CONCURSO A UM 10GAR DE 0PP0S1T0R DA SEGCAO MEDICA, ó t|ual o papel que representam as diversas snlistancias alimentares nos plienomcnos intimos da nutriçilo? THESE SUSTENTADA EM JUNHO DE 1872 PERANTE A FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PELO DR. MANOEL JOAQUIM SARAIVA ex-interno do hospital da caridade, ja approvado em um concurso a secção medica no anuo p,p.; Primeiro Cirurgião d’armada, Official da Imperial Ordem da Rosa, Cavalleiro da Ordam Imperial do C.ruseiro, Cavalleiro da Ordem de Christo, Cavalleiro da I. O. da Rosa, Condecorado com a medalha da batalha naval do Riachuelo, com a medalha da passagem de Humaitá, condecorado com a medalha dos Argentino* * aos vencedores de Corrientes, * com a medalha da campanha do Paraguay. BAHIA TYP.—MASSON—DE JOSÉ BERNARDO RAMOS. 187$ FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. MUUCTOR 0 EXM.mo SR. CONSELHEIRO DR. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES, VICE-MItECTem l.o ANNO. OS SRS. doutores: matérias QUE LECCÍONAM. LENTES PROPRIETÁRIOS. Physica em geral, e particularmente em suas appiicações á Medicina. Cons. Vicente Ferreira de Magalhães Francisco Rodrigues da Silva Chimica e Mineralogia. Barão de Itapoã Anatomia descriptiva. 2.° ANNO. Antonio Mariano do Bomfim Botanica e Zoologia. Antonio de Cerqueira Pinto Chimica orgauica. Jeronymo Sodró Pereira Physiologia. liarão de Itapoã . . . . Repetição de Anatomia descriptiva. 3.o ANNO. Jeronymo Sodré Pereira Continuação de Physiologia. Cons. Elias José Pedrosa Anatomia geral e pathoíogica. José de Coes Siqueira Palhologia geral. 4.° ANNO. Cons. Manoel Ladisláu Aranha Dantas Palhologia externa. Demetrio Cyriaco Tourinho . Palhologia interna. Cons. Mathias Moreira Sampaio Partos, moléstias de mulherès pejadas, c dõ meninos recem-nascidos. 5.o ANNO. Demetrio Cyriaco Tourinho Continuação de Palhologia interna. José Antonio de Freitas I Anatomia topographica, medicina operato- i ria, e apparelhos. Luiz Alvares dos Santos Matéria medica, e therapeutica. 6.° ANNO. Domingos Rodrigues Seixas Hygiene, e historia da medicina. Salustiano Ferreira Souto Medicina legal. Rosendo Aprigio Pereira Guimarães Pharmacia. José AíTonso Paraiso de Moura Clinica externa do 3.6 e 4.6 anno. Antonio Januario de Faria Clinica interna do 5.° e 6.° anno. OPPOSITQRES. Augusto Gonçalves Martins Domingos Carlos da Silva Antonio Pacifico Pereira Secção Cirúrgica. Ignacio José da Cunha Pedro Ribeiro dc Araújo . José Ignacio de harros Pimentel Virgílio Climaco Darnasio Secção Accessoria'. ltamiro AtTonso Monteiro Ciaudemiro Augusto de Moracs Caídas . . . Egas Muniz Sodrè de Aragão . „ Secção Medica. SECRZTAKIO €5 ©r. Da*. C/âsieisíasnío 1*ííi4o «la Silva, eFFIClâl DA SECRETARIA O Sr. SI a*. Thoimz dc Arjcino Gaspar, A Faculdade não approva, ooia reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas. DISSERTAÇÃO. o Qual é o Papel das diversas substancias alimentares nos plicnomcnos íntimos da nutrição? Pelo instincto da conservação procurou e escolheu o homem o alimento proprio a satisfazer as suas necessidades animaes. A sciencia deve resignar- se, depois de laboriosas pesquizas, a constatar somente factos conhecidos de todos os tempos. Felizmente a natureza, toda providente, apresentou ao homem em um certo numero de productos, o que a sciencia presentemente denomina um alimento typo. Assim foi ella própria que estabelleceu a ordem, em que convém estudar os artigos da alimentação. Ninguém no passado determinou, ninguém exprimiu por valor numérico, por assim dizer, as necessidades da alimentação: exprimil-as assim é um in- tento todo moderno. Estamos persuadidos de que á longo tempo se teria en- tão avaliado por algarismos exactos o poder nutritivo de todas as substancias. Si, pois, a sciencia se occupa dos phenomenos da nutrição e do papel que nella representam as differentes especies de alimentos, não será na esperan- ça de fazer descobertas. Na fé confessada de muito bons escriptores, a historia, esse drama da hu- manidade, consigna que raramente as sciencias tenham descoberto ou inven- tado; falíamos com o rigor das expressões. Os importantes descobrimentos têem passado das mãos d’esse mytho, o acaso, para a possessão da practica primeiramente. Entretanto as razões sombrias d’esta não satisfazem a impe- riosa necessidade do espirito humano, que compraz-se, as vezes, mais com o valor da causa do que com o valor do facto. Demais a sciencia nos faz senho- res da natureza, e temol-a como o nosso ideial; como uma estrella luminosa diante da nossa fronte. Mostra-nos ella a senda a mais curta e os meios os mais seguros pelos quaes poderemos chegar aos fins, explicando-nos os factos, e reduzindo-os a leis physicas conhecidas: a practica tanto alcançaria depois de arduo tropeçar. É apoiando-se sobre estas considerações que a sciencia incumbe-se dos phenomenos os mais communs da vida; que analysa as moveis que impellem o homem na escolha da sua nutrição; que dispõe-se a surprehender as leis 4 que assistem a funcção trophica e os meios os mais simples para effectual-a: problema complicado cuja solução pende do porvir. Ninguém, pois, deve em- balar-se na esperança de achal-a brevemente: O campo está aberto á sagaci- dade dos investigadores, ao ôlho paciente do sabio. Ja fez-se a luz sobre mui- tos pontos da questão, graças aos progressos da anatomia, da chimica e da physiologia. Esta ultima sciencia registra-o, procuraremos consignal-o bre- vemente na dissertação que prosegue. Ora, tracta-se realmente d’um problema dos mais complicados, n’este enunciado no momento; requer elle para ser resolvido o estudo minucioso da composição e das propriedades de todas as substancias alimentares; exige o perfeito conhecimento dos diversos apparelhos do organismo, e das reacções que concorrem a transmutação dos materiaes alimentícios, antes que sejam definitivamente utilisados pelo organismo. Entranhemo-nos no assumpto, esboçando previamente o plano da nossa dissertação. Daremos succintamente uma ideia da nutrição em sua synthese pbisiologi- ca; descreveremos em seguida o papel que nella desempenham as diversas especies de alimentos; finalmente indicaremos as recentes indagações que têem estabellecido com segurança as leis, segundo as quaes as differentes es- pecies de substancias alimenticias são utilisadas na economia animal; leis que fixam seu valor numérico. O nosso trabalho, pois, divide-se em trez partes. PARTE PRIMEIRA. h Ás substancias alimentares não poderião penetrar na torrente sanguinea para os fins da nutrição, sem que sobre ellas actuassem os liquidos digestivos. Por elles dissolvidas e preparadas vão servir a nutrição do sangue : o sangue é, pois, o agente nutritivo. ]\las o trabalho, pelo qual estas substancias se habilitarão a nutrir o sangue, sollicitou movimentos e uma corrente importante de liquidos affluindo nos intestinos. Os movimentos reclamam a interíerencia de poderes musculares; enumeremos os movimentos, são: a prehensão, a mastigação, a deglutição, ,e os do intestino. 