1883 fetó Sii|i5óSlií ,:v;; /||ééÉÍ ifes 1:.'V-'". ^Mm? S^T: !!'■ •':■■':•,•.', NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE í NLM DD137bôtD 1 f«#|.' f;. .^»>-;*2--,. y*tv.-. v>~ >Tf>£ SURGEON GENERAL'S OFFICE LIBRARY. «"*«. Section,. .No. /ôjórs- -^-'.S «.«ir • -w *r» . .•' • '-M í \8. -V NLM001376861 • ; E ^ SEU TRATAMENTO PELO ir. Sebastião JBattoso »»i ÂPR 17 1300 ✓ » RIO DE JANEIRO Typographia Universal de LAEMIUEKT «Sc <:. 71, Rua dos Inválidos, 71 1889 rvrmex INTRODTJCÇAO A serpente ! Animal terrível que, pronunciar o seu nome é horripilar-nos de repulsão e pavor. Com razão anathe- matisada pela humanidade desdeas lendas do catholicismo ins- pirou sempre o mais vivo terror a ponto de,na antigüidade, ser feita Deus, pelos homens que, por meio de offerendas, procu- ravam aplacar-lhe a cólera e não serem dizimados por ella. Assim aconteceu com o próprio povo de Deus, quando victima dos constantes ataques do terrível réptil, e Moysés implantou no deserto, para cural-o, uma serpente de arame. Sob o mesmo caracter foi a serpente idolatrada na Grécia, como nos attesta Fergusson (1): na Itália, segundo escreveu Vallerius Maximus (Serpente de Esculapio); na índia e Indo- china, como se vê das esculpturas dos monumentos boudhicos (Serpente Naja); no Egypto, como está figurado nos seus mais antigos monumentos (entre outros o templo de Dcnderah); e, para não ir mais longe em citações, mencionemos, na actua- lidade, a África, e póde-se aífirmal-o, uma parte da índia por intermédio dos seus Fakirs. (1) J. Fergusson—Leculte de Varbre ei desserpents. (Revue des cours littéraires— 28 de Agosto de 1869). 1 1888—B Não assim com o espirito esclarecido dos povos cultos hodiernos que não confiam no reconhecimento da serpente, muito que seja obsequiada, ao contrario, fazem-lhe guerra franca e terrível. E' assim que na índia ingleza, (nos departamentos de noroeste e no Oudh) ha os kanjars, caçadores de serpentes, pagos pelo governo a 2 rupias mensaes (approximadamente 2$000) e mais 200 réis por cada cabeça que passe de 20 por mez, apresentadas aos commissarios ern chefe a quem são dis- tribuid -s mappas coloridos das espécies venenosas. Também por uma estatística official, morreram em 1880—19,060 e em 1881—18,610 pessoas, victimas da extraordinária quan- tidade de ophidios que existem ahi. Em outros paizes diversos meios têm sido tentados. O Dr. Urueta, mencionando a existência, no seu paiz natal—a Co- lômbia, de dous pássaros—cuiebrero e guacabo, aventa a idéa de domestical-os e fazer crescer de qualquer modo o seu nu- mero (elles são muito ariscos e raros), pois vivem quasi exclu- sivamente de serpentes. No Brazil, como mostraremos no primeiro capitulo do nosso trabalho, abundam extraordinariamente as serpentes venenosas, e parecendo-nos diííicillimo, para não dizer impos- sível, acabar ou mesmo diminuir-lhes muito o numero, os meios que se nos apresentam praticaveis são de duas ordens : procurar evitar as mordeduras por precauções em cujo de- talhe não devemos entrar ou, uma vez penetrado o veneno nos nossos tecidos, aniquilai-o em seus perniciosos eífeitos. Este foi o fim que tivemos, escolhendo para assumpto de nossa dissertação inaugural as feridas envenenadas pela pecp- nha dos ophidios, sabendo, de ha muito, que um nosso — 3 — dislincto compatriota, o Dr. João Baptista de Lacerda, pro- clamava a descoberta de um medicamento poderosíssimo para taes casos; e, publicando mais um trabalho sobre o assumpto, concorreríamos para divulgar mais essa descoberta, a bem da humanidade e gloria da nossa pátria. As convicções que adquirimos do estudo que procedemos a respeito, serão ditas no logar competente. Que penosissima foi a nossa tarefa, excu- sadoé dizel-o, porque, se a luz do século tem arrebatado dos anthroscavos do maravilhoso alguns ramos da sciencia, ainda não conseguio fazel-o de todo com esta parte, dos conheci- mentos médicos, que nos occupa, onde as fábulas são tantas que, algumas, têm comsigo arrastado verdadeiros talentos ás fauces hiantes de um charlatanismo inconsciente, por isso mesmo que desculpavel. Além disto, assumpto que mais de- vera ter chamado a attenção dos médicos e que, no entanto, mais tenha sido despresado, é elle. Dividimos o nosso trabalho em três partes da seguinte maneira : PRIMEIRA PARTE—Ophiologia. Capitulo 1—Os Ophidios. Capitulo II—A peçonha dos ophidios. SEGUNDA PARTE—Feridas envenenadas pela peçonha dos ophidios Capitulo l—Symptomatologia. § I—Symptomas primitivos. § II— » secundários. 8 III - » terciarios. locaes geraes locaes geraes — 4 — Capitulo II—Marcha, duração, terminações. Capitulo 111—Anatomia e Physiologia palhologicas. Capitulo IV—Prognostico. TERCEIRA PARTE—Tratamento Capitulo I—Tratamento empírico. Capitulo II— » especifico. § I—O que seja um antidoto, um especifico. § II—Os proclamados específicos das peçonhas dos ophidios. § 111—O permanganato de potássio, estudos : A— iheoricos. B—experimentaes. C— clinicos. Capitulo III—Tratamento racional. § I—local. § II—geral. Pedimos permissão ao amigo Dr. João Paulo de Carva- lho, conhecido clinico desta corte, illustrado adjuncto da cadeira de Physiologia da Faculdade de Medicina, para aqui patentearmos profundo reconhecimento ao grande auxilio que voluntariamente se dignou prestar á confecção do nosso trabalho. PRIMEIRA PARTI OPHIOLOG IA CAPITULO 1 Oi Ophidios As Serpentes ou Ophidios são vertebrados, allantoi- dianos da classe dos reptis, de pelle escamosa, corpo alon- gado, arredondado e estreito, desprovidos de membros propriamente ditos, sem cintura escapular nem bexiga urinaria. Por estes caracteres vê-se que separamos completa- mente os Ophidios dos Saurianos e dos Batracios ; que não entra no nosso estudo a Anguinha (Anguis fragilis), que consideramos sauriano, nem as Cecilias (Cecília lombricoide, etc), que para nós é batracio. E' nosso intuito dar, neste capitulo, apenas uma idéa summaria da historia natural dos Ophidios, só dizer o estri- ctamente necessário para comprehensão do que constitue mais propriamente oassumpto de nosso trabalho, tornando-o assim tão completo quanto possivel, ao mesmo tempo sem ultrapassar-lhe os limites. — 6 — Anatomia. — 0 esqueleto compõe-se dos ossos da cabeça, columna vertebral e costellas. O craneo é sempre muito alongado, pela prolongação, para diante, dos frontaes e parietaes. Uma particularidade notável nos ossos do craneo e da face, é a extrema mobilidade que têm uns sobre os outros, resultante dahi a grande dilatação que pôde ter a bocca do animal, que assim pôde, muitas vezes, deglutir um outro em desproporção grande com o talhe apparente de suas fauces.Oosso intermaxillar éesl rei lamente ligado ao osso nasal, mas o maxillar superior, o ptervgoidiano e os palatinos são muito moveis, tanto para os lados como para diante e para traz. A raandibula inferior compõe-se de duas partes alongadas, podendo afastar-se uma da outra porque são reunidas na linha mediana apenas por feixes ligamen- tosos frouxos; são ligadas ao osso tympanico movei, este ao osso mastoidêo, que ainda por sua vez é ligado ao craneo por músculos e ligamentos. A cabeça articula para traz com a columna vertebral por meio de um só condylo. A co- lumna vertebral compõe-se de um numero considerável de ver- tebras todas semelhantes, podendo algumas vezes apresentar caracteres distinctivos não só para espécies differentes, como, no mesmo animal, para regiões diversas da columna. Cada vertebra tem para traz um só condylo que encaixa-se em uma cavidade da parte anterior da vertebra que fica atraz; além deste meio de união ha, anteriormente ao corpo,—os zygosphenos (apophyses) recebidos em espécies de cavidades— os zygantros da parte posterior do corpo da vertebra seguinte. Pois que vão da cabeça á extremidade caudal, é conside- rável o numero das vertebras, podendo attingir a 435 em um Python. As costellas, que existem em todas as vertebras, - 7 — fazem continuação com uma cartilagem pela extremi- dade livre, formando assim anneis completos que podem se dilatar; estas cartilagens são fortemente unidas ás escamas do ventre por um tecido aponevrotico; são os membros da locomoção, pois que, de verdadeiros, só existem rudimentos, mesmo assim em poucas espécies, taes como os Pteropodes e que de nada servem. A pelle elástica é cobert i no dorso por escamas pe- quenas, e por escamas compridas transversaes no ventre [gastrosteges) e na face inferior da cauda (urosteges). A cabeça é coberta por placas semelhantes ás dos Saurianos e lendo uma nomenclatura em cujo detalhe não entramos apezar de fornecerem ellas muitas vezes bons caracteres para a deter- minação das espécies. Na extremidade caudal dos Crotaes, a pelle fôrma, cornificada, anneis ocos que, roçando uns sobre os outros, produzem um ruido particular; o numero dos anneis deste chocalho não está em relação com os annos de vida, nem tão pouco com o numero das mudas do animal. Devemos mencionar aqui a lingua que serve nas ser- pentes de órgão táctil e não gustativo. Longa, delgada, fendida em dois íiletes compridos cobertos por uma substan- cia cornea, pôde o animal dardejal-a, mesmo com a bccca fechada (por um espaço inlermaxillar mediano) em todos os sentidos para explorar os corpos circumdantes. Nos centros nervosos, o cérebro é pequeno, mas a me- dula, tendo toda a extensão da columna vertebral, é relativa- mente grande. Exteriormente não se vê órgão auditivo que é bastante imperfeito; nelle não se encontra senão o caracol, faltando o conducto auditivo externo, a caixa e a membrana do lympano. — 8 — Idêntica imperfeição existe no órgão do olfacto ; as fossasnasaes são curtas, forradas por uma membrana vascular onde vão ter poucos filetes nervosos. Os órgãos visuaes, de particular fixidez, são desprovidos de palpebras e cobertos pela pelle adelgaçada até a transpa- rência, que fôrma a cada olho, como urn vidro de relógio, uma cápsula que communica com a cavidade nasal por um largo canal lacrymal. Esta pelle lambem cáe por occasião da muda,tornando-se então, durante esse tempo,o olho completa- mente opaco eesbranquiçado. kiris, muitas vezes, tem brilho particular. A pupilla pôde ser vertical ou circular. 0 apparelho circulatório consta do coração, envolvido em pericardio resistente e fibroso e situado no quarto anterior da cavidade visceral commum, é dividido em duas auriculas e um só ventriculo subdividido este em duas lojas; de duas ar- térias aortas que partem de cada uma destas lojas e vão logo se reunir em uma só artéria abdominal, das artérias carótidas direita e esquerda; da veia pulmonar-, da artéria pulmonar; das veias jugullares e cavas. No apparelho respiratório não existe propriamente la- rynge\ as serpentes não têm voz, quando muito só podem pro- duzir um silvo mais ou menos intenso, proveniente da passa- gem rápida, pelas vias aéreas, do ar impeli ido pelo pulmão. A glotte projecta-se para diante fazendo saliência no exterior, no momento da deglutição, permittindo o aclo respiratório eíTectuar-se, mesmo quando o grande volume do alimento comprima extraordinariamente esses órgãos; contribue para o mesmo fim a resistência dos anneis cartilaginosos da trachéa geralmente longa. O pulmão esquerdo é quasi sempre rudi- mentar, ao contrario do direito que toma grande proporção. — 9 — Este, muitas vezes só respira propriamente na sua parle an- terior, a posterior servindo apenas de reservatório de ar, provisão indispensável ás serpentes d'agua—Hydrophidios. O apparelho digestivo é o mais complicado de todos. Comecemos pela extremidade anterior a bocca. Os dentes são sempre retentivos e têm por fim unicamente não deixar a presa escapar. Nas serpentes não venenosas—Azemiophidios, elles existem ora em um, ora em outro maxillar somente, são os Opoterodontes. A não ser nos Uropeltis e gêneros vizinhos que não têm dentes naabobada palatina, todos os outros Azemio- phidios os têm, não só nos maxillares como nos palatinos e pterygoidianos. Elles são curvos para traz, cheios, massiços, tendo a base penetrada nas gengivas, mas simplesmente ac- collada á superfície óssea. Bastante numerosos são ás vezes, a ponto de Brehm contar 100 em um Python. Nas serpentes venenosas—Thanatophidios ou Toxicophi- dios, além dos dentes massiços e lisos de que acabamos de fallar, ha os dentes injectores de veneno, sempre curvos para traz ; são, ou simplesmente sulcados na face posterior e po- dendo existir quer no fundo da bocca—Opistoglyphos, quer na parte anterior d'esta—Proteroglyphos, ou então atravessados em todo o comprimento por um canal—Solenoglyphos. Nos ophidios mais temiveis que são os Solenoglyphos, os colchetes são implantados nos ossos intermaxillares aqui bastante desenvolvidos e moveis sobre os maxillares, mobilidade esta que permitte aos dentes, quando a serpente está calma e com a bocca fechada,voltarem para traz occultando-se no sulco gen- gival donde não saem senão nas occasiões de ataque Ainda não pára aqui a curiosidade da perfeição deste apparelho ter- rível que fazdaserpente inimigo fortíssimo: de cada lado, para 2 1888—B — 10 — traz dos chamados colchetes em exercido em numero de dois a quatro, ha um grande numero de outros no estado rudi- mentar e destinados a crescer e occupar o lugar dos primeiros quando, por qualquer circumstancia, venham a ser arrancados. As glândulas podem ser divididas em quatro grupos : Io, sub- linguaes; 2o, sub-rnaxillares ou labiaes inferiores; 3,° paroti- dianas ou maxillares superiores; 4', sub-orbitarias. « São as glândulas da terceira categoria, as parotidianas que nas ser- pentes venenosas sofírem certa modificação, tornando-se aptas para secretar veneno. Enchendo de cada lado grande parte da fossa-temporal e envolvidas em uma cápsula fibrosa que recebe alguns filetes do músculo temporal, estas glân- dulas se compõem de tubos terminados em fundo de sacco abrindo em um canal excretor commum dirigido para diante e indo ter á base dos colchetes; são comprimidas fortemente. quando o temporal e o masseter contrahem-se para fechar bruscamente os maxillares e dará dentada e por conseguinte o producto de secreção expellido mechanicamente, es- corre-se ao longo do sulco ou do canal do dente venenoso e penetra na ferida estreita e profunda, causada pela ponta acerada deste dente. Nas serpentes muito menos perigosas chamadas Opistoglyphos, que não possuem dentes sulcados senão no fundo da bocca, as glândulas venenosas são muito menos desenvolvidas confundindo-se muitas vezes com a série de glândulas labiaes ou sub-rnaxillares.» (1) Em alguns Solenoglyphos estes órgãos veneniferos são tão desenvolvidos que prolongam-se até as primeiras costellas. O pharynge não existindo propriamente, o oesophago é a (1) E. Oustalet—Art. Serpeuts do Dicc. de Dechambre. — 11 — continuação da bocca. Este conducto, muito dobrado sobre si mesmo em pregas longitudinaes, pôde, por isto mesmo, dar passagem a grandes massas de alimento. O estômago, que não passa de uma dilatação da extremidade oesophagiann, é longo, ao contrario dos intestinos que são curtos. Pela ausência do coecum, a distincção entre os intestinos delgado e grosso é muitas vezes difíicil; este ultimo abre-se, alargada a extre- midade, na cloaca, onde vão ter os canaes excretores dos órgãos urinarios e dos apparelhos destinados á perpetuidade da espécie; abre-se esta cloaca por uma fenda transversal, o ânus. O pancreasy amarello-avermelhado, é uma glândula alongada, ligada ao bacoe ao estômago em um ponto estreitado deste. O fígado, como todos os orgaos precedentes, é muito comprido—vai do coração até o pyloro ; a vesicula biliar é delle separada e tem um canal bastante longo. Coloração.— Está em geral, ern relação com o habitai e costumes de cada espécie : verde nas que vivem enlaçadas nos ramos das arvores, cor de folha secca nas que andam pelos logares sombrios das mattasetc. furtando-se deste modo, facilmente, aos olhos dos outros animaes. Pôde variar extra- ordinariamente. O typo mais bello, talvez, que possue o Brazil é a cobra-coral (Elaps corallinus), mas não serve de adorno ás moças brazileiras como diz Arthur Mangin na sua phantasia scientifica intitulada Nos ennemis, acompanhado pelo auctor do artigo—Serpents do Diccionario de Jaccoud Muda.—Os ophidios mudam de vestidura diversas vezes no anno. O descollamento começa pelos lábios, e o animal roçando por páos e por pedras completa-o, despojando-se — 12 — de uma só vez do antigo envolucro escamoso já então substituído por outro mais elegante porque mais novo. E' commum encontrarem-se estas cascas de cobra inteiras da cabeça á cauda, o que se dá raramente quando o animal está preso: nesta circumstancia a pelle é sempre rompida em diversos pontos. Por occasião da muda acredita o povo que a cobra não tenha veneno. Não é exacto; o que se dá é que ella torna-se abatida, recusando morder, fugindo mesmo dos outros animaes; é o que observámos com um jararacussú (Bothrops jararacussú), que tivemos no laboratório de physiologia da Faculdade de Medicina, é o que observam todos os erpetologistas. Depois da muda as mordeduras são muito mais perigosas: o veneno accumulara-se na glândula e então é injectado em grande quantidade. Hibernação.—Nos paizes frios, durante o inverno, as serpentes, como os outros animaes de sangue frio, refu- giarn-se em escondrijos onde ficam cahidas em uma espécie de somno lethargico, de que não saem nem para tomar alimento ; esta vida oscillante é o que se chama hibernação. No nosso clima tropical, se bem que diminua o numero das serpentes durante o inverno, porque algumas realmente se escondem, em qualquer época do anno, estamos sugeitos a encontral-as a cada passo e a qualquer hora do dia (jara- racussú) ou da noite (jararaca). Alimentação.—Consta sempre de animaes—batracios, aves, etc. Os Proteroglyphos e Solenoglyphos mordem pri- meiro a victima, esperando que esta morra para só então ser deglutida. Os Opistoglyphos vão introduzindo-a na bocca — 13 — até attingir os dentes venenosos; quando a viclima não dá mais o menor signal de vida é ingerida. Os Azemiophi- dios pequenos matam-n'as por uma demora prolongada entre os dentes, os grandes (giboias, etc.) nella se enroscam, apertam os anneis esmigalhando-a. E' notável o tempo que uma serpente pôde passar sem alimento, fazendo este facto que o povo pense que a abstinência é absoluta e que seja seu alimento o veneno. O Dr. Ladisláo Netto, director do Museu Nacional do Rio de Janeiro, refere que uma giboia (Bôa constrictor) recusava tomar qualquer espécie de alimento havia já três annos. A digestão é extremamente laboriosa e demorada. Postura.—Os ophidios, na maior parte, põem ovos e mesmo incubam-n'os, elevando-se então o calor do animal que assim mantém os ovos em temperatura relativamente alta. Estes têm uma casca apergaminhada. Outras espécies são ovoviviparas, isto é, que os ovos abrem ainda no ventre do animal, vendo-se então sahir já a prole formada. Classificação.—A classificação mais geralmente acceita e, na verdade, a melhor, sob todos os pontos de vista, é a que fazem Dumeril e Bibron na segunda edição (1853) da sua Erpetologia geral. Partindo da venenosidade ou não das ser- pentes, estes auetores tiraram os caracteres toxonomicos básicos da conformação, estruetura, distribuição dos dentes, servindo-se da conformação externa da cabeça, cauda, etc, dos costumes, para caracterisar as famílias, os gêneros e as espécies. Por esta classificação a ordem dos Ophidios é dividida em cinco sub-ordens, sendo as duas primeiras — 14 — completamente desprovidas de peçonha, a terceira raramente perigosa, a quarta bastante e a quinta muitíssimo fatal em suas mordeduras. Para evitar prolixidade, apresentamos este quadro que faz bem conhecer a classificação a que nos referimos : faltando em um ou em outro maxillar..... Opoterodontes ) J Azemiophidios todos cheios e lisos....... Aglyphodontes ) existindo / Dentes ( Hm^maxii 7 sWes™™í« fatraz.. opistoglyphos j Toxicophidios laSS Saf ',,"1 adiante ProterSg yphos ou lares /Ve s e collocados ( *** \ Thanatophidi ocos e moveis.......... Solenoglyphos ' Os naturalistas allemães reúnem os Aglyphodontes e os Opistoglyphos em uma só sub-ordem a dos Colubrifor- mes, o que apresenta o inconveniente de reunir serpentes completamente inofíensivas a outras cujas picadas são ás vezes fataes, tanto assim que elles, reconhecendo o defeito de tal classificação, subdividem os Colubriformes em C. agly- phos e C. opistoglygphos. Antes ficar, portanto, com Dumeril e Bibron. Estas cinco sub-ordens são subdivididas em muitas fa- mílias, gêneros e espécies numerosissimas, que, mencionar, seria tomar-nos um espaço enorme inutilmente. Fallemos apenas das duas ultimas sub-ordens que s3o as verdadeiramente perigosas. Aos Proteroglyphos, Dumeril e Bibron dividem em duas famílias: Conocercas (cauda conica), cujos principaes gê- neros são os Elaps e os Najas, os quaes vivem nas regiões quentes do globo, no meio das pedras; Platycercas (cauda achatada), de que os principaes gêneros são os Platures e os Hydrophidios que vivem nos mares tropicaes. Os Soleno- glyphos são lambem divididos em duas famílias: Viperianos — 15 — ou Viperideos, que não têm depressão abaixo e atraz das narinas e cujos gêneros principaes são: Acanthophidios, Peliadas, Víboras, Echidnéas, Cerastes, Echides, etc; Cro- talianos, que têm, no bordo dos lábios e adiante dos olhos, depressões e fossetas cujo uso não é ainda bem conhecido; os gêneros Crotal, Lachesis, Trigonocephalo, Leiolepido, Bothrops, Atropos, etc, são os principaes. Serpentes venenosas do Brazil.