FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE DE com» para um lugar de oppositor. na secção de sciencias accessorias NA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA E QUE PERANTE A MESMA DEVE SER SUSTENTADA EM 5 DE JULHO DE 1872 PELO Dr. José Alves de 31 e 11 o i° cirurgião honorário do corpo de sáude do exercito, cavalleiro da Imperial Ordem da Rosa, e condecorado com a medalha de campanha do Paraguay. Bahia IflPUESSA H TVPOGRAPIKA DO — DIUÍIO — 1872 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR VICE-DIRECTOR O EXM. SR. CONSELHEIRO DR. VICENTE FERREIRA DE MAGALHÃES. LENTES PROPRIETÁRIOS. Os Srs. Doutores fl° anno Matérias que leccionão Cons. Vicente Ferreira de Magalhães . . J Francisco Rodrigues da Silva Chimica e Mineralogia. Barão de Itapoan Anatomia descriptiva. Physica em geral, e particularmente em suas applicacões á Medicina. S° anno Antonio de Cerqueira Pinto Chimica organica. Jeronymo Sodré Pereira Physiologia. Antonio Mariano do Bomfim Botanica e Zoologia. Barão de Itapoan Repetição de Anatomia descriptiva. Cons. Elias José Pedrosa Anatomia geral e pathologica. José de Goes Siqueira Pathologia geral. Jeronymo Sodré Pereira Phisiologia. í° anno Cons. Manuel Ladislau Aranha Dantas . . Pathologia externa. Demetrio Cyriaco Tourinho Pathologia interna. 4o anno Cons. Mathias Moreira Sampaio Partos, moléstias de mulheres pejadas e de meninos recemnascidos. Demetrio Cyriaco Tourinho Continuação de Pathologia interna. Luiz Alvares dos Santos Matéria medica e therapeutica. 5o anno Anatomia topographica, Medicina operatória e apparelhos. José Antonio de Freitas . 6° anno Rozendo Aprigio Pereira Guimarães . . . Pharmacia. Salustiano Ferreira Souto Medicina legal. Domingos Rodrigues Seixas Hygiene e Historia da Medicina. José Affonso Paraizo de Moura .... Clinica externa do 3.° e 4.° anno. Antonio Januario de Faria Clinica interna do 5.° e 6.° anno. Ignacio José da Cunha . . . Pedro Ribeiro de Araújo . José Ignacio de Barros Pimentel. Yirgilio Climaco Damazio. OPPOSITORES Secção Accessoria. Augusto Gonsalves Martins Domingos Carlos da Silva. Antonio Pacifico Pereira . Secção Cirúrgica. Famiro Affonso Monteiro. . . . Egas Carlos Moniz Sodré .... Claudemiro Augusto de Moraes Caídas Secção Medica. SECRETARIO 0 SR. DR. CINCINNATO PINTO DA SILVA. OFFICIAL DA SECRETARIA O SR. DR. THOMAZ DE AQUINO GASPAR. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nesta these. AOS ILLDSTR1SS1MOS SE,MORES I)R, ROZENDO APRIGIO PEREIRA GUIMARÃES Professor de Pharmacia d’esta Faculdade B DR, DOMINGOS CARLOS DA SILVA Oppositor da Secção de scienctas cirúrgicas f Sincera amizade e gratidão. DISSERTAÇÃO CORPOS GORDUROSOS SUA CONSTITUIÇÃO E PROPRIEDADES ■ UANDO se compara sob diversos pontos de vista os princípios immediatos que fazem parte constitutiva dos seres organisados, vegctaes e animaes, vê-se de modo claro e positivo que estes encerrão em si trez especies de compostos fundamentaes. Corpos gordurosos propriamente ditos, substancias hydrocarbonadas, e matérias azotadas ou albuminoides —, eis as individualidades chimicas dis- tinctas, as especies de elemento orgânico differentes, si assim nos podemos exprimir, que, por um conjuncto harmonico e todo providencial, formão a organisação viva desses seres na mais estreita solidariedade. Nem lia negal-o: no estudo chimico desses dous reinos, élos primordiaes e únicos da mysteriosa cadeia dos entes creados, outra de certo não pode- ria ser a classificação; a analyse immediata cabalmente o justifica, e a syn- tliese organica até certo ponto o comprova. Desde o protococcus nivalis, typo do vegetal-cellula, ou melhor unicel- lular, até o sequoia gigantea da Califórnia, estupendo colosso, em que a organisação sóbe de admiravel perfeição; desde o protozoário, typo de ex- trema simplicidade na serie zoologica, até o homem, mammifero o mais per- feito, e que coroa a divina obra da natureza: a associação destes elementos não deixa, um só instante, de revelar-se, 2 Estudando em separado as funcções que desempenhão, por assim dizer, estas trez ordens de compostos, o physio-naturalista sorprehende-se de véras; e na prescrutação intima de cada acto vê que todos elles cooperão para o grande phenomeno da nutrição, caracter absoluto dos seres vivos; reconhece atravez das transmutações moleculares as mais obscuras que é por elles que a vida se manifesta em todos os seos eíTéitos, de modo a assegurarem a perpetuidade da especie pelo funccionar do indivíduo. Estabelecido este principio, como uma noção geral e no mesmo tempo precisa, occupemo-nos do grupo dos corpos gordurosos, substancias estas susceptiveis dos mais fecundos resultados, quer no dominio da sciencia pura, quer no dominio das applicações. PRIMEIRA PARTE CORPOS GORDUROSOS XATURAES E SUA CONSTITUIÇÃO I Diversos são os processos que teem sido applicados á extracção dos corpos gordurosos, que encontrão-se nos tecidos xegetaes ou animaes, e que são conhecidos sob o nome de oleos, manteigas e gorduras, conforme sua ori- gem e consistência. As gorduras, que proveem dos animaes, são em geral separadas do tecido cellular que as envolve por via de fusão, facilitando-se alguma vez esta se- paração por meio d’agua acidulada pelo acido sulfurico, que desaggrega as membranas: a gordura funde-se, e vem á superfície do liquido d'onde se a decanta. Os oleos gordurosos de origem vegetal são contidos principalmente nas sementes, e só rara vez apresentão-se no pericarpo dos fruclos: são todos extrahidos por expressão. À principio opera-se a frio, obtendo-se d’es- 1’arte o oleo mais puro; depois comprime-se a matéria entre laminas aque- 3 cidas, fazendo-sc em seguida fervel-a n’agua. N’esse ultimo caso os oleos conteem em suspensão partes parenchymatosas mais ou menos divididas, das quaes se os desembaraça por uma forte agitação. Quando assim obtidos, os oleos que são destinados a diversos mysteres e sobretudo á alimentação das cliammas, devem ser purificados, o que fa- cilmente consegue-se batendo-os com dous ou cinco centésimos de acido sulfurico concentrado, dirigindo-se ao mesmo tempo uma forte corrente de vapor d'agua; d’esse modo o acido ataca vivamente as matérias mucila- ginosas em suspensão, carbonisando-as, e acabão todas por deporem-se com o acido e a agua, formando um sedimento espesso e de côr anegrada, que bastante contrasta com a limpidez dos oleos. O processo, porém, pelo qual o cbimico muita vez extralie nos laboratorios