por exemplo, tornão-se prompta- mente pútridas. As moléstias dos olhos são muito frequentes na Syria, Siam, Goréa, Malabar, Egypto, Abyssinia, Loango, Serra-Leôa, e na maior parte das costas marítimas doestes climas. As regiões intertropicaes offerecem um numero considerável de amauroses, ophthalmias, e staphylomas. O Egypto está em cir- cumstancias favoráveis ao desenvolvimento de affec- ções occulares, alli endemicas, em razão das suas condições climatéricas e topographicas, dos seos dias quentes seguidos de noites frias, dos pós íinos vegetaes e mineraes, que os ventos trazem do de- serto e espalhão pela atmosphera. A aífecção de olhos dominante no Egypto é a conjunctivite pu- rulenta. As causas de frequência das moléstias oc- culares nos climas quentes são: a reverberação dos raios solares, as ondas de poeira trazidas pelos ventos, a negligencia dos cuidados hygienicos, e em primeira linha, os resfriamentos nocturnos. Segundo a opinião mais provável, a variola tem sua origem na Arabia, onde ella reina endemica- mente. propagou-se em todo o globo, desde as regiões polares até o equador, accompanhando o homem em todos os continentes, em todas as ilhas, debaixo de todas as latitudes. O sarampo d e a escarlatina parecem, como a variola, originá- rios da Arabia ou da Ethiopia. É uma opinião geralmente diffundida, que as aflecções cutaneas são mais communs e mais gra- ves entre os tropicos e nos paizes quentes que nos climas temperados. A maior parte dos índios da Guiana tem dartros, assim como os negros. O li- chen, a elephantiase dos Gregos, a elephantiase dos Árabes, e o pian ou ulcera contagiosa de Mozam- bique, e formas diversas e graves da syphilis, reinão nestes climas. O sol ardente dos tropicos, a excitação continua do systema nervoso, e sem duvida também os miasmas provenientes das matérias organicas em decomposição, tomão mui frequentes e mortíferas as phlegmasias cerebraes, as arachnites, as cepha- lites, e as febres pútridas ou adynamicas, malig- nas ou ataxicas. Nas regiões tropicaes encontra-se um grande numero de nevroses de toda a especie e da natureza mais grave; caimbras, hysteria, hy- pocondria, epilepsia, o tétanos, uma das nevroses sobre a qual a temperatura exerce a mais mani- festa influencia, etc. O cholera epidemico é origi- nário dos climas quentes. De todas as moléstias dos climas quentes nenhuma é tão geral, tão fre- quente, tão funesta quanto a dysenteria. Em apoio d’esta proposição Foissac exhibe estatísticas que le- vão a convicção no animo de todos. Relativamente á marcha das moléstias, reconhecemos que, nos climas quentes, as tempestades da vida como as do ar são frequentes e terríveis, que os acces- sos e as crises teem uma terminação rapida, algu- mas vezes fulminante, muitas vezes mortal. Os tra- tamentos que reclamão as moléstias extraordinárias devem ser energicos como o proprio mal. Nos climas quentes, finalmente, havendo uma hyperactividade da vida, não seria diflicil ao ho- mem a conservação de sua saúde se, escravo dos preceitos hygienicos, elle podesse evitar os resfria- mentos e as vigílias, moderar suas paixões e abs- ter-se dos excessos que, cedo ou tarde, fazem pa- gar caro satisfações passageiras. Climas frios. — Entre oo e 60 gráos de latitude boreal e austral até os polos estão comprehendi- dos os climas frios, que abrangem o norte da Es- cossia, a Norwega, a Suécia, a Rússia, a Finlandia, a Sibéria, a Laponia, a Islandia, a Groelandia, a Nova-Zembla, o Kamtschatka, o Spitzberg, o paiz dos Esquimáos, o paiz dos Samoiedas. A tempera- tura rfcstes climas é tanto mais baixa quanto mais se avança para o polo. Nos climas frios as funcções da pclle são reduzidas á um estado de inércia extraordinária em consequência da tempe- ratura habitual; a transpiração é apenas sensível, mesmo embaraçada no exercício pliysiologico que é indispensável; a pclle pallida e secca só á custo dá passagem ao sangue nos últimos capillares, salvo o caso em que se manifeste uma reacção vi- va contra o frio atmospherico. Os habitantes d’estes paizes são em geral dotados do temperamento sanguíneo. As funcções do fígado n’estes climas são menos energicas e a secreção biliar é dimi- nuída. A secreção espermatica é pouco activa e fraca. As funcções nervosas são pouco energicas. As secreções adiposa, lactea, urinaria são muito activas. O systhema muscular é muito desenvolvi- do, o que é a consequência phisiologica da activi- dade physica indispensável aos habitantes d’estes climas. A mortalidade, que é relativamente menos elevada que nos paizes do Meio-dia, está em equi- líbrio com a fecundidade, que é menos considerá- vel n’estes climas. São mui frequentes nos climas frios e sobretudo nas regiões polares as lesões da vista e as molés- tias dos olhos. A alvura brilhante da neve que, durante muitos mezes cobre a terra na Polonia, Rússia, Norwega e nas regiões montanhosas; os ventos impetuosos do mar Glacial; o fumo espesso que reina nas cabanas dos Lapões, dos Esquimáos e dos Samoiedas; a areia fina dos steppes da Sibé- ria levantada pelo furacão, determinão ophthal- mias violentas que no norte da Europa, Àsia e America accomettem povoados inteiros. Todos os Lapões teem as palpebras rubras, tumefeitas e ul- ceradas. A amaurose e a cataracta são mui com- muns na Polonia, Rússia, Finlandia e em todos os paizes septentrionaes. Entre os accidentes mais or- dinários é mister chamar a attenção sobre as con- gelações locaes, que são produzidas nos paizes do Norte pela invasão brusca, no inverno, do frio, da neve ou do vento glacial. A plethora é o attributo de todas as populações do extremo Norte; dispo- sição que é devida a glotonia e ao regimem quasi exclusivamente animalisado d’estas populações. São a consequência d’esta plethora as inflammações e as hemorrhagias. Nos paizes do Norte encontrão-se bronchites, anginas, pneumonias, pleuresias muito agudas. No outono e no estio muitos paizes bore- aes são sujeitos á uma encephalite epidemica, que ataca as creanças de menos de cinco annos, ao passo que as de nove annos são mais frequente- mente affectadas de bronchites, garrotilhos elaryn- gites. A mucosa intestinal, menos excitada, é rara- mente a séde de phlegmasias; a dysenteria é por assim dizer desconhecida nas regiões polares, ob- servando-se ao contrario muitas vezes constipações pertinazes, cuja frequência confirma a opinião de Hippocrates: cutis rara, alvus densus. Entre os Esquimáos foi frequentemente observa- da a epistaxis, e entre os Groelandezes são mui frequentes as aífecções vertiginosas, a apoplexia assim como a hemoptyse. Os rheumatismos chro- nicos e as nevralgias se observão frequentemenle n’estes climas. Uma forma de nevrose própria á Islandia é a brachialgia, que se nota sobretudo nas mulheres. As Laponias, Islandezas e as Kamtchadales são pouco regradas, e sujeitas, durante a epoclia dos cathamenios, ás aífecções spasmodicas e vapo- rosas. Todos os habitantes do norte da Sibéria são mais ou menos sujeitos a um mal extravagante denominado Miryak, que são convulsões cruéis de uma violência extrema, que os habitantes attribuem a uma feiticeira, morta a muitos séculos, Agrafe- na-Giganskoy. Como moléstias raras em outras partes e communs no extremo Norte, deve-se ci- tar a affecção hydatica que invade as diíTerentes vísceras e sobretudo o fígado e a spedalskhed, le- pra tuberculosa similhante a elephantiásé dos Gre- gos. Se os climas frios e húmidos engendrão frequentemente a escrophula, esta aífecção é entre- tanto rara no extremo Norte e nas regiões po- lares. O scorbuto é a aífecção mais temivel dos paizes frios e dos invernos do Norte. Não ha dis- simulal-o: o frio excessivo é um dos mais terríveis debilitantes que ameação o homem no extremo Norte; para resistir-lhe elle tem necessidade de crear uma grande somma de calorico e, conse- guintemente, de consumir muito alimento. É, pois, entre os que soffrem privações por alimentação insufíiciente que se observa a escrófula, a lepra, as congelações, o scórbuto, todas as misérias phy- sicas e moraes de que nos oíferecem exemplo os Laponios, Esquimáos e os Samoiedas. Climas temperados . — Na classe dos climas tem- perados collocamos aquelles cuja media annual é comprehendida entre o 8o e 14° gráos thermome- tricos, e cuja media dos invernos é superior a ze- ro. Os paizes incluídos n’esta zona são menos numerosos e limitados quasi á Europa. Um numero mui pequeno de paizes da Asia e America perten- ce à esta classe. Na Europa Occidental os paizes comprehendidos entre o 55° e o 45° gráo de latitu- de gozão quasi todos de um clima temperado. Os climas temperados abração toda a Allemanha, a Hollanda, a Suissa, a Hungria, a Inglaterra, a Irlan- da, a Italia septentrional, a França principalmenle, a Rússia meridional, as províncias danubianas, uma parte da Hespanha, da Grécia c da Turquia. O clima temperado, na America septentrional, reina principalmente entre o 45° e o 3o° gráo de latitude, e na meridional entre os parallelos correspondentes, isto é, em algumas regiões do Paraguay e Chile. Em razão de sua configuração e vasta extensão, a Asia é submettida geralmente a temperaturas ex- cessivas. Em meio, entretanto, da variedade des- tes climas que escapão a toda classificação, encon- tra-se um certo numero de temperados na Geor- gia, Anatolia, Arménia, nas províncias ao norte da Pérsia, na Tartaria, Coréa, Japão e na China. A Oceania não tem outros climas temperados que os da Nova-Zelandia e da terra de Diemen. É, por tanto, na Europa que se encontra o maior numero de paizes egualmente affastados dos calores extre- mos e frios excessivos. Nada ha de particular no jogo e disposição de seos principaes apparelhos, entre os habitantes destes climas; e as diííerenças individuaes são subordinadas á parte dos climas moderados que elles occupão, á influencia espe- cial da localidade, ao regimen dos habitantes, as- sim como a seo gráo de civilisação. As zonas ex- tremas aproximão os indivíduos que as oecupão, d’aquelles dos climas visinhos. Estas variedades- produzem frequentes e rapidas successões nas pre- dominâncias de apparelhos, cuja consequência é a variedade dos typos, das constituições, dos- actos orgânicos, dos temperamentos, do caracter individual; e, finalmente como resultado, o equiiibrio das funcções. As zonas temperadas, como as regiões frias e quentes, oíferecem condicções muito diversas de temperatura, humidade e salubridade. As molés- tias, pois, se diversificão conforme as circumstan- cias e as condicções de seo clima particular, se- guindo em sua marcha o curso regular ou irre- gular das estações, segundo a observação de Hip- pocrates. Pode-se distinguil-as em agudas e em chroni- cas ou diathesicas. Vê-se principalmente reinar no in- verno as moléstias que se encontra ordinariamente nos climas frios, as pneumonias, bronchites, pleuresias, coryza, rheumatismo, vertigens, asthma, apoplexia, cephalalgia; as epidemias de sarampo se declarão no principio do inverno e augmentão até o equi- noxio da primavera. Em toda estação se desenvol- vem as pneumonias; durante o inverno, porem, na primavera e principio do estio é que esta forma pathologica causa os maiores estragos. Hippocrates attnbue uma acção fatal ao sopro dos ventos de nordeste para a producção da pneumonia, princi- palmente