—Entre os Opistogly- phos encontramos a cobra-cipó — Coluber bicarinatus, Neuw., a limpa-matto—Coluber ceuchria, Neuw-, cujas mordeduras são quasi sempre sem máos accidentes. Entre os Proterogly- phos temos a cobra-coral—Elaps corallinus. Infelizmente, nos Solenoglyphos contamos grande numero: urutu — Bothrops urutu, Lacerda, a mais rara, porém a mais perigosa; jararaca Bothrops jararaca, extraordinariamente espalhado no Brazil; jararacussú—Bothrops jararacussú, Lac. (B. atrox, Wagler); surucucu — Lachesis mutus—Daudin (Bothrops surucucu, Wagler, Lachesis rombeata, Neuwied); surucutinga (que na lingua indígena quer dizer surucucu branco), considerada pelo Dr. Lacerda como a fêmea do surucucu; cascavel— Crotalus horridus. Para maior detalhe destas espécies brazi- leiras vejam-se os livros do Dr. Lacerda (1) e de E. Brehm (2). (1) Dr. J. B. de Lacerda— Leçons sur le venin rfes serpents du Brésil, Rio, 1884. (2) A. E. Brehm—Les reptiles et les batraciens, Paris, 1885. — 16 — CAPITULO II 1 peçonha des opUdios A peçonha ophidia é o produclo de elaboração physio- logica de um apparelho situado na mandibula superior das serpentes e capaz de, injectado nos tecidos animaes, produzir accidentes mórbidos mais ou menos graves. De cor geralmente amarella semelhante á da gemma d'ovo nas espécies brazileiras, pôde em certas outras ir até o amarello-pallido ouesverdeado. Sem ser viscoso, é um liqui- do de consistência gommosa, dessecca-se ao ar,torna-se solido, apresentando neste caso, muitas vezes, superfície vitrea, bri- lhante, quebrada— verdadeira crystallisação superficial, qui- zeram James e Mead,—pura illusão óptica, provaram alente e o microscópio. Inodoro é de sabor adstringente mas não cáustico. Ha divergência entre os ophiologistas sobre a acção das peçonhas ophidias ao papel de tournesol. «Estas divergências são devidas, muito provavelmente, ás condições diversas em que a reacção tem sido ensaiada. Kaufmann, entregue ulti- mamente a estudos accurados sobre a peçonha da vibora, no Laboratório de Physiologia da Escola Veterinária de Lyão, estudos ainda inéditos, observou que a peçonha fresca da vi- bora é sempre ácida e envermelhece fortemente o papel azul de tournesol, emquanto que depois de alguns dias de conser- vação em solução aquosa ella se limita a descorar o papel — 17 — azul.» (1) E' o liquido buccal quem lhe destróe a acidez, queé devida unicamente ao phosphato de cal,que na peçonha existe (Viaud-Grand-Marais). (2) Coagulavel pelo álcool, insoluvel no ether, é bastante solúvel n'agua, mesmo depois de secca pela exposição ao ar ou calor, communicando á solução a sua cor própria ama- rella. Conserva a actividade tóxica por muitos mezes, princi- palmente quando secca e ao abrigo do ar humido que lhe faz soffrer a transformação ammoniacal que a destróe completa- mente. Pelo calor, em uma cápsula, ferve, sécca, se carbonisa por fim desprendendo o cheiro das substancias corneas em ignição. Aquecendo a 100° a peçonha da Bothrops jararacussú, o Dr. Lacerda diz ter-lhe alterado a composição, aniquilado completamente a actividade tóxica, ao contrario de A. Gau- tier que levou a 125° a da CV>6ra-cape//oeWinter-Blyth a 100° a de outra. Para Weir-Mitchel uma ebulição prolongada não altera a peçonha do Crotalus durissus, ernquanto que a 70° a do Crotalus adimanteus perderia as propriedades tóxicas. A5 diversidade das espécies em experiência ou á das condições desta se deve attribuir o desaccôrdo ?Inclinamo-nos á ultima hypolhese, o que motivaremos d'aqui a pouco. E a necessidade da elucidação d'este facto é capital, quer no ponto de vista simplesmente especulativo, quer no ponto de vista clinico. Quando a peçonha ophidia está secca, os ácidos fortes apenas a diluem em uma pasta liquida, o que não acontece com a maior parle dos ácidos vegetaes. O acido azotico colore-a em amarello. Os ácidos azotico, chlorhydrico precipitam a (1) Arloing, in Dict. ency. des sciences médicales, 1886, art. Venín. (2) Viaud-Grand-Marais-id 1883 art. Serpents. 3 1888—B — 18 — solução do veneno em flocos que se redissolvem por um ex- cesso de acido ou ennegrecem por um pouco de acido sulfu- rico. Ha com o acido tannico um precipitado branco abun- dante que se redissolve na ammonea; com a aguachlorada precipitação abundante, com a solução iodo-iodurada também precipitado abundante solúvel em excesso de reactivo. A ana- lyse chimica da peçonha dos ophidios ainda paira no laby- rintho das divergências, ainda não disse a ultima palavra. Procedamos chronologicamente na rápida revista que faremos dos trabalhos mais importantes que têm apparecido, procurando esclarecer este ponto importante da Ophiologia. E, para tornarmos o nosso trabalho menos fastidioso aos que o lerem, poremos de lado velhas opiniões inteiramente errôneas, como a de Fontana, que considerava o veneno ophidio uma gomma animal, para mais utilmente preen- chermos este espaço com o detalhar de analyses chimicas modernas, só dignas de attenção. Destas a mais antiga e importante é a do príncipe Lu- ciano Bonaparte (1843), sobre a peçonha da vibora que assim diz elle constituída: uma matéria corante amarella ; uma substancia solúvel no álcool; albumina ou mucusque podem falhar; uma matéria graxa; saes (phosphatos chloruretos); um principio particular a que elle chamou echidnina ou viperina. Eis resumidamente o processo de que serviu-se Bonaparte para obtenção d'este ultimo corpo :— Coagula a peçonha por grande quantidade de álcool, filtra e lava o resíduo com mais álcool; o que ficou dentro do filtro — 19 — elle sécca, trata pela água distillada, evapora a solução, trata pelo ether, evapora de novo e o resíduo será constituido pela echidnina de mistura com alguns saes de que ainda se pôde separal-a, tratando algumas vezes por água acidulada por acido acetico e lavagens com álcool. Este principio assim obtido, inodoro, incolor, de aspecto gommoso, solúvel n'agua fria ou quente, tem reacção neutra. Não é uma gomma : dissolvida a quente com um pouco de acido azotico, e solidificada depois pelo resfriamento não dá acido mu- cico: é um principio azotado. Precipitada pelo álcool re- dissolve-se n'agua o que a approxima dos fermentos dos suecos digestivos, ptyalina, etc, afastando-se, entretanto, destes por precipitar-se pelo sulphato de sesquioxydo de ferro. Como a albumina, a gelatina, etc, ella tinge de violete o bioxydo de cobre hydratado,se fôr antecipadamente dissolvida n'agua com potassa. Putrefaz-se dando produetos infectos como as substancias proteicas. Aquecida com um pouco de potassa, desprende ammonea. Winler Blyth descobre, na proporção de 0,1 par 100 uma substancia ácida, cryslallisada em pequenas agulhas, muito tóxica, que elle acredita ser o principio activo do veneno ophídio, tendo se servido do seguinte meio :—Coagula a peçonha pelo álcool, filtra, secca pela evaporação o resíduo do filtro, retoma pelo acetato plumbico que dá um precipitado abundante, prelo, que se decompõe pelo acido sulphydrico ; pela evaporação obtêm-se pequenas agulhas. Weir-Mitchel por processos análogos aos de L. Bona- parte, assim considera a peçonha das Crotaes : — substancias albuminoides coagulaveis na temperatura da água fervente; — 20 — — matérias corantes verde e amarella ; — traços de substancias graxas; — saes—chloruretos, phosphatos (phosphato- ammoniaco-magnesiano, etc); — água servindo de vehiculo ; — emfim urna substancia albuminoide não coagulavei a 100°—a crotalina. Mais tarde ainda Weir-Mitchel de collaboração com T. Reichert communicaram á Academia de Sciencias de Phila- delphia trabalhos sobre algumas serpentes da Norte-America, cujos resultados eram que naquellas espécies a peçonha con- stituía-se por três substancias proteicas : pepto-peçonha, glo- bulino-peçonha, albumino-peçonha. Experimentando em pom- bos, deram como resultado ser a globulino-peçonha a mais acliva e actuar como veneno completo; a pepto-peçonha que é solúvel n'agua distillada como aquella, mas não coagulavel a 100°, ser de actividade tóxica menor, nada podendo affir- mar esses illustres experimentadores sobre o poder tóxico da terceira substancia. E' por processos mais ou menos semelhantes que os erpetologistas tèm retirado do terrível liquido de secreção das serpentes, princípios activos dando-lhes nomes derivados das espécies animaes donde provêm como—najina, elaphina etc Como classifical-os chimicamente ? Que papel repre- sentam elles perante as peçonhas ophídias, estas perante as serpentes e suas victimas? Dil-o-hemos d'aqui a pouco. D'aqui a pouco, sim, porque manifestara nossa opinião é ir de encontro á de um dos maiores vultos da chimica bio- lógica em França, o Sr. Armand Gautier; e para isso força á — 21 — discutir os seus trabalhos,mostrando,pelo menos.que elles são insuflicienles para fornecer convicção das conclusões a que chega o illuslre discípulo de Wurtz. Estudando asptomainase leucomainas A. Gautier esten- deu suaspesquizas ás peçonhas da Cobra-capello [Naja tripu- diam) e doTrigonocephalo {Trigonocephalus contortrixf). Cite- mol-o textualmente : « Retirei de umapequenaquantidade de peçonha do Trigonocephalo e sobretudo do Naja da índia, dois alcalóides que precipitam pelo lannino, reactivos de Meyer, de Nessler, iodureto de potássio iodurado e outros reactivos geraes das bases orgânicas dando chloroplatinatos e chlorau- ralos crystallisaveis,chlorhydratos solúveis ecrysta!lisados,um pouco deliquescentes.Estes alcalóides têm,além disto,a proprie- dade de dar immediatamente azul da Prússia, em licor neu- tro ou ligeiramente acido, quando tratados successivamente pelo ferricyanurelo de potássio e os saes ferricos. São pois, evidentemente duas substancias da classe das ptomainas. Mas a analogia das peçonhas com osextractos cadavericos ou urinarios vai mais longe. Ao lado destes alcalóides que con- tribuem para a acção tóxica das peçonhas das serpentes, encontra-se, pelo menos na do Naja que mais particular- mente estudei, uma substancia á qual esta secreção chimica deve suas tão temíveis propriedades. Por falta de material não pude ainda fazer-lhe o estudo completo, mas, desde já posso aííirmar que ella não é nem alcaloidica, nem albumi- noide, se altera rapidameuté nos alcalis fixos, é insoluvel no álcool e sua acção tóxica resiste a 100°e mesmo a 125°, prova evidente de que nãoé da natureza dos fermentos.» (1) (1) A. Gautier-Les alcalóides derives des maüères prot^iques sous 1'influencede Ia vie des ferments et des tissus-in Journal de 1'Anatomie et ia Physiologie—1881— pag. 333. — 22 — D'onde se conclue, resumindo, que para A. Gautier: \.° A principal matéria activa das peçonhas não é albu- minoide porque: a) «depois de terextrahido destas substancias todas as matérias proteicas que continham, conservam-se el- las activas; b) as substancias albuminoides d'ahi retiradas não têm acção tóxica.» (1) 2.° Nãoé também alcaloidica, si bem que pouco tempo antes elle dissesse perante a Academia de Paris baseando-se nos mesmos factos que motivaram as conclusões do primeiro artigo citado : «As matérias activas extrahidas pertencem ás funcções alcaloidicas ou neutras e não ás albuminoides.» (2) 3.° Altera-se sempre pelos alcalis fixos. 4.° Nãoé solúvel no álcool porque « depois do esgota- mento pelo álcool a frio e a quente a peçonha nada perdeu de sua actividade.» 5.° Não é da natureza dos fermentos solúveis ou diasta- sicos como a ptyalina, pepsina, pancreatina etc porque pôde ser levada a 100° e mesmo a 125° sem perder a actividade tóxica. E é este o ponto capital da nossa divergência com A. Gautier. Comecemos pela base em que se fundou elle. Tomemos a pancreatina em suas três partes.Não sabemos nós que a myo- psina (Defresne) ou trypsina (Kühne) pôde, sem perder suas propriedades sobre os albuminoides, ser aquecida a 100° quando secca e que em solução altera-se em muito mais baixa temperatura? Que ainda a* amylapsina perde todas as suas propriedades diastasicas em solução, ao passo que des- seccada não se altera mesmo a 100o? Si bem que nada (1) Bullelin de VAcad. deMed. de Paris—1881—pag. 947. (9) A. Gautier—Bulletin de VAcad. deMed. de Paris—1881—pag. 948. — 23 — possa se affirmar por ainda não ter sido isolada, é pelo menos provável que o mesmo se dê com a steapsina, pois que faclo idêntico passa-se com outras diastases como por exemplo a pepsina que, secca, resiste ao calor de 100° (1). E' verdade que A. Gautier aqueceu o veneno das cobras, em solução, mas é ainda verdade que fica provada a insuficiência plena do argumento. Ainda mais, a conservação da actividade tóxica é incompatível com a perda da propriedade fermentescivel ? E' o que A. Gautier não diz e no entanto era imprescindível para mesmo assim, como acabamos de mostrar, ainda ter pouco valor o argumento do eminente chimico francez, não precisando nós contrapôr-lhe os resultados contrários, a que chegaram Weir-Mitchel e o Dr. Lacerda, já referidos. Bechamps eBaltus,com o sueco pancrealico,Lacerdaconi a pancreatina, Vulpian com a saliva normal do homem (2) fazendo injecções hypodermicas cm differentes animaes ob- tiveram effeitos, senão iguaes, pelo menos muito análogos aos das mordeduras das cobras. O próprio A, Gautier obteve com esses suecos animaes os mesmos effeitos, e, tendo en- contrado n'elles ainda princípios, uns alcaloidicos e outros não alcaloidicos, conclue, surprehendendo a quem o lê, nestes termos: « A peçonha das serpentes não me perece difíerençar-se da nossa saliva senão pela intensidade de seus effeitos e não por sua natureza intima. » Se magna éa analogia no ponto de vista toxicologico, maior é ella no ponto de vista chimico : as propriedades (1) H. Beaunis—Physiologie humaine 2ro«. edition pags. 692 e 668. (2) Não nos referimos aqui á chamada scepticemia de Pasteur, moléstia nova, re- sultante da injeccào dos micróbios encontrados na saliva do homem são, depois de sotFrerem cultura em caldo, serum etc; falíamos das injecções da própria saliva e no estado fresco. Os syuiptomas notados pelos experi.nentadores citados são desordens nervosas, extravasações sangüíneas etc. — 24 — geraes da echidnina ou viperina, crotalina, nagina etc que são tão approximadas em todas as propriedades a poderem ser consideradas idênticas e reunidas, sob um nome gené- rico, n'um grupo o dos fermentos ophitos a que chamaremos thanatophiases ou melhor toxicophiases com mais propriedade do que echidnases, como quer Viaud Grand-AIarais, essas propriedades geraes, dizíamos, são as que caracterisam lambem todas as zymases conhecidas, segregadas, quer por animaes ptyalina, quer por vegetaes papaina, quer ainda pelos fermentos figurados a amylase do Aspergillus glaucus. Ei-las, as principaes: São neutras, o que as afasta das substancias básicas ; o bioxydo de cobre hydratado as colore em violete como todas as substancias proteicas; como todas as zymases são muito solúveis n'agua fria ou quente, d'onde são precipitadas pelo álcool, mas não o são pelo subacetato de chumbo; pela cal- cinação desprendem o cheiro das substancias corneas em ignição e outros caracteres que já foram apontados a pro- pósito de suas preparações. O processo acima referido de Winter Blyth é baseado na seguinte propriedade notável das zymases: « a facilidade com a qual são arrastadas de sua so- lução aquosa por todos os precipitados amorphos a que se dá nascimento no liquido. E' assim que ellas são englobadas e arrastadas pelos precipitados que o sublimado corrosivo, saes plumbicos e a maior parte dos saes metallicos formam com as matérias albuminoides; mas .quando se decompõem estes precipitados pelo acido sulphydrico, o fermento se redissolve acompanhado de mais ou menos matérias albuminoides. » (1) (1) Garnier—Fermenís et fermentations pag. 15, 1888, — 85 — Eis aqui, finalmente, as provas directas que mostram peremptoriamente serem as toxicophiases da categoria dos fermentos diastasicos,— será peçonha dos ophidios um sueco digestivo. « Um fragmento de músculo bovino fresco foi contundido ligeiramente e depois de havermol-o separado em 3 ou 4 pe- daços, lançámos tudo em uma cápsula contendo um pouco d'agua distillada. Deixou-se cahir então dentro da cápsula, pequena quantidade de uma solução aquosa do veneno do surucucu guardado desde muitos dias. Logo que a solução do veneno foi lançada dentro da cápsula, o músculo perdeu o seu aspecto normal, tornando-se palüdo, como que crispado, as fibras mais apparentese já um pouco desassociadas. A cápsula com o seu conteúdo foi depois introduzida em uma estufa de temperatura constante d'Arsonval mantendo-se a temperatura a 30°. O aquecimento durou apenas 4 horas. Deseseis horas depois foi retirada a cápsula da estufa e examinando o seu conteúdo, encontrámos no meio de um liquido de cor escura esverdeada, com forte reacção ácida e um cheiro sui generis, os fragmentos do músculo completamente descorados, alguns já muito amollecidos e as fibras desassociadas, outros ainda resistentes e como retrahidos. Na superfície de alguns desses fragmentos o aspecto fibrillar havia desapparecido. Não se notava nelle cheiro de putrefacção, mas um cheiro um pouco acido como o da carne macerada. Pelo exame microscópico vimos que algumas fibras tiradas de um desses fragmentos de músculo tinham ainda a sua striação normal.» (1) (I) Dr. J. B. de Lacerda—Provas experimentaes de que a peçonha dos ophidios é um sueco digestivo. Bio de Janeiro—1881. i 1888—B — 26 — Por esta experiência o nosso distinclo compatriota, o Dr. Lacerda mostra ter havido aqui um começo de digestão incontestável que teria sido completa se maior fosse a quanti- dade de veneno empregado e mais prolongada a acção do calor. Por experiências variadas e numerosas, realisadas no laboratório do Museu Nacional do Bio de Janeiro, expe- riências que não transcrevemos para não transpormos os limites traçados pelo programma da Faculdade, não só o Dr. Lacerda como o pranteado e distinctissimo Dr. Couty, viram que a digestão daalbumina do ovo coagulada pelo calor é completa, e que esta no estado liquido é modificada a ponto de apresentar pelo calor um coagulo muito differente ; que o leite é coagulado e a caseina desassociada pela pe- çonha dos ophidios que é portanto um fermento dos albumi- noides—tal como a pepsina, myopsina (Defresne), casease (Duclaux). N5o é só isto. A emulsão das gorduras é perfeita e persis- tente — tal como a steapsina. Cousa notável, o amido cozido, tratado pela solução do veneno n'agua distillada não dá, pelo licor de Fehling, a re- acção da glycose. Não se trata pois de um fermento amylaceo. A peçonha dos ophidios, pois, approxima-se mais do sueco pancreatico do que da saliva, o que é perfeitamente explicável em um animal essencialmente carnívoro. Para saber-se qual o fim que teve a natureza com a peçonha ophita, não ha mister entrarmos no maremagnum das discussões philosophicas geralmente estéreis de resul- tados positivos, principalmente em questões destas, onde os espiritos apaixonadamente doutrinários estão sempre em exclusivismo mal cabido. Não será um sueco digestivo a — 27 — nossa saliva? E terá ella por único objectivo a transformação dos amylaceos em substancias assimiláveis? Não, certamente não—serve ainda para a deglutição, etc, etc. Em conclusão — a peçonha ophita foi dada aos toxico- phidios para ser-lhes útil com o duplo fim, pelo menos, de arma e sueco digestivo. Differençaras peçonhas dos vírus, venenos propriamente ditos, etc, seria perder tempo e espaço ; faremol-o, entretanto, no correr do nosso trabalho per accidens nos devidos logares. O Dr. Halford, examinando o liquido de secreção le- thifera das cobras, encontrou pequenas cellulas, que elle con- siderou como germens de matéria viva que se multiplicavam de uma maneira prodigiosa no sangue dos animaes inoculados com a peçonha. Vulpian não encontrou esses corpusculos. O Dr. Lacerda encontrou-os mesmo ainda nos canaes dos dentes inoculadores e vio n'elles movimentos brawnianos e amiboides. Destruindo o poder tóxico do veneno por alta temperatura, esses corpusculos conservam-se ainda vivos e intactos, mostrando assim a nullidade do papel que elles re- presentam nos effeitos tóxicos. No sangue não se reproduzem. Culturas feitas em extractos de carne, serum sangüíneo, nenhum resultado deram. Serão os corpusculos zymogeneos de Bechamps que em contacto com as cellulas glandulares, por um verdadeiro phenomeno de fermentação anaerobia como magistralmente descreveram Gautier e Pasteur, como parece se dar com a saliva humana normal, e que uma vez sahidos do seu laboratório nada possam produzir, podendo, entretanto, se conservar vivos bastante tempo? Ou, para tor- nar-nos mais claro, serão o fermento figurado cujo producto é a toxicophiase? — 28 — Nada de positivo pôde dizer a sciencia no estado actual. A quantidade de veneno que uma cobra pôde injectar em cada mordedura e a sua posologia tóxica, será tratada no capitulo do prognostico. SMlll PARTI Feridas envenenadas pela peçonha dos ophidios CAPITULO I Symptom&tQlogia A exemplo de Viaud Grand-Marais, do professor Berne, descreveremos os symptomas da intoxicação ophidiana classifi- cando-os em primitivos, secundários e lerciarios. Assim proce- dendo, temos por principio a clareza, por base o methodo, por fim a verdade. No presente capitulo assignalaremos todos os symptomas que se podem observar; no seguinte estudaremos a sua evolução costumeira, isto é, a marcha, duração e termi- nação. Teremos sempre de vista a clinica, escudada na expe- rimentação e observação. § I. Symptomas primitivos São estes, como em toda a ferida por instrumento cortante, contundente ou picante — dor immediata, escorri- mento de sangue, impressão do agente vulnerante, apresen- tando cada um a individualidade própria da causa primeira, — 30 — A dôr é na maior parte das vezes immediata e intensa ; os indivíduos picados pela cobra dizem sentir milhares de agulhas penetrando, percorrendo pelo membro acima, abaixo, em todos os sentidos, dores exasperadas pelo menor movi- mento da parte. Outras vezes é uma sensação de quei- madura. Não é, entretanto, de constância infallivel, em casos raros vem tardiamente Experiências de Mitchell, e mais tarde de Grand-Marais, mostraram claramente que os cara- cteres acima são devidos á introducção do veneno nos tecidcs, que a dôr produzida pelos colchetes é insignificantissima. A não ser picada uma artéria ou qualquer vaso de certa importância calibrosa, casos em que ha um pequeno escorri- mento de sangue, este é geralmente nullo: quando muito uma gotticula de sangue mostra o logar de cada colchete. Os signaes impressos sobre a victima são orifícios em nu- mero de dous geralmente, pois que nos Proteroglyphos os dentes pre-inoculadores podem também deixar signaes de penetração, que se distinguem dos primeiros porque aquelles, isto ê, os orifícios deixados pelos dentes inoculadores, têm bordos que tornam-se logo tumefaclos. Entretanto, pela re- tracção dos tecidos, delgadeza dos colchetes que pouco pene- traram, grande tumefacção inflammatoria e extensa e por outras causas, muitas vezes torna-se diílieillimo encontrar os signaes a que nos referimos. Não muito raro, a serpente deixa um ou mesmo dous colchetes cravados na victima, in- teiros ou quebrados, representando, neste caso, na ferida, papel de corpo estranho. Nestes primeiros momentos não ha symptomas geraes, podendo-se attribuir ao terror, o facto de certos indivíduos — 31 — cahirem desfallecidos, lerem um abalo nervoso que pôde ir á syncope, pois a experimentação sobre animaes nunca fez observar taes phenomenos. BIol (1) que menciona dous casos de morte por assim dizer súbita, é inteiramente de nossa opinião. §11. Symptomas secundários Dislinguiremos neste período symptomas secundários LOCAES e SYMPTOMAS SECUNDÁRIOS GERAES OU DE INTOXICAÇÃO. Os locaes mais ou menos constantes são : — tumefacção inflammatoria, — dôr secundaria, — entorpecimento, -— r sfriamento, — manchas lividas, — algumas lesões de localisação inflammatoria, — gangrena precoce, — paralysia, contraclura do membro, etc A tumefacção Inflammatoria é phenomeno constante, a não ser que medicação local bem dirigida, evacuando ou neutralisando o veneno immediatamente, possa impedil-a, a não ter sido picada uma veia, caso em que o veneno é prom- plamente levado á circulação geral. Na maioria dos casos, por assim dizer ímmediata, só apparece em alguns, depois de cinco, seis horas ou mais. Começando por uma aureola vio- lacea que circumda a ferida, esta tumefacção oedematosa, que (1) J. Ui. Blot—La morsure de Ia Yiplve Fer-áe-lance. These de Pariz. 