5 As recentes analyses, sem que offereçam summo gráo de exactidão, ava- liam em 12 killogrammas, o mínimo, a massa total da saliva, da bile,, do sue- co gástrico, e pancreatico, produzida successivamente, em um homem de 64 killogrammas, durante 21 horas; o máximo d’essa producção de líquidos at- tingiria a 30 killogrammos: é incontestável o alcance da phisiologia moderna! Parte a massa liquida do sangue atravez das glandulas, derrama-se no ap- parelho intestinal, impregna-se de qualidades nutritivas, sobrecarregando-se dos elementos elaborados; torna a voltar para o sangue: assim percorre ella em um movimento constante. A corrente do sangue deve ser lambem continua; mas para esse fim é mis- ter uma actividade motriz, que actue incessante: é o trabalho do coração principalmente, e do apparelho respiratório; somente d’este modo poderá o sangue effectuar a nutrição, conservar suas qualidades reparadoras, condição indispensável á conservação. Tem elle bem necessidade de circular no polmão e nos orgãos destinados a eliminação das matérias gastas da vida; precisa alem de tudo levar os gló- bulos, os agentes da respiração peripherica, a cada ramificação arterial. As propriedades reparadoras da massa sanguínea adquiridas no seu movi- mento continuo vão ser aproveitadas no seio dos tecidos; com efleito o san- gue penetra as texturas organicas e provê a alimentação n’estas partes. A phvsiologia conhece de muito tempo que a partir do momento, em que o sangue abandona o systema vascular, soííre modificações importantes no intimo dos tecidos, e entra assim modificado para o systema circulatório; mas até uma data bem recente propunha-se a questão seguinte: durante a passa- gem do sangue todos os seus elementos mudam de estado, convém á saber, passam do estado liquido ao estado solido para nutrir, e do estado solido ao liquido, de novo, para encaminharem-se até a circulação? Que os elementos solidos do organismo substituem-se, é uma probabilidade ,quo tem todos os gráos da certeza. Realmente não se poderá admittir n’elles uma duração que se perpetue até o limite da vida do animal. Demais a integração e desintegração molecular é sem interrupção. Nada d'isso, porem, prova que o acto nutritivo determine a transformação de todos os elementos liquidos do sangue em partes consisten- tes. O que parece bem certo é que existe uma verdadeira corrente d’aquella parte do sangue de permeio aos interstícios de cada tecido orgânico; é assim que tem lugar a substituição e renovação ebestes; é debaixo da acção d’uma corrente do plasma exudado. 6 Importa saber, qual é o motor d'essa corrente? E a altraeção reciproca en- tre os princípios do sangue, e os dos tecidos e orgãos diversos: a nutrição não é nada mais, nada menos que isto; tal é sua formula synthetica. Que se lance um olhar bem fixo sobre o fim d’este ajuntamento de pheno- menos, e ninguém poderá recusar que a acção reciproca do sangue e dos or- gãos seja a fonte de toda a actividade vital. O que a physiologia denomina morte é a suppressão d’esta acção mutua, que é a própria nutrição. Julgamos ter o direito de concluir que toda acção, toda força que se mani- festa nos limites da organisação deriva das transmutações, que soffre o san- gue nos tecidos durante aquella funeção. Estes últimos phenomenos são numerosos, todavia pode-se abrangel-os em duas especies: movimentos, e a producção de certa quantidade de calor; fa- remos aqui abstraeção das funeções dos nervos e d’alma. Voltaremos á proposito a este estudo: aliás bem importante, que encerra o das leis, segundo as quaes as diversas substancias alimentícias são utilisadas na economia animal. Todo aquelle a quem não é extranho que o soccorro das sciencias exactas introduziu na phisiologia, ha uns trinta annos para cá, um rigor até então desconhecido, comprehenderá, sem que seja necessário insis- tir, a importância da questão, que liga-se a estes factos: trata-se, com effcito, da transformação e da correlação das forças, o centro ao redor do qual se agru- pam todos os phenomenos orgânicos. «Esses factos prendem o animal por um novo anel á cadeia do universo,» como disse Beclard nos rasgos da sua fulgurante eloquência. PARTE SEGUNDA. II. Da concisão cie que fazemos mister, num trabalho d’esta natureza, omitti- mos o estudo, in extenso, das funeções que encaminham a matéria alimentai até a assimilação. Crer-se-hia resultar d’isso obscuridade para o nosso primordial assumpto: essa obscuridade é apenas apparenle. Confrontando-se o alimento conhecido em sua composição chimica, e suas 7 propriedades com os productos da digestão, e seguindo-se estes no sangue até os tecidos, não se prejudica, estamos certos, o estudo do alimento no seu ul- timo destino physiologico. É o que tentamos fazer. O alimento pode ser solido, ou liquido. Pode ser derivado do mundo orgâ- nico, ou inorgânico. Pode ser classificado segundo sua origem quer mineral, vegetal, ou animal. A constituição chimica do alimento é o ponto culminante, á que deve pren- der-se toda sua significação; sobre ella é que assenta-se a classificação do ali- mento, attendendo-se aos principios immediatos nelle encerrados. Assim considerados, os variados artigos em profusão, consumidos pelo ho- mem, debaixo de suas condições de vida extremamente variaveis, dependen- tes do clima, condição social, costumes nacionaes, hábitos individuaes, con- sistem d’um numero comparativamente menor de principios immediatos cons- tituintes. A importância da constituição chimica é uma indicação de Prout: estabel- leeida depois pelos admiráveis estudos do illustre Liebig, Dumas e outros. Si