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M. O IMPERADOR Senhor! Este livro vos pertence, eu vol-o dedico. Descreve um período da historia da falsificação no Brasil, em que se poderia supor a collaboração de V. M., por ter mantido na pasta do Império o Sr. Barão de Mamoré, apegar do protesto unanime da Opinião, que aliás se não revoltou contra V. M., tal é o respeito e a consideração em que o tem. Só á bondade de V. M. se deve talve\ o não termos ainda ouvido o Ave, Cezar ! dos Romanos. Praia aos céos que a leitura destas paginas pelos nossos compatriotas, os brasileiros, ensine-os a protestar de modo mais solemne contra a fraude do Sr. Ministro do Império, como o Exercito pro- testou contra o arbítrio do Governo, e V. M. ordene a este que cancelle as fabricas de productos enve- nenados, como ordenou áquelle que cancellasse os avisos arbitrários, e, se me fôr dado commemorar esse facto, eu possa, de envolta com agradecimentos a V. M., dedicar á Opinião Publica um outro livro que escrever. Vosso compatriota e admirador. ÚJr. Ca:npos da Qaz. PREFACIO Vinho é o liquido alcoólico resultante da fer- mentação do sueco da uva madura. Eis a definição em que todo o mundo está de accordo, inclusive a actual Inspectoria Geral de Hygiene. Quando pois se diz vinho, a referencia em qual- quer accepção, scientiíica ou industrial, é feita ao sueco fermentado da uva madura. Nenhum adjectivo que lhe modifique a signifi- cação suporta o termo. Como esse liquido não é sempre uniforme em suas propriedades, que dependem das proporções dos elementos que entram em sua composição, d'ahi é necessário indicar-lhe a espécie, dizendo vinho de Lissa, Madeira, Porto, Constança, Xerez, Malaga, Jurançon, Champagne, Rheno, Bordeaux, etc. O vinho é artificial ou natural? Girardin lembra com razão que, á excepção da água e do leite, todas as outras bebidas são produetos da industria humana. Devendo a matéria prima soífrer a acção in- dustrial para produzir o vinho, sendo sua boa ou má qualidade dependente da arte com que seja ma- V[ nipulado o môsto, (sueco da uva madura) podia-se qualificar o vinho de artificial. Sendo, porém, a fermentação um processo na- tural, devendo o industrial apenas vigial-a, sendo-lhe absolutamente vedado addiccionar ao mosto qual- quer substancia estranha á sua composição e á do producto que delle deriva por fermentação, o vinho pôde ser qualificado de natural. Natural ou artificial, na accepção em que consi- derei os termos, essas designações são inúteis, pois que vinho tem sempre a mesma significação. Desde a mais remota antigüidade, e em todos os povos, é conhecido.o uso das bebidas alcoólicas. Todos os suecos assucarados são susceptiveis de fermentar, produzindo liquidos alcoólicos, e as nações as menos civilisadas cedo aprenderam a pre- paral-os, e, tão fácil e rápida é a transformação dos suecos assucarados em liquidos alcoólicos, que o acaso lhes pôde servir de mestre. A analogia do processo justifica a denominação de vinho, restringida pela designação da procedência, que é dada a alguns desses liquidos entre os povos que os preparam, e esses são os vinhos de fruetas ; são porém usados com conhecimento de sua origem, porque elles são procurados em virtude de proprie- dades que lhes são peculiares e os tornam apre- ciados, alguns até para fins therapeuticos na medicina popular, taes são os vinhos de cereja, groseille, laranja, caju etc. Essa analogia tem ido mesmo um pouco mais longe: á seiva fermentada de certas plantas se tem VII dado a denominação de vinho, indicando-se-lhe sem- pre a origem e usando-o como tal. É assim que os habitantes da África Central pre- param um liquido alcoólico, a que denominam vinho de palma, fermentando a seiva de certas palmeiras. Esse mesmo producto é na Senegambia conhecido por Tumboo, na regência de Tripoli por Lagbi. Nas Phillippinas se prepara uma bebida alcoólica a que chamam vinho de coco, que na Costa de Coromandel é chamado Calou. Em Cayenne, Antilhas, e na África Central se prepara um vinho de banana, fermentando a seiva da bananeira. O sueco da canna de assucar fermentado pro- duz também um liquido alcoólico, usado em varias regiões. Em Madagascar prepara-se sob a denominação de Toe uma bebida alcoólica, fermentando o sueco da banana e da canna de assucar. Nas Antilhas usam sob a denominação de Guarapo fuerte do sueco da canna fermentado. Ainda em Madagascar usam do Betsa-betsa, sueco de canna fermentado com plantas amargas. Os negros das Antilhas usam do sueco de canna fermentado com sueco de limão, sob a denominação de Grappe. Os indios do Oya- pock, na Guyanna franceza usam de uma bebida alcoólica composta de canna de assucar, farinha de mandioca, batata e banana a que denominam Ouicou, Payaouarou. Paya. Fermentando cevada germinada com addição de lupulo se prepara a cerveja na Europa e na VIII America ; producto análogo é preparado na Abvs- sinia, sob a denominação de gouchètalla. Fermen- tando a cevada germinada com renovos de pinheiro se prepara na Nova Inglaterra uma bebida alcoólica, conhecida por Spruce. (*) De cevada não se faz. nem se pôde fazer vinho. Longe iriamos se quizessemos percorrer o qua- dro das bebidas alcoólicas nas diversas regiões do Globo. D'essas bebidas algumas são especiaes a regiões, ainda não bafejadas pela civilisação, onde não ha a uva, nem importam o vinho. Entre nós o sueco da canna fornece a garapa, quando fresco, a cachaça quando distillado, depois de fermentado. Não usamos o sueco fermentado. O vinho de canna e o vinho de cevada das nossas fabricas é um embuste; é uma falsificação ; é uma mentira. É o vinho facticio perseguido em toda a parte, pois que elle pretende passar por vinho de uva, cujo aspecto, aroma e paladar pro- cura imitar para illudir. É preparado para ser vendido por vinho tinto e vinho branco de Lisboa, e ainda por vinho do Porto, convenientemente misturado com um pouco de vinho de uva. Semelhante industria é uma immoralidade, pois eqüivale a diffundir o uso da cachaça sob a falsa aparência do vinho. (*) Givardin, Lèçons de chimie élónionlaire appliquée aux arts in- dustrieis — 5.a Edição, vol. III pags. 461 a 4(31, 513 e 514. IX Os productos industriaes do sueco da canna de às> sucar são esses que enunciei para as diversas regiões citadas ; entre nós ella fornece, como únicos produc- tos industriaes, o assucar e a cachaça. Seja, misturada em natureza com as drogas chir micas tendentes a mascaral-a, seja, produzida pelo assucar podre que fermenta nas fabricas, o que aliás não dispensa a sua addicção em natureza, ella é sempre a cachaça. Mascarar essa cachaça de modo a dar-lhe a apparencia de vinho tinto e vinho branco de Lisboa por meio de drogas, nocivas ou não, misturar essa tizana com vinho de uva para dar-lhe a apparencia de vinho do Porto, imaginar todos os artifícios para melhor illudir, inclusive, despachar para Santos, não desembarcar ahi o producto fraudulento, fazel-o voltar para despachal-o na Alfândega da Corte, de modo a parecer vinho importado, e, mandal-o lá buscar pelo incauto comprador, eis a industria per- mittida no Brazil por lei, e em toda a parte perse- guida como audacioso crime. E as autoridades sanitárias sabem disso. Para não nos referirmos senão a uma com- municação que a Inspectoria de Hygiene recebeu do Centro de Molhados, passemos em revista al- gumas marcas de vinhos falsificados, a ver se alguém seria capaz de conhecel-os pelo rotulo, não conhe- cendo os falsificadores, como hoje felizmente toda a gente conhece: Em Fevereiro os Srs. Fritz, Mack & C. des- pacharam para Porto Alegre, vinho e cognac com X diversas marcas e entre ellas M. C, J. D., P. P., J. etc. Os Srs. Ernesto de Oliveira & C. despacharam para o Desterro, para Santos e para Antonina, vinhos com as marcas M. & L, R. T. & P., A. E. etc. Os Srs. Tavares, Sinde & C. despacharam para Santos, Pelotas, Victoria etc. vinhos com as marcas R., N., C. F. A. etc. (*) Quem reconhecerá por essas marcas o vinho de cevada dos Srs. Tavares, Sinde & C. e o vinho de canna dos Srs. Fritz, Mack & C. Ernesto de Oliveira & C. e os outros? Ninguém. Nem é para que se o conheça que elles o fa- bricam. Sob essas marcas enganadoras circula livre e impudentemente cachaça; nem se quer lhe falta o gráo de alcoolisação. (**) Se é a cachaça que é consumida como se fosse vinho, cachaça a que os francezes chamam eau de vie, denominação que Girardin propõe substituir pela de eau de mort, abramos Girardin, esse mesmo Girar- din que a Inspectoria citou em falso, e leiamos. citando certo, á pag. 5o6 do vol. 3.°. « E á cachaça [eau de vie) mais ainda que ás guerras e ás cruelda- des dosEuropeos. que se deve attribuir a destruição tão rápida dos indigenas da America. » (*) Pais de 19 de Fevereiro de 183(5. (**) Veja Girardin 3." vol. pag. 55»: Taboa indicando o titulo dos alcools do commercio e neste livro, pags. 104 e 105: Analyses dos vinhos dos falsificadores e pags. 250, 251 e 2~y2, Relatório dos peritos e 3G0, 361 e 362, Documentos. XI « Estatísticas bem feitas, diz o mesmo Girardin em nota na mesma pagina, demonstram que o numero de indivíduos que succumbem annualmente á acção das bebidas alcoólicas, se eleva na Inglaterra a 5o.ooo, na Rússia a 100.000 ; mas, antes de morrer, esses desgraçados pagam á sua triste paixão um tri- buto de sorlrimentos que atormentam sua miserável vida e preparam-lhes uma morte antecipada. » Entre nós, o que diria a Estatística? Ora. se o vinho de canna e de cevada de nossas fabricas não é senão cachaça, e se a denominação que lhe emprestam não passa dos laboratórios onde os fabricam e de onde elles sahem com a rotulação de vinhos de uva, fechem-se esses antros de torpe especulação, onde á cachaça, que gera o alcoolismo, se junta o veneno, que apressa a morte. Que o operário se envenene com a própria cachaça, pois conhece-lhe as qualidades tóxicas, e no instincto de conservação encontrará meio de co- medir-se. ao passo que offerecida sob a falsa ap- parencia de vinho, elle ingere maior porção de ca- chaça, no abuso do que supõe ser vinho, além das substancias venenosas com que ella é trabalhada. E a essa especulação criminosa ousaram chamar industria nacional, como se tão nobre bandeira pu- desse cobrir tão criminosa carga! E se pede para ella o apoio do Governo, em nome das rendas do Estado, como se não estivesse provado que o Estado é lesado pela diminuição da impor- tação do vinho e pelo atrophiamento da nossa vi- nicultura! XII E ainda se pedio para ella protecção em nome da producção assucareira, como se o preço do assu- car dependesse desse carnaval industrial! ou como se a cachaça deixasse de ser consumida pelo facto de ser privada da mascara vinhosa que lhe afivelaram nas fabricas. Se o phyloxera matar a vinha em toda a super- fície do Globo, a humanidade que se resigne a beber qualquer outro liquido alcoólico e a dispensar o vinho, pela razão simples de que elle terá deixado de existir. Não seria esse facto razão para que se come- çasse a chamar de vinho tisanas insalubres com a apparencia d'aquelle precioso liquido, para serem vendidas como se vinho fossem. Ante essa crise, que viria ameaçar-nos com a carestia de um producto, que representa no regi- men dietetico e therapeutico tão importante papel, o laboratório do chimico procuraria suprir-lhe a falta, e estou certo de que conseguiria preparal-o, operando a reunião dos seus elementos em condicções taes que lhe garantiria as propriedades physiologicas, chimicas, physicas e organolepticas, e só a esse producto se poderia considerar uma imitação do vinho. Nem ninguém porém tentou ainda fazel-o, nem seria possivel no estado actual dos nossos conhe- cimentos oenologicos, nem, quando realisado, satis- faria a ambição dos industriosos e humanitários phylantropos, que, vendo a uva escacear, e para que nos não apercebamos d'isso, mascaram a ca- XIII chaça, e nol-a impingem, como se fosse o sueco fermentado do precioso frueto da vitis vinifera. Este livro é pois um protesto contra a doutrina anti-scientifíca da actual Inspectoria de Hygiene e o acto insólito do Governo, demittindo uma corpo- ração scientiíica, presidindo-a Domingos Freire, por professar a sã doutrina e perseguir a fraude. E, como essa fraude é um crime, que attenta contra a bolsa e contra a saúde do cidadão, este livro é também um libello contra os réos desse crime. Que a Sabedoria, onde quer que tenha erigido seu templo, recolha o protesto, que guarda impo- luta a sciencia da minha pátria, e que a Humani- dade pronuncie os criminosos, imprimindo-lhes na fronte o stygma pelo qual a historia deve reco- nhecer os condemnados de hoje, eis tudo quanto deseja, como recompensa pelo esforço empregado neste árduo trabalho, o humilde signatário destas linhas. br. Campos da (Paz. Rio de Janeiro, 12 de Outubro de 1886. JUNTA CENTRAL BE HYGIENE PUBLICA Demittida a pedido dos falsificadores de vinhos 2?iesid.ontc Dr. Domingos José Freire Lente cathedratico de Chimica Orgânica e biológica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Vice-presidente da secção de hygiene do 9.° Congresso Internacional de Sciencias Médicas, que se deve reunir nos Estados-Unidos em Setembro de 1887. Nona questão do programma da Secção de Hygiene:— Influencia do Álcool sobre a saúde publica. Especificadamente: vinho, cervejas e licores dislillados. Membros effectivos Dr. Luciano de Moraes Sarmento Dr. João Paulo de Carvalho Adjuncto â Cadeira de Physiologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Dr. Cincinato Américo Lopes Dr. Arthur Fernandes Campos da Pa\ Adjuncto á Cadeira de Chimica Orgânica e biológica da Faculdade de- Medicina do Rio de Janeiro. Illm. Sr. Dr. Campos da Paz. Caro e distincto collega e amigo. Era regra inviolável dos primeiros Romanos que todo aquelle que desamparasse o seu posto ou deixasse as suas armas no combate seria punido com a pena de morte. Escrevendo-te esta carta quero mostrar-te que continuo firme n'aquelle antigo posto de honra donde só poude desalojar-nos a arbitrariedade despotica de um poder transviado nos meandros da sophis- ticação; e que as minhas armas, aquellas com que soube cahir ferido mas não vencido, aqui estão ainda em minhas mãos, afiadas como outriora e promptas a golpear sem piedade o abuso, a vio- lência, o embuste, os interesses sórdidos dos mi- neiros da desgraça publica. Soube que escrevias um livro histórico sobre todas as peripécias que se tem desenrolado a propó- sito da questão dos vinhos. Era um complemento necessário aos brilhantes artigos com que a tua penna ousada tem illustrado as columnas da Ga\eta da Tarde e d'0 Paiz : e não podia deixar passar sem applauso tão feliz idéa nem negar-lhe o meu fraco mas esforçado apoio, com que poderás sempre contar toda a vez que se trate de fulminar a es- peculação torpe de meia duzia de ambiciosos Borgias deste nosso torrão natal, auxiliada pela conni- vencia ostensiva e monstruosa da administração sanitária. Applaudo a tua coragem, mas lamento a im- proficuidade dos teus esforços. Como até agora serás i: XVIII uma voz a pregar no deserto. A immoralidade continuará a hastear triumphante a bandeira dos seus crimes; e quiçá o teu bello e patriótico livro servirá ainda de irrisão ás massas ignorantes e corrompidas pela embriaguez das bebidas preparadas nas cavernas de Locusta. Porventura pôde a falta de pudor administrativo causar abalo em uma opinião publica viciada por uma atmosphera putrefacta, em que as consciências se polarisam aos deslumbramentos da attracção do ganho, do mercantilismo e da desfaçatez a mais escandalosa ? Anda tudo ás avessas, meu caro amigo. Mui poucos, estou certo disto, associar-se-hão aos meus applausos para felicitar-te pelo teu destemido ardor em açoitar sem dó os farçantes da época, tomando sobre os hombros essa responsabilidade terrivel do homem de bem que accusa legitimamente com plena certeza de que será abandonado pela quasi gene- ralidade dos seus concidadãos e entregue á sanha inexorável das vinganças mesquinhas e atrozes dos senhores feudaes do Brazil. A mais glacial indifferença pelas questões que mais de perto jogam com a vitalidade da nação, eis o symptoma pathognomonico da decadência deste povo, conseqüência fatal do systema de corrupção que t2m sido posto em pratica para manter o equi- líbrio do nosso estado social. Como a antiga repu- blica dos Beocios, não ha eloqüência que seja capaz de jamais agitar o espirito entorpecido do paiz, que só se deixa levar pelo sentimento presente do bem e do mal, bem pouco se lhe dando que a náo da politica que o perde o conduza para o oriente ou para o occidente, para o porto de salvação ou para o escolho da ruina. O meu e o vosso protesto, bem como o pro- testo dessa imprensa independente, que é a única alma da nação e filha legitima das aspirações no- bres do povo, perder-se-ha na immensidade do silen- XIX cio universsal como o grito angustioso do naufrago a debater-se entre o céo e o mar no desespero da morte. Nós somos uns tristes desterrados, uns pobres condemnados ao ostracismo, uns ilotas sem impu- tação moral, degradados pariás, insolentes revolu- cionários, anarchistas incendiarios, e como tal se- remos tratados com o mais solemne desdém e as mais duras punições por essa casta previlegiada que dispõe da attribuição quasi esclusiva da importância social, torcendo a justiça, o direito e a razão a seu talante para condição e garantia de suas vantagens pessoaes. Não quizemos dobrar a cerviz diante da pre- potência e das tramóias administrativas? Passámos pelas forcas caudinas, e havemos de ser precipi- tados da rocha Tarpeia. Idiotas que fomos. Podiamos estar hoje passando por heróes, dignos de adoração e idolatria, se em vez de termos tido a enérgica vontade de defender os interesses da população, nos tivéssemos abrigado atraz dessa força protectora, o despotismo governamental, que tem tido a habilidade de absorver todos os poderes sobre os quaes repousam todas as influencias. Porque aberração quizemos ser os homens in- dependentes cujo intuito austero e leal era a pro- tecção da sociedade, a garantia dos interesses da saúde geral, a vigilância sem reservas sobre os milhares de vidas confiadas á nossa guarda, ao nosso zelo, ao nosso carinho ? O que lucrámos no exercicio gratuito, (*) póde-se assim dizer, de cargos que não solicitámos, mas que nos foram oíferecidos com instância e quasi impertinencia do governo ? De que serviram os nossos esforços, o nosso constante labutar, as nossas (*) 0 Presidente vencia 1:2005000 e cala um dos membros da Junta Central de Hygiene Publica 800#000 anuualmente, sem regalia alguma. Actualmcnte o Inspeclor Geral de Hygiene vence 6:000^300 e cada um dos membros da Inspectoria 3:600#000 annualmente. XX propostas para melhorar as condições sanitárias, a nossa assiduidade no desempenho de árduas e espi- nhosas diligencias, a nossa firmeza, a nossa inde- pendência, a nossa dignidade? Tudo isto cahio e abateu diante da formidável muralha levantada de um dia para outro pelas mãos poderosas dos fabricantes de vinhos falsifi- cados; essa liga funesta e immoral, que a portas escancaradas desafia impudentemente o jury e o cárcere, teve força bastante para obrigar um mi- nistro de um paiz estragado a dar a demissão a uma corporação creada expressamente para proteger a saúde publica, no momento mesmo em que ella perseguia industriaes aventureiros, corridos de todas as uartes, como delapidadores da saúde e da bolsa da humanidade. E dizer meu iilustre amigo, que houve em uma associação de médicos, vozes que tiveram a inau- dita coragem de se erguerem em favor do dólo e do crime, discutindo com calor e até com ebulição tumultuosa as virtudes angélicas, as excepcionaes docuras das tisanas envenenadas, dos vinhos que não são vinhos, porque na sua composição não entra um só bago de uva ! Que idéia farão de nós no estrangeiro, quando forem lidos no?> boletins daquella associação, os calorosos debates provocados por uma questão, que está intuitivamente julgada por si e que nem admitte discussão i ? Suppôr que a ignorância foi o movei de tudo isto, seria me parece, grave injustiça ás habilitações daquelles que deram tão errado passo, compromet- tendo a sua reputação scientifica. Dizer que foi para ser agradável ao Ministro, com segunda intenção em planos futuros, é também hypothese que não ousaria formular. No teu livro, caro collega, acharei provavelmente a explicação clara e cabal deste enigma que não posso decifrar. XXI Mas creio ter demonstrado suficientemente, com o que até aqui tenho escripto, que a nossa sentença de demissão estava lavrada muito antes de surgir a questão dos vinhos. O Ministro apenas foi içado ás alturas do poder, soube logo de que tempera era o aço das nossas armaduras, e que impossivel era tornar malleaveis o nosso caracter e a nossa altivez. Quer nós defendêssemos o bem, quer accu- sassemos o mal, era imprescindível que fizéssemos praça para outra gente mais própria para seus pianos de seneamento. Por fas ou por nefas estávamos condemnados á queda fatal. O Sr. Barão de Mamoré poz-nos na mesma contingência em que Caligula collocou os seus cônsules. Conta-se que aquelle imperador fizera-lhes ver, que sendo elle descendente tanto de Antônio como de Augusto, punil-os-hia com a morte se festejassem o anniversario da batalha de Actium, e que os puniria da mesma maneira se não a feste- jassem ; e Drusilla, a quem elle concedeu as honras Divinas, tendo morrido, era um crime choral-a por- que era deosa, e não choral-a era também crime, porque era sua irmã. Uma gloria, porém, nos resta, e é que suc- cumbimos cumprindo o nosso dever; no momento mesmo em que o golpe feria as nossas frontes, apontávamos para que todos vissem, as ulceras de uma administração superior gangrenada, enroladas nos pannos infectos de uma gerarchia coberta de sanie asquerosa. Em redor de nós sentimos por alguns instantes o ruido, o susurro, os clamores. Mas tudo passou. Consummatum est. Só nos restam os louros das nossas consciências. Esses são immarcessiveis. Houve um dia em que a onda da opinião pareceu por uma anomalia singular avolumar-se e aluir o templo dos mercadores da saúde do povo. Mas de repente só XXII tivemos diante de nossos olhos uma lagoa de águas pútridas e estagnadas. Tudo é assim entre nós. As grandes questões acabam como o caudaloso Rheno que não é mais do que um riacho quando se perde no oceano. Falsifiquem a gosto, envenenem á vontade, ga- nhem carradas de ouro á custa da vida do próximo e encham-me bem os cemitérios, tal foi a ordem do grão vizir da hygiene publica. Força é confessar que elles cumprem á risca a ordem sinistra e cruel; nem ha motivo para so- phismar. Já vês, caro collega e amigo, que a questão dos vinhos passou para o rol das cousas mortas. Vamos! Galvanisa esse cadáver, e que a mais feia contorsão, que elle fizer á passagem da corrente electrica do teu estylo scintillante, faça tremer de horror e remorso os protogonistas do mais triste drama que se tem representado no scenario da hy- giene publica. Aperto-te a mão em signal de fidelidade, e que o teu bem elaborado livro, onde se acham archi- vadas todas as misérias da administração sanitária do Brazil, percorra todas as terras do mundo civili- sado, para que ellas aprendam um pouco como é fácil neste paiz transformar-se em lei o absurdo, e consumarem-se os maiores attentados em nome do Direito e da Justiça. Sou teu dedicado amigo e collega admirador Rio, i5 de Outubro de 1886. Illm. Sr. Dr. Campos da Paz. Eminente collega. Li, com toda a attenção, o vosso precioso livro sobre a questão dos vinhos falsificados. Elle encerra a historia minuciosa e profunda- mente veridica de um acontecimento escandaloso, que, em sua fermentação irritante, veio pôr em evidencia os symptomas da putrefação moral, que tão desastradamente invadiu este Império. Escripto com vehemencia, mas com summa clareza e lógica, n'elle se encontram paginas elo- qüentes, em que a verdade, por vezes cruel, é dita sem rebuço e com a mais admirável independência. Que a vossa penna se não quebre, e continue a ser o azorrague de que carecem todos aquelles que, antepondo seus interesses privados aos interesses sagrados do paiz, o compromettem e o deshonram. Vosso collega, admirador e amigo Rio de Janeiro, i5 de Outubro de 1886. ILLUSTRE AMIGO E DISTINCTO COLLEGA DR. CAMPOS DA PAZ Reli a triste historia dos vinhos falsificados, objecto de vosso livro, e peza-me não poder recu- sar-me a subscrever esse auto de autópsia moral da alta administração do nosso paiz. Se nesse ingrato e penoso labor, não embo- tou-se vosso escalpelo e ainda esperaes que a saúde publica triumphe de quaesquer interesses inconfes- sáveis, faço votos para que não percaes tão doces illusões. Amigo, collega e admirador Corte, 18 de Outubro de 1886. w. Illustrado Dr. Campos da Paz. Nessa questão dos vinhos em que, mau grado nosso, tornamo-nos salientes, quiz a sorte, inexo- rável senhora, que a ignorância, certas conveniên- cias e desmedido capricho tocassem o clarim da victoria ! Mas como assim não acontecer por vezes, em um paiz, como é o nosso em que o fatal principio das cousas, uma vez consumadas, se constituio theoria official ? Quando «o poder é o poder» a fraude se tornou um direito e a hygiene se fez uma industria nacional, como não se deixar abater a sciencia, não permittir pisar-se o dever e não menospre- zar-se o interesse geral? Nessa original questão como em toda outra, dominou o prestigio da força — o direito do forte contra o fraco se evidenciou. E, se é verdade que a dignidade ofncial não se deixou baquear, manda a justiça reconhecer que não se perdeu absolutamente também a digni- dade moral e scientiíica da parte litigante vencida ! Na altivez do vosso caracter, com esse pro- testo eloqüente contra a insciencia, na matéria, do actual Ministro do Império, folgo, meu prezado col- lega, que não tivesseis sacrificado a lógica da vossa argumentação nem tão pouco o valor dos verda- deiros principios scientificos hodiernos. Vosso livro, pois, embora escripto em uma linguagem vehemente, é, entretanto, ao meu vêr, um attestado vivo do zelo e ardor, patriotismo e proficiência com que foi por vós discutido o as- sumpto. XXVIII Cabe, agora ao futuro responder onde o erro, o despeito e o despotismo, e onde a verdade, o devotamento e a consciência, julgados os dous contendores. Cabe emfim ao leitor, mesmo o mais apaixo- nado, depois da publicação deste vosso trabalho, certificar-se de que lado militou a razão, se do do Sr. Barão de Mamoré com o seu poder ou se do da demittida Junta de Hygiene com os louvores da Imprensa e os applausos da opinião publica. Continua como sempre admirador do collega e criado obrigado Rio, 18 de Outubro de 1886. AGRADECIMENTO Á imprensa livre de minha pátria, que soube, como sempre, inspirar-se nos grandes princípios da verdade, representando a opinião, que está acima de todos os partidos, os nossos agradecimentos. Não fora o seu apoio e teriamos succumbido na luta. Armados porém com a claridade deslumbrante, que ella projecta, havemos de impregnar de tanta luz os labyrinthos escuros, onde se refugiam essas aves de arribação, os falsificadores, que elles voltarão aos seus ninhos, fora de nosso torrão, apezar de todas as protecções imagináveis, deixando assim que se expanda frondosa no solo da pátria, bafejada pela industria, a vinicultura nascente. br. Carlos da baz. A QUESTÃO DOS VINHOS PBÜÜIÍRA PâílTf A Junta de Hyipe presifliia pelo Dr, roíiiiiips Fieire. i O