1823, n. 106, t. IV. — 32 — não offerece os caracteres da inflammação clássica, invade rapidamente os tecidos vizinhos, tomando um membro in- teiro em poucas horas; ás vezes pára bruscamente em um ponto e d'ahi retrograda. E' notável esta tendência a ir in- vadindo progressivamente os tecidos; é assim que injectado na parede abdominal, o veneno pôde ir até o periioneo e vís- ceras, nos membros, até os ossos. Resultam da grande distensão, em certas regiões como por exemplo o pescoço, symptomas notáveis de compressão. Geralmente as partes tumefaclas tor- nam-se avermelhadas e quentes, outras vezes são pallidas e frias; outras vezes ainda tornam-se negras, de aspecto gan- grenoso ou de asphyxia local. Depois de alguns dias a verme- lhidão e o calor já não existem, persistindo só oengorgitamenlo oedematoso, que desapparece lentamente. Não muito raro estas desordens terminam-se rapidamente pela mortificação. A dôr secundaria é uma sensação de tensão, resultante naturalmente das desordens acima referidas, exasperada pelo menor movimento dos músculos da região, o que é facilmente comprehensivel, tanto mais quanto veremos que o veneno, por verdadeira embebição, antes de attingiras partes profun- das, atravessa, corroendo, os músculos. O entorpecimento geralmente, proporcional á distensão dos tecidos é devido á compressão dos filetes nervosos pelas malhas do tecido cellular infiltrado. O calor local inicial é substituído por um resfriamento notável, primeiro limitado á parte lesada, onde o thermometro baixa a 31° e 30°, depois generalisado. Tem por causa a dimi- nuição das combustões orgânicas pela profunda e especial alteração que soffre o sangue como veremos no capitulo III desta segunda parte. — 33 — Se bem que menos constantes e mais tardias que a tume- facção, as manchas Vividas constituem symptoma importante Variáveis em dimensão, intensidade, conformação; de cor vermelha, violacea, azulada ou negra; apparecem primeiro no membro ferido, depois no correspondente opposlo. Muitas vezes desapparecem em poucos dias, muitas mais, porém, du- ram até um mez. Sua evolução, desapparecendo, é a mesma das ecchymoses quanto á suecessão das cores, fazendo com razão ao professor Berne chamal-as manchas ecchymoticas. Algumas locaiisações inflammatorias se fazendo, trazem como resultado o apparecimento de angioleucites, abeessos, phlegmões, escharas, phlyctenas etc Estas duas ultimas ordens de lesão têm quasí sempre como causa a applicação descuidada da ligadura do membro, abuso ou emprego mal dirigido de certos tópicos como seja a ammonea ; aquellas outras são muitas vezes conseqüência de injecções hypoder- micas medicamentosas como a de permanganato de potássio e outras. Uma terminação destes phenomenos locaes para a qual Encognère (1) chama a attenção e que temos notado na reali- dade ser freqüente, é a gangrena que rápida ou vagarosa- mente ataca as partes em que foi depositado o veneno, impondo assim muitas vezes a amputação de um membro inteiro. Outro phenomeno para o qual chama a attenção o Dr. Urueta é a paralysia que fere Ímmediatamente o membro envenenado. A's vezes é o contrario que se verifica—uma contractura. (1) Encognère.—These de Monlpellier—1865. 5 1886—B — 34 — Estudaremos os symptomas secundários geraes ou de intoxicação conforme os apparelhos em que esses symptomas se manifestam, porque se a elecção tóxica é uma realidade, não o é menos a variabilidade nos effeitos pelas mil circum- stancias do individualismo agente e paciente, tornando assim de magnitude ingente uma descri pção de conjuncto como deve ser a presente, de tudo quanto podemos observar na pratica. E é muito de industria que transcreveremos no capitulo se- guinte ern que estudaremos a marcha, duração, modo de suc- cessão, de terminação que têm geralmente esses phenomenos mórbidos, bem como em outros logares, algumas relações exactas de faclos clínicos bem observados. Estudaremos, pois, estes symptomas geraes percorrendo os órgãos dos apparelhos digestivo, circulatório, respiratório, urinario, da innervação e órgãos dos sentidos; terminaremos, emfim, pelos symptomas dereacçãoque na realidade representam o erguer-se victorioso do organismo inteiro, da lucta que sustentara com o terrível inimigo—a peçonha. Os symptomas fornecidos pelo apparelho digestivo são náuseas, anxiedade epigastrica intensa, quasi sempre acom- panhadas de vômitos, a principio alimentares, depois biliosos e por fim de mucosidades sanguinolentas ou não. Vem depois a anxiedade ou dor umbilical logo seguida de dejecçÕes diar- rheicas, tenesmos etc. Nos últimos períodos a língua torna-se fuliginosa e o hálito fétido, o que é quasi sempre de prognostico fatal. Ha muitas vezes ictericia que Gubler filia a um espasmo das vias biliares, porém que V.-Grand-Marais attribue, parece-nos que com muito mais razão, á alteração do sangue secundada, accrescentamos nós, pelas profundas perturbações de todo o systema nervoso, Não achamos razão — 35 — em Blot(l) quando attribue a freqüência destas gastro-enterites á medicação irritante interna desmedida a que geralmente, diz elle, submettem-se os indivíduos. Acreditamos que quando tal se dê, o álcool, a ammonea etc, em grande quantidade, possam ter grande parte na producção de taes perturbações, como no caso em que este auctor cita de Orfila; mas d'aqui a vêr nisto, já não dizemos a causa única mas a primordial, vai erro grande, porque estes phenomenos são freqüentes e apparecem em indivíduos que não ingeriram taes medica- mentos e porque a experimentação sobre os animaes mostra que elles faltam raramente. Viaud-Grand-Marais, pois, tem plena razão quando faz da eliminação da peçonha pelo canal digestivo o factor principal. Referimo-nos aos phenomenos de natureza inflammatoria que só apparecem depois de absorvido o veneno, emquanto que as náuseas, vômitos, isto é, os phenomenos observados logo em começo são sempre de natureza nervosa. Para o lado do apparelho urinario notam-se ás vezes urinas ensangüentadas. Elias são geralmente escassas no co- meço para tornar-se mais abundantes para o fim, o que é quasi sempre favorável ao prognostico. Pôde haver albumina. O Dr. Urueta, experimentando em animaes, notou algumas vezes gotticulas de aspecto oleoso na superfície do liquido urinario que ao microscópio tornavam- se bem patentes e que elle pensou ser o óleo da sonda com que retirara a urina. Mas em experiências posteriores, onde a sonda estava completamente secca e bastante limpos os vasos em que depositava o liquido, as mesmas gottas appareceram (1) Blot—. Op. cit. — 36 — fazendo ao iIlustre experimentador attribuil-ás a uma dege- nerescencia dos canaliculos renaes. Para o lado do apparelho circulatório ha symptomas inte- ressantes que muito bem descreveremos transcrevendo o qne diz o Dr. Lacerda (1): « Havemos feito numerosas experiên- cias com o fim de apreciar as modificações da tensão nas arté- rias fazendo communicar a carótida do animal com o tubo do kimographo, convenientemente instalado para inscrever o traçado do coração. O kimographo annunciava modificação 15 ou 20 segundos depois da injecção do veneno na veia. Em começo, ha, ás vezes, ligeiro augmento de tensão logo seguido de descida lenta e gradual, a columna de mercúrio baixa 4 a 5 centímetros no espaço de 2 a 3 minutos; ao mesmo tempo as linhas inscriptas pelo coração traduzem o estado de fra- queza deste órgão eaacceleração excessiva dos seus batimentos. Quando a quantidade de veneno injectada é considerável, a descida é brusca e a pressão arterial faz baixar o mercúrio de 4 a 5 centimetros no curto espaço de" tempo de 2 a 3 segun- dos. Não se faz demorar a contracção do coração com bati- mentos lentos e espaçados e no fim de 1 a 2 minutos o nivel da columna de mercúrio se tem elevado, sem todavia allingir mais a altura primitiva. Ao mesmo tempo os batimentos do coração acceleram tornando-se fracos, de maneira que a agu- lhado kimographo traça uma linha ligeiramente sinuosa que se approxima da linha recta. tPosto que na maior parte dos casos, a suspensão defini- tiva da respiração preceda á cessação dos batimentos cardía- cos, o inverso, não obstante, se produz algumas vezes.» O (1) Dr. Lacerda.—Leçons sur le venin des serpents du Brézil—18S-1—pags. 76 e 78. — 37 — exame do pulso e das pulsações cardíacas, no homem, fazem ver os mesmos factos. As extravasações sangüíneas são os symptomas secun- dários mais constantes. Manifestam-se por toda a parte, nos capillares de lodosos órgãos occasionando assim a symptoma- tologia mais variada possivel. Primitivamente manifestam-se nas proximidades do ponto em que foi inoculado o veneno— taes são as manchas ecchymoticas de que temos fallado; secundariamente, isto é, depois de transportado o veneno a cir- culação geral, apparecem emtodasas visceras,principalmente no pulmão—taes são os vômitos, escarrhos, urinas, dejecções sanguinolcntas de que já falíamos. Nos casos graves citam-se, ainda, hemorrhagias pelas vias respiratórias, pelos ouvidos e mesmo pelos conductos lacrymaes eglandulares da pelle. Quando o apparelho respiratório apresenta symptomas immediatos, são sempre de natureza paralytica. Como sym- ptomas mais tardios,são as dores thoracicas, dyspnéa intensa, hemoptyses, tosse acompanhada de escarros muco-sangui- nolenlos, symptomas estes resultantes do engasgamento, flu- xão pulmonar, hemorrhagias capillares no parenchyma do órgão, profunda alteração sauguinea etc Os órgãos dos sentidos não raro são lesados em sua estru- ctura e funccionalismo. O órgão da vista é o que mais vezes soffre; citam-se casos de cegueira quasi Ímmediata e sempre definitiva. A quarta observação de Blot é desta natureza. Diz-se que é phenomeno dos mais communs nas mordeduras da urutu (Bothrops urutu—Lac.) Citam-se ainda surdez e amaurose definitivas rebeldes a todo o tratamento. Diz-se que os cães de caça perdem commummente o olfacto. Entretanto, na grande maioria dos casos, os accidentes limitam-se a — 38 — obscurecimentos da vista e atordoamentos de ouvido geral- mente passageiros. Os symptomas que se manifestam para o apparelho da innervação, os symptomas atoxo-adynamicos, typhoides, são variáveis. Durante toda a moléstia, syncopes. lypothimias podem apparecer repetidas vezes. O resfriamento da parte primitivamente lesada invade o organismo inteiro, suores frios e viscosos cobrem a pelle, a prostração é extrema, a tendência ao somno invencível, terminando muitas vezes esta scena um coma profundo. Estes symptomas que só apparecem nos últimos mo- mentos dos accidentes da intoxicação ophidiana, differem dos que se podem manifestar pouco tempo depois da mordedura e que são phenomenos de excitação logo seguida geralmente de paralysia. E' assim que a bexiga, o estômago, os intestinos, contrahindo-se, deixam escapar o seu conteúdo ; as contra- cturas são primeiro limitadas ao membro ferido depois gene- ralisadas, logo seguidas de relaxamento muscular completo. A pupilla estreita-se para depois dilatar-se. As glândulas deixam escorrer os seus productos—saliva, lagrymas, etc,por uma verdadeirahypersecreção. E quando no homem estcsphe- nomenos de excitação nervosa se manifestam por sobresaltos dos tendões, caimbras, agitação, delírio, convulsões,—dizem proximidade de terminação fatal. Felizmente maior é o nu- mero dos casos em que as cousas não chegam áquelles ex- tremos; mesmo, porém, que tal se dê, a cura não raro pôde se fazer, e então vemos apparecer os symptomas de reacção. O pulso que era miserável vai se levantando, o suor frio e viscoso desapparecendo, para dar logar a suor perfeita- mente normal, acompanhado de movimento febril moderado, — 39 — irregularmente intermittente, porém que se repete por dois ou três dias; a face encovada, hippocratica, reanima-see adquire expressão ; tudo emfim vai-se, persistindo unicamente os phenomenos locaes, que por sua vez vão desapparecendo mais ou menos rapidamente, ficando quasi sempre em ultimo logar a tumefacção inflammatoria. § 111. Symptomas terciarios Quando a cura definitiva não se estabelece, vemos appa- recerem os symptomas terciarios que são ainda locaes ou geraes podendo ser, uns e outros, de persistência ou de repetição. Os symptomas locaes de persistência são na maioria dos casos a continuação dos estados mórbidos descriptos acima e que tornam-se rebeldes por mezes ou annos a lodo o trata- mento :—ulcerações, cedemacias, endurecimentos, etc. que podem terminar pela gangrena ou atrophiado membro. Lem- bremos ainda a perda definitiva das funcções de alguns ór- gãos dos sentidos a que já nos referimos. Os geraes de persis- tência, são phenomenos de cachexia: pallidez geral, abati- mento physico e intellectual, morosidade nas digestões, fungosidade nas gengivas, abaixamento na temperatura geral, parada de desenvolvimento nas crianças, velhice precoce nos adultos que tornam-se veletudinarios,—vão pouco a pouco minando a existência do indivíduo depois de escapo aos accidentes agudos. Os symptomas locaes de repetição são os que sobre vêm quando o indivíduo, curado apparentemente, recác d'ahi a mezes, annos, com 05 mesmos accidentes que soffrêra— — 40 — tumefacção, dôr, etc, acompanhados muitas vezes de pheno- menos geraes, como se de novo fora mordido pelo mesmo réptil e no mesmo ponto. A explicação mais plausível é que alguma quantidade da substancia lethal ficara enkistada em um ponto e que no momento dado, ella, achando-se livre por qualquer circumstancia, actúa como se fora injectada na occasião; não sabemos que ella conserva-se tóxica por muito tempo, mesmo em contacto com os mais fortes reactivos? Algumas vezes faltam os symptomas locaes, os phenomenos acima referidos de cachexia accommettem o indivíduo que ha muito se julgara isento do menor perigo porque achava se em perfeita saúde,levando-o ao túmulo. Estes accidentes de repetição são muito raros. Citam-se ainda casos em que durante muito tempo (ha uma obser- vação de 39 annos consecutivos) (1) os indivíduos mordidos são, por períodos certos, accommettidos de um conjuncto de accidentes muito semelhantes ao da intoxicação que estu- damos. Poderiam ser chamados symptomas periódicos que não admitlimos sejam produzidos ainda pelo veneno propriamente em substancia, porque este, salvo o facto possível de enkisla- mento (que não pôde fazer rompimentos periodicamente certos), se elemina todo e com rapidez. Provado que elle seja principalmente um veneno hematico e um veneno nevrotico, não é mais lógico attribuir taes factos ás alterações que ficam sobre esses elementos sanguineo e nervoso, trazendo como resultado a irrupção de uma diathese latente ou creando um novo estado mórbido diathesico? E não é natural que as manifestações dessa diathese se façam principalmente nos (1) GcucUe hebdomadaire—6 de Novembro de 1863. — 41 — órgãos primitivamente lesados—lociminoris resistencice, asse- melhando assim as duas symptomatologias ? Estes casos pre- cisam muito ainda que sejam observados com mais accuria. Mencionemos em ultimo logar o facto de certos indi- víduos curados já de bastante tempo serem accommettidos de morte súbita por accidentes cerebraes. Até hoje nenhuma au- tópsia veio dizer se trata-se aqui de accidentes hemorrhagicos, embolicos ou de outra natureza. Como já dissemos, estes symptomas terciarios são bas- tante raros e a descripção que fizemos foi por ordem de fre- qüência. 6 1888—B — 42 — CAPITULO II Marcha, dwaçfto, termi&açto A marcha da intoxicação ophidiana,dependendodeinnu- meras circumstancias que estudaremos no capitulo do pro- gnostico,offerece, como todo o envenenamento, todas as nuan- ces,todas asgradações possíveis.Entretanto,podemos distinguir os accidentes que fazem ser a marcha super-aguda, aguda ou chronica, prevenindo desde já que a transformação de uma em outra faz-se commummente. Na intoxicação super-aguda dominam a scena os sym- ptomas geraes—os symptomas de origem nervosa que apon- támos em todos os apparelhos. A morte sobrevem então por convulsões ou lethargia, asphyxia (paralysia dos músculos thoracicos), syncope, notando-se que em geral o coração é o ultimus moriens. E' notável a analogia que existe entre estes accidentes super-agudos e a symptomatologia do shock dos auctores inglezes em suas duas fôrmas principaes. Se bem que os auctores mencionem casos de morte fulminante em que a victima dá um grito e cáe morta (como as duas primeiras observações de Blot), estes factos felizmente são rarissimos e podem talvez ser attribuidos ao abalo nervoso produzido pelo terror como quer Blot. (1) Geralmente estes accidentes (1) Blot — loc. cit., pag. 22. — 43 — duram 6 e 8 horas, apresentando então o indivíduo, já nas proximidades da morte, o cortejo dos phenomenos locaes descriptos no capitulo precedente. Se a morte não termina o quadro, o progresso das lesões locaes, a alteração profunda do sangue que então se faz, tornam a marcha aguda; isto é, depois de desapparecidos os acci- dentes assustadores acima referidos, todos de origem nervosa, ha como que um momento de sedação para depois fazerem continuação os phenomenos causados pela acção do veneno já todo absorvido e actuando sobre o sangue e órgãos vis- ceraes; outras vezes, e é a maioria dos casos, faltam estes phenomenos de origem nervosa e a marcha apresenta-se desde logo aguda. Nestes dous últimos casos, são os pheno- menos originados do estado do sangue principalmente que dominam, e então a morte resulta nos primeiros cinco a seis dias das hemorrhagias, perturbações da hematose, etc. Depois destes dias ou o estado do sangue melhora e a cura é rápida, porque rápida é a eliminação do agente tóxico a ponto de, no espaço de 24 horas, um indivíduo que se jul- gara já morto, restabelecer-se completamente, mas ainda o indivíduo se acha nas eminências de phenomenos sceptice- micos originados das lesões locaes,de phenomenos adynamicos causados pela depressão do organismo que não pôde offerecer a reacção prenuncia de cura,etc; ou o estado do sangue não melhora e apezar de desapparecerem as lesões locaes e em apparencia os symptomas geraes, o doente guarda o leito em abatimento orgânico, depressão de espirito que em 15 ou 20 dias trazem como resultado a morte, por adynamia, por con- sumpção. Muitas vezes, na grande maioria dos casos, vêm os — 44 — symptomas chamados de reacção,—elevação do pulso, reacção febril moderada, ligeiro suor e no fim de um a três dias do seu apparecimento, está tudo restabelecido e a cura perfeita e definitiva, persistindo ainda, ás vezes, como dissemos no capitulo precedente, algumas lesões locaes—abcessos, ulce- rações, etc, que podem terminar pela necessidade da ampu- tação da parte. Esta marcha'terminada pela cura é a fôrma mais com- mum da intoxicação ophidiana. Quanto á marcha chronica1 ella é quasi sempre succedida aos accidentes superagudos e agudos ; são os symptomas que chamámos terciarios—os de cachexia, de repetição, fraqueza, desanimo, velhice precoce, etc, terminando por tornar os indivíduos valetudinarios, por dar-lhes extrema vulnerabi- lidade mórbida. Uma terminação destes accidentes a que já nos referimos é a morte que mezes, annos depois, pôde so- brevir por accidentes cerebraes neste período de cachexia ou mesmo quando a cura havia parecido definitiva. Para que se possa ainda mais fazer uma idéa exacta do que seja a variabilidade na marcha da intoxicação ophidiana, eis estas observações que transcrevemos: OBSERVAÇÃO 1 (blot) Negra, escrava do Sr. Carmes dá um grito e cáe. E' cercada ímmediata- mente dos con punheiros que ainda vêm o réptil fugindo, e levam-n'a para a casa perto. Antes, porém, de lá chegar, ella morre no fim de poucos minutos. — 45 — OBSERVAÇÃO II .