nos velhos. Após o equinoxio da prima- vera a gravidade das moléstias diminue; as pneu- monias e pleuresias, entretanto, são ainda frequen- tes, assim como as hemorrhagias, anginas e catar- rhos. Logo que aparecem os calores, reinão em- baraços gástricos, cephalalgias, moléstias' biliosas. No estio vê-se hemorrhagias, muitas affecções cuta- neas, febres biliosas e sobretudo moléstias intesti- naes. Os antigos consideravão o outono como es- tação mortífera, e dizião que as moléstias por elle produzidas erão longas, de crises difficeis e paro- xismos irregulares. Via-se então reinar as febres quartãs, as dysenterias, a melancholia, as hydro- pesias, etc. O abuso dos licores recentemerite fa- bricados, a variedade e abundancia dos fructos, ajuntando-se â apparição dos nevoeiros e á humi- dade das noites, são realmente as causas de mui- tas affecções intestinaes e rheumatismaes. A passa- gem brusca de uma estação á outra não é ex- empta de perigos, que podem ser prevenidos por uma mudança de hábitos, de conformidade com a estação nova. A rabia, a gotta, a pedra e a phtisica pulmonar produzem-se também sob a influencia dos climas temperados. Em resumo diremos, que a estes cli- mas não se pode outorgar outra influencia, como causa predisponente de moléstias, senão as que exercem as vicissitudes de temperatura e asucces- são das estações, exercendo cada estação e cada temperatura uma acção livre. III Passamos agora a examinar a influencia exerci- da pelos climas sobre a coloração e a estatura. A coloração da pelle está em relação evidente com a acção de um clima e sobretudo a intensidade da luz que o illumina: o Arabe, o Mouro, o Hespa- nhol, o Italiano são da mesma raça que o Sueco e o Russo, e estes irmãos consanguíneos podem, por uma longa transplantação, trocar a cor more- na ou tostada que os differencia; ainda que não misturem seu sangue, os filhos vagabundos de Is- rael teem já perdido no Norte a cor própria aos Syrios. Por mais que o homem mude de patria e os povos se confundão, a natureza lhe imprime sempre na fronte o caracter distinctivo do clima; é mister, pois, que elle soffra a lei que ella impõe a todos os seres, — ella que no Norte, conforme o observa Blumenbach, traja de branco aos coelhos, ursos e lebres, e que por causas sem duvida op- postas, tornou na Costa de Guiné os cães e os gallinaceos tão negros quanto os indígenas. As e- migrações dos povos, na Europa, debalde confun- dirão os barbaros do Norte com os habitantes do Meio-dia; sempre os meridionaes teem o cabello rude e negro, e encontra-se sempre entre os Alle- mâes, os Dinamarquezes, e os outros povos se- ptentrionaes os cabellos louros, assim como os olhos azues dos antigos Germanos e Scandinavos. Em quanto que o cabello do meridional adquire uma rigidez que contrasta com a fineza dos ca- bellos dos habitantes do Norte, sua pelle torna-se lisa e macia, por um eífeito dependente sem du- vida de sua activa transpiração. Os Turcos, os Ethiopes, os Caraíbas e os selvagens de Otaiti teem uma pelle notavelmente macia. Blumenbach refere que, na Àsia não ha mulher de qualquer traba- lhador rústico, que não tenha a pelle tão polida quanto o veludo. A coloração do iris segue as va- riedades da coloração da pelle. Muitas condições residentes no clima parecem explicar a estatura entre os povos; e assim é que a influencia do calor e da humidade tem contribuído para o desenvolvimento da estatura. Os Inglezes teem estatura elevada; mas os Anglo-Americanos transplantados para um terreno mais quente teem- na ainda mais. Os Cafres são dotados de alta es- tatura, corpo mui rubusto e proporções bellas. Os Caraíbas da America equinoxial erão, como diz de llumboldt, homens de cinco pés e dez polegadas. É conhecida a estatura gigantesca dos Patagões e dos selvagens do mar do sul. O que nos resta dos Guanchos, conservado nas sepulturas de Teneriffe, nol-os aprezenta como um povo de estatura mui elevada. Esta influencia se observa da mesma for- ma entre os animaes: assim, os bois transportados ao Paraguay pelos Europeus teem attingidõ dupla estatura, observando-se o mesmo com os javalis transportados á Cuba. No Norte o Laponio, o Esquimào e todos os po- vos circumpolares são de estatura definhada; e entretanto a mesma raça mongolica, da qual elles são ramos, aprezenta uma estatura elevada, entre os Chinezes, assim como nos enxames isolados que se teem confundido em suas excursões com os me- ridionaes da Asia. O calor unido a seccura parece uma causa de diminuição de estatura: o Arabe emmagrecido por suas areias, attinge cinco pés apenas; o Italiano e o Hespanhol têm a mesma estatura, em quanto que todos os povoados do Norte, que devem, como os povos precedentes, sua origem á raça branca, em todos os tempos, no seio da humidade cons- tante de suas florestas teem aprezentado uma esta- tura notável. Os Godos, os Lombardos e os Fran- cos pareceram de estatura desmedida aos Romanos atemorizados de seo aspecto guerreiro. Blumenbach observa que entre os Europeus são os Dinamar- quezes e os Scanios, os povos de estatura inais elevada; é que á humidade de seo clima, como reílecte Motard, se liga uma causa que obra sobre todos os seres organisados, — a retardação da epocha da reproducção. A especie humana é sujeita áesta lei geral da natureza, que desenvolve o indivíduo até que a puberdade seja produzida e a reproduc- ção da especie confirmada; nos paizes intertropi- caes, a puberdade é das mais precoces; mas a ra- pidez da vida permitte um grande crescimento an- tes mesmo que o indivíduo seja púbere. Nos cli- mas moderadamente frios, a puberdade serôdia traz um lento, mas muito longo desenvolvimento, e a estatura de seus habitantes se alteia por uma causa differente. Tácito attribuia a alta estatura dos povos germânicos á castidade e á puberdade serôdia de seos jovens guerreiros. A aspereza do frio e o deseccamento do ar tornâo-se um obstá- culo predominante que se oppõe ao desenvolvi- mento do indivíduo, e, nos paizes temperados, a precocidade dos orgãos genitaes prevalece á rapi- dez do desenvolvimento. O habitante das monta- nhas, sob a influencia de um clima mais frio do que comporta sua latitude, vê ao mesmo tempo por esta mesma razão sua puberdade enlanguecer, sua vida augmentar-se e sua estatura elevar-se, á menos que elle não viva em uma região muito alta onde o frio e a seccura tornem-se obstáculos predominantes, e que elle não ache, na pouca abas- tança de que goza, causas de inferioridade relativa, comparando-se-o com o habitante melhormente nutrido e mais eivilisado das planicies ferteis. Tem- se notado que a Hespanha, a Grécia, a Italia e o meio dia da França são os paizes onde se encon- trão as estaturas menos elevadas, e que estes paizes são ao mesmo tempo vinhedos por excellencia. Se- gundo Bruhl-Cramer, a estatura dos habitantes do governo de Kasan, Perm e Wiatki diminuio sensi- velmente desde o reinado de Iwan Wasitewitsch, sob o qual estas populações começaram a beber aguardente. O vinho, como todos os espirituosos em dóse moderada, contribue indubitavelmente ao vigor do corpo e até ao do espirito. Mas innume- ros exemplos provão egualmente que o uso pre- maturo d’este licor fortificando ou antes excitando os orgãos, suspende o desenvolvimento da estatura, ao passo que uma alimentação abundante, os lacti- cinos e as bebidas aquosas produzem effeito con- trario. Os trabalhos da industria, das fabricas e das minas, que tomaram tão grande impulso entre os povos modernos, teem dado em resultado a di- minuição da estatura. Um certo numero de auctores e alguns physiolo- gistas tem admittido a existência das relações en- tre a estatura e as faculdades moraes. Não se de- ve, porém, julgar os homens pelas apparencias ex- teriores, porque, cá parte as deformidades, nenhu- ma conformação impede o talento, os dons do es- pirito, o genio. Entremos agora em nova ordem de cousas. IV É certo, diz Voltaire, que o solo e a atmos- phera assignalão seo império sobre todas as pro- ducções da natureza á começar pelos homens e terminando pelos cogumelos. Em todos os paizes e em todas as epochas o estudo do homem revela a influencia, que exercem os climas sobre as faculdades intellectuaes, os ins- tinctos, as propensões, e bem assim sobre as ap- plicações dos principios da moral. Se o sentimento do justo e do verdadeiro existe por toda a parte no fundo dos corações, por toda a parte também os instinctos desenvolvidos pelo contacto das cousas ex- teriores desnaturão mais ou menos, na pratica da vida social, esta luz candida que é um como reverberar do espirito de Deus em nossas almas. Embora se- ja uma em seos princípios geraes, a moral varia na applicação que cFella se faz a certos factos que não offerecem o mesmo gráo de gravidade em differentes povos. Assim, o roubo, que em alguns togares a lei pune de morte, em outros ó punido com uma pena branda ou mesmo não soffre pena: tal sentimento, qual o da honra ou desinteresse, por exemplo, que é a alma de certas nações, não faz vibrar nenhuma Fibra em outras. O clima de- senvolve ás vezes propensões indignas, ultimo elo da cadeia que approxima o homem do irracional, cujos instinctos não são mais que a influencia illi- mitada da natureza sobre um ser que não pode oppor-lhe nenhum exame de consciência, nenhuma resistência de livre arbítrio. Estas aberrações da moral são mais frequentes nos climas excessivos onde o poder monstruoso da animalidade inferior attesta o triumpho alcançado pelo instincto sobre a consciência. A medida, porem, que a civilisação estende seos progressos, os costumes, as leis e as instituições das raças e dos povos diversos perdem alguma cousa das contradicções e extravagancias que se notava uma consciência do genero humano se forma e tende cada vez mais á contra- balançar as influencias do clima. Todos os observadores teem reconhecido a influ- encia e as modificações que os climas exercem sobre as manifestações intellectuaes e moraes. Mui- tos, porem, admittindo só a influencia dos climas, negâo o concurso de outras condicções que actuào inquestionavelmente. Muito judiciosamente observa Voltaire que «o clima tem algum poder, o governo cem vezes mais, e a religião unida ao governo ainda mais»; não se pode desconhecer também a influencia da raça, onde ha uma questão com- plexa, na qual o clima faz um papel menor do que se o julgara. «Entre os homens, diz Hippocra- tes, ha raças ou indivíduos que assemelhão-se aos terrenos montuosos e cobertos de florestas; outros que recordão estes solos amenos banhados de cor- rentes abundantes; alguns podem ser comparados aos prados e aos pantanos, outros á planícies sec- cas e estereis.» Os sacerdotes egypcios, antes de Hippocrates, tinhão instruído â Solon, de que não só as qualidades physicas, quaes as formas exteri- ores, a côr, a estatura, o temperamento, mas ain- da as faculdades moraes, a prudência, a bondade, a justiça, o espirito de independencia, etc., são modificados pelo ar ambiente e a natureza do solo onde nascemos. No século de Luiz XIV o ingenhoso Fontenelle disse: «Pode-se crer que a zona tórrida e as duas glaciaes não são muito próprias para as sciencias. Até o presente ellas não teem passado Egypto o e a Mauritama de um lado e a Sueccia do outro. Tal- vez não tenha sido por casualidade que ellas tenlião estacionado entre o monte Atlas e o mar Báltico. Não se sabe se não são estes os limites estabeleci- dos pela natureza, e se é possivel esperar-se o apparecimento de grandes auctores lapões ou negros.» Chardin, um d’estes viajantes raciocinadores e indagadores, vai ainda mais longe que Fontenelle fallando da Pérsia:—«A temperatura dos climas quentes, diz elle, enerva o espirito como o corpo, e dissipa este fogo necessário â imaginação para a invenção. N’esses climas não se é capaz de lon- gas vigilias e d’esta grande applicação que produ- zem as obras das artes liberaes e das artes mecâ- nicas, etc. Chardin não reflectia que Sadi e Lock- man erão persas; não attendia que Archimedes era da Sicilia, onde o calor é maior que nos tres quar- tas da Pérsia; e esquecia que Pithagores aprendeo a geometria entre os brachmanes. O padre Dubos sustentou e desenvolveo esta opinião de Chardin. Cincoenta annos antes d’estes Bodin acceitara e de- senvolvera esta doutrina, fazendo d’ella a base de seo systema em suas obras : — A Republica, e em seo methodo da historia ; elle diz que a influencia do clima é o principio do governo dos povos e de sua religião. Antes de Bodin já Diodoro de Sicilia sustentou esta opinião. 