Aviso-censura. Em um artigo de fundo d'O Paiz do 30 de Oulubro de 1885 (*) encimado pelo titulo — vinhos fal- sificados — a Junta pareceu ver de ce o modo uma (*) Artigo do Paiz de 30 de Outubro de 18S5: « Nesta questão de vinhos... a nossa desautorisada opinião é que melhor fora não bebel-os. « Mas, como em contrario á nossa, lia opiniões autorisadas que aconselham o uso do vinho como um estimulante salutar e hygicnico, o melhor será que o Estada procure, por todos os meios ao seu alcance, garantir á população a inuocuidade já que não a bondade dos productos offerecidos ao consumo publico. « Essa garantia devo o governo assegnral-a não somente com rela- ção ao vinho como com relação a todas as substancias alimentares. « No nosso paiz, aonde, por ignorância, faltam muitas noções ao espirito publico, o por perversão moral muitas são desprezadas, ha quem pense ser um attentado á liberdade do commercio e da industria toda e qualquer medida administrativa referente quer á aferição dos pesos e medidas usados no mercado dos gêneros, quer à íiscalisacão exercida sobre a natureza dos productos expostos á venda. « A generalisação dessa idéa levar-nos-liia a aceitar como princí- pios econômicos respeitáveis — a liberdade de roubar e a liberdade de envenenar ao publico. « Essa falsa supposição deve ser combatida como um erro, para os que estiverem do boa fé, e como uma immoralidade para os que não estejam. -2 - censura ao acto pelo qual ella condemnára como no- civos á saúde publica por serem artificiaes, isto é, vinhos faclicios, certas marcas de vinhos importados, que ficavam á sua ordem retidos na Alfândega até o resultado da analyse. Em vista disso, e, julgando de seu dever dar á imprensa uma satisfação de seu acto, ella resolveu em sessão de 31 do mesmo mez escrever uma carta á re- dacção d'0 Paiz, que teve a gentileza de publical-a no artigo de fundo que se segue de 1 de Novembro, sob a rubrica — vinhos falsificados: « Um despacho do nobre ministro do império, e que lemos na folha ofíioial de hontem, legalisa e dá livre transito a um producto falsificado. « Grande numero de enfermidades que affiigem as populações dos grandes centros civilisados têm origem na falsificação das substancias alimentares. « E particularmente ás bebidas alcoólicas falsificadas se attribue o espantoso desenvolvimento que têm tido as moléstias cerebraes, os des- arranjos mentaes que levam ao hospício dos alienados considerável numero de clientes, sendo já o nosso vasto Asylo insuficiente para receber os enfermos que affluem de todos os pontos do Império. « Não queremos referir-nos, por incompetentes, ao accrescimo pro- gressivo das moléstias gástricas, que occupam tão grande espaço no quadro nosologico das mais communs enfermidades que ceifam a vida dos habitantes desta capital. « Mas estamos convencidos de que á falsificação dos gêneros des- tinados ao consumo se pôde attribuir em grande parte o augmento da mortalidade^ « Questão é esta, portanto, que não pôde ser desattendida pelos poderes públicos, porque ella interessa á saúde e á vida da população, as quaes devem ser consideradas em plano superior ao do interesse dos mercadores sem consciência, que não hesitam bater moeda ainda sobre a cabeça dos seus semelhantes. « Entre as substancias falsificadas a mais generalisada na venda e no consumo é o vinho. « A industria da falsificação é das mais poderosas e mais ren- dosas. « E para sermos francos devemos dizer que a fabricação interlope não é senão um prolongamento da importação criminosa, pelo que a competência entre os màos productos, entre os falsificadores do exterior e do interior se tem acirrado com o caracter de uma verdadeira guerra commercial, da qual é victima o consumidor, que paga com o dinheiro e com a saúde as victorias da especulação torpe e condemnavel. - 3- S. Ex. dirigindo-se á Junta de Hygiene, em aviso de 21 do corrente, declara que « á vista do resultado do exame chimico a que se procedeu no vinho artificial da marca K V, não pôde ser prohibido o despacho da- quella mercadoria. Que essa mercadoria é uma falsificação, não o nega nem o aviso e nem a chimica oííicial; ella, porém, póile ser fornecida á população, por isso que é inoffen- siva, ou antes, não é liquido que pertença á toxico- logia. Em o nosso anterior artigo não fizemos a menor referencia á Junta de Hygiene, porque sabíamos que os profissionaes que delia fazem parte, impugnavam con- stantemente a venda de vinhos artiíiciaes como nocivos á saúde publica. Para melhor corroborar a nossa opinião, e pôr em « O commercio honesto e legitimo vê-se assim contrariado pelo com- mercio immoral. « Os exportadores de productos sãos sentem cada vez mais reduzida a esphera de suas operações, porquv não podendo lutar vantajosamente com a concurrencia dos vinhos falsificados, ou retiram-se do mercado ou são forçados a affrontar prejuizos eventuaes, que se tornam quasi certos pela audácia com que os competidores têm avassalado o commercio dos vinhos fabricados artificialmente. « O descrédito que hoje rodeia o commercio dos vinhos não provém de outra causa e os sacrifícios que resultam para o commercio legitimo são consideráveis e tendem a excluir do mercado os productos legítimos. « Nós pensamos que é tpmpo de reagir severamente contra essa pratica criminosa que o Estado tem alentado pela sua própria com- plicidade. « Os poderes públicos não devem consentir que a saúde publica seja sacrificada á ganância de especuladores sem consciência, para os quaes todos os meios são bons, desde que se trata de ganhar dinheiro. « A falsificação deve ser perseguida, proceda ella donde proceder, quer da fabricação importada quer da fabricação nacional. « As substancias empregadas ordinariamente para a falsificação dos vinhos estão conhecidas e reconhecidas pela sciencia como substancias tóxicas que atacam directamente a saúde e a vida da população. « A máxima energia deve ser desenvolvida e a vigilância official deve fazer-se sentir severamente, tornando pratica e expedita a analyse dos vinhos importados e dos que são fabricados no paiz sob o pomposo titulo de — industria nacional. « Como, porém, essa medida forçosamente interessa ao commercio, torna-se indispensável que o governo providencie de modo que as de- longas haoituaes da nossa administração rotineira não acarretem pre- juízos ao commercio. « O prompto despacho das mercadorias é um dever das alfândegas e a analyse da commissão hygienica não deve contrariar aquelle rigoroso preceito. - 4- relevo a perigosa doutrina do aviso do honrado mi- nistro do império, publicamos a seguinte carta, que hontem recebemos: « Secretaria da Junla Central de Hygiene. « Illm. Sr.—Tendo V., se occupado em artigo de fundo d'0 Paiz de 30 do corrente com a questão dos vinhos arlificiaes, cabe-me o dever de levar ao conhe- cimento de V., que, em sessão de hoje, a Junta Cen- tral de Hygiene Publica autorizou-me a declarar que por differentes vezes já tem solicitado do Governo Imperial pro- videncias tendentes a supprimir o abuso da exposição a venda de vinhos arlificiaes, tanto importados como fabri- cados no paiz, segundo consta das actas de 13 de Dezembro de 1884, 29 de Maio e 3 de Outubro de 1885. « A Junla julgou tomar esta deliberação, visto que considera nocivo á saúde publica o uso continuado de semelhante bebida, que não é vinho e sim uma gros- seira imitação capaz de causar moléstias que affectem o tubo gastro-intestinal e outros apparelhos, além de im- próprio a preencher os fins a que se destinam cs vinhos no regimen dietetico. « Releva lembrar que a mesma Junta tem, na medida dos recursos do que dispõe, exercido fiscalisação severa sobre os vinhos naturaes, afim de nelles sor- prender as fraudes de que os fabricantes se servem para disfarçar a má qualidade do produclo. « Espero que V, dará publicidade a esta carta, com o que muito obrigará a quem se subscreve—'De V. aüento venerador, criado obrigado — Dr. Dominf/os José Freire. « Rio, 31 de Outubro de 1885. » Evidencia-se deste documento, que a Junta de Hy- giene, no cumprimento do seus deveres, tem procurado t obstar o livre transito da mercadoria que o Governo considera no caso de ser bem recebida. -5 - Por que essa divergência no modo de apreciar a questão ? Porque o honrado ministro do império tem por si a opinião dos chimicos que examinaram o producto re- provado pela Junta. Acaso, porém, não terá esta competência chimica para emittir um parecer que deve ser scienlifico e digno da confiança do Governo? A afirmativa é evidente, e vê-se que, no condido de opiniões sobre chimica, o honrado ministro deu razão aos examinadores da mercadoria já examinada pela Junta de Hygiene. Deixamos de commentar o facto, que aliás denuncia falia de harmonia em um ramo importantíssimo do ser- viço publico. Assignalaremos, entretento, a originalidade de ser reconhecido oficialmente um vinho que, não é vinho; uma mercadoria que não pode ser tributada como sendo o que não é, mas que não quer ser vendida pelo que é; uma chimica que não julga prohibivel aquíllo que outra chimica considera producto « grosseiro, capaz de causar moléstias, e impróprio para preencher os fins a que se destina o outro producto que elle quer imitar. » Estas anomalias, se de presente são irremediáveis, parece que, pelo menos, exigem da parle do poder executivo melhores esclarecimentos quando o poder le- gislativo tiver de organizar os orçamentos. A falsificação com garantia do Governo, mas com a palinodia da'Junta de Hygiene, é uma extravagância sem nome. » Essa carta, que foi um acto deliberado em sessão e portanto a Junta eslava autorizada a publical-a por um aviso do Sr. Conselheiro Maciel, motivou da parte do Governo o aviso seguinte do ministério do império de 2 do, corrente, publicado no dia 5 no Diário Oficial e só no dia seguinte recebido pela Junta : -6 - « Ministério dos Negócios do Império.—l.a Directoria. — Rio de Janeiro, 2 de Novembro de 18S5. « Tratando da questão de vinhos arlificiaes, em seu artigo editorial de hontem o Paiz transcreve uma carta que, para o fim de ser publicada, V. S. dirigiu no dia antecedente á respectiva redacção, communicando que a Junla Central de Hygiene Publica o autorisara a declarar que por diíferentes vezes já tem solicitado do Governo providencias, tendentes a supprimir o abuso da exposição á venda de taes vinhus, tanto importados como fabricados no paiz. « Fallecendo a Junta de Hygiene competência para entrar na apreciação dus motivos de ordem legal que determinam o procedimento do Governo, cumpria a essa corporação, no caso vertente, acatando devidamente deci- sões, aliás baseadas em pareceies de profissionaes da própria Junta, abster-se de fazer communicacões á imprensa, mormente nos termos da de que se trata, sobre assumpto em qu« só lhe cabe informar ao mesmo Governo, e que depende exclusivamente de resolução deste. « Foi, pois, menos regular o procedimento de V. S. e o da Junta de Hygiene, por exorbitar as suas altribuirões. « Deus guarde a V. S.— Barão de Mamoré.--Sv. Pre- sidente da Junta Central de Hygiene Publica. » No mesmo dia em que o Diário Official publicou esse aviso censura, o Sr. Dr. Freire convidou os seus collegas para uma sessão extraordinária, que devia ter lugar no dia seguinte. Eífectivamente a 6 de Novembro de 1885 a Junta Central de Hygiene Publica reuniu-se em sessão ex- traordinária na sala de suas sessões e ouviu de seu presidente a exposição dos motivos da reunião. Ao terminar essa exposição o Sr. Dr. Freire fez sentir que, para manter a dignidade da Junta, era pre- ciso que se não separassem sem ter tomado urna atti ude -7 - enérgica ante o insólito aviso, cujo fim único parecia ser desgostar aquella corporação para que ella sollici- tasse a sua demissão. O Sr. Dr. Campos da Paz, obtendo a palavra, fez largas considerações sobre a matéria do aviso, opinando que se respondesse ao ministro por meio de um oficio que estivese na altura do aviso, mas que se não pe- disse demissão, o que seria um acto de fraqueza, e, firme em seu posto, esperasse a Junta pela demissão que seria para ella um titulo honroso, pois que estava na consciência publica que seriam demittidos por cum- prir o seu dever, perseguindo a fraude. Terminou offerecendo um projecto de resposta que, depois de largamente discutido por todos os outros mem- bros da Junta, foi unanimemente approvado e por todos assignado. Assignaram-no pois o presidente da Junta, Dr. Do- mingos José Freire, e os membros eííeclivos, Drs. Ar- thur Fernandes Campos da Paz, Luciano de Moraes Sarmento, João Paulo de Carvalho e Cincinato Américo Lopes. Nesse mesmo dia a Gazeta da Tarde publicava em sua 2.a edicção a integra do oficio que era do theor seguinte : « Exm. Sr.— A Junta Central de Hygiene Publica, em sessão extraordinária eflectuada hoje, deliberou levar ao conhecimento de V. Ex. as seguintes considerações: — A Junta Central de Hygiene Publica com a publicação a que V. Ex. se refere em seu aviso de 2 do corrente, do qual só hontem ella teve communicação pela folha oficial, não entrou na apreciação dos motivos de ordem legal, que determinaram o procedimento do Governo na - 8 - questão relativa á venda dos vinhos arlificiaes, seja importados, seja fabricados no paiz, como V. Ex. infun- dadamente allega, e não sabe onde se poderia encontrar, na caria publicada, desacato ás decisões do Governo, pois a Junta sabe que do Governo exclusivamente de- pende a resolução das questões de salubridade publica, cabendo unicamente áquella corporação fornecer ao Go- verno as informações precisas, não íendo ella nada que ver quanto ao fa^to de, em uns casos, servir-se o Governo dos pareceres da Junla, e em outros casos guiar-se exclusivamente pela auaiyse chimica, destacada do pnrecer de que ella é o fundamento. Ella julga igualmente não haver exorbitado de suas altribuicões, e muito menos haver empregado termos de que resulte falta de acatamento á legitima autoridade do Governo, facto encontrado por V. Ex. nessa carta, onde a Junta, por mais que a releia, não o encontra, pedindo a V. Ex. venia para sorprehender-se de V. Ex. o ter ahi encon- trado, quando a Junta nisso não cogitou, mesmo porque não podia nem devia fazel-o por sua própria dignidade. « O que se deu foi o seguinte: « Achando-se em causa um interesso publico de primeira ordem, como o é a saúde do povo, e a própria dignidade scientiíica e moral da Junta Central de Hy- giene Publica, atacada na imprensa, por escriptos ano- nymos, entendeu esta que, em defesa de sua probidade no legitimo desempenho de suas funcções, como zeladora da saúde publica, devia aproveitar o ensejo para, em communicação directa com a redacção de um órgão da imprensa, manifestar a opinião dos seus membros e resalvar a sua própria dignidade, como delegados do Governo Imperial. « Da publicação desses seus actos, que explicavam a opinião da Junta e delimitavam a esphera de suas aüribuições, pensava a Junta que outra cousa se não podia inferir, excepto que ella queria que o publico soubesse que ao Governo, e não a ella, cumpria provi- denciar, não podendo nem devendo ella assumir outra responsabilidade que não seja a de sua opinião; que o -9 - Governo pode, no gozo legitimo de suas altribuições, aceitar ou deixar de aceitar, para melhor equilibrar os interesses da saúde publica com os interesses não menos respeitáveis do commercio e da industria. « Explicado assim o intuito da communicação diri- gida á imprensa e que promoveu a censura que. por immerecida, a Junta pede muito respeitosamente licença para não acceitar, apenas compete a esta corporação mais uma vez afirmar, perante o Governo Imperial, como já o fez perante o publico, que entende serem os vinhos arlificiaes productos commercialmente dolosos, por serem vendidos como vinhos, quando de vinhos só têm a denominação, e prejudiciaes á saúde publica, por não carresponderem aos fins a que os vinhos na- turaes são destinados no regimen dietetico e therapeutico. « Entretanto, se em sua alta sabedoria V. Ex. en- tender, como parece, que a Junta, assim procedendo, desmereceu na confiança do Governo Imperial, ella jul- ga-se na obrigação de muito respeitosamente levar ao conhecimento de V. Ex. que, para assim ter procedido, fundou-se na autorização exarada em aviso de 9 de Novembro do 1883, que por cópia tem a honra de passar ás mãos de Y. Ex. « Parece, pois, que, á vista do que fica exposto, o procedimento da Junta foi correcto; V. Ex. entretanto deliberará como entender. » A Gazeta, ao publical-o, feí-o preceder da seguinte notícia, que transcrevemos pelo acatamento que nos merece a patriótica redacçáo dessa foi a: « Eis os termos desse documento, (o oficio acima) que foi assignado pelos Srs. Drs. Domingos José Freire, João Paulo de Carvalho, Cincinato A. Lopes, Luciano de Moraes Sarmento e Arthur Fernandes Campos da Paz, e que demonstra que a dignidade não fugiu ainda de todas as corporações deste paiz. » II Abertura das portas da Alfândega á fraude. No desempenho da missão de historiar os fados occorridos, tendo estado no theatro dos acontecimentos e tendo delles feito parte na qualidade de membro da Junta Central de Hygiene Publica, não tenho a pre- tenção de fazer crer ao leitor que me acho a cavalleiro de quaesquer paixões ao escrever este livro, mesmo porque uma grande paixão me assoberba — a do bem publico — e eu não posso impedir que ella anime o meu braço, depois de haver impressionado o meu cé- rebro. Como porém nenhum outro interesse me move, nem nenhuma consideração pauta o meu procedimento, posso reclamar como um direito, senão como uma recompensa pelo trabalho despendido desde que fui nomeado membro da Junta de Hygiene, a attenção do leitor para estas paginas, onde pode encontrar interpretações que não sejam suas, ou má escolha de factos pela ordem de impor- tância, mas nas quaes a veracidade dos factos terá ca- racter absoluto. O período, que vamos historiar, resume por assim dizer a essência dos acontecimentos. Elle é o ponto onde incidem os acontecimentos que o precederam e de onde emergem os que se seguiram. Foi esse período que accentuou de modo irrecu- - 12 - savel a existência da fraude e foi nelle que eu e meus collegas da Junta de Hygiene aprendemos, condoídos do mal que mina o organismo desta população, a afrontar todos os perigos em defeza da saúde publica, não já abandonada, mas perseguida pela fraude encampada pelo Governo e pela actual Inspectoria Geral de Hygiene. Em toda a parte do mundo a fraude em tudo fez sempre concurrencia ao commercio honesto, apezar da perseguição atroz que se lhe move. O vestuário, com que cobrimos a nudez, as pe- drarias, que encantam a vaidade, a moeda, que serve para as nossas transacções e a nossa alimentação diária, tudo tem sido preza da fraude, até o medicamento de que esperamos anciosos a poupança de vidas que nos são caras. Contra a fraude do medicamento ainda o medico se pode armar dos meios praelicos, que a sciencia mo- derna conhece para descobril-a, mesmo á cabeceira do doente, mas, a fraude do alimento só pode ser cerceada pela vigilância das autoridades sanitárias armadas de leis severas, como as ha em todos os paizes. No firazil, a lei nunca cogitou seriamente do as- sumpto, e, ás autoridades sanitárias, mal remuneradas e mal organisadas, sem disporem dos meios de a sorprehender (*), (*) A Junta de Hygiene tinha dous chimicos sem laboratório; mais tarde creou-se o laboratório de Hygiene da Faculdade de Medicina e os chimicos da Junta foram ahi trabalhar em posição algum tanto es- querda, pois sendo esses funccionarios directamente subordinados á Junta de Hygiene de que faziam parte, o laboratório é immediata- mente fiscalisado pela Directoria da Faculdade de Medicina, ou antes pelo professor da Cadeira de Hygiene, e para que se possa compre- hender a natureza dos trabalhos chimicos que a Junta podia obter basta dizer que o vencimento dòs chimicos, que só podem ser Doutores em Medicina, era de 665000 mensaes. -13- o tempo é pouco para forjar pareceres, projectos e reclamações ao Governo, que nunca serviram senão para entulhar os archivoâ das repartições. Facilmente se comprehenderá que o Brazil devia ser o pomo cubiçado pelos falsificadores repellidos de toda a parte. A falsificação accentou pois aqui os seus arraiaes, e, quando um dia enfrentou com uma autoridade sani- tária como o Dr. Domingos Freire, acostumado á serie- dade das investigações scientiíicas, rodeado de companheiros capazes de auxilial-o, senliu-se estrangular por um cir- culo de ferro, que a teria esmagado logo na Alfândega e nas fabricas se encontrasse um governo serio, que a auxiliasse. Mas os falsificadores, na sua quasi totaliílade estran- geiros, tinham-se desenvolvido tanto e tinham-se tornado tão poderosos, que poderam demitlir a Junta de Hygiene e fizeram-se advogar, como se verá da leitura deste livro, pelo próprio Ministro do Império e pelas auto- ridades sanitárias que para esse fim o ministro nomeiou, ás quaes, ainda não satisfeito, armou com um regula- mento ad hoc, um de cujos artigos transcrevemos em nota (*) sem commentarios. (*) Art. 83 do Regulamento Sanitário de 3 de Fevereiro de 1836. Nas fabricas de licores, vinhos artlficiaes, águas mineraes gordura?, comestíveis, conservas alimentares e outros gêneros de igual natureza, a autoridale, sanitária fará visitas freqüentes, destinadas a verificar : 1.° Se as substancias empregadas no fabrico dos taes gêneros, são de má qualidade ; 2.» Se na composição do produetc entra qualquer matéria nociva á saúde publica; 3.° Se nas ditas fabricas se usam rótulos falsos. Serão considerados falsos, quanto ás fabricas de vinhos artificiaes, -14 - A falsificação que mais se desenvolveu no Brazil foi a dos vinhos e outras bebidas alcoólicas e seus au- tores são os mais poderosos falsificadores. Mas no Brazil se falsificam todas as matérias ali- mentícias, e, para não sahir do nosso assumpto, limi- tamo-nos a collocar sob as vistas do leitor uma recla- mação da Gazeta da Tarde, (*) lembrando também uma os rótulos que, indicando o producto sob a denominação usual de qualquer dos vinhos naturaes, não contiverem a declaração de — arteficial. Nas duas primeiras hypotheses, a referida autoridade, procederá do modo prescripto no artigo antecedente, impondo aos donos das fabricas, as multas comminadas nos respectivos paragraphos ; e na terceira hypothese communicará immediatamente o facto ao inspector geral, ou aos inspectores provinciaes, para os devidos effeitos. Paragrapho único. As fabricas de que trata este artigo submetterão a exame da inspectoria geral ou das inspectorias ou inspectores provin- ciaes as formulas dos seus productos, as quaes, depois de aprovadas, ficarão sob segillo no archivo da repartição L (*) Artigo editorial da Gazeta da Tarde, de 24 de Novembro de 1835 : ALIMENTAÇÃO PUBLICA « Uma das cousas que mais urgentemente reclamam a attenção do Sr. Ministro do Império, e mais vasto campo offerece para S. Ex. ma- nifestar sua energia e patriotismo, é, sem duvida alguma, a que pôde interessar ao grave assumpto da alimentação publica. « Um certo numero de commerciantes, movidos pela torpe ganância de auferirem grandes lucros sem olhar para as inconveniências dos meios adoptados, tudo tem falsificado e adulterado, tornando por essa fôrma completamente desagradáveis, e até nocivos, certos gêneros alimenticios de imprescindível necessidade. « Para conseguirem o augmento da quantidade, addicionam á mer- cadoria certos ingredientes, verdadeiras drogas tóxicas, que pouco a pouco vão ruminando a existência de uma população, pela absorpção de um veneno lento. « As classes menos abastadas, as classes paupérrimas, onde figura o pobre operário e o artista, são exactamente as que mais soffrem, porque são as mais exploradas em sua ignorância e boa fé. « A carne secca, o toucinho e o bacalhau são vendidos mesmo em estado de putrefacção ; o azeite, o vinho e o vinagre são misturados muitas vezes com drogas repugnantes; emfim, o próprio pão, cuja manipulação devia ser escrupulosamente observada, também é em algu- mas casas detestável, pela péssima qualidade da matéria prima que empregam, algumas vezes digna de ser condemnada por todos os prin- cípios de hygiene. « Propositalmente deixámos o leite para mencionarmos em ultimo -15- serie grande de artigos do Diário do Brazil sobre as fal- sificações dos medicamentos. A actual Inspeciona de Hygiene já descobrio chumbo na cerveja nacional, e matérias tóxicas nas confeitarias, mas, nem denunciou a cerveja suspeita para que o publico se possa premunir contra a intoxicação saturnina, nem consta que alguma providencia tenha sido tomada no sentido de preservar a população. E' preciso dizer a verdade inteira : Neste estado de cousas a Junta, desanimada por se ver inerme ante a fraude, adiava por assim dizer o at- taque aos falsificadores, á espera de reformas que recla- mava para sua organisação e meios de acção, reformas sempre promettidas e sempre adiadas, sob a influencia dos mais futeis pretextos, Nesse Ínterim travava-se na imprensa uma lucta, que tornava publico uma campanha em que se empenhavam o Centro Commercial de Molhados, associação que tem sua sede nesta Corte, e os falsificadores. lugar, pois é para esse ponto que mais detidamente vamos chamar a attenção das autoridades competentes. « Todos os dias, a todas as horas e a todos os instantes, é publica- mente vendido esse apreciado alimento, mas, de tal maneira falsificado, que todas as suas qualidades nutritivas desapparecem, ficando uma mistura mais perniciosa do que útil. « Nesses estabelecimentos denominados botequins, é que mais aberta- mente exercem essa funestissima fraude em detrimento da saúde publica e attentatorio ao expresso nas nossas posturas. « Além de empregarem grandes doses d'agua, para multiplicação da quantidade desse gênero, lançam mão também do polvilho e da farinha de trigo, afim de conseguirem a côr e outros caracteres que o bom e puro leite possue. « Se o botequineiro e outros vendedores de leite entendem que o preço até hoje estipulado é deficiente para o valor da citada merca- doria, elevem-n'o, mas não illudam a boa fé do consumidor, vendendo- lhe desagradáveis xaropadas, quando este muitas vezes obedece a uma prescripção medica, necessária de ser satisfeita como foi imaginada. « Esperamos que para esses abusos, aliás graves, não se demore a acção das autoridades competentes, as quaes devem ser tão solicitas como enérgicas em suas providencias.» -16- 0 Centro denunciava os vinhos falsificados fabricados aqui, o que deu em resultado buscas judiciaes nas fabricas, por causa das marcas falsas e apprehensão de productos pelas Commissões Sanitárias, que eram remetlidos para o Laboratório de Hygiene, onde iam esperar uma ana- lyse que, por tão demorada, por vezes desesperou os fabricantes, o que não produzio maiores resultados por que elles não eram impedidos de continuar a vender a sua mercadoria, e, uma vez que isso aconteceu, o Governo mandou sustar a pressão e apressar a analyse, o que, se em absoluto não era justo, era entretanto equitativo. Por sua vez, denuncias anonymas contra vinhos im- portados chegavam á Junta, que solicitava do Inspector da Alfândega a amostra necessária para a analyse e re- tinha a mercadoria até a analyse do producto. (*) Em uma dessas analyses a Junta condemnou um vinho, em cuja composição não havia substancia tóxica, pelo simples a?