se deseja, pois, conservar uma divisão chimica dos alimentos, é preciso hoje dividil-os em tres classes bem distinctas: matérias albuminosas; substan- cias amylaceas; corpos gordos. Indagações avançadas da chimica têem condu- zido a encarar-se os alimentos debaixo do seu destino physiologico, e em repartil-os em dous grupos, segundo que elles satisfazem aos reclamos da as- similação ou que representam productos combustiveis, que a respiração gasta e consome. A classificação chimica numera tres classes de alimentos: corpos albumi- nosos (albumina, íibrina, caseina, dos animaes, e o glúten, e legumina, das plantas); matérias saccharinas (comprehendendo os vários generos de assu- car); substancias gordurosas (oleos e gorduras vegetaes e animaes). Segundo Prout, a forma typica do alimento animal, é a que suppre a natu- reza nos primeiros tempos da infancia : este enunciado tão facil foi de extrema importância. O ovo é, de igual modo, um dos typos naturaes do alimento completo, pois que elle basta por si só á evolução do germen, á formação dos tecidos animaes, musculos, tendões, osso, pelle etc. Apropria natureza, pois, estabelleceu a ordem, em que convinha estudar os materiaes da alimen- tação. A classificação primordial (de Prout) pode tornar-se mais extensiva, o que é de utilidade real para o estudo, pela addição do grupo das substancias esti- mulantes; salinas, terrosas e mineraes; e tendo-se em consideração o essencial artigo do alimento, a agua. 8 III. Analysemos o summario da digestão chimica. As partes digestivas e capazes de ser absorvidas consistem principalmente de carbhydratos, ou amylaceos, gommosas, e saccharinas substancias; de hydrocarbonatos, ou oleos e gorduras; de azotadas substancias, gelatinosas e albuminosas; substancias salinas e agoa. Parte do assucar é convertida, pela saliva na boca, em glycose; esta trans- formação progride no estomago; é completa no interior do intestino menor: é pois, no estado de glycose que passa o assucar nas vias da obsorção. O as- sucar de cana (Bouclmrdat,) e a lactina (Lehmam,) são pela m’or parte conver- tidas em assucar de uva; pequenas quantidades do assucar de cana são absor- vidas sem mudança (Bernard.) O assucar é parcialmente transformado em acido láctico, e este em acido butyrico, especialmente quando é recebido em abundancia. Os corpos albuminosos começam a ser digiridos no estomago: sua solução completa-se no pequeno intestino pela acção addieional do seu sueco natural; o producto d’essas influencias sobre os corpos albuminosos é a peptona, ou albuminose. A salivina, pepsina e pancreatina são absorvidas do estomago até o intesti- no delgado principalmente pelos tubos sanguineos. As gorduras, quer emulsionadas, decompostas, ou saponificadas, todas, excepto um pequeno residuo, são absorvidas pelos lymphaticos do intestino. O álcool, em todas as suas formas, etheres, e outros solúveis ácidos e cor- pos sapidos, são absorvidos inalterados. As matérias extractivas, creatina, creatinina, acido cerebrico, aquellas que são incrystalisaveis, e talvez a cruorina e myochrome são também prova- velmente absorvidos sem mudança pelos vasos sanguineos. Os constituintes salinos do alimento são principal mente absorvidos sem alteração. Os carbonatos contidos nos solidos ou bebidas serão decompostos pelos ácidos do sueco gástrico ou pelos ácidos resultando da decomposição das matérias saccharinas? A agoa permanece indecomposta: é absorvida livremente durante o proces- so digestivo; constituindo o vehiculo natural das soluções, suspendendo as matérias gordurosas. O muco, a pectina e a cellulosa serão absorvidos? Da cellulosa mais bran- da os animaes herbívoros certamente digerem largas quantidades. 9 IV, Tractemos do sangue: Pelo processo da digestão, nós vimos, o alimento ficou reduzido a uma base alimentar composta. Os materiaes d’essepabulum, restrictamente fallando, permanecem externos á trama viva; segue-se, porem, immediatamente um processo pelo qual são elles recebidos e entram nos te- cidos: chama-se a isto absorção. Seu principal objecto é a própria absorção do alimento. Graças á esta func- cão, sobre tudo, nutre-se o sangue. Pode-se verificar a presença dos produ- ctos chimicos da digestão nas veias, e nos lymphaticos; fallemos do sangue. O sangue tem uma organisação: a hystologia prova que esta massa é um tecido orgânico pouco consistente. A vitalidade do licor sanguinis é provavelmente similhante áquella das partes intercellulares dos tecidos soliclos. A fluidez do licor sanguinis é uma indispensável condição da vida. O san- gue circula em um systeina de canaes fechados : um fluido nutritivo ou plasma exuda do sangue atravez das paredes dos capillares em todos os in- terstícios dos tecidos. Este processo pode ser em parte devido á diffusão po- rosa debaixo da influencia da pressão sanguinea nos tubos vasculares, porem em parte também á um movimento dyalitico, regulado pelas relações chimi- eas entre o licor sanguinis, e as paredes dos vasos. Ha muito boas razões para inferir-se que a natureza do fluido exudado é a mesma em cada tecido orgânico; fundam-se na chimica e anatomia geral. Ye-se que um material uniforme assiste a nutrição de cada parte no orga- nismo; este plasma não é idêntico ao soro do sangue: quando em quantida- de sufíiciente para ser examinado, o plasma nutritivo revela á analyse possuir menos albumina e saes. Comtudo o plasma destinado a nutrir consiste d’um material mais puro. A tensão permanente do sangue no interior dos vasos entretem e regula a sabida da lvmpha plastica. O sangue é pois o liquido nutritivo utilisado para todas as necessidades da nutrição, e das secressões. Por suas perdas na nutrição dos elementos, affluindo para os orgãos glan- dulares nas secressões; por modificações incessantes que soffre pela penetra- ção em si de novo material, pela absorção venosa d’um lado, por outro lado pela passagem de si de material gasto pelas excessões, e finalmente pelas pro- fundas mudanças em sua natureza realisadas no acto da respiração, acha-se o- sangue num estado de metamorphose perpetua. 