> O soldado Haubois é mordido no dorso da mão por uma vibora, ás 5 1/1 toras da tarde. Voltou para o quartel contando, muito despreoccupado, o facto sem se importar de medicar-se. A' noite começou sentir dorna parte mordida que já tumefazia-se. Cauterisa entào a ferida e envolve a mâo em pannos imbebidos em uma mistura de água e ammonea, mistura esta que também é administrada inter- namente . No dia seguinte, apparecendo ligeiras dores epigastricas e abdominaes, faz-se applicação de banhos e elysteres e no membro tumefacto 12 sanguesugas. No outro dia as dores abdominaes são intoleráveis ; braço e ante-braço muito tumefactos. O doente toma um banho e applica-se-lhe um vesicatorio no ab- dômen ; a morte sobrevem entretanto cerca de meio-dia. OBSERVAÇÃO III (ramon urueta ') + M. G., pintor de caças, trabalhava na floresta de Fontainebleau com seu filho de 10 annos de idade, quando este queixou-se de ter sido ferido no tornozelo. O pai não suppuzera que a criança havia sido mordida por uma vibora. Entre- tanto, no fim de 10 minutos a criança empallideceu, sentio-se mal e cahio. Tirado o calçado, foi entào verificada a marca dos colchetes da vibora. Indo para a casa pouco tempo depois, era bastante tarde para que os cuidados prestados tivessem probabilidade de successo e com effeito a criança morreu na manhan do terceiro dia por asphyxia. Se os factos annunciados pelas duas observações preceden- tes são raros, a estatística mostra que um terço seguramente das mordeduras dos thanatophidios deixa na victima traço indelével. « Dr. Ramon Urueta.—Recherches anatomo-pathologiques sur 1'action du venin des serpents—These de Paris. 1884. — 46 — E' assim que Encognère menciona cinco observações to- das terminando pela gangrena dos membros feridos, que por isso foram victimas de amputação ; Urueta uma paralysia definitiva no braço de um indivíduo mordido na mão corres- pondente;Blot o caso de uma negra mordida no maleolo externo da perna esquerda e que perdera Ímmediatamente e para sempre a vista. Até aqui temos resumido as observações dos casos mais fataes; vamos agora, para dar uma idéa precisa do que seja a symptomatologia, marcha, duração e terminação, transcrever corn minuciosidade as observações seguintes, porque ellas exprimem a generalidade dos factos que se apresentam na clinica, e como já fizemos vêr, é nosso intuito que o presente trabalho tenha um cunho essencialmente pratico. OBSERVAÇÃO IV (urueta) No dia 17 de Setembro de 1851, estando a caçar um official, Woodruff, a serviço dos Estados-Unidos da America do Norte, achou-se perto de uma cascavel que atirou-se para elle, que entretanto conseguiu dar-lhe uma bordoada e quebrar- lhe a columna vertebral. Curioso de conservar a serpente que constituia um bello typo da espécie, não quiz mais feril-a ; collocou a espingarda na cabeça do réptil para mantel-a e segurar Ímmediatamente atraz, no pescoço. Infelizmente segurara longe e a serpente voltou a cabeça a despeito da pressão exercida pela espingarda mordendo o ofiicial no index da mão esquerda. A dôr foi muito forte e acompanhada de náuseas. Suga Ímmediatamente a ferida, applica uma ligadura em roda do membro que elle escharificou e continuou a sugar voltando ao campo d'onde tinha partido. Ahi chegando fez-se applicação de ammonea na mordedura e uma das pessoas presentes aconselhou o emprego de um meio de trata- mento conhecido pelo nome de remédio de Oeste e que consiste em embriagar-se. 0 conselho foi adoptado e havendo uma garrafa de whisky o ferido bebeu uma meia — 47 — pinta (quasi 500 gr.). As glândulas axillares estavam tumefactas e dolorosas. Ammonea internamente. O dedo foi de novo escharificado e mergulhado em água quente, onde sangrou abundantemente, e depois mergulhado em ammonea. Aguardente internamente. A quantidade de ammonea e aguardente que o ferido tomou foi enorme, pois que elle declara que nas circumstancias ordinárias, teria bastado para matar um homem; resultou uma embriaguez de quatro horas durante a qual houve repetidos vômitos. Quaudo esta embriaguez dissipou-se o doente tirou a ligadura e applicou sobre a ferida uma cataplasma de farinha de linhaça. Ammonea internamente, pílulas purgativas de calomelanos e coloquintidas, 50 ceatigr. de pós de Dower. Dia 18.—A noite foi má: dôr muito intensa,linha vermelha estendida do braço á axilla. Fricções sobre o braço com tintura de iodo, iodureto de potássio interna- mente. As pílulas purgativas nãodando resultado, o doente toma sulfato de magnesia que produz bom effeito. Pôde tomar algum alimento. Ensaiou andar, porém dores violentas e náuseas obrigaram-n'o a cessar a tentativa. Dia 20.—Dores violentas, lado esquerdo tumefacto até a região iliaca ; náuseas a cada tentativa de andar. Cataplasmas e internamente iodo, iodureto de potássio, pílulas mercuriaes, pós de Dower. Dia 21.—A inchação ha desapparecido,o braço está ainda um pouco tumefacto. E' conseguido dar alguns passos sem náuseas nem vômitos. Dia 23.—A melhora continua posto que a ferida esteja de m áo aspecto. Dia 24. —O doente põe-se em marcha com o corpo de batalhão ao qual per- tencia. O calor e os movimentos do animal que montava, fizeram-lhe soffrer muito durante uma caminhada de seis milhas. A unha cahio nesse dia. A melhora continuou lentamente a se fazer. Para o fim de Outubro uma eschara desliga-se e deixa o osso da phalange desnudado em dous pontos. A cicatrização só se completou a 7 de Fevereiro. (Amer ican journal of medicai sciences.) Vê-se bem claro que grande parte dos symptomas alar- mantes apresentados nesta observação tiveram origem na medicação desordenada e forte a que se submetleu o doente. Nesta seguinte, que vamos transcrever, ha o grande valor de será victima um medico, e aredacção de seu próprio punho. — 48 — OBSERVAÇÃO V (urueta) No dia 27 de Agosto de 1853, ao meio dia, apartando algumas hervas com a mão, fui mordido por uma vibora (Vipera chersea) na face dorsal da ultima pha- lange do dedo indicador direito. ímmediatamente senti, não no ponto em que a mordedura apenas visível houvera sido feita, porém na dobra do cotovelo, uma dôr viva e lancinante; apressei-me em praticar a sucção e consegui espremer algumas gottas de sangue. Entretanto como a dôr já começasse no index e no medius, a tumefacção fosse já sensível e crescesse rapidamente, cauterizei com azotato de prata, envolvi a mão em pannos impregnados de água fresca e dirigi-me para a cidade vizinha, distante talvez meia légua. A' chegada, mão e ante-braço duplicados em volume; dores violentas, lancinantes, terebrantes, sensação de quei- madura que se estende ao longo doboruo radial do braço. Comecei entio a sentir fadiga, agitação, angustia precordial com contractura penosa do diaphragma, see- cura da garganta, espasmos da bexiga, desfallecimentos, calafrios. A conselho do professor Dumreicher, applicação de 15 sanguesugas ao longo dos vasos lympha- ticos no ponto em que existem vergões vermelhos ; cataplasmas de gelo renovadas de 10 em 10 minutos; internamente 5 milligrs. de acetato demorphina. Tive algum allivio; á agitação succedeu somno interrompido por delirio. No dia seguinte de manhan os symptomas mais fatigantes, os movimentos spasmodicos do diaphragma e do cesophago se tinham acalmado, a tumefacção do braço havia consideravelmente augmentado. O membro tumefacto era frio á excepçâo dos cordões vermelhos da lymphangite, a febre persistia, o pulso a 104. Fricções com unguento napolitano. Dia 26 de Agosto.—A febre não baixou, a tumefacçào estendeu-se á espadoa, ao peito e ao abdômen, sendo limitada pela clavicula, esterno e ligamento de Pou- part. Elevaram-se, acima da mordedura e das picadas das sanguesugas, bolhas de um pardo plumbico ou de côr mais carregada cheias de sangue fluido. Dia 30.—Ecchymoses negras ao longo do trajecto dos vasos lymphaticos, na face externa do braço, no dorso, na axilla; tumefacção, febre, dôr como na véspera. Até o dia 31, continuação das applicações frias,banhos mornos, laxativos, fricções com óleo de meimendro. Dia 3 de Setembro.—A reabsorpção não se completou senão em 14 dias, pro- vocando sempre violentas e dolorosas convulsões do ante-braço que despertavam- me á noite, dores que repercutiam no cotovelo ; os outros accidentes desappare- ceram também gradualmente, porém com mais lentidão. (Da. Creutzeb. — Wiener Zeitschr. 1853). — 49 — A observação que se vai seguir é notável e interessante, porque os phenomenos mórbidos vão se desenvolvendo, sem que a influencia de qualquer medicação tenha podido vir transviar de qualquer modo o seu caracter. Por ser em um animal, cremo?, não lhe deve ser diminuída a importância que tem. OBSERVAÇÃO VT ( URUETA. ) Cão pequeno, branco, muito vigoroso, do peso de 8k,300, de temperatura rectal de 38°,9, é mordido ás 10 horas e 16 minutos por uma crotal de talhe médio das que faziam parte da collecçào do Museu de Historia Natural de Paris. Retirando o animal da caixa das serpentes, elle começa a dar uivos plangentes e Ímmediatamente nota-se a paralysia da pata sobre que teve logar a inoculação. 10l,,45. —O animal está completamente abatido. O coração se contráe com rapidez e notam-se algumas irregularidades que se reproduzem por inter- mittencias. IO1',5). — Temperatura rectal, 39°,4. Pupillas um pouco dilatadas. O membro mórbido paralysado e as outras patas incapazes para sustentar o peso do corpo. O coraçào contráe-se com rapidez tal, quj é impossível contai- as pulsações (pulso, pelo que me foi possível contar, a 200 pulsações). Estas con- tracções cardíacas não têm, entretanto, a energia habitual e vêm-se de tempos a tempos algumas irregularidades. llh,40.—Temperatura rectal 38°,G. Notamos que os gazes da expiração são frios. O animal continua deitado, parece sentir frio e apresenta horripilações fibrillares por todo o corpo. 31',45.—Abatimento completo.-A intelligencia parece conservada. Ha tume- facção notável de todo o membro, sede da mordedura. O estado deste animal nos faz prever móite certa. Dia seguinte, ás 8 horas da manhan.—O cão immerso em prostração absoluta. Paralysia dos membros, completa. Temperatura rectal 37°,G. Intelligencia con- servada. Recusa de qualquer alimento. No outro dia (8 de Março), ás 8 1/2 horas da manhã, encontrámos o animal em estado menos alarmante.Parece menos abatido e corresponde ás caricias que lhe são 7 1888—B — 50 — feitas. Forçado a■ sahir do nicho, este cão não se serve da pata ferida, mas pode sustentar-se e dar alguns passos com difficuldade, tornando logo a deitar-se. A temperatura rectal volta a 38°,6. Recusa ainda tola a alimentação. Dia 9 de Março.—O estado de melhora continua, mas o animal não tem ainda lomr.do nenhum alimento. Recolhem-se suas urinas por meio de uma sonda. Não ha albumina, mas o exame microscópico permitte descobrir glóbulos gordurosos em grande abundância. Pensámos que estes glóbulos refringentes, solúveis no ether, não eram outra cousa senão o óleo que havia servido para facilitar o escor- regamento da sonda; mas, como encontrámos em maior quantidade a presença destes glóbulos oleosos na de outro cão mordido por uma serpente, perguntamos se não se tratará aqui de uma lesão de degenerescencia particular. Voltaremos sobre este phenomeno. Dia 10.—O estado do cão é muito melhor desde a véspera. Leite que lhe é apresentado é bebido com avidez. Temperatura rectal 39°. Desde o começo desta experiência este cão não expellio nenhuma matéria fecal e parece ter emittido muito pouca urina. A partir de 11 de Março as melhoras se pronunciam cada dia mais ; as forças voltam, posto que o cão tenha emmagrecido 2 kilogrs. em tre3 dias ; 03 alimentos são tomados com avidez. Entretanto o cão conserva-se somnolento e preguiçoso. Por vezes ouve-se de repente elle dar um grito como se soffresse um abalo, um choque doloroso. Fora destes factos elle tem tomado todas as apparencias de saúde. Fazem já 39 dias depois da moi'dedura. 0 Dr. Urueta faz com razão notar que se houvera expe- rimentado qualquer medicação, a ella altribuiria a cura, e, pois, este facto prova, digamos desde já, que, na intoxicação que nos oecupa, muitas vezes, os esforços da natureza são lu- dibriados pela fama de um antídoto imaginário. — 51 — CAPITULO III âmtomla, § phjrsMogk p&tk®I®gicas Este importantíssimo ponto tem merecido sempre se- cundaria importância por parte dos ophiologistas. De pouco tempo a esta parte é que a anatomia e physiologia palholo- gicas da intoxicação ophidiana tem sido objecto de attenção dos experimentadores, devendo a sciencia aos Drs. Lacerda e Urueta o maior contingente de luzes. Do estudo das lesões materiaes encontradas in loco e circumvizinhanças em que foi depositado o veneno, passare- mos ás lesões produzidas á distancia pelo veneno ainda, mas já transportado na torrente circulatória e finalmente ás alte- rações de sua passagem no sangue. O grau das lesões locaes varia com o tempo decorrido do momento da intoxicação, da dose do tóxico, da maior ou menor profundidade na penetração dos colchetes e outras circumstan- cias que serão minuciosamente exaradas no capitulo seguinte. A epiderme ás vezes é levantada—ha phlyctenas, ás vezes e\folia-sc; a pelle amollecida pôde romper-se á dislen- ção lumefactoria e o escalpello que dissecca tecidos taes, im- pressiona o anatomo-pathologista com um quadro extranho pela multiplicidade dos phenomenos patenteados. A' primeira vista julga-se elle em frente a uma forte contusão, tal é o aspecto do tecido subeulaneo infiltrado todo de serosidade san- guinolenla; taes são as rupturas capillares mostrando aqui e alli numerosos derrames de sangue negro, ás vezes coagulado, mas na maior parle d'ellas liquido; tal é o aspecto dos mús- culos, congeslos e infiltrados da mesma maneira e cujas fibras são molles e friaveis. Esta hypolhese, não obstante, varre- sc-lhe logo da mente porque elle vê trajectos longos d'esses estragos marginados muitas vezes por tecidos sãos e normaes; vê que a congestão pôde ir até o periosteo (nos membros), até as vísceras (nas vizinhanças das grandes cavidades); vê que os tendões e as aponevroses são geralmente sãos e illesos. O quadro pôde ainda complicar-se mais, porque verdadeiros abeessos e phlegmões, verdadeiras angioleucites, podem ser encontrados a par das lesões acima referidas. As serosidades sanguinolentas, examinadas ao microscó- pio, deixaram vêrao Dr. Urueta grande numero de glóbulos vermelhos alterados e em via de dissolução. Muitos d'esses glóbulos são de aspecto muriforme, crenados nos bordos, mas não privados de hemoglobina; outros privados d'ella e redu- zidos a seu estroina. O numero de bactérias ahi é considerá- vel ; são bastonetes de que os mais longos não passam de 8 micromillimetros. No meio d'eslas bactérias existe grande quantidade de vesiculas rcfringenles que parecem outros tan- tos pequenos micrococci porém que bem reparados mostram ser vesiculas gordurosas. Ao microscópio, as fibras musculares que estiveram em conlacto com o veneno, não têm cslriação e apresentam-se como que desassociadas; nas mesmas condições de contado as libras nervosas são desorganisadas, degeneradas. Se procedermos á abertura das grandes cavidades fica- remos algumas vezes na difficuldade de não poder dizer ao cerlo qual foi a ordem de lesões que occasionou a morte do — 53 — animal. Se ella foi rápida, encontramos muito poucas altera- ções; os pulmões são apenas retrahidos com se o animal hou- vera morrido a uma serie de expirações forçadas, porque n'esles casos predominaram os symptomas de origem nervosa de que o principal é a paralysia dos músculos respiratórios; nos outros órgãos ha n'um ou n'outro ponto pequenas extra- vasações sangüíneas, principalmente no cérebro. Quando a morte não foi rápida, vemos, ao contrario, todos os órgãos lesados : por toda a parte congestões, hemorrhagias capillares de um sangue fluido e escuro, derrames de serosidade san- guinolenla entre as rneningeas, pleuras, folhas pericardicas, peritoneaes etc. Percorramos isoladamente os órgãos n'estes casos de intoxicação lenta. Enceplialo c medulla.—As rneningeas são congestiona- das havendo pontos hemorrhagicos e ecchymoses em diversos logares. O cérebro apresenta lambem o mesmo ponlilhado ; a substancia parda, segundo alguns observadores, é normal, outros atem encontradoamollecida; nos ventriculos cerebraes ha sempre derrame de serosidade sanguinolenla. Na medulla as alterações são idênticas. Pulmões—Hemorrhagias disseminadas na superfície e no parenchyma do órgão, engasgamento, congestão mais ou menos generalisada, eis tudo. Nas pleuras. ccchy;noses por vezes extensas. Coração.—Parado em diaslole, cheio de sangue negro e liquido, principalmente no ventriculo direito. A' vezes ha ahi coágulos molles, pouco resistentes. As paredes auriculo- ventriculares são roseas podendo haver um pontilhado he- morrhagico que se nota lambem na superfície externa do órgão principalmente nostrajectos dascoronarias onde tomam as proporções de extensas ecchymoses. A libra muscular car- diaca é san, geralmente. Ha, entretanto, em certos casos, ex- travasações entre os feixes de fibras musculares que então são amollecidas. ITestas lesões as mais communs são, internamente, as hemorrhagias sub-endocardicas, o que para alguns auctores constitue traço característico da inloxitação ophidica, e exter- namente as das ramificações das coronarias. Tubo gastro-intestinal.—A mucosa gastro-intestinal ê geralmente congestionada,com ecchymoses de dous a Ires mil- limetros dispersadas aqui e alli e que cm casos não raros inva- dem do oesophago até o recto. Muitas vezes ha verdadeira gas- tro-enterite. As cavidades são cheias de mucosidade glulinosa e sanguinolenta. Fígado.—Em uma autópsia o Dr. Urueta encontrou manchas ecchymoticas em diversos pontos da superfície hepalica ; por um corte ao nivel d'ellas, verificou que não interessavam toda a espessura do órgão e que não invadiam cm profundidade senão três a quatro millimetros do tecido hepatico. Elle pergunta se essas manchas não seriam alterações post-mortem, visto a pulrefacção que havia. Não ha duvidar que a pulrefacção possa produzir taes manchas n'esses casos, mas é certo também que o veneno ophidico por si só as en- gendra no fígado, como nos outros órgãos. O tecido hepatico é mais ou menos congesto. — 55 — Baço.—Tem sido por vezes encontrado amollecido e mais escuro. Órgãos urinarios.—Os rins são quasi sempre hyperhe- miados em toda a extensão principalmente o esquerdo e sobre- tudo na parte dos bassinetes. N'um exame feito pelo Dr. Ma- lassez,elle viu que os tubuli contorti da mesma maneira que os corpusculos de Malpighi eram normaes, mas viu certa quanti- dade de tubos reclos cujo epithelio desapparecêra eque eram cheios de granulações e gotticulas gordurosas ; as cavidades d'esses tubos não eram mais dislinclas e elles pareciam em ge- ral augmentados de volume; as gotticulas gordurosas tingiam- se de negro pelo acido osmico; ao balsamo de Canadá as cellu- las degeneradas e consequentemente ao desapparecimenlo da gordura, mostravam-se cheias de vacuolos, cada um d'estes correspondendo a uma vesicula de gordura. Nenhuma alte- ração tem sido notada nas cápsulas supra-renaes; só n'um caso o Dr. Lacerda encontrou íVellas um foco hemorrhagico. A bexiga contem geralmente urinas sanguinolentas que então são sedimentosas com deposito de massa branca e por vezes abundante. Este deposito examinado pelo Dr. Urueta conti- nha grande quantidade de granulações refringentes anima- das de movimento considerável tanto mais rápido quanto me- nores eram, e que, de tamanho variável, lembravam exacta- mente as encontradas no sangue e nas serosidades sanguino- lentas examinadas por elle. Como se vê, são insignificantes os conhecimentos que possuímos das lesões microscópicas apresentadas pelos órgãos, na intoxicação ophidica. — 56 — Sangue. Examinando agora o sangue, ou melhor, pro- curando o que os observadores encontraram de anormal no sangue dos animaes intoxicados pelo veneno ophilo, ficaremos á primeira vista embaraçados sobre a orientação que deve tomar o nosso espirito em uma opinião a abraçar, taes são as controversas. Tendo em vista, porém, que um phenomeno observado é sempre fado positivo, cabe-nos o dever unica- mente de indagar, pela synthese, onde paira o falsear das in- terpretações exclusivistas em que caem muitas vezes os ana- lysadores que só vêm o lado muitas vezes coincidentemente particular de sua única observação pessoal e dão como inex- acto o que é enunciado por outrem. Se Fayrer e Brunton não encontram no sangue alterações importantes e dizem que elle se coaguala facilmente, Vul- pian, ao contrario, encontra n'esse liquido todos os indícios de uma dissolução globul'ar c viu que elle se coagula com diííiculdade e é escuro, Lacerda e Urueta nos mostram que os fados são exactos, dadas as circumstancias, isto é, num animal que morreu ao veneno ophidico, tanto se pôde en- contrar o que viram Fayrer e Brunton, como o que viu Valpian. E' assim que quando a dose do veneno foi forte, a resistência tóxica do envenenado fraca, emfim a morte foi rápida, por paralysia dos músculos respiratórios por exemplo, as alterações que se encontram no sangue são in- significantes. Quasi sempre, n'estes casos, ha apenas os: cara- cteres do sangue do indivíduo asphyxiado. Quando se dão as condições contrarias em que a morte do indivíduo se faz demorar, em que o veneno absorvido teve tempo suííi- ciente de actuar sobre o sangue, são consideráveis e impor- tantes as alterações. — 57 — Vejamos pois quaes sejam essas alterações. Em um primeiro grau, poucas são ellas. O sangue é de um vermelho escuro e coagula-se embora um pouco demoradamente. Este sangue pôde retomar a côr normal no fim de certo tempo de exposição ao ar. Em grau mais avançado, a côr é mais escura, a incoa- gulabilidade definitiva e por vezes completa, a fluidez conside- rável Em que pese a Mitchell este sangue não mais readquire a côr normal exposto ao ar; é o que nos dizem Urueta e outros e o que nos fazia prever o exame microscópico. N'um animal, portanto, que morreu a uma intoxicação lenta da peçonha dos ophidios de qualquer espécie que seja, as alterações sangüíneas que atlráem logo a attenção do observador são : côr escura} perda da propriedade de coagu- lar-se, fluidez excessiva. Examinando ao microscópio este sangue, vemos o que se segue : Se a morle do animal foi rápida, nada ha de anormal. Quando porém ella se fez demorar e os eíTeilos foram se des- enrolando com certa lentidão, notamos graus diversos de alterações, conforme foi maior ou menor a quantidade de ve- neno absorvido em contado com o sangue e ainda conforme o tempo d'esse contado. Em grande parle do elemento glo- bular notam-se logo alterações na fôrma e na côr. Alguns, na maior parte, têm a circumferencia dos bordos crenada, em fôrma de roda dentada; outros são como que insuflados, deformados, alongados e separam-se em diversos fragmentos; i outros, depois de ter apresentado na superfície do disco nu- merosos pequenos pontos brilhantes,se separam em granulações refringentes animadas de movimento browniano» (Lacerda). 