ío de ser artificial, isto é, factício, alle- gando que essa circumstancia bastava para que elle de- vesse ser considerado como prejudicial á saúde publica por não corresponder ás necessidades dieteticas e thera- peulicas do vinho. O Governo julgou singular a doutrina, como se \è do seguinte período de um artigo do Diário Offlcial de (*) A propósito desse facto é bom lembrar que em uma conferência que o Dr. Freire teve com o Sr. Minist.10 do Império no Archivo Publico fez-lhe ver que era preciso remediar o inconveniente de accumulo de mer- cadorias na AJfandega, augmentando o pessoal para analyses chimicas no Laboratório, vi.to a Junta não poder deixar de examinar o producto desde que era denunciado ser falsificado e o Sr. de Mamorê fez ouvidos de mer- cador para dias depois encampar o acto do Sr. Ministro da Fazenda o que equivale.1 a remediar dispensando analyses nesses productos. - 17 - 5 de Novembro de 1885, em que o Governo procurou explicar o seu acto, em inteiro desaccôrdo com o parecer da Junla, exarado em reclamações que tem dirigido ao Governo : « As apreciações que suggorio á imprensa o re- cente acto do Sr. Ministro do império, declarando ao Presidente da Junta de Hygiene que, á v ta do resul- tado do exame chi mico a que se procedera na mesma Junta, não pova ser prohibido o '■ ,jacho de uma partida de vinho retido na Alfaud. ga á requisição da autoridade sanitária, revelam que a questão da venda dos vinhos i.riiticiaes não foi considerada sob o seu verdadeiro aspecto. « Deu caiv-a a t>so o parecer da Junta de Hygiene, exarado em reclamações que tem dirigido ao Governo no sentido de ser absolutamente interdicta a venda dos vinhos artiíiciaes, quer fabricados no paiz, quer impor- tados. « Que os mencionados vinhos não reúnem todas as propriedades dos vinhos naturaes e conseguintemente não te n a utilidade destes sob o ponto de vista hy- gienico e therapeutico; é ponto incontestável, na opinião unanin e dos hygienistas; tanto, porém, não basta para prohibii-se em geral e sem distincção a fabricação ou importa ão de taes productos, em muitos dos quaes a analyse chimica verifica não entrarem substancias tó- xicas ou prejudiciaes á saúde. << Vs fabricas de vinhos arlificiaes estabeleceram-se no Império mediante as condições legaes; foram colle- ctadas, pagam impostos á fazenda publica; para alguns de seus productos obtiveram previlegios: representam, portanto, uma industria licita e cujo exercício só pôde ser tolhido, até onde exija a repressão dos abusos. Con- domnar em absoluto os productos destas fabricas, eqüi- vale c. upprimir uma industria creada e que ha longos annos, tem vivido á sombra da lei. « s technicos em que se baseavam as decisões do Governo, tivera a a devida publicidade no Diário Oficial Cem outros jornaes desta Corte e das Províncias, e não suscitaram recla- mações ; tão justo e acertado pareceu e^se procedimento que conciliava com as precauções e garantias exigidas pela saúde publica os verdadeiros interessr de uma in- dustria legitima. « Na sua alludida decisão o Ministro do ln;>< rio conformou-se com a norma invariavelmente observada pelos seus predecessores, e resolveu sobre a espécie em visla de informação da Junta de Hygiene, de que fora ve- rificado, por meio de exame chimico, que o vi,..■ • marca Á V não continha substancias tóxicas. « E' certo que a Junta de Hygiene, accres( rmtou— que esse vinho, sendo artificial, era prejudicial á saúde ; mas, pelo único fundamento de ser vinho artificia1, não poderia ser condemnada a mercadoria de que se trata, sem que o fossem lambem todos os productos da m- sma natureza fabricados no paiz, o que já ficou demonstrado ser impraticável nas actuaes circumstancias e em face da legislação vigente. « O Governo é o primeiro a reconhecer, entretanto, a indeclinável necessidade de cohibir abusos que infeliz- mente já se têm dado e podem reproduzir-se, e no pro- jecto do novo regulamento para o serviço sanitário foram incluídas disposições que, preenchendo sensíveis lacunas -19 - dos regulamentos actuaes, cercam a saúde publica, neste particular como a outros respeitos, das garantias que re- clama tão elevado interesse social. » Como se vu o Governo não se explicou de modo satisfactorio, encampou a fraude e nem serve de desculpa o procedimento dos antecessores do Sr. Barão de Ma- moré, actual Ministro do Império, mandando despachar vinhos das fabricas da corte, retidos nas províncias, por- que a espécie é outra : Tratava-se de vinhos factícios que o Governo até então tolerava, se bem que os julgasse prejudiciaes á saúde pu- blica, como o fizeram os Srs. Senadores Saraiva e Lafayelte, Ministros da Fazenda dos gabinetes anteriores em seus relatórios e contra os quaes a Junta pedia providencias. Arerificado que elles continham substancia tóxico, o Governo não tinha outra cousa a fazer senão mandar despachar, até que pudesse pedir ao parlamento, lei que prohibisse a fabricação. No caso do Sr. Mamoré, tratava-se de vinho im- portado como vinho de uva ; tolcral-os era legalizar a fraude, desde que elles fossem reconhecidos factícios (arlificiaes). E o Sr. Ministro do Império fez mais ; não só des- pachou essa carga como, encampou uma ordem geral, que impedio que a Junta vigiasse d'ahi em diante a quali- dade do vinho importado, prohibio que aquella corpo- ração fizesse analyses, quaesquer que fossem as sus- peitas, determinando « que só fosse permittido á Junta mandar examinar os vinhos nos armazéns da Alfândega » como se fosse possível conhecer-lhes a qualidade pelo cheiro, -20 - paladar e côr, pois nos armazéns da Alfândega não ha laboratório chimico. Quando isso fosse possível, de que serviria fazel-o, se o mesmo aviso determinava que esse exame fosse feito por divertimento, porque elle não impedia o despacho e não obstava a sahida da mercadoria, como se vê do aviso, que em seguida publicamos: « Mm. e Exm. Sr.—Tomando em consideração o que representa o Inspector da Alfândega do Rio de Ja- neiro em ofificio que por cópia transmitto a V. Ex., autorizei-o a dar sahida aos vinhos retidos na mesma Alfân- dega á requisição da Junla de Hygiene, declarando ao mesmo Inspector que, emquanto não lor este assumpto resolvido definitivamente, para o que havia oííiciado a V. Ex., somente fosse permittido á Junta mandar examinar os vinhos nos armazéns da Alfândega, sem impedir o des- pacho e obstar á sahida da mercadoria. Rogo, pois, a V. Ex. se sirva indicar-me com bre- vidade as providencias que convcm adoptar a bem da regularidade deste serviço, de modo a acautelar os in- teresses da saúde publica, sem prejudicar os do com- mercio. Deus guarde a V. Ex.—F. Belisario Soares de Souza —A. S. Ex. o Sr. Barão de Mamoré. » E' intuitivo que esse acto do Sr. Belisario, homologado pelo Sr. Ministro do Império, escancarou as portas da Alfândega á fraude em prejuízo do commercio e prin- cipalmente da saúde publica. III Exame da opinião do Governo. Não nos demoraremos em examinar a opinião do Sr. Barão de Mamoré, exarada no artigo do Diário Ofi- cial que publicamos no capitulo precedente, porque sobre esse assumpto não ha hoje duas opiniões, entre os ho- mens de sciencia e a opinião do Sr. Ministro do Im- pério, quando seja o resultado de uma convicção, não tem fé seientifiea, como a não tem igualmente a opinião mesmo de profissionaes, que sem estudos especiaes afas- tam-se entretanto de todo o mundo scientifico. Em sciencias positivas a autoridade não se adquire nos gabinetes e sim nos laboratórios e nos amphilheatros. Não se tem pois o direito de se affastar da palavra que vem do laboratório ou do amphitheatro sem se sahir igualmente desses recintos de trabalho. O Laboratório, que faz mais do que examinar a veracidade do que outros aíBrmam, que crea como os de Viard, Gautier, Robinet, Girardin, Girard e tantos outros, aífirma que os vinhos factícios são prejudiciaes á saúde. Não será o Sr. Barão de Mamoré nem a sua Ins- pectoria de Hygiene que terão força para destruir esse priucipio scientifico, que para honra da sciencia nos ha de dar razão contra a fraude. Não precisamos pois de refutar a doutrina do artigo — 99 — do Governo, como prova porém de que a imprensa igualmente não acceitou a explicação destacaremos, para publicar, dentre o que a imprensa disse, dons artigos da Gazela da Tarde de íí e ;6 de Novembro de 1885, por mais de porto acompanharem o artigo do Governo na refutação que lhe onerece: QUESTÃO DOS VINHOS I «O Sr. Ambrosio, que é hoje ministro do Império escreveu ou mandou escrever no Diário Oficial « que os vinhos arlificiaes não reúnem todas os propriedades dos vinhos naluraes e conseguintemente não tem a utilidade destes sob o ponto de vi-ta hygienieo e lherapeutico » e, para deitar sciencia, acerescentou: « que isso era ponto incontestável na opinião unanime dos hygienistas. » « Ora, não se pôde acreditar em boa razão que o Sr. Ambrosio tenha lido qualquer hygiemsta e muito menos todos, para avançar a proposição que ahi fica e pois deve- se suppôr que o Sr. Ambrosio dá-se ao luxo de não contentar-se com os sein hygienistas ofíieiaes, e ter pois também hygienistas ao seu serviço particular, que fazem hygiene á vontade do amo assim como outr'ora os bobos da Corte faziam espirito « Pois está o Sr. Ministro muito mal servido de hy- gienisla, pode limpar a mão á parede e agradecer á hy- giene de seu serviço particular o máo quarto de hora que a lógica vai fazer passar ao Sr. Ministro. « Analysando o perioOo ministerial, in>uflado pela hy- giene particular, se vê á primeira visla que ha um movei qualquer em baralhar a questão para fazer crer que a Junta de Hygiene, a hygiene oííicial, estava por ahi a exigir umas tantas cousas impossíveis em querer que se pro- videnciasse no sentido da extineção de umas tantas fa- bricas de umas bebidas muito innocentes que bem po- diam ir continuando a enriquecer uns sérios industriaes -23 - e não contrariar certos planos do séquito do Sr. 3Iinistro planos que se viam embaraçados pela attitude da Junta de Hygiene. « Mas não é assim : a doutrina verdadeira sobre esta questão de vinhos artificiaes é a seguinte : « Vinho é o producto da fermentação do succi da uva e isso desde o tempo de Noé. « Quando se emprega simplesmente o termo—vinho— é essa a sua única accepção. « Póde-sc dar a denominação de vinho ao producto da fermentação do sueco de varias outras fruetas como : caju, annanaz, etc; mas é preciso, indicando a origem, dizer-se vinho de caju, vinho de annanaz. « Cada um destes productos gozará de propriedades diversas, segundo a composição das fruetas cujo sueco fermenta e nem sob o ponto de vista therapeutico, nem sob o ponto de vista dietetico podem ser usados indif- ferentemente. « Seria ou não fraude, suppondo que o vinho de caju, por exemplo, tenha tal ou qual acção sobre a syphilis, fornecer vinho do Porto fino da melhor uva imaginável a um indivíduo affectado de uma dyathese syphilitica, a quem a sciencia tivesse aconselhado vinho de caju?! E vice-versa fornecer vinho do melhor caju a um indi- víduo cujo depauperamento orgânico reclamasse o uso do vinho do Porto como tônico e estimulante?! « Pois se isso é assim, não ha termos que bastem para profligar o abuso de vender como vinho o que todos os hygienistas consideram falsificação — os vinhos artificiaes de assucar — que tanto cahiram no goto do Sr. Ministro do Império. « Não é a questão, saber si na confecção da droga entra substancia tóxica ; isso é da competência da po- licia, a quem o Sr. Ministro do Império devia recom- mendar quem introduzisse em uma dessas drogas artifi- ficiaes arsênico, chumbo, mercúrio, etc, pois eram verdadeiros envenenadores, e os ha. « O Governo é que, por interesse, ou por força de sua hygiene de serviço privado, não considerou a questão sob o seu verdadeiro aspecto, que é este: -24- « O que se precisa saber é: fthat is the question), se o uso dessas tisanas infectas, capsiosamente insinuadas no regimen alimentar no lugar do vinho, como se vinho fossem, não priva o consumidor daquellas propriedades que o Governo conhece no vinho natural e portanto daquelles benefícios que essas propriedades prestam á hygiene e á therapeutica? « O mesmo Governo já respondeu pela afirmativa e pois escarrapachemos-lhe o syllogismo. « Ora, a hygiene é a sciencia que ensina a prever e a evitar as moléstias, e a therapeutica é a sciencia que ensina a curar as moléstias. Logo moléstias deixarão de ser evitadas e moléstias deixarão de ser curadas pelo uso da droga falsa, o que por força ha de augmentar a mortalidade da população, como se pode provar pelo estudo das estatísticas. « E agora quem fôr capaz que cante como o Sr. Am- brosio louvaminhas aos falsificadores, e nesse andar este paiz ainda produzirá um estadista que venha dizer a uma Junta de Hygiene: « Como a analyse demonstrou que as amostras do sulphato de quinina, sujeitas á analyse, não contêm sub- stancia tóxica (nem mesmo quinina), pois ellas são cons- tituídas por polvilho, não pode ser embaraçado o des- pacho para que sejam entregues ao consumo, apezar do parecer da Junta declarar que é nocivo á saúde publica, pois, pelo único fundamento de ser «quinino artificial», não poderia ser condemnada a mercadoria de que se trata sem que o fossem também todos os productos da mesma natureza, fabricados no paiz, taes como, por exemplo, uma beberagem que a população toda toma pensando que é vinho, producto da natureza, e entre- tanto o Governo bem sabe que é a associação de espirito de vinho, cremor de tartaro, tannino, assucar e alguma cousa corante, como assucar queimado, páo campeche e mesmo fuschina (que é um veneno), etc. -th - « Andaria por ahi tudo a morrer de febre perni- ciosa, a imprensa reclamaria, o povo que não lê o Diário Oficial, e não vio a sciencia ofíicial decretar o assassinato por omissão, gritaria contra a Junta, esta viria a publico descobrir o chapéo armado, na elegante phrase do autor dos Tópicos, dizendo: «A culpa não é minha, é do Governo, eu já tenho reclamado e elle ainda não me pôde attender, ajudem-me a reclamar.» « E o Governo, que está acostumado a não des- cobrir a coroa, zangado com a arrogância... tome lá ralhação, e era um dia a Junla de Hygiene e o em- baraço á fraude... « E, como ha males que vêm para bem, lá ficavam as poltronas para a camarilha que tem o cérebro no lugar da medulla e vice-versa, e não seria atrapalhado um certo arranjo, em cuja pista andamos e que vai provar que o Governo não é assim tão zangado como parece, ao lêr-se os avisos do Império e da Fazenda. «Ha por lá uns negócios, (*) uns arranjos qim fazem muita conta e é preciso despachar estes impertinentes que, com este systema de descobrir ehapéos armados, são capazes, sem querer, de botar á mostra a calva, que o arranjo pode trazer á cabeça governamental. « Não nos esqueceremos dos Srs. Inspector da Al- fândega e Ministro da Fazenda, mas por hoje basta; ha tempo para tudo, não é preciso ir a malar. » II « Dissemos no nosso artigo anterior que a Hygiene, ao serviço privado do Sr. de Momoré, tinha pretendido baralhar a questão dos vinhos artificiaes, e, de facto, assim é. « Fez-se crer ao Ministro que a sciencia ofíicial exa- gerava, pois, desde que a tal droga não contenha arse- (*) O tempo justificou essa phrase, como se verá da leitura deste li- vro, dondo se concluirá que os falsificadores têm tido a mais desbragada protecção ofíicial. -26 - nico, chumbo, cobre, mercúrio, ele, não é prejudicial á saúde e o Sr. de Mamoré, sem mais reflexão empu- nhou a t>-ombeta da fama e a troou os ares para chamar a attenção de todo o mundo para a sua grande desco- berta : a innocuidade dos vinhos artificiaes. « Ora vejamos a que proporções vai ficar reduzida a sciencia governamental. « Ou o vinho representa um papel no regimen ali- mentar por sua composição, filha de um processo espe- cial de fermentação do sueco da uva e ainda é utilisado no tratamento de certas moléstias agudas e chronicas, ou não. « Se representa esse papel, é claro que a proposição ministerial é simplesmente absurda, quando, depois de reconhecer o faeto da utilidade hygienica e therapeutica do vinho natural e confessar que o vinho artificial a não possue, aífirma « tanto porém não basta para pro- hibir-se em geral e sem distincção a fabricação ou im- portação de taes productos, » e, tão conscio estava o Sr. de Mamoré da fraqueza da proposição com que con- traditava a opinião da autoridade sanilaria, que, para se não pensar que uma affeição especial pela falsificação ou pelos falsificadores o cegava, acerescentou : « em muitos dos quaes a analyse chimica verifica não entra- rem substancias tóxicas ou prejudieiaes á saúde. » « O a, se o facto de uma substancia, alimentícia ou therapeutica, não preencher o fim para que ó destinada não bastar para proscrever-lhe o uso, confessamos que não conhecemos que outra razão possa conseguir esse re- sultado a não ser ou o facto de a substancia preencher os fins para que é destinada, o que é absurdo; ou o de crear interesses reaes para algum filhote ou advogado admi- nistrativo, o que é immoral « Debalde quererão os luriferarios do Sr. de Ma- moré allegar que o sapientissimo Ministro não disse que os vinhos artificiaes não preenchiam os mesmos fins, o que elle disse é que não tinham « a utilidade dos natu- raes sob o ponto de vista hygienico e therapeutico. » « Pois é isso mesmo : os naturaes são úteis á hygiene -27 - e á therapeutica e os ditos artificiaes são inúteis, pois não ter a utilidade é ser inútil. « Edificante lógica governamental! ! « Os vinhos ditos artificiaes são inúteis e por isso acon- selha o Governo o seu uso á população e acoroçôa a sua fabricação. « ÍNão terá o Sr. de Mamoré aprendido ainda na opinião unanime dos hygienistas e therapeutislas que substancia inútil eleva-se á alta cathegoria de prejudicial quando £a ignorância ou a fraude a subslitue pela substancia =,util a um caso dado. « Por exemplo: como classificaria a lógica do Sr. Mi- nistro uma substancia que fosse vendida por quinino sem ser quinino e que, por isso deixasse morrer muita gente de febre perniciosa ? « Pela sua originalíssima theoria, logo que a analyse chimica revelasse que não continha substancia tóxica, nem mesmo quinino, S. Ex. decretaria que não era prejudicial pelo único fundamento de que não mata, ainda que deixe morrer, como se em qualquer dos casos a conseqüência não fosse a triste realidade do sacrifício do próximo, que lá vai esticando a canella sob a responsabilidade do Sr..... do Império. « Não inventamos, conhecemos e o Sr. de Mamoré lambem deve conhecer alguma triste historia de hospital, para onde falsificadores de quinino tenham importado droga quinica inuocente e tão innocente que nem ás febres intermiltentes, as menos graves, mettia medo, quanto mais ás mais valentonas — perniciosas, que não poucas vezes zombam do quinino o mais chimicamente puro, chibantemenle preparado, receitado por talento tão es- clarecido que nem ao Sr. Mamoré invejaria, e confiado á applicação da irmã de caridade a mais devola. « E repare bem o Sr. Ministro que todo esse phra- seado que ahi fica é no caso de seus amados vinhos artificiaes serem simplesmente inúteis, como S. Ex. finge pensar; caso em que nada embaraçava que elles pudessem ser vendidos, comtanto que o freguez soubesse que de uva nem um x. - 28 - « Mas, mesmo assim não havia de ser com a inge- nuidade com que a falsificação grita pelos a pedidos : « Ninguém diz nem nunca disse que o vinho é de uva. » « Ora essa! pois, por isso mesmo que não dizem é que se pensa que é a fermentação do sueco da uva. «O que é preciso é que digam bem claro : olhem que isso não é vinho-, não tem veneno, mas não é vinho nem cousa que se pareça. « Se é só para fingir, leve lá que não lhe faz mal, se tem duvida mande examinar. » I"\7" A alchymia industrial. Quizera poder completar este capitulo, incluindo nelle tudo quanto a imprensa disse em relação á questão, que nesse momento absorveu a attenção do publico. Não me é porém isso possível, porque os jornaes dessa época estão cheios de artigos pró e contra o acto do Governo exautorando a Junta e o acto da Junta firme no seu posto de combate, insistindo na perseguição á fraude. Limito-me á transcripção de uma serie de artigos, devidos á penna de Quintino Bocayuva, e farei ponto a este capitulo com a transcripção de um Tópico de Joaquim Serra. A ALCHYMIA INDUSTRIAL I «Estamos verdadeiramente estupefactos diante da solução peremptória que acaba de ser dada á questão dos vinhos artificiaes e falsificados. « E em tanta consideração temos o critério do Go- verno que não hesitamos suppôr que serão reconsidera- dos os actos expedidos e os princípios doutrinaes que hontem vimos sustentados no Diário Oficial. « Os argumentos produzidos em defesa da preten- dida industria nacional da fabricação de vinhos são de tal ordem que não oífendem somente os princípios uni- - 80 - versalmente acceitos, com referencia ao assumpto pelas legislações de todos os paizes civilisados ; atacam igual- mente o senso commum e mal podemos comprehender que homens illustrados e lidos em theorias governamen- taes possam admittir o absurdo de legitimar-se e de amparar-se a fraude com menoscabo da fé e da hones- tidade commercial e damno positivo e immediato para a saúde publica. «Antes, porém, de considerarmos a questão pelo seu lado scientifico, administrativo, moral e econômico, seja-nos licito apreciar o incidente ministerial referente a esta questão. «O honrado Sr. Ministro do Império, em aviso hontem publicado, censurou a Junta de Hygiene e par- ticularmente o seu illustre Presidente pela communicação feita á imprensa da opinião e dos actos da Junta com referencia á autorisacão legal para a venda dos vinhos artificiaes. « Nesse acto, que aliás só tinha por fim resalvar devidamente a responsabilidade scientiíica e moral da primeira corporação sanitária do paiz, vio o nobre mi- nistro exorbitância de attribuições e desacato á autori- dade do Governo. « O nobre ministro é quem não tem razão e quem exagera até á infalibilidade o zelo autoritário. « Antes de tudo, nem no seu espirito nem nos seus termos a communicação do illustre Presidente da Junta de Hygiene foi menos conveniente; delia não transpira nem censura nem falta de acatamento ao Governo; tudo o que ella exprime é a opinião autorisada e com- petente dessa corporação em um assumpto de interesse vital para a população e para a própria industria licita e no qual a autoridade scientifica da Junta está superior á autoridade do próprio Governo. « O Governo pôde, nesta como em outras questões, desprezar a opinião e o conselho dos doutos; mas o que não pode é divergir ou contrapor a sua opinião á da Junta de Hygiene ou de outra corporação congênere, porque falta-lhe para isso a competência e a autoridade scientifica. - 31 - « O contrario produz absurdo ; o honrado Sr. Mi- nistro do Império, por superintender os serviços médicos e hygienieos, não pode presumir que é medico ou hy- gienisla mais abalisado do que os profissionaes compe- tentes ; do mesmo modo que, por superintender os ser- viços das vias férreas e das obras publicas, não pode o ministro da respectiva pasta suppor-se autoridade te- chnica superior á dos engenheiros competentes. « Quando os médicos da Junta de Hygiene condem- narem um preparado medicamentoso ou declararem no- civo á saúde publica qualquer producto alimentar posto á venda, o Governo pode, usando arbitrariamente do seu poder, ordenar que taes productos naturaes ou prepa- rados sejam vendidos livremenle ; mas não pôde declarar innocuos ou legítimos os productos condemnados pelas autoridades scientificas, que, devendo informar ao Governo são e devem ser ipso facto considerados collahoradores administrativos no elevado e especialissimo caracter que lhes assignalam a sua competência profissional e as suas delicadíssimas funcções como zeladores da saúde publica. « A susceptibilidade governamental foi neste caso mal cabida e ella nos sorprehendeu, porque estávamos acos- tumados a ver mais bem encaminhado o zelo do Sr. Mi- nistro do Império nestes assumptos de hygiene e de saúde publica. « Imprudentemente e collocando-se em um ponto hostil á razão, ao bom critério governamental e á justa preoccupação pelo principal interesse publico de um paiz que é a saúde dos seus habitantes, o Governo acaba de suscitar um conflcto, que pode ter conseqüências fa- taes para o bem publico. « A imprensa, a opinião geral, forçosamente se hão de collocar do lado do legitimo interesse social, e esse isolamento do Governo será a sua condemnação. « E' impossível por incomprehensivel que o Governo tome a si a proteccão e a defesa dos industriaes frau- dosos, que procuram enganar ao publico, ganhando for- tuna á custa da saúde do povo. » « Ninguém pretende que se aniquile ou se crôem es- torvos a nenhuma industria legitima, da qual não resulte -32- para o Estado e para o publico em geral nem damno nem prejuízo. « O que se combate é o dólo, a má fé, o embau- carento da população com a garantia do Governo ; é final- mente a industria fraudulenta e criminosa que se exerce com damno da saúde publica, impingindo-se ao povo drogas artificiaes que, embora inoffensivas (o que resta provar), não são vinho nem como tal devem ser rotuladas e vendidas. « Estamos, portanto, nesta questão ao lado da Junta de Hygiene Publica e não escassearemos nem louvores nem auxilio ao seu illustre Presidente na obra meritoria que acaba de emprehender, tomando a defesa da saúde publica e dando assim o louvável exemplo de intemerata austeridade no cumprimento dos seus árduos deveres. « Tão grande importância ligamos ao assumpto, que dando logar de honra aos artigos do illustre Presidente da Junta Hygiene Publica, não queremos com isso signi- ficar apenas a nossa consideração pela sua pessoa, mas o nosso interesse pela questão em si, que não pode ser nem mais importante, nem mais grave. » II « Tem o caracter de outro incidente, nesta questão dos vinhos artificiaes e falsificados, a intervenção do digno Sr. Inspector da Alfândega e a conseqüente reso- lução do honrado Sr. Ministro da Fazenda. « Apparentemente tem razão o illustre funecionario. «Gomprehende-se facilmente que é oneroso, tanto para a Alfândega como para o commercio, o facto de ficarem retidos grandes carregamentos de vinhos, á es- pera da analyse dos peritos scientificos que devem exa- minar a natureza do producto destinado á venda e ao comsumo publico. « Mas, dessa circumstancias vexatória que deve effecti- vamente ser attenuada, não pode resultar o absurdo da resolução adoptada, contrapondo-se o interesse adminis- trativo e o interesse particular ao interesse maior da saúde publica e da defesa da vida da população. - 33 - « Em regra geral nenhum producto importado des- tinado á alimentação publica ou a uso medicamentoso, não deve ser despachado nem retirado da Alfândega sem ler solfrido o rigoroso exame dos profissionaes, afim de que não sejam introduzidas no mercado substancias no- civas á saúde publica. «O povo que paga o imposto para dotar com elle os serviços de que carece, não é quem deve soíTrer as conseqüências da má organização dos serviços adminis- trativos. « O Governo, se é Governo, é que deve estar appa- relhado para, no cumprimento da sua missão, attender ás necessidades publicas e zelar o interesse geral da população. « Seja qual for a despeza exigida pela organização do Laboratório onde se devem fazer os exames analv ticos das substancias alimentares importadas, é ella indispen- sável e reproductiva, porque, afinal de