0 auctor do imponente livro Espirito das leis, graças ao qual em parte, cousas reputadas antiga- mente sagradas, como a realeza, cahiram no do- mínio da critica, — Montesquieu que na opinião criteriosa do illustre escriptor democrata Ernest Hamel merece ser contado entre os precursores da grande Revolução Franceza, apropriou-se de algu- ma forma d'esta doutrina pela importância que soube dar-lhe, excedendo a Dubos, Cliardin e Bo- din. A theoria commoda e absoluta d’este homem celebre era contraria á realidade dos factos mais patentes; ella é justa, mas as applicações que elle fez d’ella são cheias de erros e contradicções. Montesquieu suppõe mui temerariamente que os ha- bitantes dos paizes quentes são fracos e covardes, desprovidos de um vigor natural do espirito, por conseguinte impróprios para a guerra e as investiga- ções scientiílcas. A' uma theoria tão generalisada a historia oppõe numerosos desmentidos. Pizarro, Cortez, Pinson, encontraram no Perú, no México, no Brasil, uma raça de constituição realmente fraca, mas muito corajosa. Ha um maior numero de ho- mens bravos sob a zona tórrida que sob o circulo polar. A legislação, a historia, a hygiene publica, a poesia, a navegação, a geometria, o espirito mili- tar, contaram illustres representantes entre os Ju- deos, Egipicios, Phenieios, Gregos, Árabes, que ha- habitavão paizes quentes. Nos climas mais diver- sos pode existir homens temperantes e justos, na- ções bravas e livres; mas para ficar honrado e corajoso, é preciso muitas vezes mais mérito e força de alma em um que em outro. Em comba- ter influencias exclusivas é que deve se exercer a liberdade humana; os povos humilhados podem sacudir seo opprobrio. Basta a razão e o livre ar- bitrio para compellir o homem a domar suas pai- xões, submetter-se á leis sabias e sacrificar sua vida pela patria. Aos que sustentão que a atmosphera faz tudo, a historia em contraposição apresenta argumentos inconcussos, sanccionados pelo bom senso univer- sal, os quaes são deduzidos de factos incontestá- veis. O imperador Juliano em seo Misopogon diz que o que lhe agradava nos Parisienses era a gra- vidade de seos caracteres ea severidade de seos costumes: entretanto, porque razão, pergunta-o Voltaire, estes Parisienses, sem que o clima tenha mudado, tornaram-se creanças folgazãs a quem o governo fustiga rindo-se e que ri- em-se elles mesmos, momentos depois, decantando seos predecessores. Os Egypcios, que pinta-se-nos ainda mais graves que os Parisienses, são hoje o povo o mais indolente, o mais frivolo e o mais poltrão, depois de ter conquistado outr’ora toda a 34 terra para seo prazer sob um rei chamado Sesos- tris. A sabia Athenas, onde floresciam as lettras e as artes, atrophiada alimenta-se hoje de suas tradic- ções gloriosas, e vive porque não morre a memó- ria de Aristoteles, Anacreonte, Zeuxis. Roma que é ainda altaneira das ruinas de seos templos, de seos circos, de seo forum, tem para substituir seos Ciceros, seos Tito Livios e seos Gatões, cidadãos que não se atrevem a fallar, e uma populaça de mendigos embrutecidos, cuja suprema felicidade consiste em ter algumas vezes azeite barato e ver desfilar procissões. A praça publica onde se agita- va a vida romana e os interesses se entrechoca- vão, desappareceo mergulhada em uma atonia mo- ral e intellectual. Em suas cartas Cicero zomba muito dos Inglezes. Dirigindo-se a seo irmão Quin- tus, lugar-tenente de Cezar, pede-lhe que commu- nique-lhe se encontrara grandes philosophos entre elles na expedicção de Inglaterra. Elle não duvida- va que um dia este paiz podesse produzir mathe- maticos que elle jamais poderia entender. Entre- tanto o clima não tem mudado e o céo de Lon- dres é tão nebuloso quanto o era então; mas a Inglaterra tem attingido tal gráo de adiantamento nos diversos ramos de conhecimentos humanos, e tão sabias são as leis que o governão, que com todo jus figura entre os paizes de primeira ordem. Tudo muda, pois, nos corpos e no espirito com o tempo. Talvez um dia, dizia Voltaire, os America- nos venhão ensinar as artes aos povos da Europa. Ainda que a influencia do clima seja a mais po- derosa de todas as causas naturaes, collocamos ácima d’ella o contrapeso da razão. Os costumes e as instituições dos povos diversos provão até onde pode-se estender a acção dos esforços humanos, sobre o caracter moral e intellectual do homem. A educabilidade é um de seos attributos exclusi- vos. Todos os povos, até os mais embrutecidos, são não só aptos a receber uma educação e a aperfeiçoar sua intelligencia, mas ainda, único en- tre todos os seres, o homem pode transmittir á seos fdhos e á posteridade as riquezas scientifieas que elle tem amontoado e que permanecem como o thesouro commum do genero humano. E’ mis- ter accrescentar que a educação não crea ne- nhuma faculdade, e que só exerce um poder modificador, dirigindo umas, contendo outras, e outorgando a um pequeno numero, quando é pro- picia a natureza, uma elevação insólita. Helvetius em seo celebre livro do Espirito desenvolveo a doutrina da egualdade das intelligencias, susten- tando que a diíferença que se observa entre ellas provém da educação. O exemplo do que se passa em cada nação, em cada sociedade, em cada es- cola desmonte similliante paradoxo. Em Ioda a parte se ensina as mathematicas, o direito, a arte militar, a eloquência, a musica, a pintura, e ja- mais os melhores mestres conseguem formar um Nevvton, um Grotius, um Frederico II, um Bossuet, um Beethoven, um Miguel-Angelo. A experiencia prova que só a natureza crea os homens superiores, mas que concede á todos, excepção de alguns valetu- dinários, cegos ou surdos do espirito ou do corpo, os mesmos sentidos, as mesmas funeções, as mesmas fa- culdades, tornando-os aptos á receber pela educação da familia, da escola e do mundo, um aperfeiçoa- mento relativo. Quanto á certas disposições predomi- nantes ou para o bem ou para o mal, a educação semostraimpotente, encontrando um obice insuperável. E este nivel medio de intelligencia que torna capaz de preencher os deveres sociaes em um governo policiado, que todas as raças de homens podem se elevar. Em todas as raças, mesmo maquellas que são reduzidas pelo clima e pelas paixões ao estado mais abjecto, os homens são aptos á receber uma educação que os modifica felizmente e que, sendo applicada á toda uma nação, lhe communicaria desde a primeira ou ao menos desde a segunda geração, os costumes, as leis, as instituições, as ar- tes, as sciencias, em uma palavra todos os progressos geraes em cuja posse estão os Estados civilisados. Os paizes temperados são os mais favoráveis ao desenvolvimento das faculdades do espirito. Os paizes onde reina um gráo muito pronunciado de calor merecem ainda a preferencia principal mente para as artes que são produzidas mais pela ima- ginação e a chimera que pelo estudo e reflexão. Partilha inapreciável dos bellos climas, as lettras e as artes não dependem somente de uma atmosplie- ra quente, e de um ceo azulado; ellas são ainda liga- das á raça, aos costumes, ás instituições, ás crenças. As pedras mudas de um monumento nos revelão os mysterios do espirito humano e os progressos da civi- lisação de um povo, não menos que seos livros e seos annaes. A musica de um povo é muito própria para fazer conhecer seos costumes e sua civilisação; onde não existir vestígio algum d’esta arte sublime que innnortalisou os nomes dos Boethovem, Mozart, Bacli, Weber, Haydn, Cimarosa, Jomelli, Pergolese, Gluck, Cherubini, etc., reinará a barbaria. A musica dos Hin- dous é tão grosseira quanto sua civilisação. Nas Phi- lippinas, cujos habitantes são humanos e sociáveis, o rei não adormece senão ao som de um concerto for- mado por muitos mancebos, que recitão á seo modo certas poesias. Os naturaes da Nova-Zelandia pas- são por intelligentes e audaciosos; entre seos instru- mentos de musica figura a frauta. E' facto incontestável que, um paiz onde a vida é commoda, cujo céo é límpido, o ar transparente e brando, dispõe a clíimera e ás obras da imaginação. A arte ahy é uma imitação fácil da luz, da paisagem, da natureza animada que vos cerca, vos deslumbra, vos inebria. Não deve, pois, causar admiração se o cli- ma da Grécia, das ilhas do Archipelagoe do mar Jonio, da Toscana,de Roma e de Veneza produzio uma raça de esculptores, músicos, pintores e poetas. Debaixo de um céo mais sombrio, com uma natureza menos pródiga, um clima mais rude, é mister que o homem viva do trabalho de suas maõs, e des- preze as artes liberaes pela agricultura, a industria c o commercio. Ainda que nenhuma faculdade, nenhu- ma arte sejão extranhas ao homem, sob qualquer cli- ma que elle viva, distingue-se para a pintura duas grandes escolas: as do Meio dia e as do Norte, perten- cendo ás primeiras a Grécia, a Italia, a Hespanha; ás segundas a Allemanha, Flandres, Hollanda, Inglaterra. Ao lado do clima deve-se encarar os costumes e so- bretudo as crenças, cuja influencia é mais poderosa ainda sobre as outras artes. O instincto artístico ca- racterisa os povos do Meio-dia e é o sello de sua raça. Encontra-se entre os Gregos a exquisita delicadeza da forma, e entre os Italianos o brilho do colorido; os Gregos divinisaram a belleza; os Italianos colloca ram a belleza moral em uma esphera mais elevada. O clima da Italia é de tal forma favoravel ao genio da pintura, que é este paiz que apresenta a galeria mais brilhante de artistas deste genero: Miguel Angelo, Raphael, Guido Reni, Leonardo de Vinci, Corregio e outros immortalisaram-se pelo pincel. O clima da Hespanha, muito analogo ao da Italia, deveria com- municar um sello commum aos pintores das duas na- ções, se o caracter nacional não os separasse profun- damente. E’ de esperar pois que se encontre na pin- tura hespanhola a fé exaltada, paixões ardentes, mas não sem mescla do espirito vivo e critico que carac- terisa seos romancistas. Ella se resume nos quatro no- mes em torno dos quaes gravitão alguns satellites: Ribera, Velasquez, Zurbaran e Murillo. A arte liespa- nliola se inclina já para o realismo, que se