os corpos gordurosos, que achão-se em uma mistura qualquer, consiste no emprego do ether ou do sulfureto de carbono, promovendo logo depois a distillação da substan- cia empregada. São, pois, sem contestação os reinos vegetal e animal que fornecem-nos constantemente as matérias gordurosas; antes, porém, de apresentarmos a lista d'aquellas de uso mais frequente, visto que immensa é a sua varieda- de, procuremos definil-as, attendendo por ora tão somente para seos cara- cteres physicos. Duas propriedades importantíssimas separão estes princípios de todos os mais de origem organica: são a sua insolubilidade n agua, e sua facil fusi- bilidade. Substancias solidas ou liquidas, os corpos gordurosos ás mais das vezes sem côr, sem cheiro, e sem sabor, só mui excepcíonaímente apresentão uma côr amarella mais ou menos carregada, sabor rancido. e cheiro desagradá- vel. O álcool absoluto e o espirito de madeira dissolvem grande quantida- de d'estes corpos, extendendo-se mais largamente esta propriedade ao ether, e ás essencias; todavia os seos melhores dissolventes são as gorduras no estado liquido. Mais leves que a agua, estes corpos teem uma densida- de que varia de 0,90 a 0,99. Os oleos de oliveira, de amêndoas doces, de rícino, de croton tiglium, de linhaça, de palma, os dos fígados do bacalhau e da raia, as manteigas de vacca, de porco, de cacau c de noz moscada, o sebo, o espermaceti, e as diversas especics de cèra — taes são as matérias gordurosas mais conheci- das pela importância de seos usos. II Immenso progresso tem por certo feito a chimica organica, graças á ín- troducção do methodo synthetico, como base principal de suas experiencias. Ha muito tempo impracticavel nos seos domínios, a synthese constituio-se Iioje por assim dizer um meio tão seguro, um recurso de tanta perfeição, quanto na chimica mineral. E em verdade; até então impotente para reconstruir o edifício demolido por suas próprias mãos, queimando e destruindo todas as substancias, operando em summa pela analyse, só agora pode esta sciencia formar af- foutamente todos os princípios immediatos na composição gradual e na se- rie progressiva de seos elementos: carbono, hydrogenio, oxygenio e azoto, ou tomando por ponto de partida os mesmos elementos completamente oxydados, isto é, a agua e o acido carbonico. Assim, pois, á uma escala de decomposição succedeo outra de recom- posição, e d’este modo o chimico não pode ser mais considerado como a antithese perfeita, o contraste enigmático da natureza viva. Este facto, cons- tituindo-se o ponto de apoio e a base mais solida para o vasto templo da chimica moderna, deo logar ás mais brilhantes descobertas; e só a elle por tanto deve-se o conhecimento da composição definitiva de quasi todos os compostos orgânicos. Desenvolvamos este assumpto, que muito se recommenda. Antes de 1813, epocha em que apparecerão no mundo scientiíico os luminosos trabalhos do Sr. Ghevreul, a constituição chimica dos compostos gordurosos era quasi desconhecida. Si bem que chimicos não menos illustres, como Bertholet, Fourcroy e o Sr. Braconnot tivessem muito antes emprehendido sérios esforços para a solução de tão importante problema, comtudo pouco adiantarão; cabendo a gloria tão somente ao espirito altamente investigador d'aquelle sabio. Com effeito instituídas com a maior sagacidade e discutidas depois com todo ri- gor, as suas experiencias tornarão-se a esse respeito memoráveis, para não dizer classicas. Substancias neutras, os corpos gordurosos não podem de forma alguma ser mais considerados como especies únicas, ou individualidades próprias, são misturas cm proporções indefinidas de diversos princípios immediatos, como a stearina, a margarina, a oleina, a butyrina, etc.; predominando os dous primeiros nas gorduras solidas, e a margarina e a oleina nos oleos; e o que é mais para admirar e sorprehender, é que estes princípios assim definidos e isolados, sendo por sua vez submettidos á influencia de causas mui diversas, acabão todos por apresentarem uma propriedade commum e que lhes ê caracteristica; decompõem-se pouco e pouco, sobretudo com o concurso do calor, dando origem a saes respectivamente formados pelos ácidos stearico, margarico, oleico, buíyrico, etc., a uma nova substancia de- nominada — glycerina (j). Do exame destes factos surgirão para a sciencia duas hypotheses, em que permaneceo ella por muito tempo indecisa: ao passo que uns consideravão todos os corpos gordurosos formados pela associação de um acido gordu- roso anhydro, fixo ou volátil, com glycerina também no estado anhydro; outros os representavão como compostos de oxygenio, carbono e bvdroge- nio em proporções taes que uma parte destes elementos constituía o acido gorduroso, emquanto que a outra porção reunida á agua representava a glycerina. À exacta interpretação, porém, de modos de ver tão diíferentes não se fez muito esperar, e hoje, graças aos brilhantes resultados colhidos pelo Sr. Chevreul, e depois confirmados pelos Srs. Dumas, Boullay, Lecanu, Duflv, Peligot, e sobretudo pelos Srs. Wurtz e Berthelot, não póde restar a menor duvida de que nestes compostos a glycerina e os ácidos gorduro- sos preexistem formados ao menos virtual mente, e que portanto não são productos de uma destruição radical, tendo por causa novas condições de equilíbrio, visto que entre elles e a constituição dos corpos decompostos existe uma relação necessária, constante e invariável: basta, com efleito, combinar a glycerina com os diversos ácidos gordurosos para que obte- nha-se artificialmente a stearina, a margarina, a oleina, a butyrina, em uma palavra os princípios immediatos de todos os corpos gordurosos naturaes. (!) Convém notar que n’esta classe de reaceões ha corpos gordurosos que não dão glycc- rina, mas sim um outro producto, que parece gosar do mesmo papel chimico que o da- quella substancia. D’ahi a divisão, que fazião os antigos, em corpos gordurosos de fácil ou diffieil saponiíicação. Todavia não é só nesse facto que a synthese, remontando-se ao ponto de partida da analyse, attesta e justifica a veracidade dessa opinião; não; os princípios desfarte obtidos, quando misturados cm proporções convenien- tes, acabão também por engendrarem as gorduras dos aniinaes e os oleos fixos dos vegetaes, e si íinalmente as experiencias teem demonstrado que os metliodos empregados para a combinação da glycerina com os ácidos gordurosos propriamente ditos, são igualmente