tudo, a vida é o primeiro capital do indivíduo e das nações. « A resolução adoptada pelo nobre Ministro da Fa- zenda ordenando a livre sahida de todas as drogas, boas ou más, accumuladas na Alfândega, é um erro de fu- nestas conseqüências e um verdadeiro attentado contra a saúde publica, desde que as autoridades sanitárias as de- claram suspeitas. « O processo adoplado pelo Governo em todas as questões nas quaes interferem a Junta de Hygiene Pu- blica e mais autoridades sanitasias, não pôde ser mais vicioso. « Ou essas autoridades scientificas são competentes ou não. « No primeiro caso, exercendo ellas cargo de con- fiança, lôm o direito de pretender o respeito de todos, governo e povo, para as suas decisões. « No segundo caso, só o Governo é responsável pela sua incompetência. ■ « O que não se comprehende porém, o que não se pode admittir, é que estando ellas no seu posto de confiança, sejam desautoradas pelo próprio Governo. « Se a Alfândega é pequena para loníer tantos vo- a - 34 - lumes, ou augmentem-lhe as dimensões ou distribuam os carregamentos pelos trapiches e depósitos, que em tão grande numero existem no littoral da bahia. « Não pode, porém, a saúde publica ficar subor- dinada nem aos atropelos administrativos, nem ao inte- resse dos próprios commerciantes. « E' certo que estes, como todos nós, têm também o direito de exigir o promplo despacho das suas mer- cadorias; mas para isso o Governo deve organizar o serviço do laboratório em condições de poder elle cor- responder aos fins de sua instituição. « Mandar, porém, dar livre sahida a vinhos que podem ser falsificados e portanto nocivos á saúde pu- blica, só porque a Alfândega não tem espaço para guardar tantos volumes ou porque o exame é demorado por falia de pessoal habilitado, é absurdo e repugna a todas as regras de bom governo. « Nos termos em que se acha esta questão, o que se observa é que o Governo facilita a fraude e estende o manto da sua protecção aos industriaes dolosos, dentro e fora do paiz, afim de que especulem livremente á custa da bolsa e da saúde da população. « O privilegio, neste caso, só corresponde ao dolo e á má fé. « Protege-se o commercio illicito em detrimento do povo. « Legalisa-se a fraude e impõe-se á população o duplo prejuízo do dinheiro e da saúde, « Quando o que todos pretendíamos e esperávamos era que o Governo, conscio da sua missão e dos seus deveres, perseguisse a fraude e a falsificação no com- mercio dos vinhos, quer fossem estes importados como outras tantas drogas de contrabando quer fossem fabri- --^«jCAdos dentro do Império. « Isso é que era razoável e sensato, mas parece que por isso mesmo é que foi desprezado. » - 35 - III « Desde que interesses contrários entram em cou- ílicto o dever do Governo, como o primeiro agente social é perscrutar severamente de que lado estão aquelles que são ligitimos e aquelles que o não são. « Das opiniões em controvérsia deve elle procurar a média, e auxiliaudo-se com o seu próprio critério, adoplar finalmente a deliberação que mais harmônica seja com o interesse geral da sociedade. « E' isso o que esperamos do Governo e o que temos direito de pretender do honrado Sr. Ministro do Império, que, neste assumpto como em todos os outros, só pode ser inspirado pela paixão do bem publico e pelo desejo de prestar serviços reaes ao paiz, honrando o seu nome e acrescentando o seu prestigio. « Dentre os variados serviços da sua complexa repar- tição, a saúde publica e a instruccão publica são os prin- cipaes, embora até hoje esses dous' importantes ramos da administração geral tenham estado como que preteridos pelo interesse político ligado ás nomeações dos func- cionarios, que devem preencher os cargos de delegados do governo, nos vários postos admnistrativos depen- dentes de nomeação pela pasta do ministério do império. « O próprio desespero com que os particulares oíTen- didos no seu interesse discutem a questão, dando azo á especulação de outros industriaes de má lei, que ex- ploram ha muitos annos a mina da difFamaoão para pro- vocar a pedidos á custa da reputação de todos, func- cionarios e não funccionarios, deve servir de advertência ao nobre ministro, para não se deixar arrastar como o Governo, até á cumplicidade (*) em actos que só podem merecer a reprovação publica. « Basta a suspeição geral levantada como uma ex- communhão maior sobre todos quantos, oííicialmente ou não, se manifestam contrários á industria das falsificações (*) Essa cumplicidade está hoje demonstrada, como se verá da leitura deste livro. - 36 - dos vinhos, para indicar o verdadeiro caracter da con- trovérsia. « Desde o illustre Presidente da Junta de Hygiene Publica até á imprensa, que tem discutido esta questão, a todos se altribue o intuito immoral de advogarem um in- teresse partcicular contra outro, como se tal suspeição pudesse ser allcgada, desde que Iodos nós nada mais pedimos do que uma severidade igual na condemnação de todas as falsificações dos vinhos, sejam estes impor- tados da França ou do Alto Douro, ou sejam fabricados no paiz. « Na exageração dos doestos pessoaes e da incom- petência que se argúe aos próprios profissionaes que desempenham a delegação da autoridade publica, che- ga-se a duvidar da própria probidade pessoal de todos os adversários do contrabando immoral que fere ao mesmo tempo os interesses do íisco e a saúde publica. « Aconselha-se ao illustre Presidente da Junla de Hygiene que se occupe de preferencia da sua especia- lidade microbiana, como se, na questão vertente, o digno especialista não estivesse a preslrar um novo serviço á sciencia e á moral, examinando com o seu microscópio o micróbio da patifaria, que procura inocular-se no or- ganismo social, podendo adquirir nada menos que o pri- vilegio de envenenar ao publico impunemente e cobrando por isso boas sommas de dinheiro. « Muito intencionalmente procuram os interessados em aíllicção baralhar c confundir os assumptos para ti- rarem da confusão o partido possivel e, graças a essa solicitude enferma, a fraude já ganhou uma victoria, desde que, por motivo de ordem administrativa, aliás pouco defensável, já o honrado Sr. Ministro da Fazenda autorizou a livre sahida do todos os vinhos importados, os quaes não deviam ser expostos á venda antes da decisão dos peritos examinadores. « Desse modo vai o mercado ílcar supprido de vi- nhos que podem ser falsificados e que vão ser ingeridos com a garantia do Governo, que neste caso só aprovei- - 37 - tara aos negociantes estrangeiros, que porventura explo- rem a ignorância e a incúria destes Brazis. « Levantado o interdigo da sciencia para os vinhos vindos de fora, os fabricantes nacionaes exultam de con- tentamento e, como, segundo a lheoria do Sr. 3Iinistro do Império, são legitimas todas as industrias tributadas, é provável que tome incremento e prospere ainda mais a industria dos vinhos arlificiaes (*) com rótulos de vinhos naturaes, os quaes em verdade são os que mais abun- dam hoje no mercado. « () nosso Governo, que é infallivel, pôde gabar-se de que nesta questão de vinhos arlificiaes, que elle reputa innocuos, já desbancou a própria sciencia e os grandes mestres da Europa. « Estes consideram que hoje, diante dos progressos da própria chimica, já é diflicil á sciencia, em luta com a própria sciencia, descobrir e isolar os principies oceultos com que são manipuladas as drogas de contra- bando vulgarisadas sob a denominação geral de vinhos, ao passo que os nossos Ministros, julgando-se mais com- petentes do que as próprias autoridades scienliíicas, já resolveram a questão em favor da fraude c da indus- tria illicila, exercida com prejuízo da saúde publica ! » IV « Paara não dividir a attenção dos leitores, que nesta questão dos vinhos artificiaes e falsificados estão sendo instruídos pelos artigos do nosso illustre compa- triota o Sr. Dr. Freire, deliberamos interromper a série dos nossos artigos, emquanto as nossas columnas forem honradas por lão prestimosa collaboração. « Mais tarde voltaremos ao assumpto, porque elle interessa particularmente á saúde publica, á hygiene, á (*) Essa prophecia foi realisada porque, não só os Srs. Fritz Mack & C. annunciaram urbi et orbe, que tinham augmentado o seu estabelecimento como mais uma fabrica se abriu no cães da Gloria e chegam-nos de S. Paulo noticias de fabricas de vinhos artificiaes lá estabelecidas, não faUando nas que se devem ter aberto clandestinamente e das quaes só podem ter noticias a Inspectoria de Hygiene e o Ministro do Império. - 38- administração, á economia e até á moral, desde que se trata de uma especulação dolosa e procaz, fraudulenta e perversa, porque visa apenas bater moeda sobre a vida do próximo. « Comnosco, é bom repetil-o, são sem elfeilo as armas empregadas para se nos impor o silencio sobre uma questão de ordem publica tão elevada como esta. « Não somos susceptíveis de apaixonar-nos, irritados pelos doestos e pelas suspeições malévolas nem de nos abatermos pelo receio de aífrontar a perversidade da- quelles que são interessados no doloso commercio dos vinhos falsificados. « Não podemos estranhar que tentem sacrificar a reputação alheia aquelles que não trepidam em sacrificar a sau(íe e a vida de uma população inteira, comtanto que explorem livremente a sua industria e prosperem no seu nefando commercio. « Continua com a palavra o Sr. Dr. Domingos Freire. » (*) V Se a questão dos vinhos artificiaes e falsificados não interessasse directamenle a saúde publica, é evidente que ella não mereceria oecupar a attenção da imprensa nem a de homens como o nosso illustre compatriota o Sr. Dr. Domingos Freire. « Trata-se, porém, de um assumpto grave, que in- teressa peculiarmente ao Estado e á saúde da população que não pôde ser abandonada, na sua boa fé ou na sua incúria, á exploração dos perversos e criminosos. « Por honra da imprensa reconhecemos com prazer que antes de nós outros illustrados collegas oppuzeram á industria fraudulenta lodo o prestigio da sua autoridade não havendo sequer divergência essencial no modo de resolver a questão. (*) Os artigos do Dr. Domingos Freire estão colleccionados no capitulo seguinte. - 39 - « A tolerância que se pede para os vinhos artificiaes fabricados no paiz sob o pretexto especioso de proteger- se a industria nacional, funda-se em um postulado, cuja demonstração ainda se não fez, e a qual é difiicil. « Allega-se que, não se descobrindo nos liquidos pre- parados para serem vendidos como vinho substancias no- civas, taes productos devem ser livremente manufactu- rados e vendidos. « Ora, ainda que se demonstrasse (o que nem sempre é fácil) a innocuidade dos ingredientes empregados, ficaria prevalecendo a hypolhese immoral da imitação fraudu- lenta com intuito de illudir ao publico. « Ora, é isto o que o Estado não deve permittir e o que não pode estar no animo do honrado Sr. Mi- nistro do Império. (*) « Para que não se supponha que esta nossa opinião deixa de ter valor pela origem suspeita que lhe attri- buem os defensores da fraude e da immoralidade, aqui transcrevemos a opinião manifestada pelo nosso provecto collega do Jornal do Commercio, quando no seu excel- lenle Relrospevto Commercial, publicado em Janeiro deste anno, assim se manifestou com relação aos vinhos arti- ficiaes e falsificados. « Eis o que disse o nosso collega : « Os meios artificiaes nada cream de estável no commercio. Disto tivemos ainda uma prova durante o anuo findo, no acolhimento com que foi recebida uma asso- ciação creada com o titulo—Centro Commercinl de Molha- dos, composta de negociantes importadores e armazenistas de gêneros de estiva, e tendo por fim abrir luta franca e sem tregoas contra a industria immoral da falsificação e da imitação fraudulenta de vinhos e outros artigos. (') Está hoje demonstrado que está isso no animo do Sr. Ministro do Imporio, pois protege os falsificadores depois de confessar no Senado que os vinhos artificiaes são prejudiciaes á saúde e conserva a Inspectoria que tem dado licença a vinhos, que além de falsificados são oflicialmente reconhecidos envenenados, como so verá. -40 - «A fraude não pôde encontrar attenuantes, quaesquer que sejam os pretextos de que se sirva. O fabricante que, no Rio do Janeiro, servindo-se de substancias mais ou menos nocivas, prepara um liquido qualquer e o vende coyno vinho de Bordéos, do Porto, da Madeira, É um crimixoso que as leis devem punir rigorosamente, porque corrompe a saúde publica. « Criminoso é lambem o fabricante que a bebidas assim ou de outro modo, por elle preparadas, dá deno- minações falsas e marcas alheias, porque prejudica o in- dustrial, que conseguio com seu esforço obter um pro- ducto bom e o lornou estimado. « Não consideramos a questão por outra face, pelo prejuízo que ás rendas publicas acarreta a fabricação de vinhos artificiaes, porque não tem este argumento o valor que lhe emprestam. Decretada a enliada livre dos vinhos, nenhum prejuízo soffreria o Thesouro como procedimento dos falsificadores, mas o crime continuaria a merecer punição. Por outro lado, a importância que deixasse de ser arrecadada como direito de importação, iria do mesmo modo ter ao Thesouro como imposto de industrias e profissões, como taxa de aguardente e sob muitas outras denominações. «Pomos a questão simplesmente no terreno com- mercial e não hesitamos em condemnar o falsificador e o imitador fraudulento. Não queremos, porém, distincção entre os criminosos: o crime não varia conforme as lati- tudes. O fabricante que falsifica vinhos no Rio de Ja- neiro é réo sujeito á mesma pena que aquelle que, de paiz estranho, exporta vinhos falsificados para esta praça. « Não pôde ser contestada a falsificação dos vinhos em mercados estrangeiros, porque publicamente se annuncia em muitos delles o modo de preparal-os com destino ao Brazil. «Ainda recentemente (22 de Novembro de 1884) o Times, de Londres, publicou uma estatística dos Srs. D. M. Fenerheerd & C, relativa á exportação dos vinhos do Porto em duzentos annos, da qual se vê que essa exportação é aclualmenle maior do que cm nenhum tempo. - 41 ~ « Observam aquelles senhores que — como o Brazil recebe considerável quantidade das sortes mais communs, o augmento não é só devido ao que usualmente se co- nhece no commercio como vinho do Porto. « Exportação total em 200 annos : 1.° século (1678 a 1778)...... 1.380.790 pipas. 2.° século (1778 a 1878)...... 4.0Í3.070 » « Parece-nos inútil observar que, no que deixámos dito, não nos referimos aos industriaes que fabricarem vinhos e bebidas de qualquer espécie, empregando no fabrico substancias innocentos, declarando lealmente a natureza e procedência do producto, dando-lhe franca- mente a denominação que lhe compete. Esles exercem uma industria que nada tem de commum com o pro- cedimento criminoso dos falsificadores, c contribuem para augmentar o consumo de vários artigos de producção nacional. (*) « O intuito com que foi creado o Centro Commer- cial de Molhados é digno de louvor; mas o assumpto reclama a mais séria e prompla attenção dos poderes públicos, promovendo-se a decretação de leis que auxi- liem aquelle intuito, se a legislação que temos não for sufficiente. » VI «Embora em pequena escala, já possuímos a le- gitima industria da fabricação de vinhos, e até onde nos é licito antever o futuro, suppomos que o nosso paiz está destinado a ser mais tarde um dos mais opu- lentos nesse ramo da industria agrícola. « Todo o vasto planalto do interior que abeira o rio S. Francisco e o Rio Grande, pela natureza geo- (*) Desejava que alguém apontasse no Eio de Janeiro algum nessas condicções. Na impossibilidade de encontral-o, estou certo que a lingua- gem do Jornal do Commercio seria hoje outra se obedecesse a coherencia e á lógica. - 42 - lógica do terreno, está demonstrando que no futuro, quando se tenha resolvido o problema do povoamento do nosso immenso território, a cultura da vinha ha de ser o ramo preferente da actividade agrícola nessa parte do Império. « Já hoje as colônias italianas, que estão prospe- rando no Rio Grande do Sul, cultivam numerosas vinhas e já fabricam vinho muito regular. « Outro tanto acontece em S. Paulo e Minas, onde, em certa escala, já a producção do vinho representa um dos faclores da riqueza agrícola nessas Províncias. « Esta é, em nossa opinião, a única industria na- cional, á qual, se não fôr concedida nenhuma protecção, pelo menos não se lhe deve crear obstáculos e impedir o seu desenvolvimento. «Succede entretanto justamente o opposto daquillo que se devia pretender. «A industria fraudulenta, que é poderosa, ameaça matar a industria honesta, que ainda está fraca, e a concurrencia do trabalho agrícola e da fabricação natural com a alchymia das fabricas desta capital, torna-se im- possível, desde que, graças á sciencia e aos grandes capitães desses industriaes, as drogas manipuladas aqui podem ser vendidas a mais baixo preço do que o pro- ducto natural. «Não podemos, portanto, sacrificar aos interesses dos fabricantes de vinhos artificiaes o interesse muito mais respeitável e muito mais fecundo da industria licita, que representa uma das feições mais notáveis da riqueza agrícola do paiz e que serve de base ao trabalho pro- ductivo de uma grande parte da população nacional. « A verdade, porém, é que entre nós nem o poder publico liga valor ás industrias sérias, nem se tem pre- oecupado até aqui da hygiene publica. «A população de todo o Império, e particularmente a desta Capital, estão entregues á exploração da fraude commercial e somos todos envenenados pelos alimentos falsificados ou deteriorados que nos são fornecidos pelos industriaes e negociantes, para quem a liberdade de - 43 - commerciar é a liberdade de illudir e de envenenar a população. « Não são somente os vinhos falsificados e os ar- tificiaes vendidos com rótulos de vinhos verdadeiros os únicos productos nocivos que são livremente vendidos; todas as outras substancias alimentares estão mais ou menos no mesmo caso, a começar pelos padeiros que alvejam o trigo ordinário com sulfato de cobre, para tor- nal-o mais bonito e appetitoso. « Voltando, porém, á questão dos vinhos, devemos consignar aqui uma recente medida adoptada pelo go- verno francez e de que temos noticia por uma nota ul- timamente dirigida ao governo da Republica Oriental pelo ministro francez ahi residente. « Nessa nota diz o referido diplomata que o governo francez acaba de sanccionar uma resolução da commissão de Hygiene Publica, prohibindo a entrada, a fabricação e a venda na França de vinhos que contenham mais de 2 grammas de sulfato de potassa por cada litro. « Esla resolução, diz o mesmo funccionario, foi adop- tada em virtude de um minucioso inquérito feito sob a inspecção do Ministério do Commercio, que consultou todos os conselhos de syndicancia para os vinhos e espíritos, de todos os conselhos consultivos da Agricultura, de di- versas associações agrícolas e dos conselhos de Hygiene e Salubridade, « Como resultado desse inquérito, recebeu o governo francez 550 relatórios, dos quaes 433 opinaram para que se fixasse o máximo de 2 grammas, confirmando todos os hygienistas que nessa proporção a dose do sulfato não era nociva. << Terminando a sua nota, diz o diplomata francez: « A administração franeeza está, portanto, de accôrdo neste ponto com o da Republica Oriental, que já declarou tolerar a dose referida para o sulfato de potassa no decreto de 12 de Setembro ultimo, quando creou o la- boratório de analyses chimicas na Alfândega. « Por ultimo, estou autorizado a garantir a V. Ex. que o governo francez está firmemente resolvido a manter - 44 - stricta e rigorosamente a execução das resoluções do Con- selho de Hygiene. «Neste, sentido foram já dadas pelo Ministro da Justiça as instrucções necessárias aos Procuradores da Republica. » TÓPICOS DO DIA « Andam lesos os avisos minisleriaes! Os novos secretários de Estado estão calhando grosso e como quem não tem papas na língua. .. « Por dá cá aquclla palha vão ás nuvens os altos administradores públicos, e deixam em evidencia grande somma de máo humor.. . « Hontem as reprehensões partiam da secretaria da Justiça; hoje sahem, e com a mesma aspereza, da se- cretaria do Império. « E sempre dirigidas a funccionarios zelosos e aca- tados pelo opinião publica ! « Se esta não conhecesse os que são admoestados, em tom que cheira a impertinencia. poderia suppor que o Governo encontrou o serviço publico de pernas para o ar e que quer pôr em ordem a sua casa, despedindo os máos servidores com gritarias. « E' muito máo governar aos berros, o não é prova de energia administrativa esse formulário de re- cipes, sabonetes, ou ziribandas, sob a fôrma de avisos. « Aviso deve ser complacente ainda quando dogma- matico ; cortez ainda mostrando severidade. « Os deuses são serenos c não se perturbam nem perdem a isempção de espirito, por contrariedade pro- veniente dos mortaes. . . « Além do que, o provérbio diz — quem avisa, amigo é. « Logo, os ralhos são incompatíveis com a cordia- lidade. « Se ainda fossem os avisadores alguns velhos ra- bugentos, poder-se-hia attribuir o intempestivo palavrorio á caduquice; trata-se, porém, de ministros válidos, Iodos -45- sexagenarios muito sacudidos e muito aptos para o ser- viço publico. « A que, pois, attribuir arremessos como esse que hontem foi feito contra o illustrado Presidente da Junta de Hygiene ? « Para desgostar aquelles que se dedicam a causa publica é que devem servir severidades tão rcbarbalivas na fôrma. « Se os ministros podem demittir, não podem de- primir. « Quando um funccionario usa da imprensa para tratar de assumpto scientifico, embora contrario ás con- clusões dogmáticas da sciencia ofllcial, desde que não se refira a seu superior hierarchico está elle em seu pleno direito. « Foi o que aconteceu com o Presidente da Junta de Hygiene: para não parecer solidário com umas tantas conclusões chimicas, declarou que a chimica da Junta era não-conformista e protestava contra a chimica do laboratório. « Em que figura nisso a individualidade do Go- verne ? « A menos que não queiram levar o Conde de Lippe para as repartições civis, disciplinando a sciencia a ca- pricho dos superiores leigos na sciencia, não se compre- hende esse novo crime de escrever para o publico aquelle que tem personalidade própria e muito caracterisada entre os seus concidadãos. « O aviso precisa ser avisado; elle sim é que não está muito orthodoxo. « A imprensa censurou a falta de providencias para que cessasse certo abuso; a autoridade a quem com- pelia solicitar taes providencias mandou uma rectificação dizendo que por varias vezes as tem solicitado, « O Ministro chama de inconveniente uma tal de- claração ! « E' ella verdadeira ou não ? Se é, o funccionario apenas justificou-se; se não é, a allegação é inconve- niente, mas por falsa. « Ora esta ultima hypolhsse não se dá, logo... - 46 - « Logo a Junla de Hygiene não devia descobrir o chapéo armado, assim como este não pôde descobrir a Coroa... « Mas o caso não é o mesmo, porquanto os minis- tros são responsáveis, e seus subordinados não são obri- gados a servir de bode emissário quando a culpa não é delles. « O publico, máo grado o aviso, está scienle de que o Presidente da Junta de Hygiene tem cumprido o seu dever. « Que elle não desrespeitou o Governo, prova de sobra a respeitosissima carta publicada, ha três dias, nesta folha. « Quem se mostrou tão solicito em acatar a cen- sura da imprensa, não podia fazer garbo de desattender o Governo. « E, de facto, tal desattenção não existe ; uma vez que aquillo que se contrapõe á opinião da Junta é a opinião de outros profissionaes. « Tão bom como tão bom. « O aviso, portanto, é uma tro voada em se eco. « Se, porém, esses ralhos são feitos com segunda intenção, sejam os ministros mais claros do que são os retumbantes avisos. « Digam logo que precisam dos lugares actualmente oecupados, e que não podem mais com os pedidos dos candidatos a elles.. . « Isto sim é rectilineo; o mais não passa de linha curva. . . » (*) (Este 5 Tópicos foram publicados no Pai3 de 6 de Novembro de 1885.) "ST" A Junta de Hygiene na imprensa. Neste capitulo eu abro espaço para a transcripção de uma serie de artigos, firmados pelo Presidente da Junta Hygiene, o Dr. Domingos Freire, e transcreverei lambem um artigo de uma serie que encetei na Gazeta da Tarde e que interrompi em virtude da demissão. Uma das graves accusações feitas ao Dr. Freire ó essa serie de artigos que publicou quando Presidente da Junta de Hygiene. E o Sr. Ministro do Império delia se aproveitou, bem como do facto de serem publicados no Paiz, para fazer-se echo de um dos grandes argumentos dos falsificadores : — Perseguem, diziam elles, a industria nacional para fa- vorecer a importação do vinho estrangeiro. Para dizel-o claramente, faltou ao Sr. Ministro do Império a coragem, mas, não se vexou de fazer a in- sinuação da tribuna do Senado. Quando isso fosse verdade, o argumento não pro- cede e só pode ser produzido em desespero de causa, pois, a ninguém importa a razão porque se defende uma causa, o que importa saber é se se defende uma causa justa. Dir-me-hão : Entretanto foste minucioso na indagação da causa da protecção dispensada aos falsificadores pelo Ministro do - 48 - Império, não duvidando mesmo em insinuar que o fazia por interesse. Mas, o caso é diverso : O Ministro defende uma causa má; faz mais do que isso ; dispensa aos falsificadores uma protecção que attinge ás raias do mais desfaçado escândalo ; a inves- tigação da causa nessas condições impõe-se ao espirito. Essa imposição é tanto mais imperiosa quanto, quem o diria ! o próprio Ministro declara no Senado que vo- tará pelo fechamento das fabricas de vinhos artificiaes se algum Senador o propuzer. O brilho da xerdade ó iuherente á sua própria na- tureza de sorte que para evidencial-o basta apontar para o foco donde elle emerge, que no caso é o mundo scientifico. Quem a isso se presta não precisa de autoridade nem de prestigio, basta um pouco de coragem para affrontar aquelles a quem a verdade encommoda, porque á maneira dos salteadores contam com o segredo e as trevas para a realização dos seus projectos. O prestigio, bem ou mal adquirido, porém, ante- pondo-se ao irradiar da verdade pôde ensombrar-lhe por algum tempo o brilho; é preciso pois destruil-o, má- ximo, se não é legitimo. Por exemplo torna-se uma necessidade provar o in- teresse do Ministro em defender a falsificação. Para prolegel-a elle se apoia, disse-o ao menos, na opinião scientifica da Inspectoria de Hygiene; é preciso destruir a autoridade dessa opinião, provando que essa inspectoria hcencía Yinhos oficialmente envenenados e falta -49 - aos severos deveres da probidade scientifica, adduzindo citações falsas. E que espirito serio se demoraria na apreciação da aceusação quando visse que minhas aííirmações têm sido sempre comprovadas por documentos, e as insinuações não são gratuita-; nascem de um processologico — a deducção. — O procedimento da Junta, mantendo-se no seu posto depois da exhautoração por que passou não foi apego ao lugar e sim uma lição ao Ministro: ensinal-o a ser franco, demittindo-a, até a bem do serviço publico se o quizesse, para que ella se podesse explicar, como o tem feito, e não procurar coagil-a a pedir demissão para collocal-a em posição esquerda ante a população para com quem cada um dos seus membros já tinha contraindo o compromisso de zelar por sua saúde, como médicos, antes e ter sido oííiei- almente investidos desse misler