10 Entre os seus elementos, agoa, os materiaes salinos e as matérias organicas dissolvidas, provêem quer de fora por absorção quer de dentro pela reab- sorção. A quem é um pouco versado em hystologia não será difficil recusar a pas- sagem do globulo sanguineo atravez das túnicas vasculares; com effeito basta lembrar a dimensão d’um globulo; por tanto estes elementos não sahem do systema circulatório, que é um systema de canaes fechados por toda parte; preenchem seu destino mvsterioso no conteúdo dos vasos; não tomão, por- tanto, parte directa na nutrição dos solidos. D’onde provem os globulos rubros que somente são encontrados na massa sanguínea? Beclard e Longet amparam-se da opinião que os corpúsculos ver- melhos têem sua origem no proprio systema sanguineo; Wirchow subscreve- se a probabilidade d’uma origem exterior, em outros termos, no systema lym- phalico e glandulas annexas; Funke, Paget, Koelliker, Warton Jones, Busk, Huxley converteram a probabilidade de Wirchow em certeza: a ultima opi- nião tem muitos adherenles. Não é necessário insistir sobre a importância dos globulos do sangue: em virtude de sua matéria corante são elles os agentes moveis da respiração pe- ripherica, acarretando na circulação o oxigénio que descoloca o acido carbóni- co durante a respiração. Si é verdade que a haematinade Lecanu deriva dacruorina, sendo verdadeiras as relações chimicas d’aquella, como sabem todos, para com o myochrome dos museulos, o pigmento da choroide e da iris, dos cabellos e pelle e também para com os materiaes corantes da bilis, urina, capsulas super-renaes, ficam indicadas algumas relações nutritivas entre o globulo do sangue e estas. Na razão de alguns physiologistas o eorpusculo do sangue leva á uma jerar- chia superior de organisação a albumina, de que se apodera no plasma; dá liberdade depois á um producto albuminoso mais apto para ulteriormente con- correr na renovação molecular dos solidos; tal seria ainda um importante of- ficio dos corpulos rubros do fluido sanguineo. Uma nota apenas: o estudo da sanguinificação esclarece singularmente o da nutrição; mas não se julgará, por certo, uma lacuna neste trabalho a omissão que d’elle fazemos: é de utilidade real na physiologia este assumpto; infeliz- mente seus elementos acham-se dispersos na generalidade dos livros d’esta sciencia. 11 V. Trata-se presentemente da metamorphose das diversas substancias intro- duzidas no organismo. Ja vimos em que estado a digestão offerecia ao organismo os elementos mi- neraes, e orgânicos etc.; a analyse e'ncarregou-se d’isto; a analyse também encarregou-se de mostrar aquelles elementos no plasma nutritivo, o qual di- versifica do licor sanguinis somente em razão de possuir menos albumina, e saes. Cabe no momento interrogar, si as diversas substancias tomadas como ali- mento, transpondo as vias de absorção, vão directamente se fixar nos tecidos, e fazer parte integrante d’elles? A resposta surge por si, e se impõe, não: o sangue nutre-se; os globulos têem um começo, um periodo de estádio, e um fim; demais preenchem certos destinos na assimilação própria do sangue. D’est’arte certos principios do ali- mento executam seu papel no interior do systema circulatório. O conhecimento perfeito das modificações chimicas, que soffre o alimento, desde sua entrada na area da absorção intestinal até sua liberdade no intersticio dos tecidos, resta uma das aspirações avidas da phisiologia contemporânea. O que conhecemos, sobre tudo, são os dons termos do problema, como se exprime o Sr. Beclard: d’uma parte a constituição chimica do alimento, d’outra parte a composição chimica dos producíos de secressão e de exhalação. O conhecimento de todas as transformações intermediárias escapa-nos illu- soriamente, fornecendo-nos muita incerteza. O fio de Ariadne que tem guiado os chirnicos é a existência real no sangue e nos tecidos de principios, que representam alguns dos termos intermediários. Acompanhemos o estudo da metamorphose das matérias albuminosas, dos hydratos de carbono, ou alimentos não azotados, e ainda o destino do álcool e substancias salinas ingeridas. E neste estudo que se acha nossa resposta á pergunta da Faculdade. VI. As matérias azotadas da alimentação são do mais alto valor nutritivo; por que ellas e seus derivados acham-se em ampla, ou pequena quantidade em to- 12 das as texturas organicas, apparecendo como albumina ou syntonina no tecido nervoso, como syntonina nos musculos, muito mudada, como substancia, dan- do gelatina ou chondrina no tecido fibroso e areolar, osso, cartilagem. Ainda mais a salivina, pepsina, pancreatina e caseina, parecem ser deriva- das da albumina. Tão absolutamente essencial á economia, a albumina, considerada como uma substancia organisavel, não tem poder metamorphico. A fibrina é uma condi- ção degradada da albumina exhibindo uma modificação regressiva ainda em mais baixos compostos. Qualquer que seja a supremacia a conceder-se aos elementos azotados, é precizo lembrar que, á medida que a sciencia progride, sabe-se que a maior parte das substancias albuminosas atravessa uma serie de metamorphoses em virtude das quaes ellas passam do estado orgânico ao estado inorgânico, ou crystallisavel; é debaixo Testa forma que ellas são regeitadas. Recebidas na constituição molecular da peptona nas vias da absorção as ma- térias azotadas promptamente se reconstituem no sangue no estado de albumi- na; no interior do systema vascular experimenta a albumina da parte do oxi- génio ahi contido primeiramente, e depois no intimo das contexturas organicas á expensas d’esse gaz exhalado pelo plasma, gráos de oxidação mais ou me- nos avançados, ou uma serie de transformações ehimicas variadas. A creatina, creatinina, acido inosico, sarkina e a sarkosina nos musculos, a leucina no sangue; urea, acido urico, acido hippurico, a cvstina etc. na uri- na; os ácidos da bilis; os ácidos do suor; emfim o acido carbonico são outros tantos productos da metamorphose dos alimentos azotados. A oxidação, vê-se pois, começa nos vasos, continua-se na espessura dos solidos, que em consequência de suas transmutações ehimicas, desprendem de si, molécula á molécula, uma successão de productos intermediários, que penetram debaixo da forma solúvel no sangue : são as matérias extractivas, ja enumeradas. O substratum dos differentes tecidos animaes procede da albumina, facto sobre que insistiu Liebig. Isto explica como no organismo estas substancias se transformam uma n ou- tra e concorrem similhantemente ao augmento e renovação dos elementos da economia animal. Liebig, de illustre memória, assim estabeleceu, com moti- vo de sobra, que toda matéria sanguinificante e assimilável aos orgãos do ani- mal deve encerrar azoto, e não poderá provir de outra substancia alimentar de classe diversa. 