ap[)licaveis á combinação desse mesmo principio com os outros ácidos, quer orgânicos, quer inorgâ- nicos, resultando dahi uma multidão de compostos, analogos aos corpos gordurosos naturaes, c o que mais é, formados segundo as mesmas leis; claro é que nestes a glycerina existe respectivamenlc combinada com os di- versos ácidos gordurosos. Para melhor comprehensão destas ideias, apresentemos um exemplo é1). « Tomemos, diz o Sr. Bertbelot, glycerina, e ponhamol-a em contacto por alguns mezes com o acido stearico; uma reacção começa a ter logar mesmo na temperatura ordinaria, si bem que mui lentamente. Para que ella effectue-se de modo conveniente, é preciso que as substancias estejão em um vaso hermeticamente fechado, e que a temperatura eleve-se a 200°; em taes condições a combinação opera-se em algumas horas, e prepara-se fa- cilmente e em grande quantidade um verdadeiro corpo gorduroso, analogo â stearina, já por seo aspecto e fusibilidade, já por outras propriedades phy- sicas, já emlim neutra como ella, e reproduzindo igualmente pela saponifi- cação acido stearico e glycerina. « Entretanto, continua o mesmo author, na analyse deste corpo acha-se uma differença real, visto que a stearina natural contém 7G,G para 100 de carbono, e saponiíicada fornece 0,10 de glycerina; e a stearina artificial as- sim obtida encerra apenas 70 para 100 de carbono, e a sua decomposição produz 25 para 100 de glycerina. Estes resultados provão que o novo com- posto é o efieito da combinação de um equivalente de acido stearico com um equivalente de glycerina, havendo separação de dois equivalentes d’agua; é a monostearina: C™ H36 Q4 _i_ c« H8 0° — II- O2 = O'1 II42 O8 = C° II6 O4 (G36 II3C O5) (') 0 exemplo aqui trazido é tirado do Tratado Elementar de Chimica organica do Sr, Berthelot. publicado no corrente anuo. 7 « Em conclusão, a stearina natural tem mais carbono, e dá menos glyce- rina que o primeiro composto artificial; se 6 obrigado, pois, a fazer obrar de novo o acido stearico sobre a monostearina, e com eííeito vê-se uma se- gunda combinação operar-se, formando-se a distearina: C42 II42 O8 + C36 H36 O4 — II2 O2 =* C"8 II76 O10 = C« H4 O2 (C36 H36 O4) (C36 H345 O4) « Este novo producto representa a combinação de um equivalente de gly- cerina com dois equivalentes de acido esteárico. É um principio neutro da natureza dos etheres, contém 75 para 100 de carbono, saponificada fornece 15 para 100 de glycerina. Yè-se por este facto que nos temos approximado da stearina natural, mas não na temos ainda reproduzido. « Prosigamos, pois, continua o illustre experimentador; ponhamos agora a distearina em contacto com o acido stearico e na temperatura de 200°: uma terceira combinação effectua-se de prompto; e assim obtemos por esta vez a tristearina, corpo formado pela união de trez equivalentes de acido stearico e de um equivalente de glycerina, combinados com eliminação de seis equivalentes d'agua: o-» H70 o1" + c38 h38 o* — n2 o- = cHi ii108 o12 = o« u5 (C38 H38 O4) (C38 H38 O1) (C38 H38 O1). Ora, a tristearina é noutra, possuo exactamente as mesmas propriedades, a mesma composição que a stearina natural; fornece pela saponificação as mesmas quantidades de glycerina e de acido stearico; em uma palavra, es- tes dois corpos são perfeitamente idênticos; conseguintemente temos reali- sado, por uma serie systhematica de reacções, a synlhese da stearina natu- ral, applicando-se os mesmos resultados á synthese de todos os outros corpos gordurosos. » Quem estuda agora com serio cuidado esta progressão crescente de cor- pos intermediários, e attende bem para os modos de sua formação, conven- ce-se sem custo de que existem relações fundamentaes entre estes corpos e aquelles que se denominão etheres compostos neutros; opinião que ainda mais prevalece, e que ainda mais se robustece, quando a analyse, os decom- pondo, verifica exactamente as mesmas analogias.. É facto sabido que a combinação dos ácidos com o álcool não pode ef- fcctuar-se sem que haja formação e eliminação de uma certa quantidade dagua, e que reciprocamente os etheres compostos se não podem desdo- brar em os seos princípios constitutivos sem que dé-se a absorpção dos mesmos elementos dagua; ora si isso é exacto, e si na formação e decom- posição dos corpos gordurosos os mesmos phenomenos teem logar, e dão-se sob as mesmas leis, é logico e de evidencia que estes devem ser compará- veis a aquclles, e que conseguintemente a glycerina gosa o papel de um álcool, relativamente ao mesmo principio nos etheres compostos neutros. Os corpos gordurosos achão, pois, na chimica organica uma classifica- ção que lhes é própria, e, como etheres que são, gosão de importância igual á dos verdadeiros saes na chimica mineral. No estudo da glycerina, que vamos encetar, conheceremos melhor esta verdade. SEGUNDA PARTE GLYCERINA E SEOS ETHERES I Em 1779, Sclieele, preparando o emplasto simples, obteve pela primeira vez a glycerina, á que denominara— principio doce dos oleos; aos bellos es- tudos, porém, dos Srs, Chevreul, Pelouze, Gclis, e principal mente do Sr. Berlhelot, deve-se o perfeito conhecimento de sua historia chimica. E nas fabricas de preparação das velas de stearina que obteem-se quanti- dades consideráveis de glycerina, como produeto accessorio. As aguas que leem servido para a saponificação das gorduras por meio da cal são evapo- radas até a consistência de xarope na temperatura ao máximo de 130°, dis- tilla-se depois esta especie de xarope cm quatro vezes seo volume de ál- cool concentrado; filtra-se o liquido, e em seguida distilla-se todo o álcool. 