como autoridades sanitárias. O Governo contrariava abertamente as vistas da Junta de Hygiene cereeando-lhe a autoridade, era justo que seu Presidente viesse a publico levantar á altura da consciência nacional a suspeição contra productos envenenados que ella condemnou como prejudiciaes e que o Governo mandou ino- cular na circulação da população sem provar que eram uleis, ao contrario reconhecendo que eram prejudiciaes. Na historia da humanidade só Nero, deu tão edificante exemplo, mandando envenenar as fontes de água potável! Ao contrario do que fez o Dr. Freire, quem jus- tificará o procedimento da actual Inspectoria que aceusada de concorrer para a obra do envenenamento, e, provado isso por documentos irrecusáveis, só duas vezes até hoje exhibio-se em publico, sendo uma,para dirigir ao Conselheiro 4 - 50 - Franco de Sá, insinuações pouco delicadas e um lauto injuriosas a três dos membros da Junta demittida e outra, para confessar que os vinhos artificiaes são prejudiciaes á saúde, que não obstante os defende e que para o fazer não tem escrúpulo na escolha dos meios, citando mesmo em falso Girardin, como já o fez, e tudo se verá dos dois artigos que adiante publicarei, firmados pelo Sr. Barão de Ibituruna. Já vão longe essas reflexões, façamos ponto, e peço ao leitor que preste attenção á serie de artigos que se segue : A QUESTÃO DOS VIM [OS I «Sr. redactor. — O vivo interesse que V. S. tem mostrado tantas vezes pelos assumpios relativos á salu- bridade publica me estimula e anima a solicitar de V. S. um modesto lugar nas columnas do conceituado jornal O Paiz, afim de occupar-me da incandescente questão dos vinhos, que faz agora gemer todos os prelos. « Se não fora a minha qualidade de Presidente da Junta Central de Hygiene Publica, eu não ousaria tomar sobre mim esta incumbência, visto que evidente para todos está a paixão que dieta os artigos insulluosos que cada dia recheiam os jornaes, uns pró, outros contra o novo commercio intitulado de vinhos artificiaes, que, re- chassado de outros paizes, acha que tem direito de domiciliar-se entre nós, provavelmente porque a saúde dos habitantes deste bello torrão não merece a mesma protecção que costuma ser dispensada nos paizes estran- geiros. « Conscia da espinhosa missão que lhe foi com- meltida, a Junta Central de Hygiene Publica está re- solvida a salvaguardar, com todo o rigor de que possa armar-se, os sagrados interesses da saúde publica, agindo -51 - ao mesmo tempo com toda a imparcialidade de que devem revestir-se os seus actos, por mais acres que sejam os docstos e injurias que lhe atirem, por mais atrozes que sejam as calumnias que lhe irrogucm aquelles que só sabem servir-se da imprensa para saciar as suas iras quando vêem contrariados os seus planos de illicita especulação. « Neste presupposto, o meu fim, encetando a pu- blicação da presente serie de artigos, é apenas esclarecer o espirito publico, de propósito obscurecido, afim de fazer crer que a Junta de Hygiene tem procedido de maneira despotica e arbitraria, exercendo severa fiscalisação sobre os vinhos tanto fabricados no paiz como importados; quando o que ella tem feito é perseguir o abuso, as fraudes, as falsificações, e impedir que a população, illudida na sua boa fé, ingira quotidianamente lisanas indigestas, que só têm de vinho o nome, ou vinhos ditos naturaes adulterados com toda a sorte de impurezas. Os inconvenientes do uso continuado de taes bebidas estão ao alcance de todos, e não é preciso ser medico para saber que grande numero de moleslias são necessa- riamente a conseqüência desta criminosa tolerância. « Eu procurarei dar a maior simplicidade possível ao meu pensamento, na exposição que vou fazer em subsequentes artigos, nos quaes tratarei de mostrar ao publico o que é um vinho natural e como pôde elle ser alterado espontânea, accidental e fraudulentamente. Em seguida farei ver como devem ser considerados os vinhos artificiaes ou factícios perante a sciencia, perante a lei e perante o simples bom senso. « Finalmente demorar-me-hei em considerações acerca dos resultados das analyses de vinhos feitas pelos chi- micos da Junta de Hygfene, o que nos servirá de pre- missas para concluir quanto á legitimidade do procedimento que a Junta tem tido, e á justiça da causa que cila advoga. « Se em todos os paizes do mundo civilisado a mais severa vigilância se exerce sobre os gêneros des- tinados á alimentação publica, porque razão devem as autoridades sanitárias do Brazil conservar-se inertes diante - 52 ~- desta imprescindível e transcendente necessidade ? Ex- cepto se nos quizermos transformar em vasto empório de todos os refugos que são repudiados nos outros paizes. « Ainda não ha muito tempo, no Congresso inter- nacional de Hygiene, reunido em Genebra em 1882, o Dr. Brouardel fez a seguinte proposta, pela qual se po- derá avaliar dos perigos que correrá a saúde publica no Brazil se as autoridades sanitárias não tomarem em tempo uma altitude enérgica e franca. « Conforme a proposta desse sábio hygienisla o Con- gresso, considerando que a falsificarão dos gêneros ali- menlares, ulilisando as descoberlas as mais recentes da chimica, entrou em uma era verdadeiramente scientifica, e é sustentada por grandes capitães; que as penalidades opposlas outr'ora a estas falsificações não correspondem mais ao estado actual e são quasi illusorias; que os inL-resses da producção das diversas nações são abso- lutamente solidários-/que ha perigo em que se permitia pelo estado da legislação que estas industrias perseguidas cm um paiz achem abrigo nos paizes vizinhos, propõe que no próximo Congresso a questão seja de novo posta em ordem do dia, afim de que os representantes das diversas nações apresentem os texlos da legislação em vigor em cada uma dellas, de maneira que se possa estudar as medidas que se devem tomar de um modo internacional « Convém que o Brazil desde já se prepare para não representar um papel ridiculo no grande conclave como protector de vinhos falsificados e factícios, e, con- seqüência lógica, como algoz das vidas que estão con- fiadas á guarda do seu Governo. « No próximo artigo definirei o que é um vinho natural. « Rio de Janeiro, 5 de Novembro de 1885.— Dr. Domingos Freire. » II « Sr. redactor.—Ao encetar o artigo de hoje não pôde deixar de ser a minha primeira phrase a expres- são do mais profundo reconhecimento pela hospitalidade - 53 - generosa com que V. S. acolheu-me nas paginas do il- lustrado jornal, que é o paladino de todas as causas que tôm por si o direito e a justiça. « Fiel á promessa que fiz de estabelecer em dados positivos a questão, cujo titulo encima estas linhas. em ordem a poder o publico ajuizar por si do procedi- mento correclo que as autoridades sanitárias tôm tido e do zelo que ellas tem desenvolvido para impedir os dam- nos que possam provir para a saúde geral, parece lógico qne eu trate de definir em termos bem claros e precisos o que se deve entender em hygiene por vinho. « Os interessados em torcer o sentido desta palavra procuram tornal-a tão elástica que para elles vinho é qualquer mixto, por .mais extravagante que seja, com- tanto que tenha as apparencias que enganem ao consu- midor e uma proporção mais ou menos forte de álcool. « Evidentemente esta maneira de considerar as cousas além de absurda e capciosa supporia nos funeeinarios que zelam pelos interesses da Hygiene, uma ingenuidade e uma ignorância, que assumem as proporções do mais for- mal pouco raso. « Compulsem-se todos os tratados de nota, tanto de chimica industrial como de Hygiene, e dcpnrar-se-ha em todos elles com uma só definição, invariável, única, paia a palavra vinho. « Citarei entre outros Chevalier e Baudrimont, pro- fessores da Escola Superior de Pharmacia de Pari/, que no seu clássico Dirrionario das Fa^ificaçõn designam sob o nome genérico de vinho par licular mente ao licor alcoólico e acidulo ou assucarado que resulta da fermentação do sueco da uva. Dechambre dá a mesma definição, quasi nos mesmos termos. Proust, professor na Faculdade de Medecina de Paris, também não define de outra maneira. « Todos os autores estão de perfeito accôrdo a este respeito. Ora, o que denota esta unanimidade de pensa- mento '? Que se trata de uma noção exactamente adqui- rida para a sciencia, para a industria, para a hygiene para o legislador, para a administração. « O sueco da uva encerra uma multidão de sub- stancias ; depois que elle fermenta, formam-se segundo - 54 - Girardin, nada mais nada menos do que dez productos dislinctos, communicando aos vinhos as propriedades novas que os caracterisam. Maumené achou mais de 50 ingre- dientes naturaes, comprehendendo corpos orgânicos e mi- neraes, muitos dos quaes são do mais alto valor nutri- tivo. « Não desejo fatigar a attenção do leitor com uma enumeração fastidiosa. O meu fim é que lodo inundo se compenetre desta verdade incontestável, admittida univer- salmente, que c vinho é o resultado de um trabalho natural de fermentação e é uma bebida excessivamente complexa, que encerra combinados por processos lentos que a arte jamais poderá imitar, por maior que seja a ha- bilidade do artista, princípios cujo conjunto constitue essa bebida como um alimento completo, attenuado é verdade mas contendo substancias ternarias e azotadas, que con- tribuem para reparar as perdas do organismo. Conforme os cálculos de Gaulier, um litro de vinho fornece-nos por dia quatro a cinco grmmas de sáes alcalinos, que concorrem para equilibrar o déficit realizado pelas ex- creções. « Uma circumslancia que não deve esquecer-se é que as numerosas espécies de vinho tôm todas a mesma composição, pouco mais ou menos, variando apenas as propoições. O clima, a natureza do solo e outras causas imprimem differenças quanto ao aroma e sabor, sem que a composição fundamental experimente grandes differenças. « Está, pois, assentado este principio : que a com- posição dos vinhos é uma cousa perfeitamente estudada, que é impossível realizar artificialmente o processo na- tural de fermentação do sueco da uva; que os vinhos são um gênero commercial perfeitamente definido quanto á sua natureza e, portanto, no caso de ser rodeado de todas as protecções da lei e de todas as garantias da parle das autoridades sanitárias. «Bebida alimentar, útil. em uma multidão de pre- seripções dieteticas e além disto agente therapeutico do mais fino valor, consentir que ella entre no mercado impura, adulterada, falsificada, não é só uma falia grave, -55- é também um attentado clamoroso, digno de toda a exe- cração. « Substancias as mais perigosas tôm sido addicionadas aos xinhos. o que tem obrigado os governos estrangeiros á instituição de penas severas para cohibir estas praticas criminosas. Só o Brazil, a pretexto de uma mal enten- dida liberdade de commercio e de industria, é que ha de cruzar os braços, dando praça aos scclerados ? Repre- sentaremos sempre o irrisório papei de selvagens no grande convívio das nações? « Concluamos ponderando com Proust, cuja autori- dade ninguém poderá contestar, não se deve admittir, como se tem querido fazer, que o vinho, por ser uma substancia alimentar fabricada, possa ser modificado ao bel prazer dos especuladores. O mais que se pôde tolerar e o tem sido na Europa, é que elle seja modificado com uma mínima proporção das mesmas materiasque entram na sua composição normal. Esta tolerância está scien- tificamente estabelecida e é regulada por lei. « O mais é pregar e autorizar o absurdo, a fraude o crime e a anarchia da industria e do commercio. « Nesta terra em que tudo se sophisma, e em que se estranha o austero cumprimento do dever das auto- ridades constituídas para zelar a saúde do povo, nesta terra de myslificações governarnentaes, eu sei que estou pregando no deserto. Mas, seguro nas minhas convicções e tranquillo na consciência de funccionario que timbrou sempre cm guiar-se pelos princípios da sciencia, do direito e da justiça, que achem as minhas palavras um echo no espirito dos homens honestos e da imprensa independente e terei alcançado a mais doce das consolações e a mais preciosa das recompensas. « No próximo artigo tratarei dos vinhos arlificiaes, e o publico com certeza vai inebriar-se ao saber o que elles são no estrangeiro e como elles são acatados neste paiz de todas as liberdades imagináveis. «Rio, 7 de Novembro de 1885. — Dr. Domingos Freire. » - 56 - III « Demonstrado no artigo anterior que o vinho cons- titue uma mercadoria de natureza bem determinada, e como tal sujeita a todas as regalias que a lei estatue, é obvio que Ioda a mercadoria que se apresentar no commercio com prelenções a querer passar por vinho, sem o ser, deve ser tida e havida como fraudulenta, e portanto como consa prohibida e sujeita ás penalidades do Código. Isto parece axiomatico e se o é, vamos a vêr se applicamos o caso á seguinte questão : « São ou não os vinhos artificiaes mercadorias que querem impôr-se aos consumidores como vinho verda- deiro ? A sua fabricação constitue ou não uma industria licita ? « A' primeira interrogação se pode dar prompla res- posta, visto que a própria industria se intitula de vinhos arlificiaes ou facticios, islo é, de vinhos que não são verdadeiros, que não são o resultado da fermentação da uva, mas que por vários artifícios pretendem tomar as apparencias do producto natural, sem que apresentem as suas qualidades, a sua composição chimica. « Com eífeito, os vinhos chamados artificiaes consti- tuem fraudes mais completas do que as que consistem na addição de matérias estranhas ao vinho natural, por isso que nelles não existe a menor parcella de sueco de uva. Deseja o leitor conhecer o processo que seguem alguns industriaes nestas praticas dolosas? Eu vou satis- fazer a sua curiosidade, citando autores para não dize- rem que invento. Diz Girardin á pag. 484 do seu Tra- tado de Chimica Industrial: « Muitas vezes nas grandes cidades fabricam-se vi- nhos sem uva, por meio de muita água, assucar, álcool de baixa qualidade, vinagres e matérias corantes diversas. » « Chevalier e Baudrimont á pag. 1217 do seu Dic- cionario das Falsificações assim se exprimem : « Além das falsificações operadas sobre o vinho mesmo, ha outras que consistem em fabricar vinhos facticios, isto é, liquidos em que não se encontra o sueco da uva. » « Têm-se vendido como vinho, dizem os mesmos -57 - autores á pag. 1198, um liquido fabricado com água, vinagre, pau campeche e vinho zurrapa do sul, de que existe apenas a décima parte no liquido total, afim de dissimular a sophislicação ! « Vende-se também muito vtnho branco espumoso, fabricado em diversos paizes com o nome de Champugne. Apczar de não se poder chamar a isto vinho artificial, é todavia uma concurrencia illegal contra o verdadeiro Champagne, visto que o comprador é enganado sobre a natureza da mercadoria. « Não posso deixar de citar o que dizem na mesma pagina os autores, isto é, que a administração faz bem em exercer seu rigor contra estas fabricações arlificiaes de bebidas, que não podem em geral senão tornar-se a causa de accidentes graves. E n'uma nota acrescentam: «Desde 1848 que o Imperador da Rússia supprimio as fabricas de vinhos facticios. E' verdade que o>ta nota não tem applicação ao nosso paiz, porque na Rússia, paiz do despotismo, ° podem fazer-se destas liberdades, mas no Brazil, paiz de liberdade, é impossível tanto despotismo. « Entretanto é aqui na Corte e em Iodas as Pro- víncias do Império que se vendem vinhos facticios com rótulos de vinhos naturaes, expedidos a granel pelas nu- merosas fabricas, umas annunciando-sc ostensivamente como fabricas de vinho nacional (!) outras mascarada* com taboleta de fabricas de licores. « O mercado está transbordando de vinho do Porto fino, superfmo, vinho francez, hespanhol, italiano, feitos com aguardente, assucar, páo campeche e outras^ que taes drogas. Disso eu posso dar attestado, não só em virtude das analyses feitas pelos chimicos da Junta como pelas por mim executadas. Demais, esle facto é publico e notório, o escândalo é patente, a industria está instal- lada sem reservas. « Elucidada a primeira questão, respondamos á se- gunda : Iv ou não licito fabricar vinhos artificiaes ? « As nossas leis garantem o exercício de todas as industrias, mas fazem uma resalva importante, que é — excepto se forem prejudiciaes d saúde publica. «Ora, tendo eu já demonstrado que os vinhos arti- - 58 - ficiaes querem passar por naluraes, só este facto seria sufíicienle para que fossem punidos pelo respectivo artigo do Código Penal aquelles que falsificam os vinhos natu- raes ou aquelles que vendem ou expõem á venda esses vinhos falsificados. « Se eu conseguir provar que taes productos são, além disto, prejudiciaes á saúde publica, terei ainda mais aggravado a criminalidade desses indivíduos. « O vinho é considerado por todos os hygienistas como uma bebida alimentar, e portanto deve ser sã e perfeita para poder preencher o fim a que se destina. Ninguém será capaz de sustentar que um vinho artificial feito a capricho da fantasia do fabricante, com meia duzia de drogas misturadas, como se se preparasse uma tisana, seja digno de substituir um vinho natural, mesmo de inferior qualidade. Ter-se-ha em lugar de uma bebida benéfica e alimentar uma bebida prejudicial, que, longe de ser um alimento, um estimulante diffusivo, só servirá para tirar o appetite, perturbar a digestão e compro- mettcr seriamente a saúde. « Demais, não ha uma fórmula só o invariável para fabricar os taes vinhos artificiaes. Cada industrial tem a sua, seja de Cadet, de Fabroní, de Parmenlier e muitos outros. Em muitas destas fórmulas entram ma- térias corantes perigosas, como a fuchsina arsenical, a phylolaca decandra, matéria venenosa e que é muito diííicil distinguir da matéria corante do vinho verdadeiro. « Todas estas incertezas, todo este arbítrio de fór- mulas não expõem a graves perigos a saúde, a vida do povo ? «E se, conforme nós dissemos no artigo anterior, o vinho é um alimento fraco, mas completo, e composto de uma multidão de substancias associadas por um tra- balho natural, muito lento, como encontrar cm um vinho artificial as mesmas virtudes como alimento, como ex- citante, como tônico ? « Parece não restar duvida de que semelhantes vinhos não são potáveis, não podem servir de bebida usual, devem ser severamente proscriptos, porque delles podem provir accidentes graves de effeito immediato e - 59 - remoto, um envenenamento, quando menos seja, lento e progressivo, traduzido muitas vezes por dyspepsias re- beldes, enteriles chronicas, varias affecções do fígado, etc. « A industria dos vinhos arlificiaes não é porlanto licita, visto que é prejudicial á saúde publica. « Para corroborar o que acabo de dizer, accres- centarei que em todos os tratados de chimica, de hygiene, de falsificações de alimentos, os vinhos facticios ou arti- ficiaes figuram como falsificações. Quem duvidar disto, recorra á pag. 484 do Tratado de Chimica Industrial, de Girardin, ao artigo vinho, do Diccionario de Chimica, de AVurlz; ao Tratado dos vinhos e suas falsificações, de Yiard (5.a parte), e á pag. 1217 do Diccionario {das alterações e falsificações das substancias alimenlarcs, por Chevalier e Baudrimont. « Permitiu* a expedição no commercio de seme- lhantes vinhos, mesmo com o rotulo de artificiaes, seria animar e legalisar a fraude. «Sei que me objectam que cada um é livre de comprar o que bem lhe parecer, uma vez que saiba o que compra. Não negamos este arbítrio ; mas ponderarei que as autoridades sanitárias tom confiança na responsa- bilidade privada quanto ao cuidado da saúde individual, porque o indivíduo e a família são os principaes vigi- lantes da sua alimentação. Mas, em conseqüência disto mesmo, tem a lei restricta obrigação de garantir protecção sanilaria dos direitos pessoaes, na escolha dos alimentos sólidos e liquidos. « A fraude nos alimentos deve ser prevenida, não só porque é a violação dos direitos individuaes, mas especialmente porque é uma violação contra a salva- guarda da saúde e da vida. Não ha industria, por maiores que sejam os capitães de que disponha, que possa anlepôr-se aos sagrados direitos da saúde do povo, confiados ao critério das autoridades sanitárias. Salas populi suprema lex.» « Adopto como se fossem minhas as palavras de Barlh em um congresso medico : « Haverá dinheiro que possa prevalecer contra a preservação da saúde pu- blica? » - 60 - « Dizem e repetem muitos articulistas que a indus- tria dos vinhos artificiaes deve ser conservada, por ter dispendido grande somma de capitães. Se somente este motivo basta para legalisar um ramo industrial, veremos amanhã formar-se uma commandita para vender assucar feito com fecula por assucar de canna ou de beterrabas; mais tarde uma outra para vender leite e água por leite puro; e assim por diante, com a condição que empreguem grandes capitães. Tudo isto será muito legitimo; não será prejudicial á saúde nem tão pouco poderá tornar-se como violação do direito que o consumidor tem para obter os gêneros alimentares por sua discrição própria. « Outra inexaclidão que a lodo transe querem fazer passar é que nos paizes estrangeiros se permitte a fa- bricação e commercio de vinhos falsificados. Nao ha tal. « Eu já disse que na Rússia supprimiram-se taes fabricas. Na França e na Allemanha perseguem-se lambem com toda a severidade os vinhos facticios. Basta para disto convencer-se ler o relatório dos resultados das ana- lyses dos laboratórios municipaes, em que diariamente se rejeitam dezenas de amostras de vinhos facticios, in- tentando-se além disto processos contra aquelles que os fabricam ou vendem. « O Governo britannico, desde 10 do Agosto de 1872 que promulgou um acto, pelo qual regulou a lei para prevenção das adulterações dos alimentos e bebidas, em que penas severas são impostas desde que as analyses chimicas demonstrem praticas criminosas. Podem-se ler todas estas disposições no appendice, que, sob o titulo Observações e extractos dos aclos do parlamento, acompanha o calendário da Sociedade Pharmaceutica da Giã-Bretanha, publicado em 1875. « Outra confusão, que por ignorância ou para ganho de causa têm querido fazer vários defensores dos vinhos artificiaes, é a de equipararem estas beberageus aos cha- mados — vinhos de fruetas. « Não ha quem não saiba que todas as fruetas as- sucaradas podem fermentar fornecendo álcool. « Estes productos são pois bebidas naturaes, cuja venda é permitlida, porque são bebidas salutares,' com- -61 - tanto que sejam vendidas pelo que são. Ellas têm uma composição definida, e preenchem fins determinados, mas já diversos dos fins a que se destina o vinho de uva. Constituem, em resumo, uma mercadoria de natureza conhecida, de effeito hygienico dislincto, e que nada têm de artificial. A designação de vinho, que se lhes tem dado é imprópria, é por extensão que se os têm assim denominado. Os francezes comprehendem tanto islo, que as duas bebidas fermentadas que elles preparam em maior escala com sueco de fruetas (a pôra e a maçã), elles chamam perada e, culra, e não vinhos de pôra e de maçã. « Não ha por onde fugir. E' palpável e intuitiva a condemnação dos vinhos artificiaes, qualquer que seja o lado pelo qual sejam encarados. Elles são uma fraude, uma contrafacção, afim de induzir a gente a aceitar um artigo que os próprios fabricantes não aceitariam para o uso que precisassem, a não ser para enganar; e com esta circumstancia aggravante, de que os enganados são muitas vezes pobres doentes, enfraquecidos pelo soffri- mento, que, pensando ingerir uma bebida saiu lar que lhes restaure as forças esgotadas, facilitando-lhes as di- gestões lentas e penosas, ingerem uma bebida malfazeja, que os fazem de mais em mais dyspepticos, que nada tem de nutritiva e que só serve para enfraquecel-os cada vez mais, deteriorando de dia em dia o estado pre- cário do seu organismo. « As autoridades sanitárias não podem, não devem, não querem collaborar nesta obra de perversidade. Con- sentir em taes adulterações, é praticar um roubo dos meios necessários á vida dos nossos semelhantes, e roubar tanto ao rico como ao pobre. Cremos que o attentado será feito com espirito de ganho, mais do que de assas- sinato, porém os fins não justificam os meios. « Citarei a propósito estas palavras amargas do poeta: Chalk, and alum and plaster on sold to the poor for bread, And the spirit of murder works in the veiy means of life. - 62 - Causa-me verdadeira tristeza ao ver que são perse- guidos como se fossem réos de Policia aquelles que por seu dever, por suas investigações, por seu civismo, se têm esforçado sempre por applicar com rigor as leis da saúde, que, na opinião dos maiores estadistas, é o ins- trumento mais necessário para que as nações prosperem e se engrandeçam. « A grandeza de um Estado, diz Thomas Cooly, consistirá não em seus campos e florestas, e minas, e rios, e lagos, porém na maneira pela qual for tudo isto applicado para beneficio da humanidade, por meio dos trabalhos physicos e intellectuaes de um povo robusto e vigoroso e para ter um povo robusto e vigoroso é pre- ciso animar e auxiliar aquelles cujos deveres e trabalhos os tornam nossos mestres nas leis da saúde e nossos monitores quando nos desonramos de observal-as. « Nesta questão de vinhos ha tanta miséria occulta que não tardará a revelar-se, tantos interesses inconfessá- veis, aos quaes faz conta a perpetuação dos abusos, tantas circumslancias co-relalivas com esta evolução que foi adre- de provocada, que eu estou quasi descrendo daquellas celebres palavras da Escriptura—Yinum Icvtificat cor ho- minis—ou daquellas oulras citadas pela Escola de Salerno : Ní nocturna tibi noceat potatio vini, hoc ter mane bibas iterum c fueril medicina. « Mas a tristeza e a descrença que devem apoderar- se de todos os bons patriotas ao assistir ao lugubre preslito dos acontecimentos que vão desfilando, não conseguem affrouxar o nosso zelo pela causa publica. « Eu aqui estou para acompanhal-os. Preparam-se novas sorprezas. Já tenho o escalpello prompto para dis- secal-as com todo o esmero. Por emquanto esperemos. Vamos ver se o pundonor e a dignidade de uma cor- poração cujo alto encargo é velar pela saúde do povo, vão succumbir afogados dentro de alguns toneis de vinho artificial. « Tenho ainda muitas reflexões a fazer, Sr. redaclor e quem até agora se tem mostrado tão benevolo gpara -63 - comnosco, nos ha de conceder mais alguns momentos de defesa do bem publico em futuros artigos. « Rio, 8 de Novembro de 1885. — Dr. Domingos Freire. » IV « Nunca será por demais offerecer á publicidade quantas razões e argumentos de valia podermos adduzir para provar a inanidade do direito em que pretende es- tribar-se a industria dos vinhos artificiaes c a grande somma de perigos a que se acha exposta a população seduzida pelas falsas apparencias de um producto, onde, em vez do propriedades benéficas que se lèm em vista procurar, só se encontra a origem causai de uma mul- tidão de males, cuja extensão se não pôde calcular. « Convém insistir nestes pontos capitães. « Desde que ficou estabelecido cm bases inabaláveis, segundo as reflexões que no artigo anterior desenvol- vemos, que por unanime accôrdo dos chimicos e hygie- nistas os vinhos facticios acham-se incluídos no quadro das falsificaçõss, e como laes devem ser prohibidos no mercado, ó claro que o seu commercio e a sua fabri- cação constituem uma concurrencia illegal aos vinhos verdadeiros, cuja importação será reduzida