pode de- finir a verdade na natureza sem escolha do bello e do desforme. Este caracter se encontra mais ordinaria- mente nas escolas do Norte, como a Allemanha, a Inglaterra, Flandres, Hollanda e os outros paizes septentrionaes. As raças do Norte differem tanto dos povos pela pintura como pelos costumes. Considerando-se a Allemanha, surprehende o pe- queno numero de pintores, comparativamente ao dos músicos, que esta vasta região fornece. É que o clima ahy é menos propicio á côr que o da Ita- lia e de Hespanha. A poesia, esta musica que todo homem tem em si, na phrase de Shakspeare, é o dom que Deus espalhou com mais liberalidade e que até se encontra entre os povos dos climas os mais oppostos. Na phrase de Vi- ctor Hugo, a poesia é como Deus: uma e inexgotavel; e o poeta tem uma funcção séria, qual, sem fallar na sua influencia eivilisadora, a de elevar, quando o merecem, os acontecimentos políticos á dignidade de acontecimentos históricos; e tem um escopo se- vero : — ser de todos os partidos pelo seo lado ge- neroso, não ser de nenhum pelo seo lado máo. Lamartinc diz que, como tudo o que ó divino em nós, a poesia não se pode definir nem por uma palavra nem por mil; e considera-a a encarnação do que o homem tem de mais intimo no coração e de mais divino no pensamento, do que a natu- reza visivel tem de mais magnifico nas imagens e de mais melodioso nos sons. A poesia não é so- mente a lingua da infancia dos povos, o balbuciar da inteUigencia humana; é a lingua de todas, as edades da humanidade. Accompanhando a evolução dos séculos ella traz sempre o cunho do movi- mento assigualado pela civilisação, e soffre as moda- lidades das situações de um paiz; assim é que nas civilisações adiantadas de Roma, Florença ou de huiz XIV, ella é grave, philosophica e corru- ptora; no berço das nações ella é simples e in- génua: nas theocracias da Judéa ou do Egypto ella é mystica. lyrica. prophetica ou sentcnciosa: nas epochas de convulsões e de minas, como em 9o ella é descabellada e clamorosa; no seio dos po- vos pastores ella é amorosa e pastoral; nos dias de renascimento e reconstrucção social ella é me- lancólica, incerta, timida e audaciosa; entre as hordas guerreiras e conquistadoras ella é epiea e guerreira; emfim na velhice dos povos sombria o desanimada como elíes. A poesia legendar de um povo, como o disse o erudito escriptor portuguez Theophilo Braga com o bom senso litterario que o caracterisa, é a que melhor retrata seos sentimentos e costumes e trans- formações e lutas e progressos; é o retrato de sua natureza, a intuição de si, uma consciência tangível. 0 sello da humanidade conserva-se inalienável; — nos climas mais extremos o homem não é ex- tranho á nenhuma das faculdades, á nenhum dos dons admirados nas regiões favorecidas pelo céo mais clemente. É a poesia um dom que se revela entre todos os povos com as modificações próprias á cada clima e ao gráo de civilisação. Na Islandia, ilha volcanica, embuçada no seo manto de neve, quasi segregada do resto do mundo, o espectaculo d’essas auroras boreaes tão brilhantes, desses ha- los esplendidos, d’esses montões gigantescos de ge- lo. d’esses immensos rochedos, e o aspecto da bei- leza magestosa e terrível do Hecla, e do Geyser que lança á mais de cem pés de altura suas on- das ferventes inspiraram o genio dos antigos Scan- dinavos; em nenhuma parte foi conservada com mais fidelidade a antiga lingua nacional, e ahi é que forão recolhidos por escripto os Sagas e o Ed- da poético, onde vivem as tradicções históricas e mythologicas da Suécia, Norwega e Dinamarca. À litteratura polaca não tem que invejar a dos ou- tros povos da Europa. Entre todas as nações sla- vas, é a Polonia uma das mais intelligentes, e on- de são muito cultivadas as artes, a pintura, a mu- sica e a poesia; mas em cada século nós vemos a ílor da mocidade dizimada pela guerra ou disper- sada no solo inhospito da Sibéria em prémio do seo apaixonado amor da patria. Ainda que sob o gravame da barbara oppressão moscovita, conta uma hierarchia de poetas illustres, cuja inspira- ção como que se encendra no crysol do martyrio: — Rzewushi, o poeta guerreiro, que publicou uma arte poética de mérito; Michiewicz, novo Tyrteo, que é uma notabilidade poética, como o revelão suas obras — o Livro dos Peregrinos, o Banquete de Walenrood, etc.; Dmochowski que se dedicou prin- cipalmente á traducção em verso das obras primas dos melhores poetas da antiguidade, Homero, Vir- gilio e Horacio; Sigismiuido Krasinski, que enrique- ceo a litteratura polaca com maravilhas como—Psal- mos do Futuro, Tentação, Iridion, etc. A Finlân- dia tem um gosto decidido pela poesia. Lonrot publicou o Kalevala e o Kanteletar, antigos cantos poéticos d’este paiz, que conta entre seos poetas contem- porâneos Berndtson, Topelius e Runeberg. Ha dous séculos que a Rússia se tem engrandecido por suas conquistas e seos progressos nas artes que fazem a gloria dos povos civilisados, e poucas nações são tão remuneradoras dos seos homens de lettras co- mo ella. No numero dos poetas russos dotados de inspiração e originalidade pode-se citar Joukovski, Bogdanovitch, o príncipe Wiasemski, Dmitrieff, auc- tor do poema Sermak, Derjavine, o simples e des- conhecido voluntário que um dia entrou nas filei- ras, e que dentro em pouco foi um dos primeiros poetas lyricos, Kirloff, o La Fontaine da Rússia, Lo- monossoff, a quem a Rússia deve um de seos melhores poemas épicos, Lermontoff e Pouchkine que n’um momento de intolerância política forão enviados ao desterro, Baratinski, o celebre auctor da Bohemia. No Norte as poesias e as bellas artes tem uma expressão menos viva, e a imaginação tem menos explendore en- canto. O homem do Meio-dia vive antes pelos sentidos que pela razão; as linguas meridionaes são mais flexíveis e mais harmoniosas do que as do Norte. Alguns traços do genio oriental encontra-se entre os povos (lo Brazil, México, Perú, cujos naluraes tinhão em sua linguagem um luxo de imagens e de metaphoras muitas vezes exageradas, mas muito pittorescas. Berço do genero humano, a Asia pre- cedeo os outros povos na civilisação. São obras primas de poesia lyrica os hymnos da sagrada Es- criptura, as prophecias eloquentes de Daniel, Eze- chiel, Isaias, Baruch, os lamentos patheticos de Job, as palavras ameaçadoras de llabacuc e Sophonia, as imprecações de Nahum contra Ninive, e sobretu- do os psalmos de David. Em todo o Oriente um perfume de poesia, embora exagerada, parece tres- calar dos homens e das cousas. Os Vedas, livros sagrados dos Hindous, conteem um grande numero de orações e hymnos em versos; elles forão com- mentados em desoito poemas conhecidos com o nome de Pouranas, pelo sabio Vyasa, auctor àoMaha- bharata, cuja composição remonta ao século XII e mesmo ao século XIV, antes da era christan. Outra epopéa que, attenta a epocha em que foi escripta, é obra de um genio superior e o fructo de uma imaginação rica, é o Ramayana de Valmiki, o livro mais antigo do mundo depois do Peniiteuco, cuja composição remonta ao século XV antes da era christan. A China, a Arabia e a Pérsia oíTerecern em poesia os caracteres communs das litteraturas do Oriente. A China conta alguns verdadeiros poetas. Deve-se a Confucius o Chi-Kmg, collecção de muitas peças em verso. Li-tai-pé é o poeta favo- rito da China. Entre os mais antigos monumentos da litteratura arabe figurão os sele Mohallakats composição de sete poetas arabes anteriores á he- gira. A poesia arabe, porém, só elevou-se no tem- po de Mahomet. A collecção das antigas canções arabes por Aboul-Faradj-Ali, o poema de Chanfa- ra intitulado: Lomyyàt-el-Arab, o romance heroi- co de Antar e as Mil e uma noites bastão para caracterisar o genio arabe. A Pérsia conta entre seos poetas mais celebres Sâdi, Ferdoucy, Hafiz, Djàmi, etc. E’ a datar do século X que começa a litteratura persa. O Zend-Avesta, o livro sagra- do dos Guebros, remonta, porém, â uma alta antiguidade. O genio poético da Grécia antiga, ex- cede ao do Oriente por um gosto delicado e o sentimento do bello, que é seo idolo. Elle creou e levou até á perfeição a epopéa com Homero, a tragédia com Euripides, Sophocles e Eschylo, a co- media com Menandro e Aristhophanes, e a poesia lyrica com Pindaro, Sapho, Corinna e Erinna. No intuito de competir com os maiores nomes que foram a gloria de Athenas, os mais illustres Ro- manos quizeram ser poetas; nas bibliothecas publi- cas figuravão os versos de Brutus. Cassio Severo, um dos assassinos de Gezar, compoz muitas sa- tyras, elegias e epigrammas. E’, porém, com Lu- crecio, Ovidio, Catullo, Propercio, Tibullo e sobre- tudo com Virgílio e Horacio que o genio poético attinge o maior esplendor em Roma. Apezar das censuras de frouxidão, que se dirige a lingua e aos caracteres, os poetas italianos teem verdadei- ramente o genio epico como o provão Dante, Tasso, Ariosto e Boiardo. Além destes conta a Italia outros poetas como Petrarca, Metasta- sio, o creador do drama lyrico, Goldoni, o imitador feliz de Moliére, Cezarolti, Foscolo, etc. A Inglaterra conta nos generos mais diversos excedentes versificadores e bons poetas, como Dryden, Pope, Marlowe, Moore, Spencer, Ben Jonhson, Cunningham, Peei, etc., collocando-se em uma ordem mais elevada, Milton e Shakespeare, porque forão creadores, aos quaes se deve ajunc- tar Byron e Ossian. O genio litterario desenvolveu- se mais vivamente na Allemanha no curso do sé- culo XVIII. A poesia conta neste paiz muitos no- mes celebres: Goethe, Schiller, Wieland, Klopstock, Lessing, Herder, Ulhand, Burger, Schlegel. A Hes- panha tem tido seos Espronceda, Lope de la Vega, Martinez de la Rosa, lleredia, Zarate, Zorrilla, etc. Portugal tem tido seos Camões, Ferreira, Rodrigues Lobo, Quevedo, Marqueza de Alorna, Macedo, Bo- cage, etc., e modernamente uma pleiade estudiosa, d otule destaca-se o vulto sympattiico, e não ver- dadeiramente apreciado de Theophilo Braga. Àinda que a França não contemple em sua coroa poética nem um Dante, nem um Homero, nem um Milton, nenhuma outra nação excede-a quanto ao genio, quanto á invenção e quanto á variedade dos ge- neros de que tem tractado. Com Malherbe creou-se e aperfeiçoou-se a lingua poética. O que Malherbe fez para o genero lyrico, Corneille o operou para a poesia dramatica, sendo o precursor de Racine que fez obrar e fallar a mulher como mãe, esposa, e amante, e de Molière que desmascarou e ridicu- larisou os defeitos de cada profissão e de cada classe da sociedade. Não menos original e tão po- pular quanto Moliére é La Fontaine. No epigram- ma, nas estancias, na elegia, nas peças ligeiras, nos poemas humorísticos, a França não teme com- paração nem com os antigos, nem com os mo- dernos por que tem os Chaulieu, Gresset, J. B. Rousseau, Lebrun e muitos outros, e Voltaire que é incomparável nas poesias ligeiras. Um dos poe- tas mais doces do século XVIII foi André Chenier, cujo futuro brilhante foi aniquilado no cadafalso revolucionário. Com Chateaubriand operou-se uma revolução na litteratura na Europa; seu genio inspirou uma geração de artistas, escriptores e poetas; elle permanecerá como o maior nome litterario do século XIX. A poesia contemporânea franceza conta reprezentantes illustres: Alfredo de Vigny, Viennet, Beranger Soumet, Casimir Delavig- ne, Lebrun, Ponsard, Barbier, Legouvé, de