8 1888—B — 58 — Urueta viu também granulações gordurosas refringentes aná- logas ás encontradas no serum e serosidades sanguinolentas acima referidas, que elle julga ter sido o primeiro a vêr e as quaes sendo muito pouco apparentes n'uma preparação secca, precisam, para ser percebidas, que se dissolvam e destruam to- talmente os glóbulos vermelhos ; para isto trata-se uma prepa- ração sêcca de sangue por uma solução aquosa de hematoxi- lina ou d'eosina, os glóbulos desapparecem e vêm-se muito nitidamente estas granulações gordurosas de tamanho e talhe differentes e muito refringentes (Urueta). Quanto ás modificações de coloração, já Brainard, ha muito, assignalou o descoramento globular. Vê-se em alguns glóbulos côr marron com um bordo obscuro em toda a cir- cumferencia do disco, ao passo que outros se mostram intei- ramente descorados tendo ainda a fôrma normal. Os glóbulos brancos são sempre pouco alterados na fôr- ma, seu numero não é exagerado, os núcleos são simples- mente apparentes. Ha poucos hematoblastos no sangue e nas preparações vêm-se, por vezes, aqui e alli, aggregações hema- toblasticas bastante consideráveis, O exame do sangue, feito simplesmente pelo processo de Hayem, é insuííiciente para mostrar este descoramento globu- lar, porque nestas circurnstancias os glóbulos tornam-se diffi- cilmente visíveis; é preciso que se sirva de reactivos corantes de que o melhor n'este caso é o reactivo iodo-iodurado (Urueta). Talvez por n3o ter attendido a estes cuidados de technica microscópica, Mitchell tivesse encontrado os glóbulos sangüí- neos admiravelmente intactos, o que é erro. « Ha entre os glóbulos numerosos micróbios que se agi- tam com rápidos movimentos em todos os sentidos. Muitas — 59 ~ vezes é curioso vêl-os agruparem-se n'urna multidão com- pacta sobre o cadáver d'um glóbulo, semelhante a um bando de corvos sobre os despojos d'um animal. A massa do glóbulo desapparece em poucos momentos como se fosse devorada por esta espécie de abutre microscópica ». (La- cerda). Como já vimos, Halford attribue a estes micro- organismos grande importância na intoxicação que estu- damos. Mas este modo de pensar não tem sido confirmado por nenhum experimentador o que é muito, e foi completa- mente combatido por Vulpian e Lacerda, o que é tudo Vejamos agora o que nos faz conhecer a experiência in-vitro. « Se tomarmos dous proveles graduados, um con- tendo uma certa quantidade de veneno de cobra, e que nos dous se faça derramar uma egual quantidade de sangue, extrahido da artéria carótida de um cão, vemos o sangue do provete que contém o veneno tomar, em alguns momentos, uma coloração violacea nas camadas mais profundas, colo- ração que se torna negra e se propaga rapidamente até as camadas superficiaes do sangue. Se no fim de certo tempo compararmos o sangue dos dous provetes em questão, encon- traremos uma difíerença sensivel de aspecto e de coloração : o sangue envenenado é negro, carbonisado, como o sangue na asphyxia; é quasi inteiramente fluido, e, algumas vezes apresenta um pequeno coagulo de sangue molle, gelatinoso, difluente, que occupa o fundo do vaso. O ser um separa-se rapidamente. O outro sangue, o não venenoso, é, ao con- trario, coagulado inteiramente e tem uma côr escarlate viva. No fim de 24 horas, o coagulo do primeiro desapparece to- talmente. Este sangue negro, que tem a apparencia d'uma — 60 — forte infusão de café, é de uma fluidez aquosa. Sua decompo- sição pútrida é rápida. Estes phenomenos foram constantes em numerosas experiências que fizemos ».......t Toda- via se mudarmos as condições de contado do veneno com o sangue, isto é, se reduzirmos consideravelmente a quanti- dade de sangue sobre a qual deve o veneno agir, as alterações são muito mais profundas e mais rápidas, tão rápidas quanto poderiam sel-o as transformações produzidas por um reactivo chimico. Com effeito, quando, a uma gotta de sangue fresco e normal, juntamos um pouco de veneno puro e quando le- vamos esta mistura ao foco de um microscópio de conve- niente augmento, eis aqui o que observamos : primeiramente os glóbulos vermelhos reunem-se em massa,collam-se uns aos outros e começam logo a perder as fôrmas normaes. A disso- lução é completa em poucos minutos. Não resta então, senão uma matéria proloplasmica amorpha, semi-liquida, de côr amarello uniforme, com eslrias vermelhas e muito vivas » (Lacerda). A apparente contradicção que parece haver no facto de encontrarmos o sangue normal ou muito pouco alterado quando a morte do animal foi rápida e, ao contrario, gran- des alterações quando ella foi lenta e demorada, é que no primeiro caso o veneno não teve tempo de ser absorvido, de diffundir-se e actuar suficientemente sobre o sangue. Por que mechanisroo chega o veneno ophidico a produ- zir sobre o sangue as alterações que acabamos de descrever? E' o que estudaremos d'aqui a pouco. Os dados que possue a sciencia sobre a acç5o physiolo- gica do veneno ophidico são ainda poucos e incertos. Seremos — 61 — por este motivo apenas o echo das opiniões dos competentes resumindo-as a poucas palavras. Absorpção.—Como diremos no seguinte capitulo, a absorpção do veneno ophidico introduzido hypodermicamente varia conforme a região, conforme a profundidade cm que é depositado, circumstancias que não carecem ser discutidas por nada terem de notável em relação ás outras substancias tóxicas conhecidas. Em egualdade de circumstancias, porém, e de modo geral, pôde se dizer que, em injecção hvpoder- mica, a absorpção da peçonha ophita faz-se com certa lenti- dão; seja porque ella se diffunda em grande superfície atra- vessando os tecidos, seja pelos phenomenos da reacção que provoca in loco, seja por qualquer motivo, o certo é que ge- ralmente só depois de algum tempo começam os phenomenos núncios de alteração sanguinea, isto é, de absorpção. Fontana, ainda depois de certo tempo salvava frangos amputando-lhes o membro em cuja extremidade havia sido depositado o veneno; e nós sabemos que « as aves são os reactivos physiologicos da peçonha dos ophidios » pela sua sensibilidade extrema. Assignalemos um fado de importância clinica que é a proporção inversa que existe entre o desenvolvimento dos phenomenos locaes e a absorpção. Exagerando este facto, como quasi sempre acontece, diz o povo que doente que incha não morre. Acreditamos que n'estes casos a grande diffusão em que se acha o veneno faz com que elle seja absorvido muito aos poucos, dando tempo á eliminação deconjurar todos os perigos da accumulação de dose massiça no sangue. Os Srs. Cheron — 62 — e Goujon (I) fizeram experiências de injecção não só do se- rumsanguinolento encontrado nas cavidades das serosas, como também do encontrado ao nivel da picada, oblendo effeitos muito análogos aos da peçonha. Estas poucas experiências infelizmente são passíveis de muitas objecções. Concorre ainda a lentidão da circulação da parle, pela compressão que soffrem os vasos. Introduzido n'uma veia ou artéria, a acção é rápida e póde-se n'este caso comparal-o aos venenos mais activos conhecidos. Depositado sobre a pelle intacta, nada faz. Sobre as mu- cosas dos animaes superiores também não tem acção, pois que Fontana depositando sobre a língua a peçonha da vi- bora não diluída, sentiu apenas sensação desagradável de adslringencia, durável, e nada mais. Vulpian (2), deposi- tando-asobreamucosa buccal da ran,observou que no fim de certo tempo ella debatia-se procurando retirar com as patas o que tinha na bocca,parecendo sentir dôr; os effeitos geraes, se bem que demoradamente, appareceram como se houvera sido injectada hypodermicamente a peçonha. A delicadeza extrema d'essas mucosas explicam suficientemente a apparente con- tradicção. Pela via estomachal é sabido que venenumserpentum non gustu sedin vulnere nocet (Celso). Cabe-nos apenas aindagaro porque d'este facto que aliasse dá com as peçonhas dos outros animaes. (1)—Cheron et Goujon.—Compt. rend. de VAcad. des Sc. de 9 de Novembro de 1868 pag. 962—Sur Vaction du venin de Ia vipere. (2)—Vulpian—Arch. de Physio. norm. etpath. 1869 pag 123.—>Sur Vaciion du venin du Cobra di Capello. — 63 — Quanto á peçonha dos ophidios a razão não pôde ser a presença do sueco gástrico destruindo chimicamente ou ani- quilando a acção, pois que A. Gautier fazendo injecções de peçonha da Naja tripudiam antecipadamenteaddicionada a sueco gástrico fresco,obteve intoxicação prompta, chegando mesmo á conclusão inesperada de que elle augmenta consi- deravelmente a actividade tóxica da peçonha, de mistura in- jectados hypodermicamente. Em vista de tal resultado Dujar- din-Beaumetz pensa n'alguma alteração soffrida pela peço. nha, atravessando o fígado analogamente a outras substancias tóxicas, no que é acompanhado por A. Gautier. Entretanto Colin faz notar com razão que essa explicação não tem fun- damento, porquanto a demora que a peçonha tem no estô- mago e antes de passar pelo fígado, era mais que suíficiente para ser absorvida e actuar sobre o sangue. Eis aqui o complexo de circumstancias que concorrem, a nosso ver, para tal fim : Em primeiro logar se está provado que o estômago absorve, também está fora de duvida que esta absorpção é sempre extraordinariamente lenla, dando tempo assim que, no caso vertente, o veneno se elimine sem pro- duzir a menor perturbação. Em seguida, passando para os intestinos, a peçonha soffre a acção da biles que, segundo o mesmo Sr. A. Gautier já havia annunciado (1), destroe-lhe completamente a actividade. Em ultimo logar, atravessando o fígado, o que tenha escapado á a.cção da biles, pode ser en- tão destruido. Finalmente não nos esqueçamos de que a pe- çonha dos ophidios é um sueco digestivo e que todos elles são bastante tóxicos em injecção hypodermica. (1) A. Gautier—Chimie appliquée á Ia Physiol. à ia Path. et à 1'Hygiene, Paris 1874—t. I pag. 267 (nota). — 64 — Eliminação.—Estudar a eliminação de um agente qual- quer, que tenha actuado por absorpção em um organismo vivo, é sempre de transcendental diíliculdade. Em primeiro logar temos que attender ao tempo: poderemos chegar cedo ou tarde de mais para proceder a pesquiza, ir sorpre- hendel-o em sua passagem pelos emunctorios naluraes ou esperar encontral-o nos primeiros ou nos últimos liquidos de excreção d'estes mesmos emunctorios. Em segundo logar saber quaes as vias preferidas por onde se elimina a totali- dade ou a maior parte do veneno. Em ultimo, saber se elle estará em natureza ou alterado em sua composição chimica. Quanto ao tempo, absolutamente ninguém tentou inda- gal-o. Opiniões contradictorias existem. Alguns dizem que o veneno se elimina com lentidão extraordinária, tendo em vista os accidentes periódicos ecacheticos que ás vezes accom- mettem os indivíduos que foram viclimas da serpente; quando tratámos da symptomalogia (Cap. I 2a parte) explicámos este facto e n5o voltaremos a elle. Tudo ao contrario nos faz pre- ver que o veneno ophidico elimina-se com rapidez, porque é facto commum deixar-se um individuo hoje no apogêo da intoxicação e encontral-o amanhan completamente restabele- cido ; dous a quatro dias, no máximo, é o tempo geralmente gasto pelo veneno ophidio para penetrar e sahir de um or- ganismo vivo, podendo se dizer, baseado na observação, que a absorpção está para a eliniinação, como 5:3. As vias preferidas, nos parece dizer ainda a observação somente que sejam o tubo gastro-intestinal e a pelle, vindo em seguida os rinse que todas as outras participam d'essa incumbência embora em menor escala. Como já dissemos,esta questão não tem sido estudada como devera. Urueta tentou — 65 — elucidal-a, fazendo injecções de urina de animaes intoxicados, mas suas experiências são tão poucas e sujeitas a tantas objec- ções que não nos adiantam cousa alguma. E para ter valor esse processo seguido por Urueta, força seria que primeiro verificasse se o principio aclivo da peçonha se elimina em natureza e nenhum, absolutamente nenhum trabalho, tem sido tentado n'este sentido. Acção sobre o sangue.—Qual o mechanismo pelo qual o veneno ophidico produz no sangue as alterações que apon- támos? O Dr. Lacerda limita-se a conjecturar « que a pe- çonha, ávida de oxygenio, como as ptomainas suas congê- neres, apodera-se d'este gaz contido no sangue e o põe assim nas condições de um sangue asphyxiado ou carbonisado. » A analyse microscópica mostra que simplesmente essa razão não satisfaz ao espirito e a analyse espectroscopica não foi ainda feita. Também este auctor apressa-se em avisar que « isto não passa de pura hypothese e que, melhor e mais prudente em taes casos, é confessar nossa completa igno- rância, do que expôr-nos a ser joguetes de nossos erros e de nossas illusões. » Mitchell pensa n'um phenomeno da natureza das fer- mentações sem dizer a que espécie de fermentação allude. Mas como dissemos, este auctor só encontrava fluidez exces- siva, côr negra e incoagulabilidade como únicas alterações san. guineas. Não têm valor, pois, as conclusões a que chegou o illustre experimenlador. Vejamos o que diz o Dr. Urueta : « O que torna-se a fibrina no envenenamento pela pe- çonha da serpente e qual a causa da alteração produzida nas 9 1888—B — 66 — propriedades coagulantes da fibrina ? Tal é a fôrma sob que se apresenta naturalmente o problema. Ha aqui effeclivã- mente, diflicil questão a resolver ; e lendo os trabalhos de Hayem sobre a formação de concreções sanguineas intravas- culares (Revue scientifique 24 Juilet 4883 pag. 83), acredi- tamos poder assemelhar este phenomeno aos que se passam na 1 transfusão, em um animal, de serum sanguineo retirado de outro. Vemos com effeito nos dous casos, alterações visceraes da mesma natureza e completamente idênticas. • Esses symptomas são—diarrhéa sanguinolenla,por vezes muito abundante, anuria quasi sempre completa, abaixa- mento da temperatura central, symptomas estes a que suc- cumbe rapidamente o animal. A autópsia revela congestões e infarctus hemorrhagicos no parenchyma dos pulmões, do fígado, dos rins, nas rnucosas estomachai, intestinal e vesical, em conseqüência de embolias capillares múltiplas. O sangue ê escuro e incoagulavel. « Besulta pois, continua Urueta, que o veneno da ser- pente contém um fermento particular, micróbio ou não, que goza d'esta singular propriedade de actuar sobre a matéria fi- brino-plastica do sangue e determinar coagulações capillares e microscópicas, análogas ás concreções assignaladas pelo professor Hayem, nas coagulações por precipitação. Isto coincide com a destruição e dissolução globular. » Ficam assim explicadas para Urueta as hemorrhagias capillares, a fluidez e a incoagulabilidade sanguineas. O Dr. Lacerda parece ter pensado n'essas coagulações microscópicas para explicar as hemorrhagias, se bem que não torne bem claro o seu pensamento. Explica a maior freqüência das alterações pulmonares em relação ás outras — 67 — vísceras por ser o pulmão o primeiro órgão visceral por cujo parenchyma passa o veneno na generalidade dos casos. Quanto ás visceras abdominaes, acredita elle que as congestões e hemorrhagias capillares sejam devidas em grande parte ao facto do abaixamento da pressão arterial, phenomeno a que sempre corresponde uma dilatação dos vasos abdomi- naes sob a influencia do nervo depressor de Cyon, diz elle. O auctor citado é o primeiro a não dar valor a esta opinião. Não negamos que logo em começo possa haver tal interfe- rência nervosa. Esse acto, puramente reflexo, não seria dura- douro e suííiciente para explicar a intensidade e a generalysa- ção (como vimos no cérebro, medulla, meningeas etc.) de taes congestões e muito menos das hemorrhagias. Demais, essa queda brusca e por vezes considerável da tensão arterial nem sempre se observa, ao passo que as congestõss e hemor- rhagias a que nos referimos são os phenomenos mais commnns da intoxicação ophidica. Mesmo que assim fosse, é quando augmenta a tensão arterial que se pôde dar a vaso-dilatação abdominal sob a influencia reflexa do nervo depressor de Cyon; e como dissemos que no começo da intoxicação ha muitas vezes, não diminuição porém, augmento da tensão ar- terial que em breve se dissipa, só n'este curto periodo estas congestões e tão somente ellas (não as hemorrhagias) corre- riam por conta do nervo depressor de Cyon. E' o que nos dizem os physiologistas. Acreditamos na influencia nervosa, mas exercida directamentesobre os centros vaso motores, pelo veneno, acção que se faz sentir em quanto elle está presente e não se elimina; isto, entretanto não basta e não podemos negar que as alterações sanguineas são os principaes factores. Explicar as modificações de coloração do sangue nos — 68 — casos que estudamos,tem sido para os auctores um aventurar de hypotheses sem valor porquanto não baseam-se em cri- teriosas analyses chimicas ou em exames espectroscopicos. E não querendo nós cahir no mesmo desaire, diremos simplesmente que a matéria corante soffre, n'um primeiro gráo, alterações não muito grandes, mas que não podemos aflfirmar que seja reducção (Lacerda, Mitchell), desdobramento ou qnalquer outra mudança chimicacomo as produzidas pelo gaz sulphydrico e outros venenos hematicos ; que em gráo mais avançado são profundas e definitivas as alterações, pare- cendo mesmo que de alguns glóbulos a matéria se des- prende totalmente. Acção sobre o systema nervoso.—Sustentam o Dr. Lacerda e outros que os nervos conservam-se inalterados em todas as funcções; que apenas osquesoffrem contado directo com o veneno apresentam certas alterações. Vulpian e outros, aííirmam entretanto que a neurilidade desapparece com- pletamente. Onde não pôde haver duvida, é que o veneno exerça acção sobre os centros, porque se ha pleno accôrdo em que a contractibilidade muscular conserva-se intacta a não ser nos músculos que estiveram em contado directo com o veneno, como explicar as paralysias que sempre apparecem quando a dose do veneno é grande? Verdade é que ha algumas vezes, logo em começo, con- tracluras, convulsões generalisadas mesmo, porém que logo são seguidas de relaxamento muscular completo e paralysia; queoDr. Lacerda conseguiu fazer desapparecercontracturas, e opisthotonos em um cão em cuja pata havia sido injectado o veneno, seccionando o nervo sciatico que ia ter a essa pata. — 69 — Esses reflexos, devidos á irritação peripherica produzida pela acção directa do veneno em contado com os filetes nervosos do membro, provam simplesmente que o veneno ainda não tendo sido absorvido, não pôde actuar sobre os centros ner- vosos-, porque nas injecções intra-venosas são raros; porque nós conhecemos muitas substancias deprimentes do systema nervoso central, precedidas deste primeiro período de exci- tação. O veneno ophidico em dose alta, acfúa, pois, sobre os centros medullares, tirando-lhes o poder excito-motor. Se o leitor lembrar-se do que dissemos no capitulo da symptomatologia, sobre o funccionalismo cardiaco e pul- monar, ficará impressionado com a semelhança que existe entre as conseqüências da sccçâo dos pneumogastricos e os symptomas apresentados pelos animaes em que forte dose de veneno foi injectada. Com effeito, no coração, observamos fraqueza das contracções de par com acceleração notável e irregulari- dade sempre crescentes até parada do órgão. No funcciona- lismo pulmonar, observamos essa dyspnéa característica que termina na parada brusca da respiração. Isto quer dizer que o veneno ophidico actua também sobre os centros respiratório e cardiaco, isto é, sobre as origens do pneumogastrico (no bulbo) paralysando-as. Apresenta-se agora questão importante que por certo já assaltou a mente do leitor. Será o mesmo agente que ora actua sobre o sangue, ora sobre o systema nervoso conforme a menor ou maior dose ? Serão dous es princípios activos, um peculiar a certas espécies, outro peculiar a outras ? Ou apenas, na mesma espécie ou em espécies differentes, estes — 70 — dous princípios podem se apresentar em doses variáveis, um em relação ao outro ? E' a ultima opinião que abraçamos, sem comtudo termos, com o que existe, a veleidade de garantir-lhe à exactidão. Não é pretensão ousada : é franqueza, é o dever de lealdade em expormos francamente as nossas idéas. E nós fornos levados a esta opinião pelo seguinte : Julius Gnedza (1) (de Berlin) acredita que a acção do veneno da Naja tripudiam se faz principalmente sobre o systema nervoso e que a da Daboia Russelii mais sobre o sangue. Entretanto da leitura dos seus trabalhos vê-se que mesmo no primeiro caso, quando a morte foi demorada, as alterações sanguineas fazem-se notar da mesma maneira. Ahi estão as experiências de Vulpian com o veneno da mesma Naja tripudians confirmando a nossa asserção. Será esta divergência devida á proveniencia diversa do réptil ? Wolfenden (2), de cujos trabalhos só tivemos conhe- cimento quando nos chegou ás mãos o livro de Roux, publi- cado este anno sobre as moléstias dos paizes quentes, motivo porque não nos referimos a elles no logar competente, mas que felizmente em nada transviam as nossas idéas a respeito da natureza chimica do veneno, encontrou tanto na peçonha da Naja como da Daboia (vibora da índia), além de outras, uma substancia albuminoide paralysante a que elle chamou glo- bulinaeque, sempre presente, apenas variava na quantidade. (l) Congresso de Washington, 8 de Setembro de 1888 e Roux.