extraordina- riamente, e por fim terá mesmo de extinguir-se sob a influencia deste phylloxera de nova espécie, contra o qual é de justiça se appliquem os mais enérgicos antí- dotos que a lei penal aconselha. « Pensam os delinqüentes achar uma altenuanle á sua industria dolosa, no fado de não ser snfficiente ao consumo universal a expedição do vinho natural, que açode aos mercados, sobretudo depois da invasão do pa- rasita dos vinhos, do qual são elles muito dignos emulos. Este raciocínio seria procedente se o gênero que elles fornecessem em substituição reproduzisse exactamente todos os caracteres dos vinhos naluraes, o que, mais uma vez repito, é problema insoluvel, e me firmo para asseve- ral-o na opinião de todos os especialistas. « Citarei, por exemplo, o que diz Hureaux, á pag. 6:-5 - 64 - do seu tratado das falsificações das substancias ahmen- tares. Eu recommendo as suas palavras de uma maneira especial aquelles que nutrem ainda algum resto de du- vida a este respeito. « E' impossível, diz aquelle autor, que os fabricantes possam conservar, na elaboração de suas desgraçadas bebidas, as relaçõss naturaes que existem no vinho natural, entre os princípios orgânicos, o álcool, a água, as substancias salinas, as azotadas, ele. » « De mais a mais, se é verdade que durante uma longa série de annos a vinicultura vio-se em sérios em- baraços para fornecer os mercados na proporção da procura, hoje que melhor estudadas estão as moléstias das vinhas e os meios de prevenil-as, já não se nota mais a mesma escassez. « Assim, lê-se na Revista Scientifica do Átheneu do Porto, numero de Janeiro de 1885, que em Hespanha têm crescido notavelmente as plantações de vinhas, e que a producção exagerada e em desharmonia com a procuia nos mercados traz embaraços e diminuição nos lucros habituaes da industria. Não hesito em garantir que uma das causas da falta de relação entre a offeita e a procura é o commercio illicito dos vinhos artificiaes nos paizes em que as leis não são bastante severas para reprimil-o ou aniquilal-o. «Não é justo que um commercio nefando esteja a prejudicar interesses legítimos, cerceando o commercio internacional dos productos da vinicultura de grande numero de paizes europeus, em que peze á insaciabili- dade do egoísmo dos alchymistas industriaes. « E' caso para se lhes aconselhar uma melhor direc- ção á sua adividade industrial, e não faltam no Brazil mesmo regiões propicias onde poderiam applicar com vantagem grandes capitães, desenvolvendo em larga escala as nossas nascentes plantações vinícolas. « Sob o titulo Viticultura Paulistana, vem publicada na Revista Agrícola de 1871 uma noticia, pela qual se poderá calcular quão favoráveis são certas zonas do nosso paiz ao florescimento da industria vinícola. Lê-se ahi que a Província de S. Paulo, no anuo de 1870, fabricara perto de 300 toneis de vinho, contando-se com -65 - producção ainda maior nos annos subsequentes. Calcu- lava-se que com cinco ou seis annos de idade o numero de vinhas plantadas deveria produzir 800 a 1.000 pipas. A espécie cultivada era a Americana ou Isabel, e en- saiavam-se algumas outras variedades portuguezas e de Bordeaux. O vinho fabricado era límpido, ligeiramente aromatico e agradável ao paladar, approximando-se a certos vinhos portuguezes e francezes. « Eis uma obra meritoria apropriada a grandes ca- pitães, com proveito enorme para a fortuna publica e para a saúde geral. E' que ha certos industriaes, cujo único fito é ganhar lucros espantosos, mediante pouco trabalho e pequena despeza, nada se lhes importando o prejuízo causado á bolsa e á vida dos seus semelhantes. Alar- deando grandes capitães, laboram no erro fundamental de que a creação e o exercício de qualquer industria, na esphera da liberdade garantida, são direito seu in- dividual, quando ás autoridades competentes incumbe regular aquelle exercício e definir os limites daquella creação, de maneira que satisfaçam as conveniências da sociedade e os seus múltiplos interesses. « Os interesses sanitários propriamente ditos não poderiam de fôrma alguma ser preteridos e sacrificados á ambição desregrada de meia duzia de indivíduos, que, para attingirem os seus desejos de ganho fabuloso, insi- nuam no espirito do povo a idéa errônea de que elles podem offerecer-lhe uma bebida chamada vinho artificial, vinho nacional (?!), com as mesmas virtudes bromato- logicas do vinho de uva ; quando, como muito bem pondera Guyot, todas as tentativas dos chimicos mais illustres têm sido infrudiferas para produzir um único alimento solido ou liquido, aceitável pela pratica e pela hygiene, não só como salutar, mas lambem como inno- cente para a saúde. « O leite artificial, o pão sem farinha, o caldo de gelatina, o vinagre de madeira e outras invenções têm sido proscriptos da alimentação humana. « Os vinhos preparados com álcool rectificado, aceres- centa o mesmo Guyot, são bebidas mais perigosas á saúde que os caldos da gelatina chimica. 5 - 66 - « De accôrdo com este autor estão Becquercl, Tar- dieu, Chevallier Dechambre, Hureaux e muitos outros, Nenhum delles se pronuncia a favor dos vinhos artifi- ciaes, Iodos opinam que são nocivos á saúde publica. « No relatório apresentado por Bergeron á Academia de Medicina de Paris estão consignadas estas vehementes palavras de Dechambre: « Eu desejaria que a tribuna acadêmica indicasse as medidas apropriadas a limitar o espantoso consumo do álcool unido a todas as sortes de essências empyreu- maticas, bebidas assassinas, cujos effeitossão tão rapida- mento desastrosos. « Nos vinhos artificiaes está realizada essa brutal associação, porquanto é de álcool de inferior qualidade, carregado de espirito de madeira e álcool amylico, de que se servem os fabricantes, substancias que tôm sobre o nosso organismo um effeito tão pernicioso como o do absinlho. E ainda quando elles empregassem aguardente de boa qualidade, aohando-se ella livre no mixto artificial e não combinada com o môsto como no vinho natural, actuaria sobre a economia com a mesma rapidez e a mesma energia que aguardente em natureza, tirando á bebida a qualidade tônica e salutar que distingue os vinhos, e produzindo o effeito de excitante a principio e depois estupefaciente. « O emprego prolongado de semelhante bebida, se- gundo rezam as conclusões do relatório de Bergeron, é nimiamente prejudicial, « sendo sob o ponto de vista da hygiene publica altamente perigoso entregar ao consumo líquidos que de vinho só têm o nome, e que, sendo apenas álcool diluido, são de um emprego funesto » « Note-se que eu copiei textualmente estas palavras do relatório de Bergeron. Meditem os fabri-antes sobre ellas e peçam á consciência uma inspiração bemfazeja. « O Sr. Bergeron vai mais longe: n4es perigos redobram, ajunta elle, quando se pratica a alcoolisação com espirites de grãos e de beterrabas, porque estes não só prejudicam a saúde como também lançam o paiz em uma decadência moral, sendo, como são, esses vinhos -67 - uma producção sem limites e ficando ao fácil alcance de qualquer indivíduo. « Males physicos e males moraes, que poderão de- gradar o nosso paiz, fazendo-o baixar ao nivel de nação embrulecida, como a China e a Turquia o são pelo ópio, exigem a mais severa repressão da funesta industria. Lembrem-se os estadistas que para os povos como para os indivíduos não ha verdadeira grandeza quando o moral se deprime. « E' possível insistir mais do que tenho feito sobre os inconvenientes sérios trazidos á saúde publica pelos vinhos artificiaes? As autoridades eminentes, de cuja opinião me tenho soccorrido, achem echo na nossa po- pulação e no nosso Governo e terei dado por bem em- pregados os esforços em prol do justo, do honesto e do conveniente á salvaguarda dos interesses hygienicos. « O Brazil não pode deixar de seguir as pegadas das outras nações nesta magna questão. Elle deve imitar a Inglaterra, a Rússia, a França, os Estados Unidos, o México, a Republica Argentina, na perseguição da bar- bara industria que serve-se do immaculado manto da liber- dade de trabalho, para encobrir os males que produz e os intuitos sórdidos que visa. « Em França, desde longa data que essa industria funesta é perseguida; não sou eu quem o affirma, é Hureaux quem no seu tratado das falsificações assim se exprime : « Quanto aos vinhos artificiaes, fabricados sem uva, com álcool de grãos, água, diversos suecos fer- mentados, substancias corantes, etc, têm-se tornado raros em nosso paiz. Os hábeis provadores os reconhecem facil- mente. A lei pune com uma severa e justa repressão tal fabrico. » « Chevallier na pag. 578 do seu Diccionario das Falsificações, diz-nos: « A administração publica tem razão de punir severamente o fabrico artificial das bebidas que podem ser nocivas, e a França deve seguir o exemplo dado pela Rússia. » « Em Buenos-Ayres não se dá quartel a semelhante industria. O noticiário da Tribuna Nacional, de Buenos Ayres, de 14 de Agosto de 1884, nos informa estarem - 68 - fazendo-se effectivas pela policia as multas impostas pela oíficina chimica municipal aos infractores que expedem artigos de consumo adulterados ou falsificados, e pede que a Intendcncia seja inexorável na applicação de multas por estas causas em que se sacrifica a saúde do povo — á especulação dos commerciantes ou industriaes. « Na Voz de Hippocrates, jornal que se publica no México, se lêm, em data de 22 de Junho do anno corrente, estas palavras, que devem calar no animo dos nossos administradores: « Hoje mais do que nunca devem os membros da inspecção de bebidas e comestíveis desenvolver actividade vertiginosa, se querem prestar um serviço positivo á população. Carnes em mau estado, leite adulterado, peixes e aves em estado de decomposição, aguardentes envenenadas, vinhos que têm campeche e outras substancias com falta completa de uva, etc, etc. A inspecção de tudo isso demanda trabalho, é verdade, porém a saúde pu- blica merece também um sacrifício. Se todos os dias pu- déssemos registrar os trabalhos da inspecção de bebidas e. comestíveis, veria o publico que alguma cousa se faz em seu favor. » « Nos Estados Unidos a assembléa geral de Loui- ziania e as de outros Estados decretaram em 1882 uma legislação especial para definir e punir a adulteração de drogas, alimentos e bebidas. Na secção segunda estão incluídas disposições que entendem manifestamente com a industria de vinhos artificiaes, e vou transcrevel-as do relatório da Junta de Saúde do Estado de Louiziania. « Eil-as: « No caso de alimentos ou bebidas, considerar-se-hão adulteradas, quando com elles ou ellas for misturada alguma substancia, de maneira a tornar inferior ou nociva a sua qualidade ou força; ou quando uma ou mais substancias inferiores ou mais baratas forem substituídas totalmente ou em parle ao artigo puro, ou para misturar alguma substancia com o alimento ou bebida assim ex- postos á venda, ou para vendel-os assim misturados, os quaes pelo seu uso affectam mais ou menos a saúde pu- -69- blica, ou são prejudiciaes á saúde do consumidor dos ditos alimentos ou bebidas. » « Como é, pois, que se tem a coragem de publicar pelos jornaes que os outros paizes toleram as fabricas de bebidas artificiaes? As citações que acabamos de fazer provam á saciedade o quanto estão enganados os articu- listas. O facto de entrarem como artigo de importação vinhos artificiaes no nosso mercado indica apenas que a desidia é do nosso paiz, pois o precioso gênero, não achando sahida em parte nenhuma, vem refugiar-se nas nossas hospitaleiras plagas, franqueadas a mais este con- trabando de pipa e garrafa. « Nós estamos já tão acreditados com as nossas fran- queza* que existem na Europa estabelecimentos que só se occupam de fabricar artigos de exportação para o Brazil (alimentos, bebidas, remédios etc), constando de tudo quanto ha de peior e mais falsificado. Eis o quinhão re- servado para esta porção da humanidade, que parece ser diversa das outras por viver debaixo da zona tropical. « Não basta-nos a praga que vem de fora? Devemos permiltir taes estabelecimentos dentro dos nossos muros, affrontando face a face a policia, as autoridades sanitá- rias, a alta a dministração?! Devemos applaudir estas ou- sadas tentativas industriaes e permittir o commercio abu- sivo enxotado de toda a parte como illicilo, inconveniente e perigoso ?! « Forme-se embora em ordem de batalha o inimigo audaz, preludiando o combate contra a saúde do povo. Emquanto eu tiver voz, hei de dar o signal de fogo, até succumbir ás surriadas da fuzilaria dos aventureiros. Succumbirei contente, porque tenho consciência de que soube conservar-me no meu posto de deffender a saúde e a vida dos meus concidadãos. «Rio, 12 de Novembro de 1885.—Dr. Domingos Freire. » V « Debalde têm querido desnalurar esta questão pelo emprego dos mais cavilosos estratagemas aquelles que já - 70 - perderam o resto da confiança na legitimidade da causa que sustentam. Desde a calumnia até a injuria, desde a mentira até o insôsso gracejo e as insensatas explosões de um resentimenlo mal reprimido, todas as armas têm sido jogadas para lançar o desprestigio odioso sobre uma corporação que tem envidado os mais estrenuos esforços para bem desempenhar os seus graves deveres, tomando para única bnse dos seus didames o interesse commum. « Desde o começo eu previra esta tempestade e me dispuz a affrontal-a com a coragem febril dos que estão seguros na solidez do seu direito e á sombra delle com- batem. « Não me arreceio das ciladas da intriga, não me desorienta o ridículo e a zombaria que zumbem ao redor de mim como vespas impertinentes. Essas são as armas dos fracos contra os fortes, as armas dos rachiticos e dos idiotas. Os athletas comprazem-se em combaler de outra fôrma os seus adversários, Deve ter-se como ganho o pleito quando contra a causa que se defende, em lugar dos argumentos sérios e leaes, só se atira um tropel de affrontas satyricas, como se fossem projectis vazios de senso e de idéas. Infelizmente abundam no nosso paiz esses tolos que tomam o partido de zombar de tudo aquillo de que nada entendem. Em compensação os ho- mens sensatos sabem dar valor aos seus dislates, obri- gando-os a soffrer a sorte desses buffos ambulantes que só servem para divertir o povo nos palanques da praça publica. « Não satisfeitos com o falsificarem productos ali- mentares, estragando o vigor orgânico da população, fal- sificam até as minhas intenções e os meus pensamentos, fazendo crer que sou guiado por sentimentos de parcia- lidade ou de resistência ao império das leis e da auto- ridade, lendo eu, no entretanto, declarado desde o meu primeiro artigo que o meu fim único era esclarecer o espirito publico acerca da natureza das bebibas com que queriam embaçar a sua credulidade, nutrindo a esperança, que todos acharão louvável, de obter alguns correclivos a um commercio evidentemente illicito e nocivo á saúde - 71 - publica, como já ficou mais do que demonstrado nos meus artigos anteriores. « Parece que me conservo nos limites do honesto e cumpro um dever inherente ás funcçõcs que exerço, fossem mesmo as de simples cidadão, procurando oppôr um dijiie ás cmprezas dos homens agitados por paixões egoístas e que se desvairam no meio da torrente de suas ambições; ameaçando levar de envolta todos os di- reitos sanitários que assistem ás populações, e que são também comprehendidos nos direitos de segurança publica e individual. Não exerço vexações arbitrarias defendendo a saúde do povo: vou apenas em soecorro delle, illa- queado na sua boa fé e opprimido nos seus mais vi- lães interesses. A verdadeira doutrina é esta, esta é que é a moral, por mais que sophisinem os philosophos, que com as suas argucias intentam destruir o^ fundamentos do direito social. « Se ha uma distincção entre o justo e o injusto, que se tem transmittido como noção fundamental de ge- ração em geração, ha também uma lei que prescreve ou que prohibe, segundo convém ou não á ordem publica; e a esta suprema razão não podem furtar-se nem os in- divíduos que vendem lentejoulas por ouro verdadeiro, nem aquelles que fazem passar nas transacções commer- ciaes por alimento liquido bebidas que não têm a vir- tude nutritiva que nellas se procura. Se no primeiro caso trata-se de um roubo á bolsa do próximo, no segundo caso trata-se de um saque á bolsa e á vida, delido ainda mais grave, e donde podem provir males innumeraveis, não só immediatos mas também remotos. « Por isso eu não deixaria de bradar para o povo: «Defende-te! Abstem-te dessas tisanas ehenadas vinhos artificiaes, mixtos perigosos á saúde na opinião de todos os sábios, cousa prohibida como fraudulenta pelos go- vernos dos paizes mais civilisados. Não uses dessas be- bidas pérfidas durante as tuas refeições; ellas estão muito longe de ser semelhantes ás que Baccho fabricava com os dons de Ceres para deleitar os convivas. Ellas não são o que o padre Cariot diz serem os vinhos naturaes, isto é, o leite dos velhos, sendo-lhes nas derradeiras -72- horas da sua existência o que o óleo é para a lâm- pada. » « Tenho convicção de prestar um serviço de ordem geral, advertindo o povo dos perigos que elle corre, e jamais poderei ser tido por suspeito ou incompetente, visto que firmei-me para tirar as minhas conclusões na opinião de autoridades scientificas de primeira água, que nos outros paizes se têm occupado especialmente deste assumpto. « Com estes poderosos alliados ouso attacar o ini- migo nos seus -últimos reductos. O consenso da sua opi- nião é a prova mais saliente de minha imparcialidade e mostra claramente que o meu desejo é só o da benefi- cência publica, e como tal digno da sympathia geral, astro que me aquece e vivifica na luta titanica a que me arrojaram as circumstancias. « Depois de queimados todos os cartuchos, depois de obrigados a recuar diante dos golpes certeiros da sciencia e da justiça, só acham recurso os pertinazes inimigos da saúde do povo na guerra de emboscada e no tribunal representado por algumas analyses feitas no la- boratório de hygiene pelos chimicos da Junta, analyses a que elles, quaes náufragos, se agarram como única taboa de salvação. . « Pois bem. Eu me proponho a rechassal-os deste ultimo entrincheiramento. Vou provar ao publico que taes analyses são outros tantos corpos de delido, que confirmam a condemnação da industria dolosa dos vinhos artificiaes. Na verdade' é triste vêr que voltam contra si próprios essas armas de ultima hora, em cujas lâminas aceradas viam refledir-se a sua salvação. « Columnas inteiras de jornaes têm sido occupadas com a transcripção dos muitos attestados de scientificas analyses e estudados pareceres que oííicialmente se fizeram. Mas vejamos o que são em si essas analyses, façamos a sua autópsia e depois me digam os leitores se é também licito abusar durante tanto tempo da sua paciência para fazer crer que são favoráveis aos fabricantes de vinhos artificiaes pareceres que são-lhes manifesta e positivamente contrários. -73- « Ora, façamos varias reflexões acerca dessas ana- lyses publicadas com ostentoso apparato no Jornal do Commercio de 19 do corrente, como já o haviam sido no Diário de Noticias de 3 lambem do corrente. « O primeiro dos pareceres, dado em 12 de Abril de 1882, no tempo em que era Presidente da Junta o fallecido Dr. Souza Costa, de saudosa memória, refere-se a um vinho e vinagre fabricados por Esnesto de Oli- veira & C. « A opinião dos chimicos da Junla e da própria Junla sobre esse vinho não podia ser mais explicita e em termos mais próprios para pôr de sobreaviso o con- sumidor, porquanto ella é expressa por esta forma: «como vinho propriamente dito, não tem importância; impõe-se na apparencia por uma dessas espécies de vinho branco.» « Semelhante producto só poderá ser conhecido e julgado no commercio como uma falsificação dos vinhos brancos verdadeiros ; e os chimicos tiveram tanto isto em mente que recommendam que se declare a sua origem, contando demais com o senso pratico do povo, que nem sempre sabe separar o trigo do joio. Isto de obrigar um producto industrial a trazer o rotulo da sua origem suspeita é, assim mal comparado, o mesmo que obrigar um sujeito a trazer escriptos na copa do chapéo todas as suas manhas e vicios. O resultado é que todos fogem do producto e do sujeito; maneira espirituosa de lançar o anathema, mas deixando assim expostos ao perigo alguns incautos e não poucos ingênuos. Accresce esta circumstancia interessante, e é que faltam á Junta de maneira absoluta os meios de tornar effediva aquella recommendação. Onde a policia que disto se encarregue? e como exercer semelhante fiscalisação? E' inexequivel. « O comprador será irrevogaveímente enganado sobre a natureza da cousa, e por conseguinte illudido na sua boa fé e lesado nos seus interesses. « Quanto ao vinagre do mesmo Sr. Ernesto de Oli- veira, o parecer da Junta não foi lambem favorável, porque declara terminantemente que não tem a proce- - 71 - dencia do vinagre verdadeiro. Logo, é falso. E se é falso não deve ter curso. « Isto parece claro como a luz meridiano. « Também seria ocioso apontar os inconvenientes de varias espécies ligados á tolerância de um producto declarado deficiente pelos chimicos, conforme se lê no parecer. Se é deficiente, não pode preencher os fins a que é destinado ; é a única conclusão a tirar-se. « Os attestados passados sobre os vinhos de canna fabricados por Schumann & C. nos mostram que taes productos de vinho só tôm o nome, pois que elles são aguardente avinagrada, sendo a acidez devida em grande parte (diz o chimico) ao ácido acetico proveniente da fermentação do assucar. O vinho tinto do mesmo fabri- cante sódiffere do precedente por ser colorido com althéa rosea ou malva negra. « São, pois, vinhos artificiaes, são falsificações, são productos que não têm as virtudes nutritivas e therapeu- ticas dos vinhos naturaes. O seu emprego diário é rodeado de todos aquelles inconvenientes sobre os quaes tanto insisti nos meus quatro artigos anteriores. « Demais a mais, a althéa rosea, com que laes vinhos são coloridos, communica-lhes um sabor desagradável, depois de dous ou três mezes de contado, conforme affirma Chevallier na pag. 1213 do seu Diccionario das falsificações. « Finalmente, o resultado da analyse a que foi submettida no laboratório de hygiene da Faculdade de Medicina desta capital a amostra do vinho da fabrica de Ernesto de Oliveira & C., apprehendido na Alfândega do Rio Grande do Sul, é que « este vinho, como mistura artificial que è, não preenche os fins dos vinhos naturaes, quer sob o ponto de vista hygienico, quer therapeutico e phar- macologico. » E', pois, uma bebida inútil e prejudicial. « Ora, eis ahi reduzido á sua expressão mais simples o valor das analyses a que se refugiaram os vinhos ar- tificiaes, como se fossem uma égide que os puzesse ao abrigo das suppostas offensas aos direitos da industria nacional. - 75 - « Essas analyses são a confirmação plena de todos os meus argumentos. « Elias servem de exemplos da matéria que tenho discutido; melhor seria que as uão tivessem trazido ao clarão da imprensa, pois não teriam posto em relevo as razões fundatnentaes em que me estribei para proclamar a sentença da sua condcninação. « Quando a causa é má, insustentável, antipathica, escandalosamente attentatoria do bom senso e dos direitos pessoaes, não ha advogado que a possa salvar, por mais hábil que seja a sua chicana. Quando, porém, elle lança mão, baldo de recursos, do motejo e da zombaria, armas que pertencem ao mais baixo gráo da espiritualidade, então é o próprio a confessar, com as suas aggressões, não só a sua impotência iulelleclual, como também a fal- sidade dos princípios que defende. « Isto faz-me lembrar a seguinte anedocta que li, não me lembro bem em que jornal, creio que no Figuro: « Um meliante qualquer, autor de varias gentilezas, está sentado no banco dos réos. « O advogado da defesa acaba de fazer um discurso desgraçadissimo, que compromette ainda mais o cliente. « O juiz pergunta a este ultimo se tem alguma cousa que allegar em sua defesa, e obtém a seguinte resposta : « — Eu peço ao Sr. Juiz e aos Srs. Jurados toda a indulgência para o meu advogado. » « Por ora, Sr. Redador, eu me detenho no debate da questão, a que fui levado com o fim de conquistar o pensamento geral do povo sobre um assumpto que affecta o mais precioso dos dons que lhe coube em partilha : a sua saúde. « Possa sua opinião reparar todas as injustiças da maledicencia e da intriga subrepticiamente urdida para fazer decahir as autoridades sanitárias da altura do con- ceito a que têm sabido elevar-se pelo constante zelo em bem desempenhar o seu espinhoso encargo. « Permita, Sr. Redactor, que, ao terminar esta série de artigos, eu exprima publicamente os meus sentimentos da mais profunda gratidão, por ter tido a ventura de achar nas columnas á'0 Paiz o mais poderoso susten- -76- taculo das minhas idéas. Se algum mérito offerecem os escriptos que lancei á publicidade sobre a rampa festejada desse illustrado pantheon da imprensa, esse mérito provém apenas do brilho reflectido pela estrella mais fulgente do jornalismo brazileiro, astro de primeira grandeza que em- presta as irisações da sua luz ás obscuras nebulosas que ao redor delle gravitam. « Rio, 20 de Novembro de 1885.— Dr. Domingos Freire. » SALUBRIDADE PUBLICA « Para começar precisamos estabelecer o principio : Salus populi suprema lex. «Sem acompanhar o exagero de quem quer que sustente que uma substancia alimentar é prejudicial á saúde, desde que não tenha sido manipulada exclusiva- mente no grande laboratório da Natureza, é força con- fessar que alimentos ha que não tem podido ser imitados sem detrimento de suas qualidades nutritivas, e nesse caso está o vinho. « Na questão que ora se agita em relação aos vi- nhos artificiaes, circumstancias de varias naturezas têm concorrido para turvar as águas e deixar os espíritos suspensos sobre a verdadeira natureza da questão. « Todo o mundo sabe e ainda ninguém ousou con- testar que o vinho é dotado de qualidades alimentícias e therapeuticas, que o chamam a representar um papel no regimen dietetico e no tratamento das moléstias. « Se ainda a industria não conseguio preparar uma bebida alcoólica, sem a intervenção da uva, com as pro- priedades que recommendam o sueco fermentado daquella fruda, é claro que, sob o ponto de vista hygienico, único que nos oecupa, ninguém se lembrará de sustentar que ao vinho se possa substituir sem inconveniente essa mistura, que em toda a parte se manipula, e á qual se procura dar a apparencia do vinho. « Seja ella manipulada aqui, o que se dá em grande escala, ou importemol-a do estrangeiro, o que também tem lugar em escala igual, senão maior, é evidente que -77- essa mistura artificial não tem as qualidades que recom- mendam o vinho no regimen dietetico e therapeutico. « Se a qualidade consumida é tão grande, que amea- ça-nos com a carestia do producto, por ser a uva de toda a terra insufliciente para o consumo, parece-nos que o único meio lógico de prestar serviço á alimentação das popu- leções do globo, seria a propaganda do cultivo da videira. « E isso não é uma utopia porque em S. Paulo, em Minas Geraes, no Rio Grande do Sul, Santa Catharina e Espirito Santo já se prepara vinho, e essa industria nascente, pela mesma razão que allegam para a tolerân- cia da mistura artificial, pode vir a ser uma fonte de renda valiosa, muito mais para despertar o zelo admi- nistrativo do que a verba com que para os cofres do Estado concorrem as fabricas da mistura artificial, pois nem pagam os impostos da lei, aboletando-se clandesti- namente á sombra de licenças tiradas para fabricas de cerveja, de destillação, etc. « E' verdade que consomem grande quantidade do nosso assucar e da nossa eafdiaça, mas fazemos justiça ás innumeras applicações desses productos para não crer que só possam ter vida á sombra de uma industria cri- minosa, tal como a de se preparar uma mistura artificial, que se faz accintosameute passar por vinho, o que leza duas vezes o consumidor: na saúde, porque se vê pri- vado de um alimento e de um agente therapeutico de que carece, e na bolsa, porque paga pelo preço do ali- mento legitimo uma mistura artificial que do vinho só tem o aspecto, além da immoralidade da transacção. « Se o que dizemos não e verdade, dá-se um prê- mio a quem descobrir um décimo, uma garrafa, uma vasilha qualquer de vinho com a marca de alguma das nossas mui conhecidas fabricas. «Rio de Janeiro, V2 de Janeiro de 1886.