la Pra- de e outros, e particularmente Alfredo de Mus- set, Lamartine e Victor Hugo que dotados de uma originalidade poderosa podem ser postos em para- lello com Byron, Moore, Schiller, Goelhe, Klops- tock, e os escriptores e poetas de mais nomea- da de todos os paizes. Ainda que nação creança, o Brasil pode figurar no pantheon das lettras, porque tem uma hierarchia de homens notáveis, desde os tempos coloniaes; nenhum paiz tem uma natureza que predisponha mais ao genio poético, mas a indolência quasi caracteristica do Brasilei- ro, vinculada â pobresa de protecção, desanima os tentamens de obras mais importantes. E’ por isso que no Brasil não é estudado o genero épi- co, existindo apenas alguns poemas, aos quaes faltão muitos requizitos exigidos em uma epopeia. Na galeria dos poetas l>rasileiros figurão, do sécu- lo XVII: Bento Teixeira Pinto, Gregorio de Mattos, Manoel Botelho de Oliveira, Bernardo Vieira Ra- vasco, Salvador de Mesquita, João Mendes da Silva, João Britto de Lima, Gonçalo Soares da Franca e Alexandre de Gusmão; do século XVIII, Antonio José da Silva, victima da lyrannia da inquisição— essa pagina negra dos annaes do catholicismo, João Pereira Ramos àe Azevedo Coutinho e seo irmão o Bispo de Coimbra Francisco de Lemos Pereira Coutinho, Frei S. Carlos, Frei Santa Ritta Durão, Basilio da Gama, João Pereira da Silva, Souza Caídas, e os infortunados poetas de Minas que se perderam na conspiração do Tiradentes, o sympathico martyr da liberdade—Thomaz Gonza- ga, Alvarenga Peixoto, Cláudio Manoel da Costa, e Vital Barboza; e do século XIX, Alvares de Azeve- do, Junqueira Freire, Cazimiro de Abreu, Gonçal- ves Dias, Castro Alves, Visconde da Pedra Branca- Agrario de Menezes, Franco de Sá, Pedro de Cala, zans, José Bonifácio—o patriarcha da independên- cia e a constellação brilhante que hodiernamen- te conquista louros na arte sublime da poesia. Não ha negal-o; nenhum paiz do mundo tem mais fu- turo que o Brasil, que aprezenta á raça humana um clima que só espera trabalhos bem entendidos para tornar-se um dos mais bellos do mundo; cortado de rios magestosos como o Amazonas, São Francisco, Paraná, Paraguay, Paraguassú, etc., divi- dido por cadeias enormes de montanhas; juncado de florestas magnificas, onde descantão os trovado- res alados de variegada plumagem; possuindo um solo ubérrimo, e uma flora de uma riqueza sem egunl: cheio de costas accessiveis, dotado de uma vegetação luxuriante sem rival; só tem necessida- de de dous incentivos energicos—o trabalho e a paz, para que alcance o augmento de sua popu- lação e sua perfectibilidade intellectual. Todas es- tas observações vêm apoiar a demonstração d’esta proposição: seja nos climas mais extremos, o ho- mem é accessivel a todas as faculdades e aos dons que se admira nas regiões mais favorecidas pela natureza. No exame da questão da influencia dos climas sobre as formas que aífeeta cada governo, as ra- zões moraes devem ser postas em parallello com as causas physicas. Um poder modificador que se ex- erce sobre todo o reino orgânico, sobre o espirito e os costumes das nações, obra necessariamente so- bre todas as instituições humanas. Os governos, porém, sendo machinismos muito complicados, aos quaes concorrem muitos factos secundários que os fazem variar infinitamente, a acção do clima, ainda que muito real, só é indirecta. Sendo a moral e a justiça as mesmas para todos os homens, dever-se-hia suppor que as mesmas leis conveemá todos os paizes e a todos os climas. Não basta, porém, decretar leis, nem que um povo tenha boas instituições, é preciso ainda que o governo tenha a força de fazer acceital-as, e que ellas se achem de conformidade com o estado dos espíritos e dos costumes. Montesquieu exagerou muito esta influ- encia, fazendo depender absolutamente da diver- sidade dos climas as formas que aífecta cada go- verno. Para reconhecer quanto são erroneos e con- trários á evidencia os princípios estabelecidos pelo grande publicista, basta espraiar a vista sobre a carta do globo. Comprimida em um estreito espaço de terra, a Europa nos aprezenta, sem distinção de climas, todas as formas de governo, desde as mo- narchias despóticas até os Estados mais illustrados e mais livres. A natureza do governo de cada paiz depende antes do gráo de instrucção e moralida- de dos povos que do clima em que elles vivem. O estado social se aperfeiçoa por toda a parte onde a intelligencia dirige e domina as paixões; quando, porém, os benefícios da instrucção são me- nosprezados, e que em seo lugar reinão as pro- pensões egoístas e ambiciosas, uma nação se de- grada e rebolca-se no tremedal da escravidão. E’ duvidoso, pois, que o clima determine uma pre- dominância exclusiva sobre as formas de governo, que não são immutaveis, independentes do capri- cho dos homens como as leis da moral. Se a mo- ral e a justiça são immutaveis, a forma dos go- vernos é uma obra da arte e da imaginação que varia ao arbítrio do legislador, segundo o genio dos povos e mil circnmstancias accidentaes. Considerada como instituição humana, e abstrae- çào feita das verdades reveladas, uma religião é o transumpto mais fiel do moral de um povo, e a expressão de suas faculdades, de suas paixões e do gráo de sua civilisação. E1 duvidoso que exista uma nação onde não se encontre, senão um culto, ao menos alguma crença religiosa, ura pallido re- flexo das verdades reveladas. Nas religiões que são de invenção humana os dogmas são de con- formidade com os costumes, com as paixões e com o clima dos povos, para quem seos fundado- res instituiram-nas. Pela analyse das diversas re- ligiões reconhece-se a influencia manifesta dos cli- mas. O brahmanismo, a mais imperfeita de todas as religiões da antiguidade, foi creado por espiri- tos enfraquecidos pela dieta vegetal, enervados pelos fogos de um clima ardente, dispostos á me- lancholia como todos os povos do Oriente. O isla- mismo prestou incontestáveis serviços, forçando po- voados embrutecidos a abandonar a idolatria, e, entre outras praticas abomináveis, a dos sacrifí- cios humanos; mas, no seo estabelecimento, como em sua propagação, reconhece-se a influencia do clima ardente da Arabia e das paixões orientaes. Malio- met não foi nem um impostor, nem um sectário fanatico; homem extraordinário entre seos contem- porâneos ignorantes, accostumado ao recolhimento (lo espirito e á meditação debaixo de um céo ar- dente, tornou-se sujeito a sonhos, a extasis e a allucinações, que fizeram-lhe crer á principio que estava possuído dos espíritos malignos, e, depois, que Deus lhe dava a missão de fundar um novo culto. Estabelecida á principio pela prédica, que faz os apostolos, e depois pelas victorias que pro- duzem os heróes — esta religião é eivada de ví- cios, sendo o principal, ser incompatível com a li- berdade, assentar todo estado social sobre o despo- tismo. O islamismo fez conquistas no Oriente, mas, como o pensa Montesquieu, a natureza do clima impedio a sua propagação na Europa. Os paizes mais quentes da Asia se fazem notar pela preoccu- paçâo e a exaltação das doutrinas religiosas; ao passo que nos climas mais temperados, na China e no Japão em particular, a doutrina de Confucius e de Sinto, uma especie de racionalismo ou de scepticismo mais ou menos declarado tem milhões de adherentes. A religião dos antigos Scandinavos era fria como seo clima: as sombras dos heróes divagando no combro das nuvens, os lamentos dos mortos de envolta com o rugido da tempestade, o sangue e o hydromel que elles bebião no craneo de seus inimigos são os objectos que se encontrão sem cessar em sua pobre mythologia. Ha povos, cuja religião não foi obra nem de seo governo nem de seo clima. Na Europa os paizes do Norte ligaram-se â Reforma, que é menos abso- luta em seos dogmas, menos severa em suas pra- ticas, em uma palavra que se afasta menos do ra- cionalismo que a religião catholica. Entretanto, por- que razão a Reforma conta mais adherentes no norte que no Meio-dia da Europa? «Quando a re- ligião, diz Montesquieu, soflreu a infeliz partilha, que dividio-a em catholica e protestante, os po- vos do Norte abraçaram a protestante e os do Meio-dia guardaram a catholica. É que os povos do Norte teem e terão sempre um espirito de inde- pendência e liberdade que não teem os povos do Meio-dia, e que uma religião que não tem chefe visivel convém melhor á independencia do clima do que aquella que o tem.» Não admittimos a ra- zão allegada por Montesquieu, porque nenhuma forma de governo é incompatível nem com o ca- tholicismo, nem com a Reforma, nem com a or- thodoxia grega; os governos são factos e não dou- trinas; em communhões diíferentes—a França, a In- glaterra, a Rússia, tornaram-se grandes potências. À causa que desligou o norte da Europa da com- munhão romana — foi a pobreza. Vendia-se por preço elevado as indulgências e o livramento do purgatório á almas, cujos corpos tinhão então muito pouco dinheiro. Os prelados, os monges de- voravão todo o rendimento de uma provincia. Adop- tou-se uma religião mais barata. Finalmente, de- pois de vinte guerras civis, acreditou-se que a re- ligião do papa era muito boa para os grandes se- nhores, e a reformada para os cidadãos. O tempo decidirá quem deve prevalecer no mar Egeo e no Ponto Euxino, a religião grega, ou a religião turca. O clima influe sobre a religião em matéria de ceremonias e de usos. A abstinência do vinho é um bom preceito de religião na Arabia, onde as aguas de laranja, limão, cidra, são necessárias a saúde. Entretanto Mahomet não consegueria prohi- bir o vinho na Suissa, principalmente antes de mar- char-se para o combate. A proscripção da carne do porco é restrictamente cumprida entre os ara- bes; ao passo que entre os westphalianos tal prohibição provocaria desordens. Em certos tempos da lua um legislador não encontrará difficuldade em fazer banhar no Ganges os India- nos, ao passo que apedrejal-o-hião se propozesse o mesmo banho aos povos que habitão as mar- gens do Duina em Archangel. As religiões giraram sempre sobre dous eixos: — observância e crença. A observância depende em grande parte do clima; a crença, porém, não depende. V 0 quadro synlhetico que ora vamos traçar do caracter dos diversos povos vem pôr em relevo a reconhecida parte de influencia que o clima e a raça exercem sobre a intelligencia e as paixões do homem. A experiencia tem mostrado que nos climas sep- tentrionaes encontrão-se povos virtuosos, francos, sinceros e pouco accessiveis ao vicio. A força mus- cular mais desenvolvida do habitante do Norte, co- mo o observa Montesquieu, lhe outorga mais co- ragem, mais firmeza, e um nobre sentimento de sua superioridade; pleno de orgulho elle desco- nhece a dobrez, as manhas da politica, os artifí- cios da vingança e as misérias da fatuidade. Foi por sua franqueza e seo nobre orgulho que os Francos, Germanos, Scythas e Sarmatas se dis- tinguiram sempre. A necessidade e o habito desen- volvendo no homem do Norte o instincto carnívo- ro, que o torna caçador ou pastor, mas sempre vagabundo, sanguinário e guerreiro,—os combates, a pilhagem e o espirito de destruição vem natu- ralmente occupar sua necessidade de alimento e de actividade. Foi este o caracter distinctivo das tribus guerreiras dos Scythas que invadiram a Asia desde os tempos