9 Tracta-se de novo o residuo pela agua, fazendo-o digerir com lithargyrio; procede-se á segunda filtração, e precipita-se pelo hydrogenio sulfurado o oxydo de chumbo, que se tem dissolvido: nada mais resta que descorar então todo o liquido pelo carvão animal, e leval-o ao depois ao vasio da machina pneumática para ser concentrado. Além doeste processo, existe o que consiste no tractamento doestas mesmas aguas por uma forte corrente de acido carbonico, obtendo-se depois pela evaporação a glycerina quasi pura. É também facil ter-se a glycerina na preparação do emplastro simples. Terminada esta operação, decanta-se a agua que fica acima do sabão de chumbo, faz-se depois passar uma certa quantidade de hydrogenio sulfurado para precipitar todo o chumbo dissolvido no estado de sulfureto, evapo- rando-se em seguida a banho-maria o liquido filtrado. Em geral a glycerina acompanha sempre os productos de saponificação dos oleos e dos corpos gordurosos neutros 0; attendendo-se, porém, ás matérias e ao modo de decomposição que fornecem este producto mais puro, devem ser preferidos os oleos vegetaes fixos a par do processo do Sr. Wilson (2). Observações re- centes teem descoberto este producto na fermentação alcoolica, e a sua quan- tidade é tanto maior e mais abundante, quanto mais lenta é a fermentação, e menos activo o fermento. Foi o Sr. Wurtz quem preparou pela primeira vez a glycerina artificial- mente, servindo-se do iodureto de allyle ou propylene iodada. Pela acção do bromo este corpo transforma-se em tribromureto, e o tribomureto de allyle, reagindo por sua vez sobre o acetato de prata, fôrma bromureto de prata e triacetina. Eis a equação theoriea: C6 H3 I + 3 Br = C6 H3 Br 3 + I Primeira phase Segunda phase C6 H8 Br 3 + 3 C4 H8 Ag O4 == 3 Ag Br + C6 H’- (C4 H4O4)3 ou C18 H14 012 (!) A esse respeito somente fazem excepção as ceras e o espermacete: este corpo sapo- nificando-se dá ethal em lugar de glycerina. (2) Consiste este processo na decomposição dos corpos gordurosos pelo vapor d’aga so-u bremaneira aquecido. 10 Terceira phase (M& H14 012 -f 3BaO, HO = 3 C4 H3 BaO* + Cc li8 O6 Vê-se na ultima phase da operação que a triacetina, traetada pela bary- ta, é que dá origem a glycerina. Um methodo, porém, mais simples e expedito consiste em fazer reagir a potassa sobre o tribromureto d’allyle; aqui mais que em nenhuma outra parte a formula algébrica exprime com tanto rigor o resultado obtido, eil-a: C® H3 Br3 + 3(IÍ0, HO) = 3 KBr + Cc H8 O® A glycerina obtida por estes meios e concentrada no vasio tem por for- mula chimica Cc H8 0G. É uma substancia neutra, liquida, mas da consis- tência de xarope, muito deliquescente, sem côr, sem cheiro, e de sabor francamente adocicado. Sua densidade é representada por 1,28 na tempe- ratura de 15°, e o seo ponto de ebullição chega a 285°. Solúvel em todas as porporções n agua, e no álcool absoluto, a glycerina parece não sel-o no ethcr, nos oleos gordurosos, e nas essencias; dissolve comtudo um grande numero de substancias igualmente solúveis n'agua ou no álcool, como os alcalis, os chloruretos de potássio, de sodio, de cálcio, os azotatos de soda, de prata, e os sulfatos de potassa, de soda e de cobre. Fallemos agora da historia chimica d'este corpo. Os recentes progressos da chimica organica teem feito reconhecer a gly- cerina como um álcool, não só por suas propriedades geraes, si não também por sua composição. A theoria que desenvolvemos acerca da constituição dos corpos gordurosos, como etheres d'este principio, parece de algum modo confirmar esta opinião. Com effeito, não ha composto orgânico ternário que se não derive do álcool propriamente dito. Afora os carburetos de hydrogenio, corpos bi- nários, congeneres evidentes do mineral inorgânico também binário, e que servem de ponto de partida para a formação d’este principio, todos os outros são productos directos ou indirectos d'esta substancia. Um facto geral, porém, e uma relação commum entre a glycerina e todos os ácidos monobasicos fizerão-na ser classificada no numero dos álcoois polyatomicos: ao passo que o álcool ordinário e seos analogos, homologos 11 ou isologos, podem apenas unir-se em uma só proporção e em equivalentes iguaes com os ácidos de uma só molécula basica para formarem a classe dos etheres compostos neutros, a glycerina ao contrario une-se com os mesmos ácidos segundo muitas relações, dando também origem a muitos compostos neutros. Estabelecida esta relação, convinha determinar o numero d estes com- postos, e em realidade o Sr. Berthelot, por uma serie successiva de obser- vações e experiencias acuradas demonstrou a não mais desejar que esta substancia podia formar com os ácidos tres ordens de combinações, isto é, que uma, duas ou trez moléculas de um acido monobasico podião reagir sobre um só molécula de glycerina, podendo dar origem a trez compostos differentes com separação de uma, duas ou trez moléculas d’agua, e que em ultima analyse, esgotada ou não a sua capacidade de saturação, estes corpos neutros erão para ella o que os etheres compostos neutros repre- sentavão para os álcoois monoatomicos. Resultado algum podia ser mais positivo; o caracter de um álcool tria- tomico e ao mesmo tempo triacido estava pela primeira vez assignado a esta substancia, e d’est’arte constituída a sua verdadeira formula chimica. Deduz-se, pois, de todos estes factos, e á fórma de synopsc, que um só equivalente de glycerina gosa por sem duvida nas reacções do mesmo papel que trez equivalentes de um álcool monoatomico, representa, por assim dizer, trez equivalentes do álcool vinico ou ordinário, intimamente unidos e in- separáveis. Por um estudo comparativo não será difficil provar esta proposição. Apresentemol-o. O álcool ordinário, combinando-se com os ácidos, formão etheres com- postos, como o ether acético: Ci H4 (H2 o2) -f C4 H4 O4 = C4 H4 (C4 H4 O4) + H* O2; a glycerina, álcool triatomico, combinando-se por sua vez com os ácidos, fórma lambem etheres, como a acetina: C6 H6 O4 (II2 O2) + C4 H4 O4 = C(: Htí O4 (G4 II4 O4) + H2 O2. Da combinação do álcool vinico com os álcoois resultão elheres mixlos, como o etlier ethylmethylico: C4 H4 (H2 O2) + C2 H4 O2 = G4 H4 (C2 H4 O2) + H2 O2; da combinação da glycerina com os álcoois resultão também por sua vez os etheres mixtos, como a ethylina: C6 H6 O4 (H2 O2) + C4 Hc O2 = CG H6 O4 (C4 IIfi O2) + H2 O2. O álcool ordinário combina-se com o ammoniaco, formando alcalis, como a ethylammina: C4 H4 (H2 O2) + Az H3 = C* H4 (Az H3) + H2 O2; a glycerina combina-se também com o ammoniaco, formando alcalis, como a glycerammina: C6 H6 O4 (H2 O2) + AzH® = C6 H6 O4 (AzH3) + H2 O2; em todos os mais phenomenos de desbydratação veríamos ainda que a gly- cerina acha-se subordinada ás mesmas relações de formulas, que o álcool ordinário. Quem attentar, porém, para esse genero de reacções, perceberá que esta substancia tem feito o simples papel de um álcool monoatomico: com effeito, só um de seos elementos foi posto em actividade. Pelo processo mesmo de desbydratação a glycerina dá outros derivados, isto é, fornece corpos mui differentes d’esse primeiro genero, por nós apon- tado; e em taes casos as transformações que ella soffre, representão, por assim dizer, a somma de duas ou tres reacções exercidas sobre dous ou trez equivalentes do