13 O titulo de alimentos plásticos conferido aos alimentos azotados justifica-se d’esf arte mui cabalmente. Vil. As substancias amylaceas são absorvidas em estado de glycose. Seus elementos são ultímamente encontrados, o carbono, no acido carbó- nico da respiração e perspiração, e o hydrogenio e oxigénio, nagoa. Apparentemente os amylaceos podem dar origem âos ácidos biliosos e ou- tros ácidos gordos. Os feculentos podem formar depositos adiposos no organismo da mesma lorma que as matérias gordurosas. As experiencias de Liebig poseram em evidencia este phenomeno. Resta saber quaes são as mudanças intermediárias da transformação dos amylaceos em gordura. Ha completa esterilidade de ensino a este respeito. A proposito appacece debaixo da penna um dos assumptos mais importan- tes da physiologia contemporânea : duas palavras sobre elle. Parece impossível não faltar ao espirito de todo observador a correlação en- tre certos factos fundamentaes: queremos fallar da correlação intima que existe entre os princípios da alimentação, verificados ulteriormente no sangue, e as da constituição de different.es tecidos. Parece impossível desconhecer-se que as substancias azotadas, gordurosas e amylaceas, introduzidas no systema circulatório, sejam todas necessárias ao; entretimento da economia animal: antolha -se-nos a questão da glycogenia he- pática. Que se nos permitia uma pequena digressão. No presente século, talvez, nenhum descobrimento em physiologia tenha suscitado tamanha admiração e tanto enthusiasmo pelo seu author. De toda parte se proclamava o brilhante triumpho da physiologia experi- mental; viu-se desenrolar-se ao infinito assumptos dos mais importantes, como deducções naturaes d’aquella funcção. Entretanto o Snr. C. Bernard não assi- gnalou um tecido orgânico, um orgão para caracterisar sua funcção glycogeni- ca; não estabeleceu o seu destino num dos grandes actos, quer da vida orgâ- nica, quer da vida animal. Cousa celebre, a funcção glvcogenica persiste, para o Snr. C. Bernard, n’um retalho de fígado posto sobre a mesçi do seu laboratorio, Emfim quando o Snr. 14 C. Bernard falia da matéria glycogenica preexistente no fígado apta a fermen- tar e a produzir o assucar, mas derivando ella das substancias proteicas da carne, não faz senão recuar difficuldades para sua theoria da formação do as- sucar. Contrario ás convicções do Snr. C. Bernard, cremos com Bouget que muitos tecidos tomam emprestado a alimentação matéria amylacea, como um elemen- to necessário á sua própria constituição. Mas a direcção principal do alimento feculento é servir a combustão nutritiva. VIII. As /Substancias gordurosas são introduzidas no chylo emulsionadas, e d’ahi no sangue. Como é possivel, são ellas decompostas debaixo da influen- cia dos constituintes alcalinos do sangue, ao ponto de serem oxidadas. Não se conhece d’uma maneira precisa a natureza das metâmorphoses ou desdobramentos em virtude dos quaes as substancias gordurosas transformam- se definitivamente em agoa e acido carbonico : será essa oxidação immediata? E preciso attendermos que taes substancias podem ser á principio emprega- das, talvez, na formação do acido choleico, ou dos ácidos voláteis gordurosos do leite, butyrico, caprico, e caproico. A gordura pode ainda mais resolver-se em acido propionico, formico, e assim passar para a ultima condição—acido carbonico, e agoa. O que é verdade é que uma pequena porção da gordura permanece debai- xo da forma de cholesterina. A gordura, como os feculentos, poupam a metamorphose dos alimentos e tecidos albuminosos. A gordura accumula-se no organismo, o que é mais frequente na mulher, co- mo sabem todos, embellezando-lhe as formas por sua destribuição toda pro- porcional. É esta substancia em alimento calorifico. IX. 0 álcool que pode ser considerado como um typo do alimento hydrocar- bonado, na opinião de alguns, escapa-se totalmente sem mudança pela respi- ração, e pelas excressões. Os trabalhos de Lallemand, Perrier e Duroy accarretaram modificações nas ideias até então admittidas. 15 Na historia da siencia succediam-se então opiniões as mais contraditórias: Para Rayer, Orpila, Magendie, e Segadas era o álcool absorvido pelas su- perfícies com as quaes é posto em contacto, quer a estado liquido, quer á es- tado de vapores. O álcool injectado nas veias produz a morte pela coagulação, Rover Collard. Não se acha pela distillação do sangue d’um individuo alcoolisado senão um ligeiro cheiro alcoolico, Bouchardat e Sandras. O álcool não é encontrado nem na urina, nem em outras secressões, Tied- mann, Gmelin, Seiler. Somente Klencke assignalou sua presença na urina, e na bilis. A acção do álcool sobre o systema nervoso diversifica na opinião dos expe- rimentadores: Longet não poude produzir a nevrolisia dos centros da inner- vação pela embriaguez augmenlada até a morte. Mas Orfila, Durneril e De- marquay assignam-se debaixo d’uma opinião opposta. Alguns sustentam que o alcoolismo imprime um sêllo indelevel de fraqueza e incoherencia na vida nervosa: a observação parece confirma-lo. A administração do álcool abaixa o nivel da temperatura, Ringer, Richards, e lambem a quantidade de acido carbonico e agoa, Lehmann, Yierordt, Boecker. Segundo as vistas de Moleschott e Carpenler o álcool definilivamente retar- da as perdas, e conserva poder. Estudos emprehendidos depois dos trabalhos de Perrier, Lallemam, e Duroy fazem confessar geralmente que parte do álcool e oxidado, com, ou sem previa conversão em aldehyde; eonstestam toda intervenção directa d’esta substancia na formação dos tecidos na producção das gorduras. O álcool é um artigo necessário da alimentação? Não se pode responder pe- la negativa absolutamente : é verdade que o tigre o heroe da força não conso- me álcool. Mas o álcool pode activar, pelo seu uso moderado, a digestão no organismo lymphatico sob a condição innervante da athmosphera dos tró- picos; restaurar as acções vasculares; em uma palavra, pode levantar o nivel da actividade organica e animal. O álcool ingerido em quantidade moderada responde ainda as necessidades do organismo ein luta com as vicissitudes do frio. É fora de toda constestação : esta substancia é um elemento calorifico; pou- pa os tecidos com a sua própria oxidação immediata. 