mais remotos, e dos Germa- nos que innundaram a Europa com suas sangui- nárias incursões. Em nenhum povo, porém, este caracter foi desenvolvido de um modo tão terrivel, quanto esses ferozes bandidos de raça mongolica, que tres vezes principalmente atemorizaram o mundo com suas sinistras apparições, produzindo ampla messe de depredações, espalhando o incên- dio e o assassínio, deixando em sua passagem um rasto de sangue e sellando seos triumphos com as lagrimas dos povos opprimidos. Attila, seo primeiro chefe, que fazia alarde do titulo de flagello de Deus, era tão feroz, que desejava que onde pas- sasse seo cavallo, nunca podesse germinar herva alguma; e Tamerlan, que tendo nascido sem esta- dos subjugou tantos paizes quanto Alexandre e quasi tantos quanto Genghis-Khan, apezar de ser o mais civilisado, porque sabia observar o direito das nações, fez erigir em Bagdad um execravel tropheo de noventa mil craneos. Dotados de um espirito de independencia e liberdade os Septentrio- naes, já pelo conhecimento da superioridade de sua força, já pela altivez de seo caracter, já por seo temperamento sanguíneo, supportando raramente o jugo da escravidão, teem sabido reivindicar sua independencia. E’ no Norte que sempre gozou de melhor condição a mulher, cujos conselhos são írequen temente invocados pelos homens. Os Godos, os Lom bardos e os Cimbros respeilavão tanto suas mulheres (pie ellas, ou censuravão sua falta de coragem, ou os excitavão ao combate; e os Gauleses assim como os Bretões reconhecião n’el- las alguma cousa de divino e consultavão-nas em suas occasiões difficeis. Apezar de que a poesia, a philosophia, a musica, as bellas artes não tenlião produzido no Norte, como o observa Motard, se- não llores ephemeras, muitos génios modernos teem provado que as sciencias podem ahi flores- cer. O estudo dos povos meridionaes nol-os apresen- ta com caracteres distinctos dos que nos são for- necidos pelos povos septentrionaes. Em virtude da fraqueza physica resultante do exiguo desenvolvi- mento do systema muscular, e do abatimento pro- duzido por transpirações excessivas e maior gmo de calor, o habitante do Meio-dia immerso na mollidão da inércia é fraco, preguiçoso, timido, pu- sillanime e tem por apanagio o repouso. A terra uberdosa prodigalisando-lhe seos fructos concorre para a sua inactividade, lornando-o pouco indus- trioso. Os Indianos, como o observa Montesquieu, considerão como o estado mais perfeito a comple- ta inacção, e dão ao Supremo Sei* o nome de im- jnovel: e os Siamezes creem que a felicidade su- prema é não fazer obrar a machina do nosso corpo. Estas ideias teem contribuido para que todos os povos do Meio-dia tenhào sido vencidos e avas- salados. A Asia foi muitas vezes conquistada e todos os vencedores que irella penetraram, amo- lecidos logo e perdidos nas delicias do clima, offtí- receram uma preza fácil aos novos conquistadores. Hippocratis pondera que é na natureza das esta- ções que se deve procurar a causa de serem os Asiáticos pusillanimes e menos bellicosos que os Europeus. A vida de inacção e contemplação, fazen- do sua felicidade tem engendrado tantos illumina- dos, prophetâs, bonzos, marabutos, fakires. O espi- rito de mysticismo e religião se desenvolveram sempre ahi sob mil formas. É no Meio-dia que a maior parte das religiões se tem formulado; o fa- natismo, porém, causou ahi guerras cruéis e cos- tumes atrozes. Independentemente das penitencias barbaras que se impõem aos monges, dous ritos abomináveis exercem sempre na Índia suas devas- tações; o primeiro consiste em queimar as mulhe- res nas fogueiras de seos maridos, e o segnndo é a peregrinação de Jagrenat. A eeremonia do Dosseh no Cairo é a consagração do fanatismo do Egypto. Esta eeremonia consiste no seguinte:— o chefe da ordem dos derviches sae da mesquita, e uma mul- tidão de devotos, deitando-se de bruços sobre soa passagem, deixão-se calcar pelas palas de soo ca- vallo. Nos povos meridionaes a vaidade é levada a seo cumulo, pelo que ha uma prodigalidade de honras e tilulos. Era notável a riqueza dos trages dos Medas e dos Assyrios; e os negros cobrem-se de avellorios, collares e pennas variegadas. O sen- timento ignóbil da vingança tem um desenvolvi- mento extraordinário entre estes povos. Os Árabes contrastão a sua proverbial hospitalidade com um sentimento de vingança tão exagerado, (pie a pena de talião é commum entre elles, e os odios tornão-sc hereditários. Entre os Corsos e os Malaios vigora também o talionato. Ao desejo da vingança e ao odio se juncta a cobardia natural ao clima; é na ítalia e na Turquia que são mais frequentes os envenenamentos; c é sob a zona tórrida que os selvagens hervão suas flexas. A polygamia existe nos Estados do Meio-dia, e os eunucos accompa- nhão por toda a parte este costume. Humboldt re- fere que entre os índios do Orenoco a polygamia escrava é de uso. Considerada antes como objecto de prazer que de razão, a mulher nas regiões meridionaes é necessariamente escrava. O maravi- lhoso, a imaginação, a fabula, os contos, a musi- ca e a poesia, são productos meridionaes. 17 de observação, que a uniformidade c a be- nignidade das estações nos climas temperados, não só são salubres para a constituição physica como propicias aos trabalhos intellectuaes. E1 nos paizes temperados que o homem conserva a mais feliz harmonia no desenvolvimento de todos os seos orgãos, e que as faculdades cerebraes encontrão incentivos capazes de desenvolvel-as em bem do mundo. As paixões girando na orbita da razão e dominados por uma moral severa concorrem para animar a existência; a religião consorciando- se com a liberdade tem menos fanatismo, a ima- ginação guiada pelo fanal da razão tem menos desconcertos, o odio refreado por uma moral ci\i- lisadora tem menos vingança, e o amor é auxilia- do pela cortezania e a galanteria. E’ nas regiões temperadas que a mulher — sanccionada a sua emancipação á luz da civilisação que apregoa a importância de sua missão, recebe um culto dúpli- ce, simultaneamente outorgado ás graças do corpo e ás do espirito. Dependendo a riqueza do habi- tante dos climas temperados de sua industria, elle a aperfeiçoa, tornando-sè rival da natureza. As mais antigas, e poder-se-hia dizer as únicas doutri- nas scientiíicas, assim como a maior parte dos médicos, dos philosophos, dos naturalistas, que por seos escriptos mereceram o reconhecimento dos povos, nasceram nos climas temperados; é ahi que o campo de observação offereee ao genío do homem uma riqueza inexgotavel. Passemos a examinar o caracter diíTerencial dos povos das montanhas, dos litoraes, e das pla- nícies. Commerciantes por posição os povos dos lito- raes, devem tomar o caracter de ordem, de eco- nomia, de frugalidade que o commercio inspira; industriosos, o attractivo do ganho e o sentimento exagerado da propriedade os tornão muitas ve- zes indignos, sem fé, fraudulentos e baixos. Entre elles o grande desejo de possuir e a facilidade de fugir para ao longe, excluíram a escravidão e estenderam suas colonias.— «Eu não sei, diz Toc- queville, se é possível citar-se um só exemplo de povo manufactureiro e commerciante, desde os Syrios até os Florentinos e os Inglezes que não tenha sido um povo livre. Ha conseguintemente um laço estreito e uma relação necessária entre estas duas cousas: liberdade e industria.» O caracter dos povos das planícies varia confor- me a esterilidade ou fecundidade do solo por elles cultivado. Em planícies aridas como as da Tarta- ria ou Arabia, o homem torna-se pastor e nóma- de; disperso em tribus errantes e procurando o deserto como valhacouto á sua liberdade, só rece- be uma ideia restricta, da propriedade, e torna-se vagabundo e salteador, consistindo a sua riqueza em rebanhos de camellos ou bois. O inconvenien- te, porem, do paiz de planícies, faz-lhe, ás ve- zes, encontrar um senhor entre seos compa- nheiros. Attila, Tamerlan e Genghis-khan sob um mesmo estandarte e sem difficuldade congrega- ram as hordas tartaras; e Mahomet submetteo os desertos da Arabia. Todas as planícies estereis são, emfim, votadas á vida pastoral. Em planícies ferteis, como as da Pérsia, índia, Egypto, China, o homem conhece o luxo, as artes e, ligado ao solo pela agricultura elle aufere sua rique- za e pelas idéas mais amplas que tem da proprie- dade, estabelece a fixidade de habitação que é a consagração de um facto inimenso, a passagem do estado selvagem ao estado civilisado, e funda ci- dades; mas como elle não pode abandonar os bens da terra, torna-se presa dos conquistadores que com os recursos mesmos do solo fundão impérios despóticos. Os povos das montanhas sob a influencia do frio reinante em seo clima, amalogo ao das re- giões septentrionaes oíferecem caracteres similhan- tes aos habitantes destes paizes; o homem das montanhas é, pois, corajoso, forte, livre, selvagem e de caracter inquieto, turbulento e vivo, contras- tando com o homem das planícies que é civilisa- do, fraco e escravisado. À coníiguração e a esteri- lidade quasi frequente de seo solo oílerecem-lhc uma garantia e um abrigo seguro contra as inva- sões de conquistadores. Quasi todos os montanhe- zes—os Suissos, Escossezes, Cantabros, etc., forão independentes; e muitos conquistadores,—os Mace* donios, Persas, Mongões erão montanhezes. O mon- tanhez, emfim, é sujeito á uma superactividade cerebral dependente da aceeleração da circulação e da respiração. VI Poderíamos dar por terminado o nosso trabalho, se, o desejo de tornal-o mais importante, não nos compellisse a dizer algumas palavras sobre algu- mas questões que intimamente se prendem ao es- tudo das cousas, que actuão sobre as faculdades cerebraes. Faremos, pois, uma analyse ligeira das influencias dos temperamentos, do trabalho da di- gestão, das bebidas estimulantes, da agricultura e da gymnastica, expondo as reflexões que nos fo- rão suggeridas pela leitura dos authores que nos servirão de guia na confecção do nosso mesquinho trabalho. Não podemos admittir sem restricções a historia dos temperamentos, como é ensinada na maior parte dos cursos e dos livros desde Empedoeles. Cabanis se inclina a provar que os temperamen- tos, o caracter das differentes moléstias, o regí- men, a natureza dos trabalhos e o genero de vida influem poderosamente sobre as operações do pensamento, sobre os impulsos da vontade e dos instinctos; esquecendo-se de que todas estas causas modificadoras são submettidas a acção de circumstancias physicas próprias á cada localidade, isto é, que ellas dependem em parte do clima. O barão de Feuchtersleben diz que só existem dous temperamentos—o temperamento activo e o tem- peramento passivo, dos quaes todos os outros são apenas modificações até o infinito, observando que o temperamento é a resultante das inclinações naturaes, e a origem das paixões. Na questão dos temperamentos, um dos authores que levaram o espirito sophistico até as consequências mais ex- tremas, foi Virey, que pretende que as complei- ções muito gordas e massiças teem o systhema nervoso occulto em um tecido cellular esponjoso e diluido em suecos lymphaticos; que entre estas pessoas os orgaõs são llaccidos, a sensibilidade obtusa, a intelligencia nulla; e colloca os cretinos n"esta classe. Barthez e Blumenbach refutaram esta theoria com muita vantagem. Feitas as