—Maladies des pays chauds—vol. 3, 1888 pag. (2) N. Wolfenden— Revue scientifique, pag. 511—23 de Novembro de 1886. — 73 — Do estudo que fizemos acreditamos poder tirar as se- guintes conclusões: 1.° A peçonha dos ophidios actua localmente sobre os tecidos como nas experiências in vitro certos suecos diges- tivos—■ o sueco gástrico, parte do pancreatico. 2.° Contém um veneno hematico que actua ao mesmo tempo sobre os glóbulos e sobre o plasma. 3.° Contém, em menor úó^e, porém, de acção mais rápida e mais tóxica, um veneno dos centros nervosos, do grupo dos paralysantes. i.° Estes dous venenos sempre estão presentes na pe- çonha, apenas variando na proporção relativa um para o outro conforme a espécie de serpente (Gnedza) ou, na espécie (Wolfenden), conforme a localidade, o clima, a ali- mentação, etc. 5.° A peçonha dos ophidios é finalmente um sueco digestivo que contém, além do fermento solúvel — a toxico- phiase, dous agentes tóxicos ainda não isolados. — 72 — CAPITULO IV P*3g&QgtÍCQ Em frente de um caso de intoxicação ophidiana, dizer o que elle será depende de tal complexo de circumstancias, que éextremamente difficil e na maior parle das vezes impossível. Agente e victima, eis os dous factores principaes que, sendo variáveis ao infinito, fazem que a trajectoria de cada phenomeno, como o fiel de uma balança, accuse as mais insignificantes modalidades com que se apresentem elles. Vamos pois tratar das circumstancias que podem influir sobre o prognostico, oriundas da serpente e da victima. Digamos desde já que a mortalidade não é tão grande como pensam alguns, nem tão pequena como outros acredi- tam. Robin (1), abraçando a opinião de Fontana(2), acredita ser excepecionalissima a morte causada pela intoxicação ophi- dia, ao passo que para Encognère a proporção é de 20 a 25 por 100° dos mortos em relação aos feridos. Para Bilroth e V. Grand-Marais(3) é de 3 a 4 por 100". E'esta ultima pro- porção que hoje é acceita pelos pathologistas europeus; entre nós acreditamos que ella seja essa mais ou menos. (1)—Bul. de VAcad. de med. de Paris. 1874 pag. 557. (2)—Traitésur le venin de Ia Vipère. 1782. (3)—Op. cit. et Ia lethalité du venin de Ia Vipère in Assoc. f. pour Vavance- ment des sciences. Nantes 1875 pag. 1059. — 73 — As condições inherentes ao ferido que podem influir sobre o prognostico são as seguintes: Io.—Peso. Foi estabelecendo a relação entre as doses necessárias para matar um pombo, um gato, um cão etc, que Fontana concluio não conter, nunca, uma Vibora da Eu- ropa, peçonha sufficienle para, n'uma só mordedura, causar a morte ao homem adulto. Como todas as deduções d'este gênero sem a base dos fados, isto é exagero como já fize- mos notar e as outras muitas circumstancias, que vamos pas- sar em revista, que podem aggravar o prognostico, dispen- sam-nos qualquer argumento. Entretanto não queremos dizer que soffra aqui excepçâo a grande lei de Cl. Bernard e em egualdade das outras circumstancias, tanto mais resis- tência offerece o animal intoxicado quanto maior é o seu peso. 2o.—A parte ferida tem grande importância por muitas razões: desegualdade na rapidez da absorpção; maior ou menor penetração dos colchetes—os arranhamentos pura- mente da pelle não têm senão ligeiros phenomenos locaes; a penetração no tecido subcutaneo, que é o caso commum, traz phenomenos locaes e geraes; em uma veia predominam estes últimos e a rapidez da acção é extraordinária, assim como o caso torna-se geralmente muito sério ; em uma arté- ria pode até ser favorável ao prognostico, porque o pequeno escorrimento de sangue que então se faz, traz sempre a eva- cuação de alguma parte do agente tóxico; a situação das partes—a lingua apresenta glossite oedematosa enorme, o pescoço tumefacção, que podem levar grandes perturbações ao acto respiratório. 3°,—As condições da região ferida, oíferecendo obstáculos 10 1888—B — 74 — á penetração dos colchetes (rigeza da parle, calçados etc.) ou ao veneno (vestimentas facilmente impregnaveis etc.) têm importância. 4o.—A espécie do animal. Alguns animaes são mais sensí- veis do que outros. Os de sangue frio resistem muito, razão por que as serpentes passam por não soffrer o menor accidente se fôr picada por outra serpente, na opinião de alguns como Fontana e Guyon(l). Muitos experimentadores, entre outros Cl. Bernard (2) e entre nós o Dr. Lacerda mostram cabalmente a pouca razão d'esse modo de vêr. Coutance (3) acceita o facto para espécies differentes, mas põe em duvida que, exemplificando, uma jararaca seja sensível á morde- dura de uma jararaca, opinião que elle não motiva e onde não vemos razão de ser. Será devido este facto á baixa tem- peratura ou á circulação vagarosa e pequena d'esses animaes? » Se collocarmos um animal de sangue frio em uma estufa, diz V. Grand-Marais, veremos a intoxicação se fazer n'elle como n'um animal de sangue quente. > Não sabemos se é simples conjectura ou facto experimentado. Em todo o caso acreditamos mais que o motivo resida não na temperatura propriamente, mas na circulação e que n'aquellas circum- stancias, esta se accelerando, traga como resultado maior e mais rápida absorpção de veneno, porque a contra-prova nos é fornecida pelo Dr. Lacerda que resfriando o membro de um animal a 13° e injectando o veneno, a intoxicação fez-se como se quasi nada houvesse. i.l) Guyon.—Le venin des serpents exerce-t-il sur eux mames Vaction qu'il f.rerce sur les autres animaux ? Compt. r. 1861, pag. 12. (2)—Cl. Bernard—Substances toxiques et médicamenteuses Paris 1857 pag. 391. (3)—Contance—Venins et Poisons. Paris 1888, pag. 159. — 75 — Entre os animaes de sangue quente, o porco, pela du- reza da pelle, grande massa de tecido adi poso subcutaneo que tornam muito difficil ou muito demorada a introducção do veneno á circulação geral, estão quasi sempre isentos de pe- rigo, fazendo mesmo que elles sejam um dos peiores inimigos das serpentes e em certas localidades o seu maior destruidor; quasi sempre, dissemos, porque elles não são immunes to- talmente fallando; sendo mordidos em certas regiões, como os beiços, onde a absorpção seja fácil, soffrem como qualquer outro animal. O gato soffre muito, porém raramente morre. O boi não é dos mais sensíveis; o cão e o cavallo o são bastante. O homem e um dos mais fracos porque, além de outras circumstancias, a que se segue é de grande monta. o°. lmpressionabilidade.—Já fizemos vêr qual a influen- cia que ella tem e não repetiremos ; dizendo todavia que sob este ponto de vista o homem está em peiores condições do que o animal irracional. 6o. Idade.—As crianças, mesmo independentemente do peso, são menos resistentes do que os adultos; da mesma maneira os velhos. 7o.—A fraqueza, o estado valetudinario, todas as causas emfim que collocam o organismo em difticuldade de apre- sentar reacção efficaz aos agentes mórbidos que o acommet- tem, tornam mais sério o prognostico da intoxicação ophita. 8o.—O facto de uma intoxicação anterior, longe de ame. nisar as conseqüências da actual, como acredita o povo, é de máo presagio, maximè se aquella é de data recente ou se occasionou no individuo a cachexia, o estado valetudinario de que tratámos nos dous primeiros capítulos d'esta segunda — 76 — parte. Os pretendido^ curados de cobra só existem na imagi- nação exaltada do povo, propensa a tudo quanto e do domínio do maravilhoso incognoscivel. Tal convicção nossa é o corol. lario forcado do que pensamos e dissemos da theoria de Halford ísegundo capitulo da primeira partej, da pharmaco- dynamica da peçonha ophidia (terceiro capitulo d'esta se- gunda parte) e finalmente do que em breve vamos dizer sobre a questão da relação que existe entre a dose de veneno inje- ctado e os phenomenos mórbidos apresentados pela victima. 9o.—O estado do estômago e das funcções digestivas, comprehende-se, tem influencia, porque, como já vimos, o apparelho digestivo é uma das boas vias de eliminação da peçonha. Com o estômago cheio o animal se acha em muito peiores condições do que em jejum e para aquelles que facil- mente vomitam é esta uma circumstancia bem favorável. 10.—Crises physiologicas. A época dos catamenios, a pre- nhez,se bem que circumstancias desfavoráveis, não são entre- tanto causas para produzir a morte, e nem e suspensão brusca dos catamenios, nem o aborto, são conseqüências forçadas, po- dendo entretanto se dar; mas então geralmente ha a inter- venção do grande factor—abalo nervoso causado pelo terror. 11.—Immunidade original. Os pshyllas (espécies de ba- teleiros da índia que têm sempre em seu poder serpentes vivas) dizem-se fora de perigo porque em suas veias corre o mesmo sangue das serpentes ; os marsas (povo da antiga Lamnium que era uma região da Itália, a E. do Latium), di- ziam-se parentes de S. Paulo e este o motivo de sua preten- dida immunidade. Será preciso dizer que tudo isto não passa «le crendices de ignorância, verdadeiros embustes ao critério alheio, feito pelos interessados em possuir tal immunidade? — 77 — Onde se tem procurado verificar o facto, a mystificação se patentèa. E' assim que, entre nós o Dr. Lacei da vio um afri- cano feiticeiro que fazia-se mordei por serpentes venenosas sem ter com isto o menor aecidente ; o Dr. Eduardo Gui- marães obtendo a muito custo uma d'essas serpentes, viu que lhe tinham sido perifamente arrancados os dentes inocula- dores. E' mesmo este.o segredo dos encantadores de ser- pentes da Índia segundo nos attesta Rousselet que assistio a um sapwallah chamar o réptil ao som do toumril, pren del-o com precauções dextras e amestradas, e arrancar-lhe os colchetes Ímmediatamente; é ainda o que viu Huilet com um velho forçado indiano, antigo sapwallah celebre, que con- sentira em mostrar-lhe praticamente o segredo de sua magia em uma cobra-capello posta á disposição (1). E não ser mordido pela serpente não quer dizer que o veneno seja sem acção uma vez inoculado. Tudo pois está no acto da apprehensão do animal. Dextreza ou fascinação real da serpente, eis a primeira condição a attender, arrancar os dentes inoculadores Ímmediatamente, eis a segunda. Fasci" nação, dissemos, porque « não é só a espécie humana que é susceptível do hypnolismo, mas sim outra qualquer espécie animal. Não entro na questão de discernir o hypnotismo na espécie humana do magnetismo particular aos animaes. 0 caso é que ninguém ignora que ha animaes que são muito susceptíveis de fascinação. » (2). Para nós,pois,aimmunidadeoriginal comoacomprehen- dem alguns escriptores, não existe para a peçonha dos ophidios. (1)—Contance—op. cit.— pag?. 206 e 209. í2j—Dr. F. Fajardo—O hypnotismo, Rio de Janeiro 1888. pag. ) 17— (Hypnotisa ção de animaes). — 78 — Resumindo, as condições inherentes ao ferido capa- zes de influir sobre o prognostico, podem ser reduzidas ás seguintes : Io,—maior ou menor absorpção (depen- dente da parte ferida, maior ou menor protecção em que está etc); 2o,— resistência oferecida pela econo- mia á acção do veneno (conforme o peso do ferido, idade, estado de saúde, impressionabilidade etc.); 3o,—estado das funcções eliminadoras (sobre que influem o estado do tubo gastro-intestinal, as crises physiologicas etc). As condições próprias ao réptil são as seguintes: Io.—Espécie. Se um Naja possue em suas glândulas 1gr 50 de peçonha, uma Vibora 0gr 15, a gravidade da ferida produzida pela primeira é muito maior do que a pro- duzida pela segunda. E' uma explicação do que a observação mostra e que salta ao espirito. Quanto á hypothese de maior concentração do veneno, isto é, mais principios activos em menos vehiculo, seria possivel mas não é* provado, ao con- trario tudo induz a crer na homogeneidade de sua proporção posologica em relação ao vehiculo nas diversas espécies de serpentes. 2o.—A idade e o tamanho, pela mesma razão, devem ser consideradas, porque é claro que um surucucu de 3 mezes tem muito menos peçonha do que um de 3 annos. 3.°—A força, fazendo variar a profundidade da ferida; a duração da mordedura, isto é, o tempo que os colchetes estão em contado com os tecidos da victima; o estado de exci- tação do réptil, são circumstancias cuja influencia não nos é preciso demonstrar. 4.—0 numero de picadas. Em cada uma que se faz, — 79 — nova quantidade, se bem que menor sendo o mesmo réptil, é injectada. 5o.—A despeza recente, pelo que acabamos de dizer, atenua o prognostico : em diversos animaes mordidos pela mesma serpente e na mesma occasião, o prognostico vae se atenuando sensivelmente do primeiro para o ultimo que, se teve muitos intermediários, nada soffrerá. 6o.—Certas condições de localidade, fazendo que os ophi- dios possam viver occultos, em perfeita paz, portanto ser mais numerosos e mais fortes, torna-os mas temiveis. E' a razão que V. Grand-Marais atlribue á gravidade e ao grande numero dos accidentes causados pela Vibora na Vandéa, onde em geral vivem occultas em uma sarça muito densa. Do que acabamos de dizer, vê-se que em relação ao ré- ptil, tudo resume-se na quantidade de peçonha injectada e absorvida: tanto maior é ella, tanto mais sério o pro- gnostico. Além d'estas condições peculiares a cada um—réptil e ferido, ha a circumstancia commum do clima. Nos climas quentes não só os ophidios venenosos existem em muito maior numero, como também as feridas por elles feitas re- vestem-se geralmente de mais gravidade. Ainda mais uma vez dizemos, e esta verdade não pede demonstração no nosso Brazil, as mordeduras de cobras ter- minam pela cura na grande maioria dos casos. Os doentes apresentam symptomas assustadores, tudo faz crer n'uma próxima terminação fatal e noemtantotudo vae se amainando lenta ou rapidamente, succedendo perfeita saúde no fim de poucos dias; por exemplo as hemorrhagias externas que tanto assustam ao homem do povo, os vômitos etc, só têm — 80 — como resultado a mais rápida eliminação do veneno e por- tanto favorecem a cura. Tratámos aqui das condições que podem influir sobre o prognostico, que poderíamos chamar — preexistentes. Quanto á apreciação de tal ou tal symptoma que pôde aggravar este ou aquelle caso, já o fizemos nos capítulos pre- cedentes e não devemos repetir. Tratamento CAPITULO i Trat&meato empbico Enumerar seccamente, sem descripção, sem commen- tarios, já não dizemos tudo o que tem havido de empírico, mas somente o que tem tido certo renome entre os povos das diversas regiões do globo, como meio de tratamento infalli- vel contra as mordeduras de cobra, seria encher grosso vo- lume de paginas de absoluta inutilidade. Absurdos alguns, irrisórios outros, taes são esses meios. Fallemos, pois, so- mente do que é empregado entre nós. Ha sempre nas pequenas localidades do interior de nos- sas províncias um caboclo astuto ou um africano boçal, de ares reservados, pouco falladores, sempre mettidos comsigo, modestos mas muito entendidos em raizes do matto e sabedores de certas rezas, cujas reputações fizeram-se por muitas vezes haverem tirado, como por encanto, quebrantos e mdo olhado, por muitas curas extraordinárias de toda a espécie de moléstia incurável. Onde, porém a mandinga faz 11 1888-B — 82 - prodígios é nas mordeduras de cobras, tudo por meio de umas raízes que só elles conhecem, seguidas infallivelmente de uma dose de três Padre-nosso, três Ave-Maria elres Creio-em-Deus- Padre, rezadas três vezes sobre três cruzes traçadas sobre a ferida, terminando tudo por uma reza muito longa, feita em concentração intima, e na qual está lodo o segredo do benzedor. Na classe ignorante e mesmo em alguns homens cultos do interior do nosso paiz, estes sortilegios têm adeptos, e não é para admirar, pois que a beatice crendeira no Brazil vem tão de Cima. .. Estes meios burlescos são innumeros, quasi todos im- portados da África. Abrir uma gallinha ou qualquer animal, n'elle ainda quente introduzir a parte ferida por algum tempo; enterrar o membro ferido com o réptil morto e estendido sobre a terra que cobre a pequena cova até cessarem as dores; friccionar a ferida com a cabeça da cobra, que depois de esmagada é appli- cada em cataplasma na mesma ferida, pratica perigosa, por- que pôde introduzir ainda mais veneno ; pôr de maceração em aguardente, as vísceras e principalmente o fígado da co- bra, coar e ingerir o liquido ; torrar a cabeça da cobra e òal-a suspensa em álcool internamente;... estas e muitas outras pra- ticas têm em cada localidade o seu domínio. Devêramos dizer tiveram, porque felizmente o século XIX tem conseguido fa- zer penetrar já os seus raios de verdade até nós. Lançando vistas para o arsenal therapeutico, não ficamos menos admirado da variedade. Além dos que já apontámos fé bom recordar que só nos referimos ao Brazil), ha os seguintes : Óleos vegetaes e animaes—óleo de copahyba (Copahyfera — 83 — officinalis L.), de amêndoas (Amydalus dulcis) etc, gor- dura de lagarto, de ema, etc. Diversos vegetaes—herva de lagarto (Casearea Cambessedesii Eich), mil homens (Aris- tolochia antihysterica Mart.), jarrinha (Aristolochia brasi- liensis Mart.), cainca (Chicorcea racemosa R.P.), mostarda, alho, essências diversas, guaco (Mikania guaco Humb.- Bompl.) sobre o qual ainda voltaremos, tabaco, herva botão, etc. Esta serie enorme de medicamentos cad i qual mais in- fallivel, não precisa ser estudada por nós, porque já o foi por outros e basta que digamos—de nada vale. Alguns são perigosos, como o fumo em vista da nicotina, e o Dr. Lacerda diz que conhece um caso authentico de envenenamento por esse meio de tratamento. Costumam esmagar um pouco de fumo preparado em aguardente, coar e beber o liquido es- curo que resulta. Felizmente o meio mais seguido é este: o indivíduo, se está só e a região o permitte, suga a ferida de- pois de ter mascado um pouco de fumo de seu uso, applican- do em seguida sobre a parte esse fumo assim impregnado de saliva. Se ha outra pessoa ella faz a operação. A herva botão (Mikania opifera ?) gosa especialmente de extraordinária reputação entre os fazendeiros das provincias de Minas-Geraes e Rio. O Dr. Francisco Silveira, distindo cli- nico actualmente na cidade de Passos, nos referiu que um collega da província do Rio pretendia apresentar uma esta- tística admirável de curas por este meio. Infelizmente não nos foi dado conhecer esses trabalhos. Limitamo-nos, pois, a registrar o facto. Os caules (parte mais rica era sueco) e as folhas da planta fresca, são applicados sobre a ferida, e o sueco retirado administrado internamente na dose de — 84 — uma colher de chá em muita aguardente. Ignoramos a acção physiologica d'esta planta; parece que é muito diu- retica. Sabemos, porém, que é tóxica acima d'aquella dose. Do reino mineral também têm sido tirados muitos medicamentos. O mercúrio doce, protochlorureto impuro (mercúrio de bicheira, como chamam), em grande quantidade de aguar- dente é administrado internamente. Verdadeira intoxicação mercurial ou acção purgativa em demasia, taes são os incon- venientes d'este tratamento. A ammonea inlus et extra, o ni- trato de prata e muitos outros são empregados no interior do Brazil. Muito de propósito não mencionámos os medicamentos que com egmlfama são usados nos outros paizes. Note-se uma particularidade notável: tanto entre nós como no estrangeiro, os medicamentos locaes são mais ou menos cáusticos, os internos mais ou menos sudorificos, diu- reticosou purgativos, figurando sempre o álcool como ele- mento indispensável; por este lado fica, em parte, explicado haver tantos medicamentos infalliveis entre o povo, quando os médicos não conhecem um só. Porém as praticas absurdas? Os grandes créditos que encontram no povo taes processos de tratamento empirico das mordeduras de cobra (benzeduras etc), têm para nós duas ra- zões de ser: primeiro, terminação, geralmente pela cura da intoxicação ophidica; segundo, influencia benéfica real exer- cida pela suggestão, attenta a fé com que os indivíduos se submettem. Não sabemos que o veneno actua principalmente sobre o sangue e o systema nervoso ? Não vimos que Blot fez — 85 — mesmo da impressionabilidade moral o factor principal ou único, dos phenomenos alarmantes de origem nervosa do primeiro periodo de intoxicação? No estado actual da sciencia ninguém pôde negar, ern taes casos, a influencia da suggestão, como prova a escola de Nancy pelo seu maior representante, o professor Bernheim. — 86 — CAPITULO 11 Tratamento especifico g I.