álcool ordinário: C6 H4 O2 (2 H2 O2) -f 2 HC1 = C6 H6 Cl2 O2 + 2 H2 O2 — Dichlorhydrina Cr- H2 (3 H* O2) + 3 HC1 = C® H3 Cl3 4- 3 H2 O2 —Trichlorhydrina N’estas circumstancias é facil assegurar-se de que dous ou trez dos seos elementos reagirão concumitantemente para a producção do phenomeno. Quando sabemos, finalmente, por outro lado, que as relações fundadas entre os phenomenos de oxydação, de deshydrogenação e de reducção são as mesmas em ambos os corpos, nenhuma duvida pode sub- sistir de que a glycerina, álcool triatomico, deve representar, e de facto representa, a fusão intima, a união inseparável de trez moléculas do álcool ordinário, e conseguintemente de um álcool monoatomico. Levado mais longe este parallelo, que sem contestação alguma constitue a base fundamental para o conhecimento legitimo d’essa classe de álcoois polyatomicos, reconhece-se que a glycerina apresenta relativamente ao ál- cool vinico as mesmas relações de composição que o acido azotico na chi- mica mineral com referencia ao acido phosphorico ordinário. Nem ha que duvidar: ao passo que o acido azotico só fórma com as ba- zes ou oxydos melallicos uma unica serie de saes neutros: a dos azotatos monobasicos, — o acido phosphorico produz com os mesmos oxydos trez se- ries distinctas de saes também neutros: os metaphosphatos monobasicos, os pyrophosphatos bibasicos, e os phosphatos tribasicos. As formulas seguintes vão dar conta exactamente de todas estas reacções: Az 05, II 0 -/- Ag 0 = Az 0,5 Ag 0 -/-II0 Ph 0,5 II 0 -i- Ag 0 = Ph 0,5 Ag 0 -i-HO Ph 0,5 2 U 0 -i- 2 Ag 0 = Ph 0,5 2 Ag 0 -/- 2 H 0 Ph 0,5 3 HO -l- 3 Ag 0 = Ph 0,5 3 Ag 0 -/- 3 H 0 C4 H4 (H2 02) -1 - C'< H4 04 = C4 H4 (C4 H4 O4) -1 - 112 02 ' C«;H«04 (11202) -I- C4 H4 O4 = C®116 04 (£41(4 O4) -|- If2 ()2 C® H402(2112 02).I- 2 C4114O4 = C® 11402(2 £4R4 O4) -1-211202 v C® H2 (3 H20 2) -1 - 3 £4114 04 = £6 R2 (3 C4 \\4 O4) -1 - 3112 Q2 Dentre os compostos da glycerina vê-se, pois, que o primeiro resulta da combinação de um só equivalente d’ella com um só equivalente de acido acético com eliminação de dous equivalentes d’agua — corresponde ao meta- phosphato de prata; o segundo resulta da união de dous equivalentes da mesma substancia com dous do mesmo acido com separação de quatro mo- léculas d’agua — corresponde ao pyrophosphato da mesma base; o terceiro finalmentc, procedendo dajuncção intima de ires equivalentes de glycerina com trez de acido acético e com eliminação de seis equivalentes d’agua é analogo — ao phosphato de prata ordinário ou Iribasico. Nunca considerações de tanto alcance forão suggeridas na sciencia, nunca theoria alguma representou melhor e mais rigorosamente a verdadeira ex- pressão dos factos consummados. Consequências de grande valor podem ser inferidas d'este principio, por assim dizer, capital; e de certo não resta a menor duvida de que esta sub- stancia, quando sob a acção simultânea de dous ou mais ácidos possa for- mar etheres glycericos de muitos radicaes ácidos. A glycerina combinando-se ao mesmo tempo com os ácidos chlorhydrico e bromhydrico, engendra a chlorhydro-bromhydrina, e com os ácidos acético, chlorhydrico e bromhy- drico dá lugar á aceto-chlorhydro-bromhydrina, como bem deprehende-se das seguintes equações: C6 J4 02 (2 H2 02) -I- H Cl -i- II Br = C® H* 02 (II Cl) (II Br) -i- 2 R2 Q2 C® H2 (3 H2 02) -l- C* p 04 -i- H Cl -i- H Br = C® H2 (C4 IP 04) (II Cl) (H Br) -i- 3 ll* 02 Estes corpos são considerados como etheres mixtos, e nJesta ultima equa- ção a capacidade de saturação do álcool triatomico acha-se completamente esgotada. Poderíamos proseguir em outras considerações acerca d'esta theoria, mas entrando já no estudo da acção dos diversos reactivos sobre esta sub- stancia, melhor conheceremos de outras particularidades (1). Acção do calor.—A glycerina, quando no vasio ou sob a influencia de uma corrente de vapor d’agua, distilla sem alteração. Nas condições or- dinárias, porém, ella decompõe-se, se deshydratando, e dando logar á for- mação de compostos menos voláteis, como a glycerina anhydra ou digly- ceride, (C6 H7 O3)2 ou C6 II2 (H2 O2) (H2 O2) C8 H8 O6, e polyglycerides em estado de condensação (Berthelot). f1) Queremos fallar da theoria ou antes dos princípios geraes que presidem á formação das funcções mixtas. Após isso sobreveem a acroleina, diversos gazes combustíveis e produ- ctos empyreumaticos, derivados analogos aos que dão os ácidos gordurosos nas mesmas circumstancias. A acroleina, denominada ainda — aldheyde ally- lica, differe apenas da glycerina ou dos corpos gordurosos neutros pelos elementos de 2 H2 O2: C6 H8 0° — H4 04 = C6 II4 O2 Todos esses phenomenos achão sua explicação no maior ou menor grau de temperatura e de pressão. Acgão do hydrogenio. — Conforme a theoria que acabamos de expender, é facil indicar os productos que esta substancia deve fornecer, quando sub- mettida á acção doesse reagente. Dous casos podem dar-se: ou bem a glycerina troca um, dous ou todos os equivalentes d’agua pelos respectivos do hydrogenio, ou esta reducção não é simples, isto é, pode ser ao mesmo tempo acompanhada de deshy- dratação; haja vista para as seguintes equações substitutivas: Simples reducção Glycerina Cs H2 (H2 O2) (H2 O2) (H2 O2) Propylglycol C5 H2 (H2) (H2 O2) (H2 O2) Álcool propvlico Cc H2 (H2) (H2) (H2 O2) Hydrureto de propylene.... C6 H2 (H2) (H2) (H2) Reducção e deshydratação Glycerina C‘ H2 (H2 O2) (H2 O2) (H2 O2) Álcool allylico C« H2 (H2) (H2 O2) ( — ) Allylene C6 H2 (H2) ( —) ( —) Propylene...' C6 H2 (H2) ( H2) (— ) Á vista destas reacções, não podemos prescindir de apresentar n’este momento as bellas razões, trazidas na obra elementar do Sr. Berthelot, e que conflrmão de modo convincente esta previsão. 