16 X. A agoa não se decompõe no interior do systema circulatório; ao envez, pa- rece incorporar-se áquella outra porção de agoa, toda addicional, posta em liberdade pela combinação do oxigénio e hydrogenio. Este elemento tem ple- na interferencia nas modificações chimicas de todos os outros elementos do corpo. XI. As substancias salinas do alimento são principalmente absorvidas sem alteração; continuam assim no sangue para de novo apparecerem nas excres- sões. Mas os sulphatos alcalinos resultando da oxidação do enxofre das substan- cias albuminosas dos tecidos, e o phosphato de magnesia provindo da oxida- ção das gorduras phosphoradas dos corpúsculos do sangue e cerebro, reu- nem-se, como elementos addicionaes á quantidade de substancias salinas dos* alimentos passando nas excressões. PARTE TERCEIRA.. XII. É occasião de lançar-mos um olhar sobre uma proposição que emittimos anteriormente, acreditando até que se revestia ella da authoridade de bôas provas: em um momento, no curso d’este trabalho, julgamos ter o direito de concluir que toda acção, toda força, que vemos se manifestar nos orgãos, pro- duz-se, durante as transmutações que n elles sofifre o sangue no acto da nu- trição. Demais abrangemos estes phenomenos em duas especies: movimentos, e a producção de certa quantidade de calor: fazendo-se abstracção dos nervos e d’alma.. 17 Ora, este estudo é d’uma alta importância debaixo do assumpto, de que nos occupamos, pois que encerra o das leis , segundo as quaes as diversas substan- cias alimentares são utilisadas na economia animal: prosigamos, desenvolven- do similhântes estudos. XIII. Os movimentos do coração, esse musculo poderoso, o movimento continuo do sangue e outros líquidos, o do apparelho respiratório correspondem a uma força considerável! Attentemos bem para essas massas liquidas a moverem-se; consideremos sua ligeireza e os obstáculos offerecidos ao seu curso no organismo, e conti- nuemos a fazer uma ideia da força, que despensam os movimentos interiores, revelando-se em parte ao exterior. kiiom Admitíamos com Volkmann que o valor numérico 0, 400, represente a força do coração, em outros termos, que a cada pulsação do coração somente o ventrículo esquerdo effectua um trabalho equivalente ao peso de 400 gram- mas que fosse elevado á um metro de altura; admittamos ainda, segundo as melhores indagações, que nos movimentos ordinários da inspiração, os mús- culos inspiradores têem a vencer um ajuntamento de resistências que se pode avaliar em 50 kilogammas, e acreditaremos que a força que despensam os mo- vimentos interiores, revelando-se em parte ao exterior, é enorme. A physiologia ainda não consignou algarismos, que representem a força consumida no movimento dos orgãos da digestão. Por approximação a força pela qual se movem os musculos da vida animal no trabalho do equilíbrio, e da locomoção, trabalhos alias bem susceptiveis de oscillação, é estimada ser tríplice d’aquella despensada pelo coração. Ora, esta serie de movimentos é produsida pelos musculos; mas os effeitos da contraeção muscular, a saber, o trabalho rnechanico exterior (e o calor de que fazemos abstracção no momento), é a expressão das metamorphoses chi- micas de que o musculo é o theatro. O sangue contem ao mesmo tempo a matéria combustível, e a matéria comburente, mas as duas substancias não obram uma sobre a outra na espessura do musculo senão quando este passa do estado de repouso ao estado de actividade: estes factos têem tido ampla dilucidação modernamente por Flankland, Fick, Wislicenus, Beclard e outros» 18 Estamos, pois, revestidos de toda autoridade para sustentarmos, que as mo- dificações operadas durante a nutrição nos tecidos classificados entre as subs- tancias azotadas, a saber: os musculos, procream a força que se manifesta n’es- tas partes. Simplifiquemos o assumpto : da oxidação derivam forças traduzidas em movimento; e em virtude d’ella estabelece-se a necessidade da reparação continua. Si é verdade que o organismo não tem a faculdade de transformar substan- cias não azotadas em substancias azotadas, a perda produzida nos tecidos azotados reclama para sua reparação o concurso de substancias alimentares da mesma composição elementar. Assim é que passamos em revista o verdadeiro destino das matérias azota- das. Conspiram ellas contra as despezas das forças, as quaes são devidas as ac- ções dos orgãos: tal é seu destino todo especial. Em virtude d’isto, por um arti- ficio justificável, se pode denominar estas matérias—alimentos dynamogenos. XIY. Além de força o animal tem uma temperatura própria; temperatura que é constante. Entretanto elle emitte para á athmosphera ambiente uma notável quantidade de calor : d’aqui se segue que tem em si proprio uma fonte crea- dora d’esse producto. Em vão a natureza deu uma protecção contra essa emissão envolvendo sin- gularmente os confins do organismo animal; a despeito ainda dos recursos que o homem chama á seu socorro, afim de attenual-a, perde elle no espaço de 24 horas uma quantidade de calor, que seria capaz de elevar á um gráo de temperatura 2500 killogrammas de agoa. Portanto a perda deve ser compen- sada em um tempo dado; pois que, repetimos : a temperatura é constante. O organismo não tem outra fonte de calor senão a combustão lenta da sua pró- pria substancia á custa do oxigénio do ar atlimospherico : esta producção do calor realmente pode ser comparada, d’uma maneira exacta, com as oxidações lentas. D’um lado ha incessantemente oxigénio introduzido na economia pela res- piração; d’outro lado ha incessantemente acido carbonico, agoa e urea produ- zidos. Todas as matérias organicas na composição das quaes entram o carbono e 19 hydrogenio; todas as matérias albuminosas que além d’isto encerram azoto se prestam á estas reaçcões, Estamos vendo, as transformações chimicas dos tecidos azotados do orga- nismo engendram também calor, mas o calor assim produzido é incompara- velmente em menor quantidade do que aquelle que resulta da combinação de duas outras ordens de matérias encerradas no corpo do animal com o oxigénio; são as matérias gordas, e o