—O que seja um antídoto um especifico. Para que as conclusões finaes d'este capitulo sejam com- prehendidas e não se prestem a interpretações de subterfú- gio, faz-se mister que digamos com clareza quaes as signi- ficações que em nosso entender têm as palavras — antidoto, antagonista, especifico, etc. Consideramos antidoto toda a substancia que em conta- do com um veneno altera-o, tornando-o incapaz de produ- zir effeitos tóxicos. Acção puramente chimica. Se estas duas substancias, veneno e antidoto, forem an- tecipadamente addicionadas uma á outra nas proporções con- venientes, é obvio não dar-se envenenamento, porque em linguagem chimica rigorosa já não está ahi o primitivo corpo tóxico, embora a alteração tenha sido de simples passagem ao estado insoluvel. Quando o veneno porém já penetrou isolado no organismo, ainda o antidoto pôde impedir sua acção nos seguintes casos :Estando no tubo gastro-intestinal e ainda não absorvido ; em certas mucosas (vagina etc.) e lambem não absorvido; sob a pelle e nas mesmas condições, o que é já difíicil, visto a rapidez com que as substancias passam por essa via á circulação geral, e estando um veneno no sangue elle vai ter Ímmediatamente aos elementos de elecção não deixando ao antidoto (mesmo injectado no — 87 — sangue) attingil-o a tempo de aniquilação. No estado actual da sciencia, param aqui todos os benefícios dos antídotos, na opinião da generalidade dos tóxicologistas. Por nossa parte não julgamos que o atrazo medico auctorisede modo algum a aflirmar que quando uma substan- cia acha-se em circulação não possa mais soffrer acção chi- mica de um agente qualquer (o antidoto) favorável ao orga- nismo. E se os toxi cologistas dizem que quando o veneno já foi absorvido o medico só deve pensar em eliminal-o e deixar de parte os antídotos, é porque ainda não conhecemos esses que então poderiam constituir os verdadeiros antídotos dyna- micos, isto é, que procurariam as substancias onde ellas se achassem para destruil-as. Objecções praticas muito sérias, á primeira vista mesmo insuperáveis, se apresentam contra estas vistas theoricas. Elias porém não reduzem a utopia as nossas idéas que, esta- mos certo, constituirão, não longe, fados innegaveis de conhecimento vulgar. A primeira objecção é a rapidez de acção uma vez pe- netrado o veneno no sangue; mas se temos tempo de elimi- nal-o, porque não poderemos pensar em destruil-o ? E essa eliminação não será muitas vezes uma acção chimica para nós ainda desapercebida ? Não estão ahi, para não argumentarmos senão com factosconhecidos, as intoxicações plumbica e mer- curial em que Melsens mostrou que o iodureto de potássio ia tornar solúveis os compostos insoluveis que aquelles corpos haviam formado nos tecidos e no sangue, facilitando-lhes assim a eliminação? A segunda objecção é que, uma vez absorvidos, os vene- nos soffrem alterações chimicas importantes, que n'isto — 88 — mesmo consiste muitas vezes sua acção, isto é, esses venenos formam, nos líquidos do organismo, combinações das quaes resulta toda a perturbação funccional. Seriam, permittam-nos as expressões para tornarmos mais claro o nosso pensamento, seriam venenos chimicos, em opposição aos venenos physiolo- gicos. Entre aquelles estariam collocados, por exemplo, o ni- trato de prata que tanto localmente,como depois de absorvido, fôrma albuminatos insoluveis, os venenos hematicos em geral etc; entre estes figurariam, a pilocarpina excitando as glându- las do suor, estreitando a pupilla, a generalidade dos vene- nos nevroticos etc. Ou, objectar-nos-hão ainda, é preciso que o antidoto, absorvendo-se ou penetrando no sangue, não soffra por sua vez alterações capazes de aniquilar n'elle o poder de agir chimicamente destruindo o poder tóxico do veneno. Estas duas objecções eqüivalem a negar a possibilidade de, dado embora o encontro a lempo, haver no sangue uma acção chimica útil á vida, funesta ao progredir da intoxica- ção. Mas as inhalações de oxygeneo nos casos de intoxicação pelos gazes acido sulphydrico e sulphydrato de ammonea, póde-se dizer mesmo o gaz carbônico, corroboram a nossa opinião. Se nós obtemos a reacção, no sangue, da amygda- lina sobre a emulsina (corpos completamente innocuos iso- ladamente) produzindo acido prussico, embora ellas ahi te- nham attingido por vias differentes, porque ser impossível a reaçcão de um antidoto A sobre um veneno B, cujo resul- tado será o aniquilamento da actividade tóxica d'este, pois que em ambos os casos temos phenomenos chimicos sub- mettidos ás mesmas leis geraes de alomicidade ? Tempo virá, talvez próximo, em que a Toxicologia obtenha — 89 — d'esles triumphos esplendidos ; acreditamos mesmo que se esta, idéa da possibilidade da transformação benéfica dos venenos já mesmo absorvidos, presidissem ás experimenta- ções toxicologicas,as tentativas que n'este sentido seriam mais reiteradas, estariam talvez hoje, pelo menos algumas, coroadas de êxito. Por esse tempo, a divisão dos antídotos será feita em estáticos e dynamicos. As condições principaes d'estes últi- mos são que elles sejam de absorpção rápida e que, absor- vendo-se, cheguem em estado de poder actuar chimicamente sobre os venenos de predilecção de cada um. A significação da palavra antagonismo é fácil de ser com- prehendida. Antagonista é a substancia que, actuando sobre os mesmos elementos orgânicos que uma outra, produz effeitos oppostos. Uma substancia actuando sobre o nervo motor ocular commum excitando-o, isloé, estreitando a pupilla, como é o caso da pilocarpina, é antagonista de uma outra que, actuando sobre o mesmo nervo, paralyse-o, isto é, dilate a pupilla, como é o caso da atropina. Mas isto não quer dizer que toda a substancia que es- treite a pupilla seja antagonista da que a dilate, pois que o estreitar de uma pôde ser o effeito da paralysação dos filetes sympalhicos que vão ter ás fibras radiadas da iris, e o dilatar de outra a excitação do oculo-motor (fibras circularesj. Os effeitos visiveis são oppostos, mas não por uma acção sobre os mesmos elementos. E' o caso, por exemplo, do curare, que traz paralysias actuando sobre o systema nervoso peripherico e a slrychnina que produz contracturas e convulsões actuando sobre o systema central. O antagonismo, pois, n'estes casos, é simplesmente apparente, denominação que não deve ser sub- stituída pela de physiologico, como encontramos em alguns 12 1888—B — 90 — auctores porque a significação consagrada ao termo antago- nista já traz comsigo a noção de effeito physiologico. Se quizessemos, no exemplo citado, combater um envenena- mento pela strychnina administrando curare, morreria o nosso doente pelas duas substancias, portanto muito mais rapi- damente. Não conhecemos nenhum antagonista completo, que seria o que percorresse todos os mesmos elementos que uma outra substancia, com effeitos oppostos. A atropina e a mor- phina : aquella paralysa os pneumogastricos, esta excita-os; aquella excita o centro respiratório, esta paralysa-o ; são, pois, quanto a estas propriedades, antagonislas. Mas ambas estas substancias excitam e paralysam os nervos sensitivos, os centros vaso-molores ; portanto não ha aqui antagonismo, ao contrario, ha synergia de acção. Mas isto não quer dizer que a sciencia não possa descobrir um antagonista completo. Para nós, pois, as únicas expressões admissíveis são estas: antagonista completo e incompleto ou parcial, real e falso ou apparente, nunca porém, physiologico. Finalmente sobre a significação da palavra especifico, di- remos que, da mesma maneira que as expressões antidoto dy- namico e antagonista completo, ella, se bem que não constitua um ideal irrealisavel em Toxicologia, não pôde, no estado actual, ser verdadeiramente applicavel a nenhum corpo. Pen- samos que especifico, em Toxicologia, deve ser comprehen- dido o medicamento que, introduzido num organismo into- xicado por certo veneno, paralyse ou impeça Ímmediata- mente toda a acção tóxica d'esse veneno, quer este tenha ou não, sido absorvido. Questão toda relativa e não queremos di- zer que o especifico salve infallivelmente a vida do intoxicado; — 91 — não, o veneno pôde ter produzido desordens, o especi- fico vir e não consentir que essas desordens sejam maiores, mas as que já existiam eram incompatíveis com a vida; ape- zar de já não existir, por assim dizer, acção tóxica, a morte é o resultado. A não ser assim ou não ha especifico ou ha muitissimos. Ou não ha, nem haverá, porque um medicamento não pôde operar milagres. Ou ha muitissimos, porque, exemplificando, a magnesia seria especifico dos compostos arsenicaes considerada como antídoto estático somente ; o iodureto de potássio, dos saes de mercúrio como antidoto dynamico somente; a morphina, da atropina quanto á acção scbre os pneumogastricos e o centro respiratório somente, de maneira a confundirem-se os termos — especifico e medicamento. A conclusão que tiramos das considerações feitas; é que um especifico só pôde ser tirado entre os antídotos dynamicos e entre os antagonistas, aquelles mais applicaveis aos venenos chimicos, estes aos physiologicos. De tudo quanto dissemos, vemos que um organismo sob a acção de agente tóxico, pôde ser beneficamente in- fluenciado pelos seguintes meios: Io. Agentes physicos—calor, electricidade, sucções, la- vagens, absorventes, sondas gástricas etc. 2o. Agentes chimicos—antídotos estáticos e dynamicos. 3°. Agentes biológicos—antagonistas e evacuantes ou eliminadores ou melhor ainda auxiliares da natureza (vo- mitivos, purgalivos, sudorificos, diureticos etc). Tornada assim bem clara a nossa maneira de entender essas expressães todas, será nossa opinião comprehendida a — 9-2 — propósito de cada medicamento preconisado contra a intoxi- cação ophidiana. § II.—Medicamentos proclamados específicos Ammonea.—Parece ter sido J. Mead o primeiro que aconselhou o uso do3 ammoniacaes nos accidentes que estu- damos, provavelmente por serem já de uso popular, em seu livro intitulado — A mechanical account of poisons— London, 1702. Mais tarde (1747) Bernard de Jussieu fazia a apologia da água de Luce, que é um álcool ammoniacal succinado. E os ammoniacaes tiveram grande voga. Fontana (1782) emprehendeu experiências numerosas, chegando á conclusão indiscutível de que a ammonea e seus derivados de nada valiam. No emtanto, algum tempo depois, Volisnieri tornava publico, pelos jornaes italianos, um facto de cura em que a ammonea parecia ter tido influencia extra- ordinária; logo e;n seguida outros casos appareceram do mesmo jaez. Fontana, impressionado, voltou ás experiências dizendo por fim no seu—Opusculi scientifid que, mais do que nunca, se firmara em seu espirito a nullidadedo papel repre- sentado pela ammonea nos casos de intoxicação ophidiana. Diversos insuccessos clínicos referidos em vários jornaes, entre outros, — dous de Paulet, um de Gerdy, fizeram que de novo os ammoniacaes cahissem em completo descrédito e esquecimento até 18o9. N'aquelle anno, porém, Halford publica nos jornaes aus- tralianos o resultado de quatro experiências em animaes e oito observações no homem, havendo apenas um caso de — 93 - morte, attribuindo todas essas curas ás injecções intravenosas de ammonea que haviam sido feitas. Pela certeza que temos de saber toda a gente, que tem lido urn pouco, alé onde pôde ir o tresvairar de espíritos eminentes embora, mas dominados por uma idéa fixa, excusamo-nos remexer a archeologia medica, trazendo o trabalho de Halford á critica imparcial; e nem o tempo e nem o espaço, permittir-nos-hiam. Apezar d'isso elle provocou certo agitar do mundo medico eque esta importância lhe seja dada : d'essa agitação resultou o defini- tivo descrédito do alcali volátil como especifico. Foi assim que, transcripto esse trabalho no Times, noti- ciado na Gazette hebdomadaire, teve quatro das observações traduzidas por extenso na these de Ladevi-Roche— Histoire des injections dans les veines depuis leur decouverte jusqu à nos jours (i$70). Inspirando-se na leitura da these de Ladevi-Roche, Oré tenta reviver em França a pratica das injecções intravenosas; tendo conseguido adormecer um doente por injecção inlra- venosa de chloroformio, fez, logo depois, injecção intravenosa de ammonea em um caso que se lhe apresentou de mordedura de vibora e o doente curou-se. Estes fados communicados á Academia Franceza, levantam discussão viva sobre os pe- rigos e utilidades das injecções medicamentosas nas veias. Nomeia-se uma commissão para estudar a questão e ella é de parecer que se abandone tal via medicamentosa na clinica Por essa occasião, Fevrier (de Monlenegro) manda com- municação á Academia Franceza de um caso de cura de rr ordedura de serpenle,por injecção intravenosa de ammonea e n'esse dia, 23 de Junho de 1874, a discussão parlicularisa a questão que estudamos. ^6 então tornam-se conhecidos em — 94 — França os trabalhos de Fayrer. reunidos em seu livro — Tha- natophidia indica, publicado em 1872, em que são completa- mente combalidas todas as conclusões de Halford. Nos Buli gen. de therap. de 1874—1. 86, pag. 559, encontra-se um resumo d'essa obra, assim como a traducção, por extenso, da de Halford no t. 87, pag. 258 do mesmo anno. D'essa me- morável discussão resultou o completo abandono da ammonea como indicação capital. Entre outros, Gautier fez experiências decisivas. De facto, de então para cá, todos os experimenta- dores e clínicos,—particularmente Gautier, Richards, Grand- Marais, Urueta e Lacerda, têm chegado a se expressar n'este theor : 1.° A ammonea não é um antidoto estático do veneno ophidico,porque addicionada antecipadamente a elle e assim juntos injectados, a intoxicação se faz sem a menor alte- ração . 2.° Injectado primeiro o veneno, depois a ammonea ou vice-versa, lambem a intoxicação não se modifica ; por- tanto também não é um antidoto dynamico. 3.° A única vantagem d'esse medicamento é favorecer, muito indirectamente a eliminação do veneno, sendo, ainda aqui, inferior aos outros eliminadores. 4." As injecções intravenosas de ammonea, nestes casos, são completamente inúteis e perigosas bastante. Guaco.—Foi exportada de Santa-Fé a grande nomeada de que gozou o guaco (Mikania guaco Humb. e Bompl.). Fallando dessa planta, dizia em 1798 o Sr. Zea ao Sr.Mutis: « Ninguém morre maisá mordedura das cobras ». Humboldt — 95 — quiz vêr o que havia de verdade e deixou-se cahir também até certo ponto victima de santa-fé... Diz em seu relatório que o sueco da planta, applicado sobre incisões praticadas, uma em cada membro e duas no tronco, conferia completa immunidade fazendo mesmo que as cobras fugissem desses indivíduos assim vaccinados. A alguns que contentavam-se em trazer comsigo as folhas de guaco, o effeito era egual. Contra a mordedura, o sueco sobre a ferida e dado internamente em álcool, trazia cura Ím- mediata. Humboldt viu uma Colluber corallinus recusar a morder a ponta de um bastão molhado em sueco do guaco. Gmyon, porém, apresentou um outro nas mesmas condições a uma vibora eella mordeu-o. Quem tem feito experiências e procurado obter o veneno pelo processo do algodão, sabe como é difficil,ás vezes, conseguir-se que as cobras mordam a pequena bola de algo- dão que se prende á ponta de um estyllete qualquer, como nos aconteceu com uma jararacussú, da qual não pudemos retirar nem uma golta de veneno e variasjararacas que tive- mos presas. Uma que hoje pegava bem no algodão, amanhan se recusava ou acontecia o contrario. A's vezes acontece que muito perseguidas, intimidam-se, não sendo possível abso- lutamente obter-se que mordam. E nós não perderemos tempo em mostrar como Guyon, Urueta e outros provaram que as propriedades maravilhosas do guaco não passavam de phantasia, alimentada pela cura- bilidade espontânea das intoxicações ophitas em geral, curas auxiliadas pelo emprego âos alcoólicos, diureticos, purgati- vos, sudorificos, etc, que lambem eram administrados aos doentes. — 96 — A mesma sorte da ammonea e do guaco tiveram n Simaba cedron (J. C. PI.) c a Picrolemna valdivia (G. PI.) donde se retiram a cedrina e a valdivina que Dujardin-Beau- metz (1) diz serem bastante tóxicas e serem diureticas. E é esta a historia de todos os infalliveis, desde a anti- güidade, como o antidoto de Bibron, etc, etc. O chloral muito preconisado por um brazileiro, o Dr. Lisboa, não deu resultado nenhum ao Dr. Lacerda que até servia-se delle como bom vehiculo e conservador do veneno que devia servir para experiências. F/ chegado o momento do permanganato de potássio que valeu ao Dr. Lacerda um prêmio do Estado. Como o seu reinado, prestes a expirar, é ainda ampa- rado por alguns clínicos brazileiros e certo favor popular sem- pre prompto a acceitar sem discutir o que se lhe diz, nos demo- raremos mais um pouco no seu estudo, passando das considera- ções theoricas ás razões de ordem experimental e clinica que nos fazem collocar esse medicamento, para o caso presente, como mero antidoto estático e mesmo assim inferior a outros. § III.—0 permanganato de potássio Raciocinemos um pouco sobre o valor que pôde ter o per- manganato de potássio nas mordeduras de cobra, procurando nos servir sempre de palavras e experiências do Dr. Lacerda, que tanto lhe faz a apologia. (1) Dujardin-Beaumetz—Compt. r.—1881. — 97 — Sc administrado pela boeca, nenhum beneficio trará, porque logo ao chegar no estômago altera se, resultando d'ahi um corpo insoluvel, que, portanto, não sendo absorvivel, não pôde ir atacar o veneno no sangue, diz o Dr Lacerda, no que todos estão deaccordo. Mencionando, entretanto, um facto em que esse medicamento, além de injectado em grande quanti- dade em diversos pontos do membro, fora lambem tomado internamente, o Dr. Lacerda, depois de notar que esta ultima dose fora inútil, conclue que é o caso de dizer-se quod abundai non nocet. Pedimos licença para notar que em medicina racional e séria não tem applicação aquella phrase; em medicina tudo que é de mais ou de menos, faz mal. Pela via subcutanea, « se o permanganato de potássio é injectado a tempo de encontrar o veneno na ferida, este será modificado irnmedialamente e a sua acção ficará nulla. (I) Xinguem contesta o Dr. Lacerda neste ponto : todos são una- nimes ern reconhecer que uma vez que o permanganato (não alterado) encontre o veneno, este é desorganisado e perde toda a actividade tóxica. * Se porém, a injecção é praticada tardiamente, quando o veneno já se tem diííundido nos tecidos ou entrado na cir- culação geral, os seus offeitos antídotos não se podem realizar ou pelo menos serão muito duvidosos. D'ahi a conveniência das applicações immediatas como garantia do successo. » (Idem pag. 37). Esta verdade é o corollario forçado do que disse o Dr. Lacerda sobre a administração do permanganato pela bocca, isto é, da alterabilidade d'este ; porque, se o veneno já se diffundiu pelos tecidos, aquelle medicamento, (1) Lacerda.--O veneno ophidico e os .seus antídotos—Rio, 18S1, pag. 37. ia 1888—B — 98 — injectado debaixo da pelle, altera-se logo nesse ponto,não pas- sando d'ahi nem por absorpção,nem porembebição ou diffusão (como directamente provou Vulpian, e entre nós o Dr. C-uly em trabalhos de collaboração com o Dr. Lacerda), não po- dendo portanto exercer acção chimica sobre o veneno que se achar n'um ponto próximo, mesmo que não absorvido, que ahi tenha chegado por simples embebição ou diffusão. Onde não comprehendemos o nosso illustre experimen- lador,é quando elleatlribueo desapparecimento de symptomas geraes da intoxicação, ou melhor, as curas de casos em que houve phenomenos patentes de absorpção geral do veneno, a injecções bypodermicas de permanganato. Não comprehen- demos como depois de aílirmar que a garantia do successo está na appticação Ímmediata do permanganato, que quando a in- jecção é praticada tardiamente os seus effeitos antídotos não se podem realizar; como depois de dizer que o permanganato allera-se logo que é injectado debaixo da pelle, e não se absorve; depois de reconhecer estes fados indiscutíveis, venha nos apresentar casos de cura em que os indivíduos soffreram a absorpção do veneno, aítribuindo taes curas a injecções bypodermicas de permanganato ! ^ão seria mais natural que o Dr. Lacerda dissesse que o veneno se absorve lentamente e algumas vezes soffre como que um enkislamento e que, portanto, sobre essa parle não absorvida, pode acíuar o permanganato, sendo assim co- herente comsigo mesmo ? Mas elle vai mais longe, e manda que, se as injecções hy- podermicas não bastarem ou se o medico,chegando tarde,en- contrar signaes de que o veneno já passou á torrente circula- tória, façam-se injecções intravenosas. Vejamos qual seja o — 99 — valor desta pratica, servindo-nos ainda das suas idéas e expe- riências. R' baseado no facto da alteração do permanganato que elle explica a acção deste sobre o veneno. Acredita, e neste ponto não ha divergência, que é o oxygeneo desprendido do permanganato logo que esteja em contado com qualquer substancia orgânica (até mesmo as poeiras orgânicas daalmos- phera, donde o seu judicioso conselho de preparar a solução só no momento da applicação), oxygeneo que ataca o veneno aniquilando nelle todas as propriedades tóxicas. Ora, não se compara a insignificancia desse oxygeneo, mesmo nas maio- res doses compatíveis com a vida, com o que é introduzido no sangue pela respiração pulmonar, que no emtanto não basta, visto a acção rápida do veneno uma vez no sangue, e extrema diffusão em que fica; e sendo assim, era mais lógico fossem aconselhadas as inhalações de oxygeneo. Mesmo que tal não fora o inechanismo da alteração (o que não pôde ser, porque se misturarmos veneno a perman- ganato já anteriormente alterado, isto é, já tendo desprendido o seu oxygeneo, e injeclarmos n'um animal essa mistura, a intoxicação será corno se o veneno estivera só,como reconhece o próprio Dr. Lacerda e de outro modo se comprehenderia o conselho de só se empregarem soluções muito recentes), mesmo que fora por esse mechanismo desconhecido, para o qual appella em ultimo logar, com aquella diffusão extrema em que ficam as duas substancias, a dose de permanganato deveria ser muito grande, occasionando só por si a morte do individuo, ou compatível com a vida e então de inefficacia plena, como provaram Vulpian e Couty. E esta ultima ordem de considerações que nos manda — 100 — não aconselhar no homem as injecções intravenosas da solu- ção de potassa que no emlanlo destróe o veneno tão bem como o permanganato. E tanto é assim que Shortt desde 1869 obtém esplendi- dos resultados com esse medicamento em injecção hypoder- mica, mas não o aconselha em injecção intravenosa. Pergunta- mos ao Dr. Lacerda se elle dá bichlorureto de mercúrio em dose suficiente para matar micróbios de indivíduo atacado por moléstia infecciosa. O papel do medico, nestes casos, é impedir a penetra- çÃo^demblée, de grande massa de veneno no sangue, masque uma vez dada essa penetração, confesse com lealdade, que a sciencia ainda não descobriu meios directos de impedir as suas conseqüências, mas não aconselhar, nunca, tentativas perigosas. O papel do medico é aqui procurar eliminar, tão depressa quanto possível, o veneno, pelos meios indirectos racionaes, únicos reconhecidamente efficazes, dos emunctorios naturaes. Mas o Dr. Lacerda, faltando no tal mechanismo desco- nhecido, ainda fazappello á sua experimentação e observação. Pois appellemos para a experimentação. . . ainda do Dr. Lacerda. Vamos provar que o Dr. Lacerda ou não diz tudo o que vê, ou não vê tudo o que diz. Não diz tudo o que vê, porque tendo collaborado pri- meiro nos trabalhos do Dr- Couty, trabalhos que fizeram a este ultimo descrer do permanganato, quando o veneno já fora absorvido, não se refere a esses trabalhos em um livro logo depois publicado e em outros ainda posteriore», porque — 101 — seria impossibilitar-se completamente a tirar as conclusões que desejava, dizendo mesmo que o Dr. Couty partilhava das mesmas idéas. Este ultimo experimenlador vendo sua opi- nião assim adulterada, levantou um protesto solcmne, e então publicou o resultado dos seus trabalhos de collaboração com o Dr. Lacerda. A que*Ufo é assim referida pelo Dr. Couty, que nunca teve o menor protesto do seu collaborador do Museu Na- cional : Trabalhavam juntos, e d'esses estudos resultou o descrédito do permanganato. Não podendo proseguir, o Dr. Couty pediu ao Dr. Lacerda repelir e continual-os por si, mostrando por essa fôrma, o critério e a sensatez que em- pregava para não tirar conclusões apressadas. Se essas expe- riências eram erradas, nunca o Dr. Lacerda tentou apontar- lhes os erros. Mas demos a palavra ao Dr. Couty. (I) « Alguns mezes mais tarde estas pesquizas não tendo sido feitas, eu próprio emprehendi algumas experiências e vou referir aquellas que o Dr. Lacerda assistiu: « Misturámos uma grande quantidade de veneno forne- cido por diversas serpentes, depois de nos ter certificado de que seus effeitos eram comparáveis. Um centímetro cúbico d'esta mistura foi injectado pela saphena em varias occasiões a um primeiro cão e não se produziram senão accidentes pouco graves e passageiros—vômitos, defecação, ligeira sali- vação, etc. « Tomámos um segundo cão e injectámos dois centíme- tros cúbicos da mesma solução de veneno, emquanto que o 1) Couty — De Vaction du permanganate de potasse contre les accidents du venin du Bothrops—Compt.