re- servas precisas, reconhecemos com a maior parle dos physiologistas, que existe ua generalidade dos indivíduos uma predominância de certos systemas de orgãos, de certos humores, e que do gráo de desenvolvimento dos diversos systhemas da econo- mia resultão modificações geraes da intelligencia e das paixões. Pode-se reduzir a tres o numero dos temperamentos : sanguíneo, lymphatico, ner- voso. Nos paizes frios e seccos, principalmente no extremo Norte, em consequência dos exercícios violentos e de uma alimentação abundante muito azotada, os apparelhos circulatório e respiratório adquirem grande energia, determinando assim o temperamento sanguíneo, que se encontra igual- mente nos climas temperados, ou moderadamente quentes, e nos homens que se entregão aos pra- zeres da meza, ao uso do vinho, e cujo regimen é sobretudo animal. Este temperamento domina no homem e na mocidade. Se á actividade originaria da innervação e ao exiguo vigor do apparelho circulatório e genital, junetão-se a habitação dos lugares baixos e húmidos, assim como uma ali- mentação insuíficiente e fracamente animalisada, desde então todos os hábitos do corpo e do es- pirito tornão-se mais ou menos languidos; as par- tes aquosas dominão no sangue, os cabellos são louros, a pelle descorada, o tecido cellular preva- lece aos outros systhemas; por estes signaes o tem- peramento lymphatico se reconhece. Os indiví- duos em que elle predomina são propensos á preguiça, e de concepção lenta; teem paixões moderadas, e entregão-se antes ás sciencias de raciocínio que ás especulações do espirito que exigem uma imaginação viva. O temperamento nervoso é o de todos os homens, que se entregão aos trabalhos do espirito e dos ambiciosos que teem brilhado na scena do mundo. Aqui o systhe- ma nervoso predomina e, quer no physico, quer no moral, assignala com seo cunho todos os actos do organismo. E’ raro que se encontre tem- peramentos perfeitamente determinados e estremes de mescla; alguns caracteres de um e de outro se observão em diversos gráos no mesmo indiví- duo, offerecendo os physiologistas uma grande va- riedade de aspectos. Os temperamentos não creão nenhuma qualidade moral, e só engendrão tendên- cias; excitando ou moderando a esphera de activi- dade dos instinctos preexistentes e das faculdades fundamentaes. O trabalho da digestão exerce uma acção evi- dente sobre as faculdades cerebraes, que são ge- ralmente lançadas em uma especie de torpor que difficulta e impossibilita muitas vezes o seu uso. Quando é penoso o exercício d’esta funcção, ma- nifesta-se um verdadeiro somno que é muitas ve- zes irresistível; por uma especie de correlação, lodos os esforços da intelligencia, e sobretudo as affec- ções moraes vivas e súbitas, como a alegria e o pezar, etc., trazem o desarranjo do trabalho do estomago que parece momentaneamente paralysado. O beneficio da reparação em consequência da ali- mentação, se exerce sobre os orgâos cerebraes como sobre os outros, e é precizo acautelar-se de considerar o estimulo da intelligencia ou das paixões que segue uma boa refeição, como sendo differente d’aquelle que se exerce sobre as outras funcções. Entretanto em consequência do regimen vegetal ou animal prolongado, e do habito de usar de uma nutrição moderada ou excessiva, maniíestão-se modificações que parecem ligadas a alimentação. Se o regimen vegetal não accende de um modo muito vivo o fogo da imaginação, e não arrasta aos diversos af- fectos da alma, elle parece, por isso mesmo que entretem melhor o silencio das paixões, deixar ao juizo mais exactidão, á razão mais clareza e ao bom senso mais profundeza. Todos os indivíduos que se entregão á um excesso de nutricçâo expe- rimentão um como embrutecimento intellectual e moral. À insensibilidade, a estupidez, a crueldade fria e irreflcctida de alguma sorte parecem ser o apanagio do glutão, que é também inaccessivel á generosidade, á piedade, ás paixões nobres. 0 uso racional e moderado das bebidas exci- tantes activa e facilita o exercicio das faculdades intellectuaes; o seo abuso, porém, as embota. As populações de ébrios de álcool ou de opio, são cheias de imbecis, de visionários ou de extáticos, que muitas vezes transmittem em parte á sua pos- teridade a funesta degradação moral que os teem embrutecido. Entre as causas da demencia, não ha uma que tenha povoado mais os hospitaes de ali- enados do que a embriaguez. É o embrutecimento moral que acarreta o embrutecimento incurável causado pela embriaguez; é a falta de impres- sões cerebraes, de actos intellectuaes excita- dos pela educação; é a ociosidade do cerebro; é a falta de prazeres honestos que faz uma neces- sidade do estimulo alcoolico; é o aspecto da mi- séria no prezente escancarando a boca na dilatação de um rizo alvar, e do desespero no futuro vel- lando o céo das lindas crenças, para patentear o inferno da fome,—que impelle o homem á perder sua razão, e no triclinio do deboche assistir impas- sível ao descalabro dos sentimentos nobres e da sua intelligencia. E uma grande tarefa, em que se devem empenhar os espíritos esclarecidos,—a do aperfeiçoamento da felicidade das classes pobres, proporcionando-lhes os prazeres mais communs da vida, e prodigalisando-lhes instrncção aos orgaõs cerebraes,—em ordem a extirpar o cancro esqua- lido da embriaguez. A agricultura imprime um cunho particular no homem. O agricultor é, por certo, a parte menos esclarecida, e, para assim dizer, selvagem das so- ciedades modernas. E’ para esta parte, que resente- se de embrutecimento intellectual inherente aos trabalhos da terra, que devem convergir as vistas do governo, tornando-lhe accessivel a instrucção primaria. Exposto a causas de torpor intellectual pela violência e continuidade de seos trabalhos, o agricultor distingue-se muito pouco pelo entendi- mento, e é taciturno, emperrado, dissimulado em suas relações com seos similhantes, e como que só empregado em attender para as iníluencias atmosphericas que trazem a esterilidade ou a ri- queza. Conservado, pela natureza de seos traba- lhos, no isolamento, torna-se pouco sociável, ali- mentando em seo coração o egoismo, a susceptibili- dade e a desconfiança. Vivendo com seos animaes de amanho, contrahe pouco á pouco costumes sel- vagens; a vaidade, a ambição, as paixões tumul- tuosas não se albergão em seo coração: mas a inveja dos bens possuídos por outros antes que a avareza, a vingança e o orgulho offendido, são entre elles causas de desgraças. A degradação in- tellertual não é apanagio de todos os trabalhos (ia terra: os povos pastores, que não se entregão a um exercício prolongado e que, não soffrendo. mingoa de educação primaria, procurão preencher seos lazeres, teem uma physiognomia differente: a musica, a astronomia, a poesia nasceram entre elles, e a contemplação dos phenomenos naturaes anima a sua imaginação. Relativamente á gymnastica nos occorre a se- guinte observação: examinando-se as estatuas de athletas, que nos deixaram os csculptores antigos, admirar-se-ha um vasto peito, uma musculatura desenvolvida contrastando com a estreiteza de seo cerebro. A estupidez d’estes athletas era proverbial. Só na decadência dos gymnasios foi que apparece- ram em Athenas seos homens de genio que tanto nobilitaram-na; Esparta, porém, que conservou por mais tempo os seos, não legou-nos nem poetas, nem oradores, nem artistas. VII Ao finalizar a nossa dissertação seja-nos permit- tido, lançando uma vista retrospectiva sobre as nos- sas ideias, emittir algumas reflexões breves como confirmação d’ellas. E’ incontroverso, que o homem traz o cunho da região onde vive; e que ha modificações intelle- ctua.es c nHH a.es determinadas pelas circum&tancias meleorologicas particulares h cada paiz do globo. A influencia, pois, dos climas sobre a intelligencia humana não soííre contestação. E’ mister, porém, observar que esta influencia não é exclusiva ; ella não pode exercer-se senão de concumitancia com o estado de barbaria, de civilisação ou de decadência tios paizes. Admittir-se que as modificações intellec- tuaes e moraes são determinadas exclusivamente pelas condições atmosphericas, é acceitar a opinião, á nosso ver errónea, sustentada por muitos autho- res e até pelo illustre Arago, isto é, que os climas são susceptiveis de mudanças. De facto, desde os tempos históricos e o estabelecimento das socieda- des os climas não teem mudado. A temperatura de nosso globo não poderia soíTrer modificação impor- tante sem graves perturbações para o reino orgâ- nico. Se o calor fosse muito augmentado, a agua assim como os outros fluidos Iransformar-se-hião em vapor. Em um gráo mais elevado ainda, o mer- cúrio vaporisar-se-hia; não se poderia obter nem ether, nem álcool, nem ammoniaco; nenhum or- ganismo resistiria á esta acção, e domais as com- binações novas e as alterações do ar lornal-o-hião sem duvida improprio á respiração. Suppondo-se, ao con- trario, frios excessivos, os rios e os mares trans- formar-se-hião em montanhas de gelo: os gazes, perdendo seu estado elástico, se converterião em líquidos. Sem investigar o que sobreviria entre os corpos inorgânicos, basta reprezentar-se a terra in- teira no estado doSpitzberg e da Nova Zembla, com esta diflerença porém, que se estios passageiros não dessem alguma actividade ás producções vege- taes, o homem e os animáes não tardarião a des- apparecer, e uma morte universal estenderia seo império sobre o globo gelado. A historia nos apiezenta o exemplo de muitos povos, que nas priscas idades floresceram, já pe- las lettras, já pelas artes, já pelas armas, já pelo commercio, e que nos tempos hodiernos offorecein um contraste singular; o viajante apenas poderá descobrir envoltas n’um sudário de ruinas as re- giões por elles habitadas, as quaes, sem que te- nhão soffrido mudança no seo clima, são hoje po- voadas por homens indifferentes, sem significação política e social; estas regiões hoje não são mais do que a vasta necropole desses Phenieios, que durante tantos séculos abarcaram o commercio da antiguidade;—d’esses Persas de Cyro que, em trin- ta annos, estenderam suas conquistas desde o ln- dus até o Mediterrâneo;—d’esses orgulhosos Assy- rios, que no espaço de quinhentos annos convul- sionaram a Asia com suas guerras;—-desses bra- vos Medas que esbulharam estes da posse de seos territórios, quebrando o jugo delles;—doesses illustrados Gregos entre os quaes a civilisação at- tingio uma perfeição tal que irradiou d’ahi sobre os outros paizes;—d’esses altivos Romanos, cujo pro- gresso nol-o attestão suas magestosas ruinas;— em fim, d’esses Egypcios, Parthos, Tyrios, Troyanos, etc. À esponja do tempo apagou do mappa das na- ções Heliopolis, Memphis, Thebas das cem portas, Babylonia, Ninive, Suza, Bagdad, Palmyra, Balbech, etc., mas não poude apagar o clima, que conserva a mesma physiognomia dos tempos remotos, nas regiões por ellas occupadas. A perfectibilidade moral e intellectual de um povo está na razão directa das suas liberdades. Dizia Napoleão I,—o filho parricida da Republica, na pliraze de P. Voituron, que teve Waterloo como expiação do seo crime—que « só as instituições podem consolidar os destinos das nações.» As insti- tuições que se retemperão na chamma sublime da liberdade, que é a garantia contra a arbitrariedade, e que revigorão â