assucar. Orâ os hydratos de carbono, como sua ter- minologia indica, substancias ricas em carbono e hydrogenio, são distinta- mente destinadas a calorificação; quaesquer que sejam as outras funcções, que ellas tenham de desempenhar no organismo. As matérias gordas, os assucares, os feculentos são alimentos, que servem para substituil-os. Notemos, ainda, que os feculentos são susceptiveis de ser depositados no organismo debaixo da forma de tecido adiposo. As matérias gordas, assucares e os feculentos são, pelo que precede, considerados alimentos thermogenos. O animal produz força e movimento, produz também calor: e as difíeren- tes matérias alimentares servindo ao homem e aos animaes, em que diversi- ficam ellas essencialmente? Diversificam por suas propriedades dynamogenas, ou thermogenas; assim é que uma tal distincção basta para fazer comprehen- der-se a direcção physiologica, que essas matérias seguem no organismo animal. Foi apoiando-se n estes dados que a physiologia contemporânea estabelle- ceu, com precisão e authoridade, o modo, segundo o qual são utilisados pela economia essas duas especies de princípios alimentares, assim como as maté- rias correspondentes fazendo parte integrante da economia. Cravemos a vista para a importância dos factos, que precedem; queremos fallar do movimento derivando da oxidação no musculo; do calor desenvol- vendo-se das substancias gordurosas e feculentas ao mesmo tempo que se pas- sa uma mudança qualquer na sua constituição molecular, e nos será permitti- do então lembrar uma das leis mais importantes da natureza—a lei da 'per- manência das forças, uma das maiores questões da sciencia hodierna. Essa lei tem sido o ponto de partida na investigação de muitos phenomenos, de que o organismo é o theatro; é assim que, ha trinta e tantos annos, formou- se na Allemanha uma sociedade de sábios, que abordando a physiologia com o soccorro das sciencias exactas, nella estabeleceu um rigor até então desco- nhecido. Basta citar os nomes de Weber, de Liebig e sobre tudo o de Hel- moltz para indicar a marcha d’esse movimento luminoso. Hermann pertence- 20 á esta legião illustre: sua obra, por ex., manifesta essa tendencia para uma physiologia matliematica. A ideia mãi d’esse trabalho é a extensão do principio da transformação das forças. Para Hermann, nenhum trabalho se eífectua sem uma perda de oxigénio: todo acto vital é no fundo uma oxidação; a nutrição, ou melhor a reparação, paraoauthor, tem por fim reduzir forças de tensão em forças vivas. É n’essa Allemanha, outrora o paiz dos sonhos, onde as sciencías medi- cas seguem este movimento transcedental, graças ao impulso das sciencias naturaes. PROPOSIÇÕES 6 SECCÃO MEDICA, d PATIIOLOGIA GERAL. Febre. I .*—A febre é actividade insólita das combustões intersticiaes. %.3—O primeiro phenomeno pelo qual se annuncia esse movimento morbi- do, é a presença de urea em excesso na urina : a dissipação d’este excesso é parallelo a extineção da febre. 3.a—Da combustão pyretica decorre a serie dos accidentes diversos. PATHOLOG1A INTERNA. Similliauças c diíferençaS entre a febre amarella especifica, c a febre remittente biliosa : dedneções tkerapcuticas. I .•—Pyrexia, suppressão da urina, vomito negro, taes são os elementos principaes da caraeterisação clinica da febre amarella especifica, multiplican- do-se pelo transporte humano : é preciso não esquecer um elemento addicional que a pratica lembra, a saber—que o tvpho amarello ataca uma só vez na exis- tência do individuo. %.3—O prévio augmento do baço, a mortalidade relativamente menor, as he- morrhagias occasionaes, a ausência, quasi constante, de albumina na urina, estabelecem na practica a distincção possivel entre a remittente biliosa e a febre amarella especifica. 3.a—Demais esta individualisa-se ainda pelo sêllo, que tem de deixar por mais tempo exhausto o fundo orgânico, que abandona. CLINICA MEDICA. Çue Importância têem as SnjceçScS bypodcrmieas do kydrato de ckloral no tratamento do tétanos. 1 .a—Imprimir no tétanos uma sorte de estado chronico afim de dissipal-o, é apoiar-se no bom senso clinico. 22 2. a—Este resultado pode ser obtido pelos anesthesicos administrados com arte durante as crises ou exacerbações da moléstia. 3. a—Dirigido neste sentido o chloral pode exercer uma aeção toda efficaz. PHYSIOLOGIA. Calor animal. 1 .a—Fazer do apparelho nervoso glanglionario o instrumento exclusivo do calor animal como Chossat, de Genebra, é crear uma concepção que d’um traço apaga a combustão organica. —A funcção calorifica dos nervos, funcção que consistiria em sollicitar por toda a parte, nos tecidos orgânicos, a combustão dos elementos combustí- veis do sangue para a producção do calor animal assesta em razões que são quasi nullas. 3.a—-Os estudos delicados e cheios de elegancia da thermoscopia patholo- gica em mãos de Traube, Wunderlick Micháel e outros sábios, têem lançado, condensada luz sobre muitos pontos obscuros na clinica. MATÉRIA MEDICA. Emprego thcrapcutico do chloral. 1 .a—O chloral, introduzido em cpiantidade sufficiente no sangue do animal., produz anesthesia, na cavidade digestiva antes que se manifeste anesthesia, produz o som no. 2.3—O somno do chloral não é idêntico ao do chloroformio; é um sornno ligeiro e sem hyperesthesia previa. 3.a—Ora, não será diffieil âcreditar-se que o chloral obra por seu desdobra- mento em chloroformio? A hyperidealisaçâo, a hyperesthesia, a hyperkine- sia são outras tantas indicações therapeuticas do chloral. HYGIENE. Ilvuinic publica. —Uma das glorias incontestáveis dos médicos do século 19 é certamente terem elles chamado a hygiene para a direcção toda positiva do progresso. O nome de Levy será estreitamente associado á sua real creação scientiíica. 23 2.3— Por francamente á proveito d’um povo, da humanidade inteira as leis da conservação da saude collectiva, tal é o fim da hygiene publica, ainda des- tinada a melhorar nossa especie em todas as suas condições de existência. 3.3— A ella incumbe estudar as raças humanas; apreciar a influencia dos modificadores athmosphericos sobre as massas, passar em revista as mais gra- ves questões relativas as situações epidemicas temporárias e permanentes; -ve- lar sobre as habitações publicas etc.; é por esse modo que a hygiene publica se dirige á sociedade. SECCÃO filRURGICA. PATHOEOGIA EXTERNA Tumores malignos \ .3—A lei de Muller, que o tecido de todo tumor é analogo a um tecido physiologico do estado adulto, ou ernbryonario, repelliu a malignidade dos tu- mores como entendiam-na os antigos. 