—Dr. Compôs da Paz. » VI Alcoolismo. Abrimos espaço para uma serie de artigos devidos ao hábil jornalista democrata, Quintino Bocayuva, sobre o alcoolismo, que tem estreita relação com a falsificação dos vinhos entre nós. Já que os poderes públicos resolveram envenenar-nos o povo que leia estas paginas, e, meditando sobre o as- sumpto, abstenha-se de beber vinho até que o Governo mande envenenar as fontes, para dar extracção au veneno dos seus protegidos. ALCOOLISMO I « O telegramma que publicamos ante-honíem, de Berlim, nos trouxe uma noticia importante, communi- cando a Agencia Havas que o Chanceller Príncipe de Bismark apresentará proximamente ao Reichstag um pro- jedo de lei, concedendo ao Estado monopólio exclusivo para venda dos liquidos alcoólicos de qualquer natureza. « Importante para todos, esta noticia interessa-nos particularmente, agora, que se discute na imprensa, na Academia de Medicina, e se estuda nos altos conselhos da administração publica o modo de precaver a saúde do povo contra a fabricação de vinhos artificiaes. « Está merecendo de todos os governos a mais detida reflexão o progresso rápido que o alcoolismo tem feito nos últimos annos. A Noruega, a Suécia, a Fin- - 80 - landia, a Hollanda, já ha muito adoptaram medidas re- pressivas. A Rússia, a Suissa e agora a Allemanha, assoberbadas pelas devastações que vai fazendo o alcoolismo com repetidos casos de suicidios e loucuras, empregam os maiores esforços para refrear o abuso do álcool. O tele- gramma vem provar-nos que o Governo da Allemanha não recua diante da gravidade do seu acto estabelecendo a medida extrema do monopólio confiado ao poder pu- blico, para atalhar os males que essa medonha chaga do alcoolismo vai espalhando pela população. « Convém que não sejamos única nota discordante no grande coro das nações, descuraudo criminosamente este serio problema, que no momento actual preoccupa todos os povos, e para solução do qual trabalham por- fiadamente associações scientificas, philantropicas, estadistas e governos. « O alcoolismo bate-nos ás portas com todos os hor- rores de uma grande miséria publica, porque tudo se prepara para a sua divulgação : álcool abundante e ba- rato, convites fascinadores aos que o consomem, e numero crescente de infelizes sem trabalho, sem família, sem pão, sem lar, que procuram no álcool o allivio e o esqueci- mento de suas misérias. « Se algum dever incumbe aos governos de velar pela saúde do povo, nenhum mais sagrado, nenhum mais respeitável do que esse que se lhe impõe adualmente. « Saibamos prever e tenhamos energia para prevenir, emquanto é tempo. « Por nossa parte havemos de cumprir a missão elevada de imprensa, estudando esta questão, despreoc- cupadamente, e tendo em vista unicamente contribuir para que ella seja bem comprehendida e bem julgada. » II « A luta em que vemos empenhados os Governos de varias nações conlra o alcoolismo, nos deve servir de advertência, e nos aconselha a adopcão de medidas severas, se quizermos escapar aos perigos sociaes de que nos ameaça também, caminhando para nós a largos - 81 - passos, e tendo já conquistado vasta área para suas des- vastações, em quasi todas as nossas classes. Se na Eu- ropa, onde os alchimistas, guiados talvez por sãos prin- cípios da sciencia, vão arrebatar á alimentação do pobre a batata, para extrahir delia o álcool com que envenenam o mesmo pobre, os effeitos desse vicio terrível são me- donhos, o que serão entre nós, onde os alchimistas en- contram liberrima natureza produzindo canna por toda a parte ? « Ao mesmo tempo que esta luta dos Governos contra o alcoolismo r.os adverte, ella nos offerece opportuno ensejo para abrirmos largos horizontes ao consumo do nosso café e do nosso assucar, e cumpre-nos aproveitar a natural monção para darmos sahida a esses ricos pro- ductos da nossa agricultura. « Offerecemos como antídoto ao alcoolismo o uso salutar e hygienico do nosso café. « Alarguemos as attribuições do nosso corpo con- sular, habilitandO-o a promover a propaganda do café nesses paizes vidimados pelo alcoolismo. « Incumbamos ao nosso corpo diplomático a obrigação de facilitai* a entrada do café nos paizes de sua residên- cia, entabolando e propondo convenções e tratados de commercio. « Reduzamos, com deliberado propósito de totalmente extinguir, os direitos de exportação que ainda infeliz- mente pe>am sobre o café, para que o consumidor possa, pela modicidade do preço, em qualquer parte do mundo, contar o café entre as suas bebidas usaes. « Estudemos os meios de sahir da situação colonial em que nos achamos de uma força meramente passiva, estimulandj a iniciativa individual do nosso commercio, para que elle se eleve á altura que lhe compete e a que tem direito, de representar o Brazil nos differentes paizes com que mantemos relações. « Ou temos de entrar nessa via nova que o pro- gresso de outras nações nos está apontando, ou seremos obrigados por muito tempo ainda a divagar quasi per- didos na via smarrita de Dante, retrocedendo, pensando que caminhamos. G - 82 - « Para que possamos, porém, mudar de roteiro, é necessário o concurso de todos, e sobretudo da imprensa, esse pharol destinado nos tempos modernos a allumiar ás gerações que passam o verdadeiro caminho do progresso e da paz. «Nesse empenho, e com esse fim, tomaremos no próximo artigo em consideração algumas das doutrinas do nosso collega do Jornal do Commercio em seu restros- pedo ultimo. » III « Para que o concurso da imprensa, na solução dos problemas sociaes e econômicos, seja efficaz, é necessário que acima das escolas e dos partidos nas regiões supe- riores em que deve pairar a intelligencia dos que eslu- dam e dos que pensam, com toda independência, isentos de preconceitos, as idéas se definam claramente, e clara- mente se discutam. « O nosso honrado collega do Jornal do Commercio, abrindo o retrospecto de 1885, e para descrever a situa- ção desfavorável em que nos achamos, escreve as se- guintes palavras, que pedimos venia para trasladar: « Fomos levados a esta situação por uma lamentável confusão de idéas. « A confusão de idéas é sempre lamentável, sem duvida, e ainda mais lamentável quando nos leva cega- mente á beira de precipícios, sem que ninguém nos tenha dito : ides caminho errado, retrocedei. » « Entretanto, o Jornal, que reconhece e lamenta essa confusão de idéas, tratando em seu retrospecto dos nossos vinhos artificiaes e da nossa aguardente, concorre para a mesma confusão. Assim é que, em nome da liberdade do commercio e da industria, quer entregar a população a todos os horrores do alcoolismo, quando aconselha e incita á fabricação dessas perigosas bebidas alcoólicas, somente porque exigem considerável supprimento de valiosos gêneros nacionaes. - 83 - « Ha aqui uma lamentável confusão de idéas sobre a liberdade de industria e de commercio que devemos combater, se quizermos sahir da situação desfavorável a que ella nos tom conduzido. « A liberdade de industria tem a sua natural limi- tação imposta pelos princípios garantidores do bem publico, do interesso da communidade. Além desses limites, a liberdade deixa de ser uma força propulsora da civilisa- ção dos povos e converte-se em temeroso agente de des- ordens, atacando e destruindo todos os direitos funda- mentaes de qualquer nação regularmente constituída. « Qual é a liberdade sem limites, que preste, não degenere em licença ? Como obter a harmonia e a con- córdia das diversas aclividades sociaes, se a lei não lhes traçar o limite de sua expansão? « O commercio precisa de liberdade, certamente, para se desenvolver, prosperar, progredir; mas esse desenvol- vimento, essa prosperidade, esse progresso, serão falsos, serão mentidos, serão illusorios, se essa liberdade não for previdente e prudentemente regulada. « O nosso provedo e honrado collega, parecendo não desejar nenhuma correcção aos excessos da liberdade de industria, escreve as seguintes linhas: «Queremos, entretanto, a liberdade de industria e do commercio regular e que não sejam vexados os in- dustriaes que applicam sãs noções da sciencia, tempo e capitães na producção de artigos inoffensivos ou úteis que exigem considerável supprimento de valiosos gêneros nacionaes. » « A liberdade que o collega quer, os industriaes a que se refere, as sãs noções de que falia, são altinentes á fabricação de vinhos artificiaes, que tão rápido incre- mento mostrou nesta cidade e de que ultimamente as autoridades sanitárias se occupam com desvelado zelo, pedindo a repressão de tão criminosa industria. « Mas pedir liberdade para semelhantes industriaes, quando todos sabem que é só da fraude e pela fraude que elles exercem a sua profissão, quando todos sabem - 84 - que nenhuma industria é licita tendo por base a fraude, é pedir liberdade para a própria fraude. E a esta con- clusão, com ceiteza, o collega não quer, não deseja, nem pôde chegar. «A nossa própria constituição política, declarando livre o exercício da industria, estabelecedhe a limitação exigida pela saúde do cidadão. « Pôde acaso permittir-se a falsificação de uma bebida de tão largo uso, como é o vinho, a ponto de que sem a uva o fabriquem, somente, porque empregam sãs noções da sciencia, e exigem considerável supprimento de valiosos gêneros nacionaes ? « Quaes são ou podem ser essas noções da sciencia, a que o collega denomina sãs, que servem ao exercício da fraude dos alimentos? «Quaes são esses gêneros nacionaes, que possam justificar ou legitimar semelhante industria, em prejuízo da saúde publica? » IV « Apezar da sobriedade da nossa raça, que é um de seus melhores e mais admirados títulos, todos sabemos, infelizmente, quão rápidos têm sido os progressos do al- coolismo nesta cidade, verificados todos os dias em seus diversos effeitos no quadro da nossa mortalidade. « Quando o nosso honrado collega do Jornal, em seu retrospecto, aconselha os fabricantes de vinhos ar- lificiaes a estender a sua industria, e lhes lembra que os nossos engenhos centraes precisam achar consumo para os seus productos, esquece de modo lamentável as con- seqüências funestas desse conselho. « Se todos os hygienistas procuram minorar os ter- ríveis efleitos do álcool proscrevendo o uso de bebidas muito alcoólicas, se nesle momento diversas nações mo- dificam as suas leis para combater mais eCficazmente os males dessa miséria social chamada o alcoolismo, como poder-se-ha levantar a voz, em nome da liberdade de industria e em nome da riqueza publica, para acorocoar, promover, influir a fabricação de bebidas artificiaes alta- -85- menle alcoólicas e disfarçadas sob a apparencia de vinhos, quando de vinhos não possuem propriedade alguma, nem sequer o álcool ? « Certamente, reconhecido este perigo, semelhante conselho á industria será retirado e convertido em cen- sura. « Invoca-se um dever de patriotismo para desen- volver a industria nacional, sem attender, em primeiro lugar, aos interesses da saúde publica; e nós invocamos um dever de humanidade, que é o mais nobre e mais digno patriotismo, acompanhando as aspirações de povos e governos que pugnam pelos reaes interesses da verda- deira civilisação buscando refrear a Índole pervertida do especulador, que abusa das sãs noções da sciencia, alten- lando, com a sua industria, contra a saúde e afinal contra a vida da população. « Se a nossa pobre população fôr levada pelo ar- tificio, pela astucia do especulador, a consumir toda a aguardente de nossa producção, perguntaremos nós, onde lugar para os nossos alienados? « O Hospício de D. Pedro II multiplicado dez vezes será insuííicienle para receber somente os infelizes desta capital. « O nosso honrado e dislineto collega vai ver os fundamentos das nossas previsões e dos nossos temores na estatistica do seu próprio retrospecto e na estatistica da Junla Central de Hygiene, que temos a honra de lhe apresentar. « Referimo-nos ao consumo de aguardente nesta ci- dade e aos casos de morte devidos a lesões cardíacas, deixando outras moléstias causadas também pela aguar- dente. « Para estribarmos o nosso asserto em autoridades competentes, citaremos as palavras do actual Presidente da Junta de Hygiene. « Diz o honrado Presidente da Junta de Hygiene a pag. 12 do relatório apresentado ao Ministério do Impé- rio em 1884: - 86 - « As lesões de coração vão lambem fazendo grande numero de vidimas, e, sem contestar a opinião dos que sustentam que ao desenvolvimento da prostituição entre nós se deve o desenvolvimento dessas affecções, peço li- cença para altribuil-as a essa luta incessante pela exis- tência, luta que é provocada pelas exigências da nossa crescente civilisação, e ao abuso de bebidas alcoólicas, que importamos e fabricamos no paiz, em grande parte fal- sificadas. » « Ahi deixamos a opinião de pessoa competente sobre uma das causas das lesões do coração, que é o abuso das bebidas alcoólicas. « Agora apresentemos ao nosso honrado collega a tabeliã n. 12 de seu retrospecto sobre o movimento de aguardente de 1876 a 1885, e ver-se-ha que o consumo somente da cidade e subúrbios duplicou em 9 annos : « Consumo de aguardente na cidade e subúrbios « Em 1876............. pipas 10.840 «Em 1885............. pipas 21.093 « Quaesquer que sejam as interpretações destes alga- rismos, elles nos patenteiam crescimento rápido no con- sumo da aguardente e nos conduzem naturalmente a procurar nos effeilos do alcoolismo as conseqüências desse consumo extraordinário. « Contemple agora o collega o quadro da mortali- dade. « Fallecimentos causados por lesões do coração « Em 1883.................... 691 « Em 1885.................... 1003 « Depois dos tuberculos pulmonares, figuram as lesões de coração, como causa de tantas vidimas 1 « E deverá o Governo, e deverá a imprensa, e de- vera a população, diante de semelhante progresso do -87 - consumo do álcool, cooperar para que se consuma ainda mais, tolerando a fabricação de vinhos e outras bebidas artificiaes? « E quer o collega ver o horroroso incremento que vai lendo essa causa de tantas mortes? « E' ao Diário Official de hontem que recorremos para testemunhar o horroroso quadro da nossa morta- lidade. « Ahi se vê o seguinte : « Tuberculos pulmonares............ 67 « Lesões do coração.............. 58 « Affecções do tubo digestivo........ 29 « E' a mortalidade de 15 a 31 de Dezembro de 1885 ! « Se continuar em semelhante progresso tão terrível mal, leremos este anuo 1392 casos de morte devidos em grande parte ás bebidas alcoólicas. » V « Não está seguramente nas intenções do nosso illustrado collega do Jornal do Commercio defender qual- quer industria que prejudique a saúde publica. Entre- tanto, o modo como se exprime deixa duvidas a esse respeito, e os fabricantes de vinhos artificiaes podem julgar-se protegidos pela voz do mais autorísado órgão da imprensa, e talvez pretendam que lhes seja licito e lhes seja honesto fabricar e vender com a denominação de vinhos esses productos de sua fraude. «Importa, pois, esclarecer esta dubiedade de ex- pressões, para que fique bem definido o que é liberdade de industria e o que é liberdade da fraude. « Mostrámos no anterior artigo, com a estatistica da mortalidade e do consumo de aguardente, que o alcoo- lismo vai a passos largos invadindo a população e cor- roendo o corpo social. Diante desses algarismos, parece não haver a menor duvida sobre os effeítos perniciosos das bebidas alcoólicas nesta cidade. Cumpre que a tão grave symptoma se opponha o necessário corredivo, para -88- não chegarmos a essa dolorosa situação de outros povos, que lutam agora com o alcoolismo. «A Republica Argentina e a do Uruguay acabam de tomar enérgicas medidas contra a fabricação e venda das bebidas alcoólicas, prohibindo a industria dos vinhos artificiaes, e punindo severamente os falsificadores. (*) « A Hespanha toma providencias semelhantes. Ordena aos cônsules a mais activa fiscalisação sobre a fraude de vinhos hespanhoes, e promove leis repressivas contra os falsificadores. « A França estabelece o seu laboratório em Pariz e persegue com o maior empenho de zelar a saúde pu- blica, esses industriaes que tudo adulteram, tudo imitam, tudo falsificam. « A Inglaterra tem a sua legislação sanitária com- minando severas penas contra todos os que fabricam e vendem sob falsas denominações quaesquer artigos de alimentação. «A Allemanha, como nos communica o telegrapho, toma precauções enérgicas para combater o alcoolismo. «A Rússia, apavorada com os horrorosos effeitos do alcoolismo, manda fechar cerca de 80.000 casas de vender bebidas alcoólicas. « A Suissa, essa pátria da liberdade, reforma a sua constituição para adoptar medidas promplas contra o alcoo- lismo. É nessa republica, onde ultimamente se disculio a questão, que o Jornal do Commercio pode apreciar a verdadeira doutrina da liberdade de industria e do com- mercio. « Terra da liberdade, a Suissa não admittia exce- pções á liberdade de industria. Mas taes foram os males causados á população pelo alcoolismo, que foi necessário limitar o exercício dessa liberdade, no interesse da saúde e da liberdade publicas. « Em 25 de Outubro deste anuo o povo suisso foi consultado sobre a reforma da constituição, no sentido (*) Chamo a attenção do leitor para o exemplo que nos dão os n vizinhos. -89 - de collocar fora da liberdade de industria a fabricação e venda de bebidas alcoólicas. E o povo suisso, apezar dos esforços dos fabricantes de álcool, approvou, entre outras, a seguinte disposição : « A fabricação e a venda de bebidas disliladas serão d'ora em diante cxcepluadas da liberdade de commercio e de industria. » « Se, n'um paiz livre como a Suissa, se reforma a constituição para limitar a liberdade de industria, como desejar o collega inteira liberdade para as nossas fa- bricas ? » VI « O exemplo da Suissa, recorrendo a um plesbis- cito para restringir a liberdade de industria que permittia a fabricação e venda de bebidas alcoólicas, deve convencer o nosso honrado collega do Jornal do Commercio da im- procedencia, ou para adoptarmos as suas próprias pa- lavras, da confusão de idéas que sobre liberdade de industria e de commercio proclama em seu retrospecto. « E porque o assumpto de que nos occupamos é da mais alta importância social, não cessaremos de chamar para elle a attenção do poder publico, insistindo na dis- cussão dos effeítos do alcoolismo. « Nunca serão por demais discutidos todos os pro- blemas referentes á hygiene publica, principalmente aqui e agora, que as autoridades sanitárias procuram melhorar esse alé hoje tão esquecido e descurado serviço, a que os governos devem prestar o mais prompto e decidido apoio seguindo os conselhos da sciencia. « A nossa Junta de Hygiane tem sido um verdadeiro joguete nas mãos do Governo, que faz de seus conselhos o que entende e quer, approvando-os, ou esquecendo-os, ao seu sabor, ou antes, ao sabor muitas vezes de ridí- culos interesses de política, entregando a população aos ardis criminosos do especulador, que lhe propina veneno ás mãos cheias á luz do dia, affrontando a lei, a au- toridade e a scienoia! « Não basta que um Governo diga ao povo—acau- - 90 - tela-te contra o fabricante de álcool, que te está enve- nenando I « E' necessário que um governo diga a esse fabri- cante—detém o teu passo, porque não pode ser licito nem honesto altenlar conlra a saúde do povo, dando-lhe álcool com a denominação de vinho ! « Já nos referimos aos casos de morte que o al- coolismo tem rapidamente augmentado nesta cidade, e agora mostraremos também como a mortalidade das crianças cresce de um modo assustador, e lemos o di- reito de invocar para esse phenomeno a attenção dos poderes do Estado, não já pelo amor de humanidade, protegendo a vida de tantas crianças atiradas á sepul- tura pelos effeítos do alcoolismo, mas dirigindo-nos ao Governo, pelo interesse do Estado, que precisa de braços. « Abramos o relatório da Junta Central de Hygiene dirigido pelo seu Presidente ao Governo Imperial. Ainda que estes documentos oíüciaes que demandam grande trabalho e não pequena despeza, raras vezes guiem os poderes públicos, examinemos e exponhamos aos olhos do povo as reílexões que o honrado Presidente da Junta faz acerca da mortalidade das crianças. « Diz esse documento apresentado ao Ministério do Império em 15 de Abril do corrente anuo: « Occupar-me-hei neste momento de um facto, que tem attrahido a nossa attenção e que se impõe natural- mente á attenção de todos. Refiro-me á mortalidade das primeiras idades. Houve, de 1 a 7 annos, 2.:i94 mortes I E' muito em um total de 9.813 óbitos e para uma po- pulação de 400.000 almas. » «Esta assustadora mortalidade de crianças requer sem duvida a attenção do Governo e de todas'as pessoas que não têm de lodo embolado o sentimento da huma- nidade. « Entre as causas dessa grande mortalidade de crianças, que podem ser muitas, nós apontaremos a que tem pro- vadamente relação com o alcoolismo, e, como não temos autoridade, auxiliar-nos-hemos da que nos offerece o Dr - 91 - Levy, dislinclo hygienista. Diz esse autor que o alcoolismo não só conduz á loucura, e ao suicídio, como é a causa mais poderosa da depravação physica e moral das raças e das famílias, degenerando a prole e portanto dando nascimento a esses organismos cnfesados, rachilicos, escro- fulosos, anêmicos, sem idéas e sem energias. « Morei, divide em três categorias os nascimentos dessas infelizes crianças, do seguinte modo : « 1.° Crianças normalmente desenvolvidas, mas com o systema nervoso de uma sensibilidade exagerada; « 2.° Tendências perversas, aberração de sentimentos, preguiça, vagabundagem, indivíduos que enchem as casas de detenção; « 3.° Seres completamente degenerados, epilépticos, imbecis ou idiotas. « E' por ver estes falaes effeítos do alcoolismo, que todos os Governos, dando ouvidos aos conselhos dos hy- gienistas, cercam de garantias a saúde do povo, repri- mindo essa liberdade de industria de que abusa o fabri- cante de álcool, para envenenar os incautos. « O procedimento, pois, que acabam de ter o Governo e o povo suisso é digno de ser imitado, e merece as bênçãos da humanidade. « A Suécia, a Noruega e Finlândia conseguiram tam- bém reprimir essa industria perigosa, e tão enérgicas medidas puzeram em execução que venceram esses ini- migos terríveis do bem publico. « O seguinte quadro mostra a espantosa reducção que tiveram as fabricas de álcool nesses paizes: 170.000 fabricas 300 » 1.387 » 25 » 35.000 » 66 » « Vê o nosso honrado collega do Jornal do Com- mercio que, sendo laes os esforços empregados por tantos governos para debelar o alcoolismo, não é justo que fi- A Suécia tinha em » Noruega » » » » » Finlândia » » » » 1830. 1881. 1840. 1871. 1865. 1882. -92- quemos expostos aos seus estragos sociaes, permiltindo. como quer o collega, a liberdade de industria para os fabricantes de álcool. « Não. Essa liberdade precisa ser limitada, como a nossa Constituição o exige, e como o interesse da saúde o está requerendo. » Vil « Dissemos nos anteriores artigos que o Jornal do Com- mercio animava e incitava a fabricação dos vinhos arli- ficiaes, e sendo essas bebidas o vehiculo de altas doses do álcool no consumo da população, mostrámos os perigos do alcoolismo e fizemos ver como outros governos tratam de combater com toda a energia esses perigos. « Ficou também evidente que a liberdade de industria e de commercio não pôde acolher á sombra de sua ban- deira esse nefando e abominável crime de falsificar as bebidas, como são os vinhos artificiaes. « Agora citaremos as palavras do nosso honrado collega do Jornal, para que o seu pensamento seja bem apreciado : « E' justa a censura, diz o collega, como já tivemos occasião de dizer aos fabricantes que trabalham no paiz por não ousarem apresentar os seus productos com a declaração leal da respectiva procedência, e é merecedor de punição severa o que illude o consumidor, vendendo o producto da canna (*) com o rotulo falso de producto de uva. « Se, porém, como asseguram autoridades, o álcool de canna rectificado, que dos nossos engenhos centraes vem ao mercado, goza de propriedades taes que o espirito de vinho da própria uva não se lhe avantaja, empregue-o (*) Nenhum o vende senão como vinho de uva; isso é sabido e o Jornal mesmo o não ignora, demais mesmo vinho de canna não se pôde chamar á esse producto, porque o producto da fermentação do sueco da canna dá a cachaça por distillação, nem elles empregam o sueco, que não fornece bebida fermentada potável, e sim o assucar que delle éextrahido. -93 - francamente o fabricante, procure aperfeiçoar o seu pro- ducto para tornal-o acreditado debaixo do verdadeiro nome, e se puder entregal-o ao consumo por preço commodo, sahirá vencedor da lula contra preparações de base duvidosa, se não nociva. » « A questão de saúde publica é, como se vê, in- dilferente ao Jornal. Comtanto que o álcool de canna seja tão bom ou melhor do que o álcool de vinho, o mais pouco importa. Oi nossos engenhos cenlraes estão trabalhando. Produzem já muito álcool e nós precisamos consumil-o, ainda que nos consumamos. Emquanto não exportarmos esse álcool, queimemos os intestinos e os estômagos da população. « Estranhas doutrinas, e ainda mais estranhos con- selhos ! « Em vez de pregar industria licita contra industria licita, aconselha fraude contra fraude, e promette ao nosso fraudulento que elle sahirá vencedor da luta contra o fraudulento estrangeiro, se puder entregar o seu producto ao consumo por preço commxlo. « Embora o collega declare não dar guarida á fraude a fraude é por elle animada quando diz que é licito e é honesto fabricar c vender bebidas de qucdquer espécie com a denominação de vinho. De sorte que fabricar e vender álcool eom a denominação de vinho, é licito e é honesto! « Mas, felizmente, para a boa causa, temos as pa- lavras do Jornal contra o próprio Jornal, E' o retros- pecto de 1884 contra o retrospecto de 1885. Hontem a fraude era abertamente condemnada, hoje a mesma fraude acha meios o modos de ser licita e ser honesta. « O retrospecto de 1884 dizia: « Os meios artificiaes nada cream de estável no commercio. A fraude não pôde encontrar attenuantes, queasquer que sejam os pretextos de que se sirva. » -94 - « O retrospecto de 1885 diz : « Queremos a liberdade de industria e queremos que os fabricantes de vinhos artificiaes não sejam vexados. » « E porque ao usadia da fraude, que é a da fabricação artificial de vinhos, pareça humilde e timorala o Jornal do Commercio volta-se para os fabricantes e pergunta-lhes: « Porque não ousais apresentar os vossos productos, productos da fraude, com a declaração leal de sua pro- cedência, procedência do álcool? » (*) « Santa ingenuidade ! Pedir ao falsificador que ouse ser honesto ! » VIII « Para que o seu silencio não fosse considerado assenlimenlo, o Jornal do Commercio julgou dever de- clarar hontem que a fraude c a falsificação nunca tiveram nelle apoio nem mesmo indulgência, e como remate de sua declaração promette todo apoio á propa- ganda em favor das medidas repressivas contra os falsi- ficadores, taes como a Suissa acaba de adoptar, sendo a primeira a seguinte: « A denominação de vinho é reservada ao producto da fermentação do sueco da uva fresca. » «Já o havíamos dito por mais de uma vez: nas intenções do Jornal não podia entrar o desejo de apoiar a fraude. Mas como de suas palavras a fraude podia inferir apoio á sua industria, tomamos o encargo, que nos é imposto pelos deveres da imprensa, de reduzir o (*) E' fácil responder ao Jornal dizendo-lhe que nesse caso o producto não teria extracção, e o fabricante não hade vender cachaça a quem quer comprar vinho, sem baptisar a cachaça com a denominação de pro- ducto da uva, - 95 - sentido daquellas palavras ao seu verdadeiro valor, par- tindo nas mãos dos falsificadores as armas de que ousa- riam servir-se no unico intuito de seus interesses, e em prejuízo evidente da saúde publica. « Parece-nos haver tentado cumprir esse dever, não defendendo, como o Jornal, outros interesses que não sejam os do bem publico, e corroborando a nossa opinião, como o Jornal, com a de autoridades valiosas e desinteressadas. « Ao exemplo da Inglaterra sobre o café de tamaras, que poderia citar o Jornal em seu apoio, nós podemos oppôr o exemplo da França, mais recente, sobre o café de cereaes. « O Ministério da Justiça, em França, desejando conhecer as fraudes commerciaes descobertas pelos ins- pectores de pharmacia, recebeu do Ministério do Com- mercio, acerca do café, o respectivo relatório contendo a opinião da Junta de Hygiene Publica. « Nesse notável documento, em que a sciencia mostra esforçar-se por acompanhar e sorprehender os falsificadores das substancias alimentares em seus aperfeiçoados pro- cessos chimicos, os commissarios Ambaud, Gavarret, Chalin, emiltem o seu parecer do seguinte modo : « Não se poderá admittir, tanto para o café, como para o vinho, que a sua cor seja dada por matérias corantes estranhas. Como o vinho, o café oecupa um largo espaço na alimentação, em que deve entrar com suas qualidades nutritivas e hygienicas bem conhecidas. » « E concluem propondo : « 1.