16 H" Br O4 Monobromhydrina C6 H8 O6 + C4 H4 O4 — H* O2 = C10 H10 O8 Monoacetina. Estes corpos são neutros, e conservão para a glycerina as mesmas relações que os etheres bromhydrico ou acético para o álcool ordinário; em uma segunda serie, porem, dous equivalentes dos mesmos ácidos, e até de áci- dos difíerentes podem unir-se a um de glycerina, formando compostos com eliminação de quatros equivalentes d’agua: C6 H8 O6 + 2 HBr — 2 H2 0*= C6 H6 Br2 O2 Dibromhydrina Cfi H8 O6 + 2 C4 H4 O4 — 2 H2 O2 = C14 H12 O10 Diacetina Cc H8 06 -f-G4 H4 O4 H Br — 2 H2 O2 = C10 H9 Br O6 Acétobromhydrina. Na ultima serie ha perda de seis equivalentes d’agua, visto que os com- postos resultantes proveem da juncção de trez equivalentes do mesmo acido, ou de dous ácidos que sejão distinctos, e até de trez ácidos differentes: £6 H* 06 -T- 3 11 Br—3 H2 O2 = C6 II5 Br8 Tribromhvdrina C8 ll8 06 -i- 3 Cl Hl 04 — 3 ll2 02 == C48 ll44 042 Triacelin» f« H8 06 -T- i C4 P 01 -i- H Br —3 H2 O2 == C44 H44 Br 0» DMcétoliramhjdrina C6 H8 0fi -i- Cl n4 0 1 -i- H Cl -i- II Br — 3 ll2 O2 = C40 ll8 Cl Br O-4 Acétochlorhtdrobromlijdriíu Conseguintemente, em todas estas reacções os elementos d’agua na for- mula da glycerina forão eliminados pelos respectivos equivalentes ácidos, Apresentemos agora por meio também de formulas as combinações desta substancia com um acido polybasico. Tomemos, como exemplo, um acido bibasico. Em geral um acido d’esta natureza, unindo-se a um equivalente de gly- cerina, engendra combinações monobasicas, bibasicas ou tribasicas conforme as suas proporções: C6 H2 (H2 O2) (H2 O2) (S2 H2 O6) Acido glycerisulfurico (monobasico) C6H2 (H202) (C8HG012) (C8H6012) Acido glyceriditartrico (bibasico) C6 H2 (C8 H6 O12) (C8 HG O12) (C8 H6 O12) Acido glyceritritartrico (tribasico) Um acido bibasico pode ainda combinar-se com dous equivalentes de glycerina. N\*ste caso ha formação de trez compostos obtidos pela juncção intima do dous equivalentes d’esta substancia como um, dous ou trez do acido bibasico. Poderíamos fazer as mesmas observações acerca dos ácidos tribasicos, quadribasicos, etc.; todavia, o que temos expendido basta para avaliar-se da acção importantíssima dos ácidos sobre esta substancia. Com relação aos álcoois monoatomicos, trez são os typos d’esta combina- ção, segundo deduz-se da theoria adoptada; existindo também combinações mixtas, derivadas ao mesmo tempo de um acido e de um álcool, Eil-as: CG H;2 (fU 02) (H2 0"-) (C4 H6 O2) Monocthylina CG Ii2 (H2 O2) (C* HG O2) (C4 HG O2) Diethylina CG II2 (C4 Hg O2) (C4 HG O2) (C4 Hg O2) Triethylina, Passemos ao estudo dos etlieres glycericos mais importantes. il Não encetaremos uma exposição completa sobre estes etlieres; fallaremos somente d aquelles, de cuja união resultão os corpos gordurosos naturaes. Os compostos glycericos, que achão-se mais frequentemente nos tecidos das plantas ou das animaes, são: a stearina, a margarina e a oleina, ver- dadeiras combinações da glycerina com os respectivos ácidos gordurosos. Estudaremos de preferencia estes trez corpos. Btearinas.—O acido stearico fórma com a glycerina trez combinações neutras: a monostearina, a distearina e a tristearina. Segundo o Sr. Berthelot, obtem-se a monostearina, Ce H2 (H2 O2) (H2 O2) (C36 iqao o1), aquecendo-se, na temperatura de 300° e durante trinta e seis horas em um tubo fechado á lampada, partes iguaes de glycerina e de acido stearico. Após o resfriamento abre-se o tubo, separa-se a parte solida quo sobrenada o excesso de glycerina. Essa porção solida encerra o composto neutro e o excesso de acido gorduroso não combinado. Esta mistura fundida é addieionada de uma pequena quantidade deether e de hydrato de cal, mantendo-se-a na temperatura de 100°, e durante um quarto de hora. O excesso de acido une-se completamente á cal nestas condições, em quanto a stearina fica separada. Feito isso, tracta-se pelo cther em cbullição, e separando-se pela evaporação este dissolvente, obtem- se a monostearina. É uma substancia branca, muito pouco solúvel no ether frio, demasiado solúvel no ether fervente, cristallisa em agulhas bi-refringentes e muito pe- quenas, as quaes se agrupão em forma de grãos arredondados. Funde-se a 61°, e solidifica-se a 60°, formando uma massa dura c quebradiça, simi- Ihante ã cera. Prepara- se a distearina, O H2 (H2 O2) (C36 H36 O4)2, aquecendo-se tam- bém partes iguaes de glycerina e de acido stearico a 100°, e tratando-se depois o producto pela cal e pelo ether. como procedeo-se para a mono- stearina (Wurtz). É um corpo branco, crislallisado em agulhas microscó- picas. Funde-se a 58°, e solidifica-se a 55°. Aquecendo-se a monostearina a 270°, e durante trez horas em um tubo scellado com quinze ou vinte vezes seo peso de acido stearico, obtem-se a tristearina, OH2 (C36 H3G O4)3. Procede-se depois á sua purificação por meio da cal e do ether. Pouco solúvel no ether, mesmo em ebullição, e menos ainda no álcool, a tristearina funde-se a 71°, e solidifica-se a 55°. Este corpo, idêntico á stearina natural, predomina no sebo e na gordura do carneiro; attendendo- se, porém, ás suas propriedades physico-chimicas, observa-se que embora sejão ellas as mesmas, quer em um, quer em outro corpo, todavia a sua composição é differente: ao passo que o acido fornecido pela saponificação do sebo funde-se a 66° ao máximo, o acido stearico da stearina artificial tem o seo ponto de fusão a 70°. Talvez seja isso devido a que até hoje se não tenha podido obter a stearina natural em um estado de pureza absolu- ta: é o que resulta das analyses e observações dos Srs. Heintz e Duffy. Margarinas ou palmitinas.—As mesmas combinações que vimos o aci- do stearico contrahir com a glycerina, promiscuamente contrahe o acido margarico, outrora denominado palmitico: a monomargarina, a dimargari- na e a trimargarina. Todas estas substancias teem o mesmo methodo de preparação e as mesmas propriedades geraes que as stearinas. Dispensa- mo-nos de reproduzil-os. A primeira, C6 H2 (H2 O2) (H2 O2) (C32 H32 O4), funde-se a 58° e solifica- se a 45°; a segunda, C6 H2 (H2 02) (C32H32 O4)2, funde-se a 59° e solidi- fica-se a 51°; e a terceira, C6H2 (C32H 32 0 4)3, a 61° e a 46° correspon- dentemente. A trimargarina ou tripalmitina, que é analoga á margarina natural, ex- ceptuando os diversos phenomenos relativos ao ponto de fusão, por isso que esta não tem podido ser também obtida completamente pura, acha-se contida na maior parte das gorduras e dos oleos. É em geral dos oleos de oliveira e de palma que se a extrahe, podendo- se também extrahil-a da gordura do homem. É ella muito mais solúvel que a tristearina. Conforme a opinião authorisada de alguns chimicos, as cêras parece en- cerrarem dipalmitina. Oleinas.—Pela acção também do acido oleico sobre a glycerina engen- drão-se trez combinações: A monoleina C6 H2 (H2 O2) (H2 O2) (C36 H34 O4) A dioleina C6H2 (H202) (C36 H34 O4)2 A trioleina C6H2 (C36H34 04)3 Obtem-se a monoleina quasi do mesmo modo que a monostearina: é uma mistura de acido oleico puro e de glycerina em excesso, em que eleva-se a temperatura até 200° durante dezoito horas. 