luz dos princípios luminosos, que constellaram-se no cerebro estuoso do filho do carpinteiro de Nazareth, para irromper de seos lábios em uma catadupa de luz sobre as massas embuçadas nas trevas;—as instituições livres, que rasgão a purpura do despotismo para compor o barrete phrygio da democracia;—são o pedestal inconcusso onde se deve assentar o futuro dos po- vos, são as condições irrefragaveis de sua pros- peridade. «Um Estado não augmenta sua riqueza e seo poder senão quando é livre»,—dizia Machia- vello, este terrivel theorico do absolutismo, na phraze do illustre publicista democrata Ives Guyot. Quando os povos compenetrados dos seos direi- tos sabem elevar a medida de sua dignidade sem a abdicação dos sentimentos nobres, e, sob os in- fluxos de uma democracia patriótica, intelligente e prudente, que honra o mérito e distingue as virtudes, onde quer que ellas surjão, oriundas dos esforços individuaes,—sabem traçar o plano do seos destinos com a senha do progresso e da li- berdade,—em qualquer clima em que estejão o escopo é o mesmo,—a perfectibilidade moral e in- tellectual, a vida do paiz. Quando, porém, os povos enervados pelo luxo e pelos prazeres que esphacelão sua energia, trans- vião-se dos sãos princípios da moral, inspirão-se n’uma democracia tumultuosa, estólida e invejosa que tudo demole e nivela, proclamão o direito da força humilhando as paixões nobres, e, só reco- nhecendo seos direitos no prezente, esquecem sua dignidade no futuro,—em qualquer clima em que estejão, ainda mesmo aquelle que fôr mais propi- cio ao maior desenvolvimento moral e intellectual, o escopo é o mesmo,—a atrophia moral e intellec- tual, a morte do paiz. Estas proposições vêm pôr em relevo uma lei natural sanccionada pelo perpassar dos seeulos que os povos teem uma evolução ascendente e outra descendente; lei, cuja demonstração nos é fornecida pelos numerosos exemplos da historia, e que não pode sor modificada pela acção do clima. A historia nos aprezenta o exemplo de Roma, que, de insignificante cidade, n’um povo soberano, que abraçava o universo, porque dis- tinguia-se e nobilitava-se á si própria nos Scipiões e Paulos Emilios. Quando, porém, a republica ro- mana deixou de remunerar o mérito de seos ci- dadãos e repartia as distincções, que só devem ser outorgadas ás virtudes, com os aulicos fátuos e lisongeiros, a sua decadência principiou a des- cortinar-se, desappareoendo progressivamente sua grandeza e seo prestigio. A Grécia, esta terra pri- vilegiada, onde o astro da civilisação dardejou es- plendidos raios, que legou á posteridade uma constellação brilhante de oradores, poetas, philoso- pbos, historiadores, trágicos, legisladores, esculp- tores e o vulto enorme de Ilippocrates,—de na- ção independente e livre decaído até a condição de provinda romana, com a proscripção dos lie- inosthenes c Arestides. Como o oceano, tem a terra suas tempestades. Nos destinos da natureza, são reservadas, sem du- vida, epochas terriveis de assolações e de destrui- ção do genero humano; e, pela Divina Providen- cia, são assign alados os tempos para a mina dos impérios e as renovações da face do mundo. Um agente poderoso capaz de modificar a acção do clima é a civilisação. O genero humano aspira a sua perfectibilidade; os povos se civilisáo até nos desertos da America e da Notasia, desconhecidos do toda a antiguidade. A superioridade irrecusável do Europeo sobre o Asiático e o Africano, não depen- de do clima, mas da altura de intelligencia, de saber e de instrucção,— flores que o genio da ci- vilisação espalha por onde passa. Rematamos aqui o nosso trabal ho, exhibindo uma opi- nião autorisada, qual a de Shaaffhausen, o sabio profes- sor de anthropologia de Bonn: — «lia duas influencias que formão o caracter das raças humanas; o clima e a civilisação. Do clima dependem a estatura e a con- stituição geral dos corpos, a côr da pelle e do ca- bello; é a civilisação que desenvolve o cerebro e que forma o craneo; ella obra também de um modo in- directo sobre todos os caracteres de uma raça, porque pode attenuar os effeitos do clima; muitas vezes, porém, o clima favorece ou retarda a civilisação.» SECÇÃO MEDICA Salubridade publica da Bahia PROPOSIÇÕES I — A cidade de São Salvador assentada sobre uma imponente collina, que domina a vasta bahia de Todos os Sanctos, achando-se nas melhores dis- posições geológicas, offerece todas as proporções para gozar dos foros de salubre. II — O menospreço dos governos que votão ao desprezo, á indifferença, á incúria os princípios de uma boa hygiene, é a causa primordial d’onde emanão as diversas causas que contribuem para a sua má hygiene. III — Os primeiros povoadores d’esta bella por- ção da America do Sul revelaram uma ignorância supina das mais simples noções de hygiene pu- blica, abrindo ruas estreitas e mal alinhadas, o que em muitos lugares constitue uma causa da insuf- ficiencia de luz e ventilação, condições indispensá- veis â vida. IV — O systhema existente de canalisação, dif- ficultando o escoamento das aguas, facilitando a sua estagnação e expondo-as â influencia das ir* radiações solares, concorre para o deplorável esta* do de salubridade d’esta capital. V — O mar, sendo, pela pratica degradante de n’elle atirar-se as immundicies, o deposito de ma- térias organicas em decomposição, é uma das cau- sas da insalubridade do porto. VI — Umas das consequências da insalubridade do porto é o apparecimento annualmente da febre amarella. VII — O serviço do aceio e limpeza da cidade faz-se de um modo irregular, incompativel com to- das as disposições hygienicas e com a civilisaçào. VIII — A cidade resente-se da falta de uma com- panhia de esgotos, mas que seja uma companhia intelligente, philantropica, que tenha em mira pri- meiramente o bem publico, e não o accumulo de riquezas por meios vexatórios. IX — Os preceitos de boa hygiene não são obser- vados na maior parte dos estabelecimentos públi- cos e particulares. X — Certos estabelecimentos, como o matadouro, são inadmissíveis no centro de uma população. XI — Contribue para a insalubridade geral o ac- cumulo e irregularidade na edificação das habitações. XII — A conservação de alguns pantanos tornão-a insalubre em alguns pontos. XIII — As agoas dos chafarizes contribuem para a insalubridade d’esta Capital, porque, sendo insuf- íicientes as vertentes do Queimado para o abaste- cimento da cidade, agoas de origens impuras são reunidas á ellas, sem ser perfeitamente filtradas, SECÇÃO CIRÚRGICA Queimaduras PROPOSIÇÕES o I — Dá-se o nome de queimaduras á reunião de lesões produzidas pela acção energica e rapida, ou fraca mas continua do calorico. II — Dentre as classificações de queimaduras é preferível, por ser mais analytica, a de Dupuytren, que tomando em consideração os elementos orgâ- nicos lesados divide-as em seis gráos. III — Para que haja queimadura é necessário que o calorico vá além da temperatura própria do or- ganismo. IV — Todos os líquidos em ebulição não quei- mão com a mesma força, porque nem todos fer- vem na mesma temperatura. V — À acção do calorico irradiante é fraca e só pode occasionar queimaduras graves, sendo conti- nuada por muito tempo. VI — Os gazes inflammados de ordinário só produ- zem queimaduras superficiaes, mas em geral muito extensas; e os seos accidentes são mais de temer- se que os do calorico irradiante. VII — À natureza do corpo comburente em razão de sua densidade, da quantidade de calorico de que está impregnado e da facilidade com que o aban- dona inílue no gráo da queimadura. VIII — O phenomeno mais constante da queima- dura é a dôr. IX — Para o prognostico fatal ou favoravel da queimadura concorrem a extensão e a séde d’esta lesão, o a constituição do indivíduo. X — Nas queimaduras profundas passa o doente por trez períodos, que expol-o-hão á tres gravíssi- mos accidentes, aos quaes pode succumbir. XI— O tractamento das queimaduras consiste em meios geraes e meios locaes; sendo pouco con- siderável a lesão basta juntar-se uma bebida emol- liente aos meios locaes; no caso contrario comba- ter-se-hão os phenomenos geraes pelos antispasmo- dicos, anlipblogisticos, refrigerantes, etc. XII — Havendo suppuração abundante que possa comprometter a vida do doente, deve-se empregar os preparados de ferro, as bebidas tónicas, a qui- na; e apparecendo diarrhéa abundante, o bismu- tho, as pilulas de Dupuytren, a ipecacuanha, etc. SECÇÃO ACCESSORIA Do infanticidio considerado sob o pon- to de vista medico-legal PROPOSIÇÕES I — 0 assassinato perpetrado em uma creança nascente ou recem-nascida constitue o infanticídio. II — O infanticídio pode ter lugar por ommissão ou por commissão. III — A circumstancia capital para que se possa considerar consummado esse crime horroroso, é a prova da vida da creança depois do parto. IV — Para verificar-se que a creança nasceo viva, è mister averiguar que ella respirou. V — A docimasia pulmonar hydrostatica de Ga- leno, é a melhor de todas as investigações medico- legaes postas em pratica para reconhecer se houve respiração. VI — Um dos crimes mais frequentes na socie- dade,—o infanticídio escapa quasi sempre em nosso paiz á acção da justiça. VII — Na punição d’este crime execravel o co- digo penal brasileiro é assás indulgente. VIII — A mulher, que na integridade de suas faculdades intellectuaes, tem animo de anniquilar o fructo de suas entranhas assassinando-o, merece a punição mais severa. IX — O codigo não caracterisa somente de in- Tanticidio ao assassinato perpetrado por uma mãe em seo íllho; qualifica de infanticida á todo aquelle que assassina um recem-nascido. X — O infanticídio é tanto mais frequente quan- to, pela facilidade de ser consummado, é muito difficil de ser averiguado. XI— A degradação dos costumes, a miséria, a pobreza, a devassidão das cortes muito concorrem para a consummação desse attentado. XII — É o estado de escravidão a causa que mais favorece o infanticídio, porque, sem direitos sociaes, sem o estimulo de retribuição ao trabalho material para o qual vive só sem auferir lucro para si, — a mulher escrava tendo em perspectiva um futuro horrível, igual ao seo, que aguarda seo filho, sub- tráe este aos rigores de sua condição. XIII — A lei de 28 de Setembro, que sanccionou a liberdade do ventre das escravas, contribuio para extirpar de nosso paiz esse crime que o estado de escravidão acarretava. HIPPOCRATIS APHORISMI I Ubi somnus deliriam sedat, bonum. ( SECT. II. APH. II. ) n Lassitudines spontè obortae. morbos deuunciant. ( SECT. II. APH. V.) III Ubi fames non opportet laborare. (SECT. III. APH. XVI. ) IV Mulieri menstruis deficientibus, e naribus sangui- nem fluere, bonum. ( SECT. V. APH. XXXIII. ) V In morbis acutis extremarum partiam Irigus, malum. (SECT. VII. APH. I.) VI Ungues nigri etdigili manuum et pedum frigidi, con- tracti, vel remissi, mortem in propinquo esse osten- dunt. (SECT. Vlll. A PH. XII.) Remettula á commissào revisora. Bahia e Faculda- de de Medicina 30 de Setembro de 1874. DR. GASPAR Esta tliese está conforme os Estatutos. Bahia e Fa- culdade de Medicina 23 de Outubro de 1874. DR. 1. P. DE SOUZA BRAGA DR. ALMEIDA COUTO Imprima-se. Bahia e Faculdade de Medicina 30 de Outubro de 1874. FARIA Bahia : Typoftraphia dc — r. queirolo — á rua do Corpo Santo n. 47 TYPOGRÀPHIA F. Queirolo DE