-r., 1882. — 102 — Dr. Lacerda introduzia permanganato de potássio em solução ao centésimo, pela saphena opposta ; o cão morreu em alguns minutos, embora se lhe tivessem feito novas injecções do li- quido preservador. • Em outro animal, quasi do mesmo peso, injectámos, pela veia saphena, dois centímetros cúbicos do mesmo veneno ; elle teve Ímmediatamente accidentes graves, mas resistio duas horas antes de succumbir. « Tendo tomado outro cão do mesmo tamanho, continuá- mos estas co nparaçoes. Elle recebeu também no sangue, dois centímetros cúbicos da solução de veneno e diversos cen- timetros cúbicos da solução aquosa de permanganato de potássio ao centésimo ; apresentou perturbações múltiplas e morreu no fim de três horas. « Tomámos então o cão no qual a injecção intravenosa de um centímetro cúbico de veneno, só havia produzido ligeiros symptomas; parecia voltado ao estado normal. Injectámos successivamenle pela saphena, de quarto em quarto de hora, três centímetros cúbicos da solução de veneno ; nas primeiras horas não apresentou senão accidentes pouco notáveis, mas terminou por succumbir no dia seguinte,com lesões múltiplas. « Poder-se-hia, pois, admittir, segundo estas primeiras experiências, que o permanganato de potássio apressava a morte pelo veneno, em logar de impedil-a; maseu conhecia bem a falta de proporcionalidade dos accidentes com as quan- tidades de veneno introduzidas, as differenças de suscepti- bilidade individual, para não tirar ainda nenhuma conclusão. « Finalmente fiz algumas experiências com doses consi- deráveis de veneno e todas me provaram que os animaes assim tratados pelo permanganato de potássio,morriam como — 103 — os outros, apresentando na autópsia—infiltrações hemorrha- gicas das meningeas, do coração, dos pulmões e outras vís- ceras, lesões que, segundo nossas pesquizas. são caracteriscas da acção do veneno introduzido no sangue. Verifiquei também que os cães apresentavam antes de succumbir os mesmos accidentes, tivessem ou não recebido injecção intravenosa de solução aquosa de permanganato: eram—vômitos, evacuações, micções, hemorrhagias externas e internas e convulsões irre- gulares, como também era a mesma diversidade do mecha- nismo da morte: um cão submettido a acção do permanganato de potássio depois de injecção intravenosa de veneno, morria em alguns minutos por parada do coração ; outro succurnbia em três horas a uma paralysia progressiva dos centros ner- vosos. t Para terminar, fiz algumas experiências com doses pe- quenas, produzindo perturbações mórbidas, de que as curas espontâneas podem facilmente fazer crer em uma acção cura- tiva de tal ou tal antidoto ensaiado : aqui ainda me convenci de que a penetração do permanganato de potássio no sangue não fazia cessar os accidentes quando existiam, e os quaes elle deixava se produzirem, mesmo para estas pequenas quanti dades,lesões hemorrhagicas do coração e dos pulmões, que se encontravam na autópsia,se o animal era sacrificado por outros meios. « Mostrei ao meu collaborador desejos de que continuasse, por si, estas observações para modificar suas primeiras con- clusões ; me abstive, esperando, de nada publicar, e actual- mente vou realizar o projecto que havia formado de fazer experiências de injecção de peçonha e de permanganato de potássio sob a pelle. Este sal de potassa, que pôde decompor — 104 — o veneno introduzido localmente nos tecidos, ainda não ab- sorvido, terá, sob este ponto de visla, urna acção chimica superior á de diversos líquidos destruidores, de muito tempo empregados praticamente? E' o que procurarei estudar bre- vemente ; mas desde já sou audorisado a concluir : « 1.°—que o permanganato de potássio foi recommendado como agente therapeutico dos accidentes produzidos pelas mordeduras das serpentes venenosas, sem provas cxperimen- taes sufficientes; « 2.°—que elle não é antidoto physiologico (1) da peçonha do Bothrops, p>is que não paralysa sua acção quando este veneno tem peneirado seja no sangue, seja nos diversos ele- mentos anatômicos dos tecidos.» Não conhecemos referencia nenhuma do Dr. Ldacerda a tão solemne protesto, refutação nenhuma a estas experiências. E' que cilas são irrefutáveis Mas não foi só o Dr. Couty ; Richards, Badaloni, Urueta e outros, experimentaram e chegaram ás mesmas conclusões, em differentes Iogares e em épocas diversas, experiências que não transcrevemos porque julgamos que não pôde haver a menor duvida no espirito de quem nos lê, de que o Dr. Lacerda exagerou (mesmo com os seus trabalhos) os be- nefícios que podia prestar o permanganato de potássio. O Sr. Dr. Pedro Affonso Franco, lente de pathologia cirúrgica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; o Dr. Benicio de Abreu, lente de pathologia geral áti mesma Fa- culdade, para citar apenas dous grandes vultos, que só por si bastam,expenderam,em suas lições, as idéas que professamos. (1) O que chamamos antidoto dynamico, — 105 — O Dr. João Paulo, adjunto á cadeira de physiologia, forneceu, em aulas ofliciaes, a prova pratica. Depois de veri- ficar, por experiências antecipadas, qual a dose máxima do veneno que de uma só vez podia ser supportada por um cão de peso dado, fez as seguintes experiências: Em um primeiro cão injectou na saphena essa dose má- xima compatível com a vida. Este, depois de apresentar todos os phenomenos graves de entoxicação, restabeleceu-se sem medicação nenhuma. Em um segundo cão fez injecção de dose maior, isto é, mortal, mas por doses fraccionadas, n'uma hora. O cão tam- bém soffreu muito, mas restabeleceu-se. Em um terceiro cão esta ultima dose foi injectada de uma só vez, ao mesmo tempo que um ajudante introduzia o permanganato pela saphena opposta: o cão morreu. Em um quarto cão esta ultima dose foi injectada e no mesmo ponto da veia Ímmediatamente depois, a solução de permanganato: o cão salvou-se. Em um quinto cão esta dose grande de veneno foi injectada; esperou-se umminuto depois do qual injectou-se ò permanganato em dose alia: o cão morreu como no caso da não injecção do permanganato. Mas o Dr. Lacerda ainda appella para ^clinica. Quanto a isto diremos que a clinica do Dr. Lacerda, a julgar-se pelas suas publicações, (I) resume-se em communi- cações aos jornaes diários do Brazil por fazendeiros ou indi- víduos leigos á medicina na maior parte, salvo um ou outro medico. (1) Faits cliniques recueilli: par le Dr. Lacerda -Rio, 18S2. 11 1888—B — 106 — Ê nós poderíamos citar muitos exemplos em que o per- manganato de potássio, mesmo injectado logo depois da picada da cobra, não impedio a morte do indivíduo. Guardamo-nos, porém, para um trabalho posterior que pretendemos publicar. Concluindo, dizemos em nome de todos os que se têm occupado do assumpto : 0 permanganato de potássio é simplesmente antidoto estático da peçonha dos ophidios porque sobre o veneno collocado em ponto um pouco distante, mesmo que não absorvido, ou sobre o que tenha sido absorvido, elle não exerce a menor acção. As injecções intravenosas de permanganato são, além de inúteis, perigosas. — 107 — CAPITULO III fíitaminto mmml Bases racionaes e methodicas, orientação que ellas de- vem dar ao tratamento, eis o que será o presente capitulo. Não instituir um tratamento de accôrdo com o juizo que for- mamos do seu valor ou da natureza da moléstia, é empírico ou charlatão. Devemos attender ás lesões locaes e ás geraes—trata- mento local e tratamento geral; ao tempo—tratamento im- mediato, dos phenomenos secundários e dos phenomenos tercia- rios . — 108 — Tratame&to local 1.° Subteahir o veneno da ferida é a primeira indi- cação a preencher. Para isto, ímmediatamente depois da pi- cada, o individuo faz compressões methodicas em direcção á ferida, circumdando-a, afim de espremer o veneno ao mesmo tempo que enxuga com um panno secco, lavando em se- guida a parte ; Ímmediatamente applica uma ligadura cir- cular logo acima e faz a sucção, meio poderoso que por si só muitas vezes é suíliciente para retirar, senão todo, pelo me- nos em grande parte, o veneno inoculado, como provou Barry. A sucção pôde ser feita por meio de ventosas de bor- racha, fáceis de ser conduzidas. Pravaz inventou mesmo um apparelho apropriado, mas cujo uso não se generalisou. Se a ventosa é applicada, de maneira conveniente, diz Barry, duas ou três horas, todos os accidentes da intoxicação podem ser evitados. Na falta entretanto de uma ventosa, a sucção com a bocca presta relevantes serviços, pois que, salvo o caso de ter o individuo que a pratica uma solução de continuidade na mucosa da bocca, elle não soffre o menor accidenle, pois que sabemos que o veneno ophidio ingerido por essa via não causa o menor mal. Se acaso ficou um colchete cravado na pelle da victma, é imprescindível retiral-o incontinenti; se elle estiver muito preso ou fundo, faz-se o debridamento suíliciente ao mesmo tempo que comprimem-se fortemente os tecidos para retirar, com o sangue,lambem o veneno. Alguns médicos aconselham sempre o debridamento, a escharificação. O melhor processo — 109 — é unir por um golpe de bistury os dois orifícios deixados pelos colchetes do reptiL Contrario, justamente, éo nosso pensar quanto á ampu- tação do membro. Ella só poderia verdadeiramente valer, quando praticada logo depois da mordedura ; ora, se nos é dada a ventura de actuar tão cedo, o conjuncto dos preceitos aqui formulados neste capitulo, evitam todos os accidentes locaes, salvando com certeza, quanta certeza possa haver em medicina, a vida do individuo mordido. Reservando a ampu- tação para os casos forçados de gangrena, etc, rejeitamol-a completamente nesta primeira phase do tratamento. E' de presumir que não se possa retirar todo o veneno, mesmo porque quasi sempre os soccorros médicos são pres- tados depois de certo tempo eentão devemos: 2.° Destruir o veneno 1í\ LOCO—A electricidade, com os pólos de platina, mergulhados nos buracos deixados pelos colchetes, foi muito preconisada por Pravaz, que obteve optimos resultados, applicando assim correntes de trinta ele- mentos. Parece-nos que essas applicações tiveram grande parle nas curas maravilhosas que Halford attribuiu ás injecções intravenosas de ammonea, segundo já vimos. O calor, sob a fôrma de caulerios poteuciaes, pôde pres- tar serviços. O ferro quente, neste caso, produzindo eschara, circurnscreve uma barreira que impede a absorpção do ve- neno ; como vimos a alteração chimica e tóxica do veneno ophídio pelo calor, é ainda questão litigiosa. O mesmo diremos de todos esses cáusticos chimicos em- pregados. — 110 — Gruère manda regeitar os ácidos concentrados, os óleos quentes, a pólvora queimada no logar, etc, dando preferen^ cia á manteiga de antimonio, ao nitrato de prata, aos alcalis cáusticos, menos a ammonea. Blôt faz quasi a mesma escolha. A. Gautier addicionava antecipadamente o veneno a essas substancias e injectava depois nos animaes, tendo o resultado seguinte: Perchlorureto de ferro—nenhuma alteração nos pheno- menos da intoxicação. Carbonato de sódio e de potássio—idem. Ammonea—modera um pouco a acção do veneno. Nitrato de prata—modera e retarda a acção, mas não a annulla. Alcalis fixos — aniquilam completamente as proprie- dades tóxicas do veneno. Toda a serie enorme dos cáusticos tem sido empregada com mais ou menos elogio. Quanto a nós, achamos que não se deve ser tão enthu- siasla como o professor Berne. Applicados em superfície sobre a pelle não penetram nos tecidos suficientemente para encontrar o veneno, produzem extensas escharas sem a menor utilidade, como vimos em um individuo que fora consultar com o Dr. João Paulo, não mais pela intoxicação, mas pela ulcera, que deixara uma extensa eschara produzida pela ammonea. A fazer uso portanto dos cáusticos, devemos dar preferencia ás flexas de potassa e cal, ao lápis de nitrato de prata, e finalmente ao ferro quente (por exemplo a ponta fina de um prego limpo aquecido ao vermelho), introduzidos nos dois orifícios da ferida convenientemente alargados com o bistury. — 111 — Melhor que tudo isso é o uso das injecções hypodermicas, cuja occasião precisa é agora. E' este o momento preciso das injecções medicamentosas tendentes a destruir o veneno. Como as substancias que al- teram chimicamenle o veneno são os alcalis fixos e o perman- ganato de potássio,até novas descobertas, devemos preferil-as ás outras. Mas, como vimos que o permanganato se altera logo em contado com os tecidos, damos preferencia ainda aos alcalis fixos por poderem exercer sua acção por mais tempo e em muito maior extensão. Estas vistas theoricas têm tão plena aífirmativa nas experiências de Gautier e Richards (1) como na clinica de Shortl. (2) A fórmula seguinte : Potassa eaustica secca (ao álcool)............... 10 centigrs, Água distillada.............................. 100 grms. não se altera e pôde ser empregada sem receio de conse- qüências más. As injecções devem ser em numero de duas, mergulhando-se a agulha nos dois orifícios já existentes da ferida. A fórmula do permanganato é esta: Permanganato de potássio..................... 1 centigr. Água distillada....................«......... 10 grms. que deve ser preparada na occasião somente de ser appli- cada. (l) V. Richards. — The Lancet, 1 de Julho de 1882, pag. 1097. (2) T. Shortt. — The Lancet, 1870 e 0 de Maio de 1882, pag. 725. — 112 — Na falta d'estes, o melhor é abster-se de injecções e lazer então uso dos cáusticos que já dissemos preferíveis. Infelizmente chegamos sempre um pouco tarde ; mesmo que tal não se dê, é de presumir que pelo menos alguma quan- tidade de veneno fique intacta nos tecidos,e portanto devemos: 3o. Impedir o veneno de passar em massa á torrente cir- culatória. A compressão circular deve ser feita por uma lira de dois a três centímetros não muito cerrada e nunca ficar por mais de uma hora. O verdadeiro processo, seguro de evitar a passagem do veneno e a gangrena do membro, é este : logo que o individuo foi mordido, applica-sea ligadura bem perto da ferida ; prestados os soccorros acima referidos, depois de meia hora, afrouxa-se o laço por um a dois minutos, tornando a collocal-o um pouco mais acima durante outra meia hora ; retira se, applica-se acima, e assim até á raiz do membro. E' este processo chamado da ligadura intermittente, que bem dirigido presta resultados esplendidos sem o menor risco de gangrena. Castelneau refere uma observação interessante em que de cada vez que se retirava a ligadura, apresentavam-se phe- nomenos de intoxicação, por convulsões generalisadas, etc, tudo cessando sempre com a reapplicação, conseguindo assim salvar-se o doente, que sem esse meio não teria resistido á grande dose de veneno de uma só vez no sangue e portanto seria victima da morte. Ainda têm applicaçâo aqui as injecções medicamentosas a que nos referimos, feitas acima da ferida, onde se presume, pelo desenvolvimento dos phenomenos locaes, haver mais veneno. Os resultados aqui já são muito secundários. — 113 — As applicacões frias continuas, de maneira a não pro- vocar reacção local, podem, retardando a circulação local, ser úteis; mas além de incommodo, é um meio infiel. Resta-nos agora: 4." Combater os accidentes locaes. — Contra os phe- nomenos locaes secundários de que o mais importante é a tumefacção inflam matori», instituímos um tratamento anti- phlogistico conveniente—banhos mornos, cataplasmas, etc. Quando a infiltração é grande, a pelle muito distendida, é bom, por puncções, etc, evacuar a serosidade sanguinolenta subcutanea; devemos romper as phlyctenas,evacuar os abcessos. Quanto ás variadissimas lesões locaes que se podem apre- sentar,—phlegmões, angioleucites, etc, procede-se inteira- mente como nos casos ordinários e não perderemos espaço com isso. O mesmo dizemos quanto aos accidentes locaes terciarios. 15 1888-B — 114 — Vêm aqui nos servir de guia as conclusões que tirámos sobre a acção physiologica da peçonha, baseadas, sobretudo, na symptomatologia. Além d'isto é o que aconselha a pratica de todos os experimentadores sem idéas preconcebidas, é o que manda a observação de todos os" clinicos conscienciosos. Sabendo nós que o veneno actua por um lado chimica- menle sobre o sangue, por outro lado biologicamente sobre o syslema nervoso central, teremos em vista os antídotos dyna- rnieoh e os antagonistas ; mas como já sabemos que estes estão ainda por se encontrar, faremos carga sobre os eliminadores, ainda procedendo assim de harmonia com os factos. Antídotos dynamicos, isto é, medicamentos que possam ir destruir chimicamente ou impedir também por acção chi- mica o agente tóxico, ainda estão por se encontrar, como já provámos. Regeitamos in limi?ie, como inúteis e perigosas as injecções intravenosas de ammonea e principalmente de per- manganato de potássio. Mesmo o licor potassico, por essa via, não deo resultados a Shorlt. Quanto aos antídotos preconisados em ingestão pela bocca, como iodureto de potássio, etc, são absolutamente falsos, inefiicazes. Antagonistas, também não têm sido encontrados na pra- tica. Lembremos que no começo da intoxicação ha um periodo de accrescimo da excitabilidade nervosa, logo seguido de depressão. Só pois iVesse primeiro periodo teria razão de — 115 — ser o emprego do chloral, tão preconisado pelo nosso compa- triota Dr. Lisboa, do bromureto de potássio, etc, mas esse periodo é de curta duração geralmente e, portanto, a pensar em antagonista, devemos antes procurar medicamentos de acção contraria ao chloral, bromureto, etc, medicamentos que augmentem o poder dos centros motores e vaso-motores. A estrychnina, que já havia sido empregada, voltou este anno á ordem do dia por uma communieação do Sr. Müller (1) á Sociedade de Medicina da Victoria (Austrália), em que este medico mostrava-se enthusiasta d'aquelle agente empregado em sua clinica. Müller faz injecções subcutaneas de um centigramma de strychnina, e repete a dose se ha necessidade E' um ponto digno de ser elucidado. Contra os phenomenos adynamicos, prostração, abati- mento, etc, prescreveremos os excitantes diffusivos, como os ammoniacaes, mas principalmente os alcoólicos em alta dose. Os eliminadores são de valor capital. Todas essas plantas recommendadas entre o povo como poderosos medicamentos para taes casos, não passam de eliminadores do veneno. Como vimos, são os sudorificos, diureticos e purgativos os que mais resultados dão na pratica, porque tudo nos faz por outro lado suppôr que o veneno se elimina principalmente pelas glân- dulas sudoriparas, pelos rins e pelo tubo gastro-intestinal. Os sudorificos usados são as bebidas quentes, os ammo- niacaes ; mas os principaes, os preferíveis são os alcoólicos (1) Vide—Semaine Médicale,—8 de Agosto de 1888. — 116 — em alta dose, e principalmente ojaborandy, ou melhor o seu alcalóide, a pilocarpina, medicamento seguro e cuja acção não falha. Os diureticos são também de grande utilidade, a digita- lis, a scylla, a cafeína e um que por sua fácil obtenção no interior das províncias e acção prompta deve sempre ser lembrado, referimo-nos aos estvgmales de milho em infusão. Os purgativos nunca devem ser esquecidos ; são prefe- riveis os purgativos brandos e ts salinos, óleo de ricino puro, saes de magnesia, de sódio, etc. Não ha nunca necessidade dos emeto-catharticos,a fazer uso prefira-se a ipeca. O tartaro- emetico deve ser completamente regeilado. Quanto aos accidentes terciarios, de cachexia, etc, pro- curaremos levantar as forças do doente com os tônicos—vi- nho quinado, ferruginosos, com os exercícios, etc Resumindo, diremos, que, para um individuo que foi mordido por uma cobra venenosa, devemos proceder da se- guinte maneira: A) 1.° Sublrahir o veneno da ferida (ligadura circular, compressões methodicas no sentido de espremer o veneno e sucção). 2." Destruir o veneno que ainda fica nos tecidos (electri- cidade, ferro quente, cáusticos chimicos), sendo preferiveis as injecções de licor de potassa e na falta deste as de per- manganato de potássio. 3.° Impedir o veneno de passar em dose grande para a torrente circulatória (ligadura intermiltente e em certos casos injecções hypodermicas acima da ferida). — 117 — B) Logo que se manifestarem os primeiros indícios de absorpção geral do veneno, eliminal-o pelas vias—cutânea (álcool em alta dose, jaborandy ou melhor pilocarpina, bebi- das quentes) renal (digitalis, estygmales de milho, etc.) gastro- intestinal (purgativos brandos). C) Tratar, conforme o caso, os accidentes locaes secun- dários e terciarios; sustentar as forças do doente (tônicos, exer- cícios etc.) \ "1 ' '^fr^'t:M -v* ítfÁ^r NLM GQ137bflt, 1 tfjuMiíi»'*'-Aiíiijm^ww um;,'- ■:■!%,. i /••'M' NLM001376861