0 tubo, porém, que contiver esta mistura deve ser previamente cheio de gaz acido carbonico para pre- venir a acção do oxygenio do ar sobre o acido oleico, e depois sobre a oleina. Purifica-se este corpo segundo o processo já descripto com relação ás outras substancias, porém evitando sempre o contacto do ar. A monoleina é um liquido neutro, de consistência oleosa, amarellado, sem cheiro e sem sabor. De densidade de 0,947 na temperatura de 21°, ella espessa-se lentamente entre 15 e 20°, produzindo uma massa molle, misturada de grãos cristallinos. Quando submettida á influencia do calor, ella pode destillar no vasio barométrico; aquecida ao ar livre se decompõe com producção de aldheyde allylica. A dioleina obtem-se: ou aquecendo este primeiro producto com cinco ou seis vezes seu peso de acido oleico durante algumas horas, e na temperatu- ra de 250®, ou aquecendo-se a oleina natural com a glycerina durante vin- te e duas horas e na temperatura de 200°. É um liquido neutro, de 0,921 de densidade a 21°, e que começa a cristallisar entre 10 e 15°. A trioleina prepara-se como a stearina. É um liquido neutro, sem chei- ro e sem sabor; a 10° e mesmo abaixo desta temperatura conserva-se nes- te estado, sua densidade acha-se comprehendida entre 0,92 e 0,85 a 100°. Insolúvel n agua, pouco solúvel no álcool, miscivel com o ether e com o sulfureto de carbono, a trioleina, quando submettida á distillação secca, decompõe-se, dando lugar á producção d’acroleina, de ácidos gordurosos voláteis, de acido sebacico e de carburetos gasosos, productos derivados já da glycerina, já do acido oleico. A oleina, exposta ao ar, oxvda-se pouco e pouco, torna-se acida e de 23 cheiro rancido, adquirindo ao mesmo tempo propriedades altamente oxy- dantes, analogas ás da essencia de terebenthina quando nas mesmas condi- ções. Com a continuação a absorpçao do oxygenio se vai tornando maior, e dando lugar á formação de acido carbonico e de diversos outros productosí estes phenomenos são devidos ao acido oleíco. Misturada com o acide sulfurico concentrado, ella converte-se em acido sulfoleico e acido sulfoglycerico (Fremy). Finalmente, com o acido azotosó ou com o nitrato acido de mercúrio, ella transforma-se em elaidina, sub- stancia solida, cristallina, fusivel a 32°, e menos solúvel nos dissolventes que a oleina. A trioleina é quasi analoga á oleina natural. Quanto ao modo de preparação dos outros etheres glycericos mais im- portantes, como as butyrinas, as valerinas, as acetinas, as chlorhydrinas, as bromhydrinas, etc., basta dizermos que todos elles se obteem directamente pela união dos respectivos ácidos com a glycerina; no entanto estas combi- nações se não podem effectuar de modo completo, a menos que sejão feitas em vasos fechados, e sob a acção de uma temperatura mais ou menos ele- vada. Em geral são completas a 200°. Estas considarações são egualmente applicaveis aos casos em que se faz actuar sobre a glycerina dous ou mais ácidos simultaneamente, como sejão os ácidos chlorhydrico e sulfurico respectivamente ao acido butyríco; de modo que, contrario ao que succede na preparação dos etheres dos álcoois propriamente ditos, não deve-se empregar estes ácidos como auxiliares na formação destes corpos. TERCEIRA PARTE DECOMPOSIÇÃO DOS CORPOS GORDUROSOS NEUTROS, SAPONIFICAÇÃO PROPRIAMENTE DITA I As combinações glycericas, que acabamos de passar em revista, e que constituem por seo conjuncto todos os corpos gordurosos naturaes, sendo submettidas á influencia directa e immediata de diversos meios, desdobrão- se mais ou menos rapidamente em seos elementos com absorpção d’agua: glycerina e ácidos gordurosos; extendendo-se esta mesma propriedade a to- dos aquelles compostos de obtenção artificial. São vários os processos por que chega-se a esse resultado; de todos po- rém, o que melhor e mais satisfactoriamente se presta, é o do tractamento de qualquer gordura pelos alcalis, ou pelos oxydos de chumbo, de cal, de zinco, de stroncio, de bario, etc., em presença de uma certa quantidade d'agua. É esta a operação que mais especialmente se denomina — saponificação. O desdobramento destes corpos effeclua-se também mui facilmente por meio do vapor d'agua sobremaneira aquecido, isto é, em uma temperatu- ra de 300°. Este processo é usado em Inglaterra para a preparação da gly- cerina em grandes quantidades. Os ácidos energicos, como os ácidos sulfurico, chlorhydrico, etc., produ- zem de igual modo a soponificação das gorduras, e tanto mais rapida quanto mais concentrados. Em taes circumstancias o acido sulfurico contrahe com- binações com os elementos primordiaes destas substancias: de um lado re- sulta o acido sulfo-glycerico, de outro ácidos sulfo-stearico, sulfo-margarico, e sulfo-oleico (Fremy). É o que chama-se saponificação sulfurica. Não é menos notável a acção de certos e determinados fermentos na producção d'este phenomeno: com o concurso do ar lmmido elles operão a separação dos ácidos e da glycerina, que pela continuação oxydão-se, tornan- do-se de sabor rançoso. Com relação ao álcool, depois de longo tempo e de uma alta temperatu- ra os corpos gordurosos decompõem-se em parte com formação de etheres: esta reacção é limitada por uma acção inversa da glycerina. Quanto ao ammoniaco, a sua acção é a mesma que sobre os etheres; for- ma-se um amide com regeneração da glycerina: fmalmente, ha reacções acom- panhadas da destruição da própria glycerina; taes são a acção do calor e as dos agentes oxydentes ou reductores. II A saponifieação dos corpos gordurosos por meio de uma dissolução al- coolica de potassa ou de soda faz-se quasi que do modo iustantaueo, for- mando-se uma mistura intima entre aquelles corpos, a agua e o álcool. Pois bem: a combinação entre o alcali e o acido gorduroso é o que se denomi- na sabão, permanecendo a glycerina na lixivia alcalina quando é esta empre- gada em grande excesso. Todas as bases ou oxydos metálicos produzem este composto, porém sós a sós os sabões alcalinos são solúveis, e por isso mesmo os únicos que servem também aos usos ordinários da vida. A potassa fornece em geral sabões molles, os de soda são duros; na preparação, porém, quer de uns, quer de outros, convém que a agua empregada não seja carregada de saes calcareos ou magnesianos.. Os sabões alcalinos, sendo solúveis n’agua, são delia precipitados pelo cblorureto de sodio; os carbonatos alcalinos dão também esta precipitação, visto que os mesmos sabões são insolúveis nas soluções salinas concentradas. A alguns traços de sulfureto