2.3— Um tumor maligno é um neoplasma heterologo. 3.3— A causa principal das recahidas locaes dos tumores é de origem local. CLINICA EXTERNA. Diagnostico diflTcrcncial da pnstnla maligna c do carlnmeulo. 1 .3—No carbúnculo os accidentes gcraes precedem a formação do tumor. 2.3— Na pustula maligna o primeiro facto na ordem chronologica dos acci- dentes é o tumor. 3.3— Tal é o diagnostico differencial entre uma, e outra aífecção, confundi- das nos fivros, e na practica por alguns authores, 24 OPERAÇÕES. A febre traumatica após as operaçães bem eomo a febre «le lciíe não será uma iiaSecção pnrwlciita? 1.a—O virus traumático de Verneuil é uma verdadeira miragem: tal vírus explicaria ao mesmo tempo a febre traumatica, a infecção purulenta, e a infec- ção pútrida. â.a—A febre traumatica, sobre tudo, não poderá confundir-se com a infec- ção purulenta; a clinica protesta contra similhante synthese forçada. 3.a—A febre de leite cessa no momento em que se estabelece a secressão la- ctea : será, pois, uma infecção purulenta? ANATOMIA DISCRIPTIVA. Apparelho biliar. 1. a— O apparelho biliar é formador e excretor da bile: é um apparelho de secressão completo. 2. a—O fígado a parte primordial do apparelho é a maior glandula da eco- nomia; é o orgão que occupa maior espaço depois dos pulmões. 3. a—A questão, por muito tempo indecisa, sobre a ultima direcção das ex- tremidades terminaes dos canalicos hepáticos, ja teve sua solução confirmada; parecem, pois, completas hoje as noções hystologicas do fígado. ANATOMIA GERAL. Textura do baço e suas altcraçãcs. \.3—D’entro do involucro peritoneal soroso, o baço tem uma túnica pro- pria fibro-elastica, que é prolongada, no hylo, no interior do orgão formando bainhas elasticas em derredor dos vasos sanguineos, lymphaticos e nervosos. 8.“—Si as vistas hystologicas de Gray e Billrot sobre o baço são verdadei- ras, isto é, si existem vasosjfeste orgão que terminam eni espaços destituídos de paredes distinctas, a passagem de elementos da polpa splenica para as veias será facilmente explicada. 3.a—O cancro, o tubérculo, os kistos, a hypertrophia são as varias lesões,, que podem affectar o baço. 25 PARTOS. Febre puerperal. 1 .a—A febre puerperal preparada de alguma sorte pela prenhez é uma af- fecção geral miasmatica: nos exprimindo assim não negamos o ajuntamento dos phenomenos puerperaes, aocendendo a íebre em muitos casos, constituindo a peritonite puerperal. 2. a—A humanidade, e as necessidades sociaes tornam urgente que se tome em consideração esta opinião da sciencia. 3. a—A existência da febre puerperal no recemnascido é um producto de espirito, que a practica regeita, e condemna. SECCÃO ACCESSORIA. ó BOTANICA. FcenudaçSo nos vcgciacs. 1 .*—A fecundação nos vegetaes tem por fim a transformação do ovulo em semente. 2. a—No todo d’este phenomeno pode-se distinguir 1.#—a penetração do pollen no stigmato e seu trajecto até o ovulo, 2.°—o que se passa no sacco embryonario até a origem do embryão. 3. a—Differentes movimentos executados pelos orgãos reproductores facili- tam estes phenomenos : de modo a assegurarem a admiravel sollicitude com a qual compraz-se a natureza em velar na reproducção dos seres. PHISICA. Dlffcrcnças c analogias entre os phenomenos nervosos c os phenomenos electricos. 1 .*—A secção d’um cordão nervoso, debaixo da condição que as extremi- dades estejam em contacto, não impedem que se propague o estado electro- tonico; mas inhibe a propagação nervosa. 26 2. —O inventor do ophtalmoscopio ponde avaliar a ligeireza da corrente nervosa como Wheastone avaliara â propagação da faisca electrica : que dis- tancia entre a velocidade d’uma e d’outra! Não ha, pois, uma differença pal- pitante entre os phenomenos electricos e os phenomenos physiologieos que se manifestam nos nervos? 3. —Que se deve concluir? A força nervosa não é idêntica á força electrica, nem um genero peculiar de electricidade, nem ainda physicamente induzida por ella, como o magnetismo pode ser. CHIMICA MINERAL. Estudo cliimico do ar athmospherico 1 .a—A experiencia de Lavoisier sobre a eompcsição do ar athmospherico lançou as bases da chimica moderna. 2. a—O ar é uma mistura de oxigénio e azoto, em proporções que são sensi- velmente as mesmas em todos os pontos do globo : nos vallados e nas pla- nices, nas cidades e nos campos. O ar encerra, alem d’isto outros princípios, mais em quantidades consideravelmente menores. 3. a—A ozona descoberta por Schoebeim gosa d’um papel importante nos phpnomenos da vida. CHIMICA ORGANICA. Assucares. 1- a—Cabe ao Snr. Bertholot considerar-se hoje na chimica organica osasr sucares como álcoois hexatomicos. 2- a—A fóra a sorbina, eucalina e inosite todos os demais assucares são fermentáveis; podendo portanto desdobrarem-se em acido carbonico e em ál- cool. 3.’—D entre estes compostos, verdadeiros hydratos de carbono, somente a inosite e a levulose desviam a esquerda o plano da luz polarisada, 27 PHARMACIA. Dados dous extractos um alcoolico outro aquoso «la mesma planta, qual deve ser preferido? 1 .a—Extractos são preparações officinaes de consistência molle ou sêcca, resultantes da evaporação de diversos vehiculos, tendo em dissolução princí- pios medicamentosos vegetaes ou animaes. 2.3— Os extractos bem preparados devem appresentar o cheiro e sabor das substancias que o forneceram. 3.3— Os extractos alcoolicos sendo mais energicos do que os seus corres- pondentes aquosos, na practica não se deve substituir indifferentemente. MEDECINA LEGAL. Qual o melhor mei» de reeonhecer-sc o arsénico nas vísceras d um cadaver. \—É a analyse spectral uma brilhante aequisição da cliima do tempo : é a innovaação a mais fecunda que se ha realisado de Lavoisier até hoje. 2. a—Permitlindo este methodo de analyse descobrir a menor porção d’um corpo por meio do aspecto do seu spectro, parece ser um meio bastante se- guro para o reconhecimento do arsénico. 3. —Todavia o apparelho de Marsh com a modificação da academia dás sciencias tein até hoje constituido o meio mais seguro nas pesquizas d este genero. FIM. Bahia— Typ. Masson, de José Bernardo Ramos—1872.