de ferro devem os sabões a côr azulada que apresentão, e esta especie, como outras de marmorisação, é um signal certo de que elles não encerrão mais de 30 para 100 d’agua, porque os sulfuretos metallicos que constituem estes veios, além desta quantidade d’agua depõem-se com muita facilidade, não podendo portanto incorporarem-se a massa saponificada; todavia ha sabões completamente brancos. O cheiro especial, que alguns destes compostos apresentão, provém di- rectamente do aroma contido naturalmente nos oleos empregados na sua confecção, ou de um oleo essencial que põe-se na pasta no momento em que é ella extravasada para os moldes ou fôrmas. É pois na saponificação das gordaras pelos alcalis que se obtem os oleo- margaro-stearatos de base respectiva, e só n este facto funda-se a fabrica- ção d’estes compostos. Não esqueçamos que os emplastros propriamente ditos são constituidos essencialmente por um sabão de chumbo: se os pre- para tractando directamente as gorduras pelo lithargyrio. Outra industria não menos importante é a das velas de stearina; é ella uma das mais ricas applicações da chimica organica á industria e á econo- mia domestica. Não descreveremos successivamente as differenles operações que se pra- ticão n'este genero de fabricação; basta dizermos que consiste ella na sapo- nificação do sebo pela cal até a saturação dos ácidos gordurosos. Este pro- cesso, indicado pela primeira vez em 1829, pertence aos Srs. Milly e Motard, 26 Depois d esta saponificação, o sabão calcareo é decomposto pelo acido sulfurico, e a mistura que resulta, sendo submettida á uma forte compres- são entre laminas, a principio frias, depois aquecidas, deixa passar o acido oleico, ficando os ácidos solidos—-stearico e palmitico. Este processo acha-se hoje modificado de modo mui vantajoso, visto que, diminuindo-se a quantidade de cal empregada, diminuiu-se conseguintemen- te a do acido sulfurico para a formação do sulfato de cal. A elevação de temperatura até 170 ou 180° compensa satisfactoriamente esta diminuição. QUARTA PARTE ESTUDO PARTICULAR DOS OLEOS, E CORPOS GORDUROSOS NEUTROS I Terminaremos este nosso trabalho com a lista dos principaes corpos gor- durosos naturaes, apresentando conjunctamente suas propriedades physico- chimicas, modo de extracção e usos; todavia julgamos conveniente dizer al- gumas palavras acerca da acção do ar sobre os oleos. Todos os oleos expostos ao ar alterão-se pela absorpção lenta e gradual do oxygenio: ao passo que uns espessão-se e acabão por transformarem-se- em uma massa transparente, amarella, de alguma elasticidade, e tendo a apparencia de verniz, todo isso resultante da acção do oxygenio sobre uma especie particular de oleina, que elles encerrão; outros ao contrario perma- necem líquidos, adquirindo todavia um sabor rancido. Os primeiros constituem a classe dos oleos siccativos, os segundos a dos oleos gordurosos propriamente ditos, ou não siccativos. N’estes últimos ob- serva-se ao mesmo tempo um desprendimento do oxygenio. Já demos a ex- plicação destes factos quando falíamos da acção deste metalloide sobre a glycerina. II l.° Oleo de oliveira, vulgarmente chamado azeite doce.—É extrahi- do por expressão do fructo da oliveira (Olea europea), de Linneo, familia das Oleaceas. O oleo virgem, que é o expresso das azeitonas que não estive- rão de salmoura, nem forão salgadas, é ligeiramente esverdeado, de sabor agradavel e suave, cheirando á azeitona. Sua densidade ô de 9,919 a 12° e de 0,911 a 25°. Espessa-se um pouco abaixo de 0°. Serve na medicina e é de uso domestico. 2.° Oleo de amêndoas doces.—É extrahido das sementes do (Amygda- lus communis), de Linneo, da tribu Amygdaleas, familia das Rosaceas. É amarello, muito fluido, sem cheiro, de sabor agradavel, pouco solúvel no álcool, muito solúvel no ether, e concreta-se a 25°, rançando facilmente em contacto do ar. Sua densidade é de 0,918, tomada a 15°. É de uso em medicina e na perfumaria. 3.° Oleo de rícino, vulgarmente cirmado oleo de mamona.—É o oleo expresso das sementes do carrapateiro (Ricinus communis), de Linneo, fa- milia das Euphorbiaceas. Quando de boa qualidade, elle é branco ou li- geiramente corado, espesso e mesmo viscoso. De cheiro nauseoso, o seo sabor é desagradavel, mas sem acrimonia. Sua densidade é de 0,926 a 12°. Dissolve-se facilmente em o seo volume de álcool absoluto, proprie- dade que o distingue dos demais oleos. Encerra ácidos especiaes, e em maior quantidade o acido ricinolico, C36II3íOG. Fornece, pela distillação, aldheyde oenanthylica e ácidos gordurosos. Com a potassa e com o con- curso simultâneo do calor decompõe-se em álcool caprylico e acido sebacico. É usado em medicina como purgativo brando, na dóse de 30 a 50 grammas. 4.° Oleo de croton tiglium.—Este oleo extrahe-se das sementes do Cro- ton, que correm no commercio com o nome de pinhões pequenos da índia, grãos das Molucas, sementes de Tilly, Crown tiglium de Linneo, familia das Euphorbiaceas. É de uma côr amarello-alaranjada, da consistência do de amêndoas doces, de cheiro extremamente desagradavel e de sabor mui acre. Dissolve-se bem no álcool e no ether. Os Srs. Pellelier e Caventou tirarão d'elle o acido crotonico. É de effeitos promptos e seguros na dóse de 1 a 2 goltas. õ.° Oleo de linhaça.—É cxtrahido das sementes do linho ordinário, (Linum usitatissimum) de Linneo, familia das Lineaceas. Sua densidade é de 0,936 a 12°. Concreta-se a 15°, torna-se rancido quando é obtido a quente; dissolve-se em 40 partes de álcool frio, 5 partes de álcool fer- vente c 6 de ether. Contém o acido Unoleico, C32 H28 O4. É o typo dos oleos siccativos. Tem grande emprego nas industrias. 6.° Oleo de palma.—É extraindo dos fructos do Ealis guinecnsis, família das Palmeiras. É liquido e de côr amarella. Funde-se a 27°. Na sua composição domina a tripalmitina. De pouco ou nenhum uso em medicina, é empregado na fabricação dos sabões duros, e das velas. 7.° Oleo de fígado de bacalhau.—Extrahe-se dos fígados de diversos peixes, pertencentes ao genero Gadus, principalmente do bacalhau (Gadus morrhm). Este oleo é amarello mais ou menos escuro, de cheiro e sabor nauseoso. Em Inglaterra prepara-se uma especie d’este oleo sem côr, agi- tando-se para isso o oleo corado com uma a gua alcalina, e descorando-se-o pelo carvão. Sua densidade a 17° varia entre 0,928 e 0,929. Contém chlorureto, bromureto e iodureto de potássio, margarina, oleina, uma sub- stancia escura particular (