° E' prohibido dar o nome de café a qualquer outro frueto que não seja o do caféeiro; « H.° E' prohibido vender sob o nome de café e sob qualquer fôrma que seja, toda a mistura de café e de substancias estranhas, taes como caramelo, cereaes, etc. » « Vê-se que por toda a parte do mundo os falsifica- dores erguem a fronte, e falsificam, desde a eslampilha até á nota do Thesouro, desde o pão até ao vinho. - 96 - « Portanto, o que nos cumpre a nós todos é pedir severas leis e rigorosas punições, e de modo algum dar guarida e tratar com indulgência o falsificador. « A Suissa lula com os horrendos efíeitos do alco- olismo, e procura, não augmento de impostos, mas au- gmento de moralidade e de bons costumes nessas infe- lizes classes victimadas pelo uso e abuso do álcool, puro ou impuro, de cereaes ou de qualquer outra origem. « Ficando supprimidos os direitos de entrada e os do ohmgeld sobre os vinhos de seus 25 cantões, a Suissa destina 10 °j0 das taxas sobre a distillação indígena para combater o alcoolismo em suas causas e em seus ejfeitos. « Promette-nos o Jornal o seu apoio á propaganda em favor das leis suissas. Aceilamol-o de bom grado. « Fique, porém, prevenido contra os ardis dos fa- bricantes de álcool, e reconheça que os vinhos artificiaes não são senão o próprio álcool disfarçado em vinho. « E a este propósito daremos a ler ao Jornal as palavras do Sr. Emilio Bonjour, que resumem os ataques dos fabricantes e a opposição ás novas leis da Suissa. « Diz elle : « Não nos alongaremos sobre as objecções sem nu- mero feitas ao projecto das câmaras pelos cíistilladores e pela maior parte do partido dos operários. Hoje é cousa julgada. O argumento mais explorado e que se quer fazer pagar mais caro ao pobre o seu calix de álcool. « Os cíistilladores, naturalmente, fizeram á lei vi- gorosa opposição, mas o povo suisso não se deixou levar por declamações e votou a lei que prohibe essas fabricas de venenos. » IX « Disse o Jornal do Commercio no artigo que nos dedicou em sua Secção Commercial do dia "20 que a « Suissa resolveu recentemenle impor pesadamente sobre o álcool proveniente do estrangeiro não só com o fim de combater a horrenda praga do alcoolismo, mas lambem para dar aos cantões novas fontes de renda em substi- -97- tuição do ohmgeld, ou imposto de consumo, cobrado pelos cantões, que é um dos mais abundantes recursos e que por disposição da Constituição federal deve cessar em 1890. » « Se a Suissa houvesse effedivamente decretado so- bre o álcool proveniente do estrangeiro imposto mais pe- sado, como se vê no período transcripto, do que sobre o de fabricação indígena, poderia talvez ser opportuno e significativo o gripho, como que inculcando ser tolerável, menos nocivo e até patriótico o alcoolismo, quando é proveniente de álcool nacional. « Mas a Suissa não se preoccupa da origem do álcool. Não quer saber se elle é proveniente do estrangeiro ou se é indígena. O que importa á Suissa é combater os effeítos do alcoolismo, e diante deste sagrado e im- perioso dever de todos os governos, ella não indaga se a industria nacional soffre, porque acima do interesse das industrias está o interesso da saúde do povo. « Depois de aturados estudos, largas discussões, extensos relatórios, as câmaras federaes entenderam que o meio de combater o alcoolismo era favorecer o con- sumo de bebidas sãs e diüicuUar o das bebidas nocivas. E para esse fim supprimiram os direitos de consumo do vinho, abolindo o ohmgeld. « Pela suppressão desses direitos o orçamento era desfalcado, sem duvida, mas o imposto sobre o álcool, tanto estrangeiro como indígena, sendo repartido por todos os cantões, era destinado a acudir a esse desfalque das rendas. « Entre as disposições legislativas que as câmaras federaes submetteram em 25 de Outubro do anuo pas- sado á approvação popular vemos a seguinte: << 5.° As receitas líquidas da Confederação prove- nientes das taxas sobre a distillação indígena e a ele- vação correspondente dos direitos de entrada serão distri- buídas entre todos os cantões proporcionalmente á sua população. Os cantões são obrigados a empregar pelo -98 - menos 10 °/0 das receitas para ombatcr o alcoolismo em suas causas e em seus effeítos. » « Por esta disposição vê-se que a Suissa com igual empenho eleva os direitos de entrada do álcool e de- creta pesados impostos sobre a distillação indígena. « Attende á economia dos cantões repartidos por elles o producto das novas taxas, presta homenagem a um sentimento nobre de humanidade mandando que 10 °/0 dessas taxas sejam applicadas a soecorrer as vidimas do alcoolismo, c facilitar o consumo de bebidas sãs como o vinho, supprimindo os direitos interiores, os ohmgeld. «Sabendo disto, o Jornal pergunta-nos: mas que tem isto, com a questão dos vinhos arlihciaes? « Na verdade julgamos que não tem nada. O al- coolismo nada tem com os vinhos artificiaes. Os vinhos artificiaes é que talvez tenham muito com o alcoolismo. « Semelhante estranheza não nos maravilha, quando é sabido que no mesmo artigo a que respondemos o Jor- nal do Commercio, definindo mais uma vez a sua política na questão dos vinhos artificiaes, declara peremptoria- mente que « considera industria licita e honesta o fabrico a venda de vinhos arlificiaes, comtanto que no preparado (é vinho ou preparado?) não sejam empregadas substan- cias nocivas e que a procedência do producto seja leal e explicitamente declarada. » «Ora, nós perguntaremos ao Jornal do Commercio: « Qual é a denominação que se ha de dar a esse preparado, a esse producto, para que leal o explicita- mente se lhe declare a procedência ? « Donde procede ? De quem procede ? De que pro- cede esse preparado? « Desafiamos o Jornal do Commercio, como a qual- quer pessoa honesla e que conheça o que seja industria licita, a dizer-nos—qual é a denominação que propria- mente indique a procedência de semelhante producto, de um tal preparado ? -99- << Se o fabricante declara lealmente a procedência do seu preparado, ninguém lh'o compra, e ahi lemos por terra a industria. « Quem comprará ao fabricante o seu producto para o consumir, sabendo como elle é feito, de que drogas procede, e tudo isto declarado leal e explicitamente no rotulo da garrafa ou barril que encerra esse producto? « Semelhante rotulo, para indicar a composição do producto, seria uma verdadeira formula de pharmacia, e nesse caso a Junta de Hygiene teria de ser ouvida. «Quererá isto o Jornal do Commercio? » X « Tendo-se referido os honrados Srs. Barão de Ibi- turuna e Conselheiro Caminhoá ao alcoolismo na Aca- demia Imperial de Medicina, é necessário que a opinião autorisada de tão eminentes hygienistas seja objedo de consideração, e é o que passamos a fazer. « Disse o Sr. Conselheiro Caminhoá : « Não pôde concordar com a opinião dos philan- tropos, que acreditam que a prohibição da venda dos vinhos artificiaes faça diminuir o alcoolismo, porque o vicioso que não tem vinho bebe cerveja ou aguardente, mas não abandona o vicio. » « Temos dito por muitas vezes, e o repetiremos até á saciedade, que os vinhos artificiaes são uma das causas do alcoolismo que tantos estragos vai fazendo nesta ci- dade, pela grande quantidade de álcool que encerram, e pelo disfarce que tomam de vinho, sendo própria aguardente. « O vinho artificial é um vinho barato, e, portanto, de que se faz uso em grandes porções. O indivíduo que toma um copo desse vinho ha de sentir forçosamente os effeítos da elevada dose do álcool que elle tem, dose tão elevada como a da própria aguardente. Em vez de um copo de vinho, esse indivíduo tem ingerido, pois, um copo de aguardente. - 100- «Ha, certamente, vinhos naturaes de tanta força alcoólica é que podem causar os mesmos effeítos como o vinho artificial, se fossem usados nas mesmas porções. Mas o preço de taes vinhos, chamados generosos, velhos, limita aos 'ricos os effeítos do seu uso, isto é, o preço impede que elles sejam tomados em alta dose, e, portanto, o alcoolismo causado por elles é menos fatal e perigoso á sociedade. O alcoolismo, que é uma verdadeira chaga social, é esse causado pelas bebidas baratas, que por toda a parte os distilladores fabricam. « O vinho artificial sendo, pois, a própria aguar- dente, illude o consumidor, que sem ser vicioso se está viciando. « Por que não vender a aguardente pura ? Por que mudar-lhe a cor e o nome chamando-a vinho? « A razão é simples. E' porque o falsificador, por este processo fraudulento, augmenta o consumo dos seus productos. Aos que lhe pedem aguardente dá-lhe aguar- dente, aos que lhe pedem vinho dá-lhe a mesma aguar- dente com a côr do vinho ! « E ahi está a causa do alcoolismo que invade a passos largos a nossa população. « O Sr. Conselheiro Caminhoá não pôde, como hy- gienisla, abandonar o vicioso ao seu vicio. E' obrigado a procurar os meios de minorar senão de extinguir esse vicio. E esses meios a sciencia lh'os ensina: é proteger as bebidas puras, naturaes, e combater as artificiaes. « O Sr. Barão de Ibituruna disse: « Não se deve condemnar em absoluto os vinhos ar- tificiaes, desde que o consumidor sabe que faz uso delles como taes; supprimidas as fabricas do paiz, não faltarão as do estrangeiro para supprirem o mercado de bebidas, que talvez mais nocivas e sob a denominação de vinhos, virão, além dos damnos que podem acarretar á saúde publica, prejudicar a industria nacional. » « E um dos mais lamentáveis preconceitos, este de que o Sr. Barão de Ibituruna se mostra dominado, e -101 - que infelizmente domina alguns honrados membros da Academia. « Uma cousa é hygiene, outra cousa é industria na- cional. « Se, para protegermos a industria nacional, sacri- ficamos a saúde do povo, façamos obra completa: é pro- hibir a entrada no Brazil de'quaesquer bebidas alcoólicas estrangeiras. « Se os vinhos que recebemos de Portugal, da França, da Hespanha, da Itália, são todos falsificados, são arlificiaes, para que deixarmos entrar aqui esses vinhos ? « Deixar entrar esses vinhos falsificados, para termos o direito de os falsificar também, é querer justificar um abuso com outro abuso. E o Sr. Barão de Ibituruna não pôde, como hygienista, sustentar semelhante propo- sição . « Se a industria nacional é a nossa preoccupação, se entendemos que essa fraudulenta fabricação de vinhos artificiaes é industria nacional e que ella deve ser pro- tegida, ainda mesmo em prejuízo da saúde publica, o unico procedimento que devemos ter é a decretação im- mediata da seguinte lei: « Attendendo aos interesses da industria nacional fica prohibida a entrada nas alfândegas do Império aos vinhos estrangeiros. (*) « E a este decreto não pôde recusar a sua assigna- tura o Sr. Barão de Ibituruna. » (*) Seria preciso acerescentar um artigo: Fica prohibido o cultivo da vinha em território brazileíro. "x7"II As analyses dos vinhos dos falsificadores. (*) Um dos redudos em que os falsificadores se têm acastellado é a analyse chimica. Elles bem sabem que nem ahi se podem defender com vantagem, mas esperam cançar o sitiante, como se fosse possível cançar quem é animado pelo zelo dos prin- cípios scientificos e, mais ainda, pelo sentimento patrió- tico de desmascarar meia duzia de especuladores estran- geiros que pretendem manchar a honra da pátria, ferindo-a no que ella mais estremece — a industria. Quando nos faltarem as forças alguém ha de saber não deixar cahir a nossa bandeira, porque está escripto que a verdade ha de vencer. Vamos fazer quanto em nós caiba para emittir o menos possível juizo nosso, mas, somos forçados a declarar que sem attenção a consideração de espécie alguma ne- nhum conceito se occultará nas dobras de nossa con- sciência. O que julgarmos dil-o-hemos sem rebuço, quaesquer que sejam as susceptibilidades que possamos offender, qual- quer que seja o desgosto causado a quem quer que seja. Se defendêssemos uma causa nossa tínhamos o di- reito, senão mesmo o dever, de não abrir este capitulo (*) Em lugar opportuno nos referiremos ao attestado de Girard. — 104 — da historia da falsificação, para emittir juizo que dese- jaríamos occultar por uma razão pessoalmente sagrada. Mas não defendemos causa nossa; a causa é da pátria. Envenenar um povo é feril-a de morte. Manchar a sua industria ó deshonral-a e empo- brecel-a. Envenenem de viseira erguida; tenham a cobarde coragem de Nero e talvez entoássemos o morituri te sa- lutant, mas não propinem veneno á sombra da industria, porque havemos de arrancar a mascara, para apresentar ao publico o envenenador em toda a sua hediondez, sem perguntar quem a afivelou e muito menos ainda quem deixou de a arrancar, tendo ao alcance das mãos o producto do falsificador no laboratório. Uma das analyses, que os falsificadores mais têm en- deosado e de que mais se têm servido para annuncio de suas drogas venenosas, é firmada pelo Sr. Dr. Borges da Costa, a quem se não nega competência. No Paiz de 22 de Janeiro do corrente encontramos algumas dessas analyses insertas no seguinte artigo dos Srs. Fritz Mack & C: QUESTÃO DOS VINHOS Fritz Mack & C, successores de C. Schuman & C. Analyse feita por denuncia do Centro Commercial de Molhados em duas amostras de nosso — Vinho de Canna, remettidas pelas alfândegas da Bahia e Pelotas. « Vinho branco : (da Bahia). « E' límpido, de côr amarella pardacenta, cheiro ai- -105- coolico, gosto adocicado e levemente ácido; densidade — 1,002 a 29°; gráo alcoometrico—19° °/0. « Nas cinzas provenientes da evaporação de 500 cent. cúbicos, os meios analyticos conhecidos não manifestaram a existência de metaes tóxicos, como chumbo, cobre e zinco. «O producto da distillação do vinho, acidulado pelo ácido azotico, não precipitou pelo azotato de prata, indi- cando ausência de ácido chlorhidrico. « O resíduo da evaporação de 200 cent. cúbicos de vinho foi tratado pelo álcool a 90° e este evaporado em presença de uma pequena quantidade d'agua; a solução obtida não precipitou pelo chlorureto de baryo, denotando que não existe ácido sulphurico livre. « A 30 centímetros cúbicos de vinho ajuntámos al- gumas gottas de ácido sulphurico e agitámos o liquido com elher; a camada etherea foi decanlada, evaporada e o resíduo posto em contado com uma solução diluida de perchlorureto de ferro; a coloração violete, indicadora da presença do ácido salicylico não se manifestou. « A acidez do vinho em questão é devida em grande parte ao ácido acetico, proveniente da acetificação de uma parte do álcool, durante a fermentação. « Vinho tinto: (da Bahia). «E' límpido, de côr vermelha, vinosa; cheiro al- coólico, sabor um tanto doce e acidulo: densidade — 0,987 a 29°; gráo alcoometrico— 1908°/o—O mesmo processo analytico anteriormente empregado demonstra a ausência de metaes tóxicos, de ácidos mineraes e de ácido salicylico. « A côr é devida á addicão de althéa rosea e bagas de sabugueiro, não existindo fuchsina, o que ve- rificamos do seguinte modo: a 50 cent. cúbicos de vinho addicionaram-se 10 cent. cúbicos de sub-acetato de chumbo liquido, de densidade— 1,320; aqueceu-se sem fazer ferver e filtrou-se ; ao liquido, depois de frio, ajunlaram-se 10 gottas de ácido acetico e 10 cent. cúbicos de álcool amylico e agitou-se vivamente; pelo repouso o álcool amylico reunio-se na parte superior e conservando-se incolor. - 106 - « Vinhos branco e tinto : (de Pelotas). « As amostras dos garrafões apresentam os mesmos caracteres organoleplicos que os da Bahia. «O vinho branco tem por densidade 0,992 a 29°; gráo alcoometrico 18°, 3 0/„- «A densidade do tinto 0,986 a 29°; gráo alco- ometrico 19°, 3 °/0. «Os meios analyticos descriplos lambem não de- nunciaram metaes tóxicos, ácidos mineraes, ácido sali- cyco, nem fuchsina, sendo a coloração do vinho tinto de- vida ás bagas de sabugueiro e althéa rosea. « Quanto ao vinho contido nas meias garrafas, em conseqüência de sua diminuta quantidade, limitámo-nos a examinar as substancias corantes, que reconhecemos serem as mesmas que as dos outros vinhos mencionados. « Do exposto vê-se que as amostras em queslão dos chamados vinhos de canna, não contém subsiancias tóxicas ou nocivas á saúde. « Rio de Janeiro, 26 de Março de 1885.— Dr. José Borges Ribeiro da Costa, inspector do Laboratório de Hy- giene da Faculdade de Medicina. » Como se vê, o illustre inspector do Laboratório de Hygiene analysou vinho branco e tinto apprehendidos na Bahia e Pelotas. Parece á primeira visla que a analyse dessas amos- tras, não podendo ser suspeitas de serem proposilalmente enviadas para serem apprehendidas, deve regular toda a producção dos Srs. Fritz Mack ã C, mas assim não é. De facto, admittido que a analyse falle em favor desses vinhos, a maior parte do vinho fabricado é ven- dido para o interior, operação, que a principio era feita por intermédio dos molhadistas, e que hoje elles a fazem directamente. Esse vinho está fora do alcance das denuncias do Centro de Molhados de que se queixam os falsificadores. -107 - Sabido (pie os falsificadores se servem de fuchsina de que já deram ha pouco exemplo os Srs. Fritz Mack & C, importando essa substancia de Hamburgo, como ficou provado pela apprehensão da Alfândega, é força con- cluir que ella é utilisada para colorir os vinhos desti- nados ao interior, a menos que os Srs. Fritz Mnck & C. não se sirvam do tardio expediente de fazer crer que essa matéria corante, que a Alfândega apprehendeu não era destinada a colorir os vinhos, mas sim a marcar volumes. Mas as analyses não são tão favoráveis como parece aos Srs. Fritz Mack & C. que dellas se sirviram, bem como do nome do Sr. Dr. Borges da Costa, para a re- clame de seu viuho falsificado e isso, dizemol-o com pezar, sem que esse cavalheiro protestasse contra o papel que o fizeram representar na noticia do Almanak Laemmeii, cuja procedência toda gente conhece. Nada ha mais fácil do que se fazer elogiar pelo Almanak, mas esse elogio assume certa gravidade quando é feito do modo porque o foi ; e o Sr. Dr. Borges da Costa devia ler protestado, aílirmando não ser exacto que a perseguição movida contra os vinhos de canna do im- portante estabelecimento deva ser considerada acabada e vencida pelos favoráveis resultados da analyse que nos ditos vinhos de canna da referida fabrica (Fritz Mack & C) S. S. procedeu. Abusaram de certo de sua boa fé, fazendo uma de- claração para que não estavam autorisados, certos de que S. S. não leria o Almanak, mas, esse annuncio veio transei ipto no Paiz de 15 de Janeiro do corrente, com a declaração da procedência, onde com certeza o Sr. Dr. - 108 - Borges da Costa o leu ; e, se o não leu, aqui o trans- crevemos para que S. S. o leia e proteste contra a exploração de seu nome, senão nos enganamos quando- o não julgamos capaz de consentir na inclusão de seu nome feita do modo porque o foi: QUESTÃO DOS VINHOS Fritz, Mack & C. « Os vinhos de canna deste importante estabeleci- mento, que occupa cerca de 100 empregados, foram premiados em todas as exposições da Industria Nacional e a elles foi conferido na ultima exposição de 1881, como a maior distincção, o diploma de progresso. «Tal successo, naturalmente, os importadores de vinhos estrangeiros (em grande parte também artificiaes) não poderam ver com bons olhos e é esta a razão da per- seguição que esta industria tem soffrido nos últimos tempos, perseguição que se deve considerar acabada e vencida pelos favoráveis resultados da analyse que nos vinhos de canna da referida fabrica procederam os illus- tres chimicos Dr. Borges da Costa, Inspector do Labora- tario de Hygiene e Dr. Theodoro Peckolt, perito da Al- fândega. « Os fabricantes do dito vinho de canna, cuja matéria prima é unicamente um producto da lavoura, tem um verdadeiro mérito, não somente por ter creado uma nova industria nacional, como também por ter dado um novo canal de consumo para os productos agrícolas. « A marca e os rótulos da fabrica acham-se devi- damente registrados no Tribunal do Commercio. « Levados pelo desejo que o seu producto, que até agora só se vendeu em barris e pipas, também fique conhecido e apreciado por famílias e particulares, os fabricantes resolveram vender o seu vinho de canna, também engarrafado, esperando assim que elle se torne pouco a pouco uma bebida popular. » (Extr. do Almanak Laemmert.) -109- As analyses do Sr. Dr. Borges da Costa não jus- tificam os dizeres do annuncio do Almanak, pois S. S. diz que a acidez do vinho branco da Bahia é devida em grande parte ao ácido acetico, proveniente da acetificação de uma parte do álcool durante a fermentação, sem en- tretanto determinar o gráo de acidez, nem nos orientar acerca da procedência da parte ácida que falta, affirinando somente não ser ácido sulphurico, nem chlorhydrico ou salicylico. Sobre a matereria corante desse vinho o Sr. Doutor nada diz. Affirma ser a côr do vinho tinto da Bahia devida á althéa rosea e bagas de sabugueiro, sem nos dizer por que processo chegou a reconhecer e a discriminar a al- théa rosea e a baga de sabugueiro, o que não seria ex- tranhavel se não tivesse dado o processo pelo qual não descobriu a fuchsina, para que ficássemos certos de que a dyagnose não se fizera por exclusão. No vinho tinto apprehendido em Pelotas a mesma carência de informações. De analyses assim imperfeitas não se podia concluir, como S. S. concluio, « que as amostras em questão dos chamados vinhos de canna, não contém substancias tóxicas ou nocivas á saúde. » O Sr. Doutor tirou uma conclusão que não estava nas premissas, pois o Sr. Dr. Borges não pôde aflirmar ser essa droga innocenle a menos confusão entre os termos: — tóxico e nocivo á saúde—. Esse vinho pode não ser tóxico, mas é com certeza nocivo á saúde pela sua acidez, pela sua alcoolisação e provavelmente pela existência de outras drogas, entre - 110 - ellas o alumen, cuja presença o Sr. Doutor nem affirma nem nega, o que faz suppor que as não procurou. Quando estivéssemos entretendo o leitor com diva- gações infundadas, e a tisana, que o Sr. Doutor analysou tão perfunetoriamente tivesse a innocencia da água dis- tillada em pequena dose, ainda assim era prejudicial á saúde por não corresponder ás qualidades therapeuticas e dietelicas do vinho, que essa lisana pretende fraudu- lentamente imitar. Essa analyse por seus deffeitos provocou reparos em artigos assignados por Macrolah, alguns de cujos trechos vou transcrever: « Segundo analyses feitas por differentes chimicos, o ácido acetico que em pequenissima quantidade existe no vinho de recente fabricação, etherisa-se, desappare- cendo assim a sua leve acidez. « Filkol, dando conta de vinho de 22 (HíTerentes localidades da Gironda, não falia de ácido acelico. «Bouchardat, em quatro qualidades de vinho do Rheno, não dá a existência de ácido acetico. « Neumann também não falia de ácido acetico a respeito de 27 qualidades de vinhos de differentes pro- cedências, dellas fazendo parte o — Madeira, o branco e o tinto. « Braconnot, Fauré, também em analyses que fizeram, não dão noticia da existência de ácido acetico. « No vinho de Borgonha Bouchardat encontrou ether acelico e não ácido acetico; e ácido acetico está para o ether acetico como o ácido sulfurico está para o sulfato de sódio (por exemplo). « Segundo Maumené, a composição geral dos vinhos encerra mais de 40 substancias que elle denomina, uma por uma. Verdade é que, segundo este analysta, uma pequena quantidade de ácido acetico existe no estado de liberdade : mas é preciso que se nole, como é de in- tuição chimica: — Ou essa pequena quantidade de ácido -111 - acetico livre é a que se revela n'um vinho de recente fabricação, e que ainda não se etherificou á custa do álcool (do próprio vinho) ; ou então esse ácido acetico é uma denuncia de que o vinho propende para a ace- tificacão do álcool (do próprio vinho) pelo desdobramento desse álcool, passando de C2 H6 O a C2 H4 O2. « Ora, o ácido acetico existe no vinho, em virtude do que fica dito, ex accidente. «Entretanto, das analyses de dous vinhos dos vinha- teiros do Rio de Janeiro, conforme está afiirmado oíücial- menle no Jornal do Commercio de 4 do corrente mez — a acidez desses vinhos é devida ao ácido acetico: ora, ácido acetico é... vinagre. « Perguntamos, pois: « Ha por ahi, pelo vulgo mais ignorante, quem dê o seu consenso ao uso de um vinho avinagrado ? « E não é só isso o que caraclerisa esses optimos vinhos. . . «E, todavia, os Srs. vinhateiros, muito anchos de si, se congratulam com as analyses feitas por ordem do Governo, analyses que são a completa condemnação da sua boa industria! Isto é que é andar o mundo ás avessas. » (*) As analyses ciladas, feitas pelo Sr. Dr. Borges da Costa, a impassibilidade de S. S., ante a exploração de seu nome, justificam o seguinte trecho que ainda transcrevemos: « Vinho avinagrado, artificialmente feito e bombasti- camente denominado nacional, é o vinho que os vinha- teiros da cidade do Rio de Janeiro entregam ao consumo publico. E nem é permittido a elles indisporem-se com esse qualificativo avinagrado, visto que este surge livre e immediatamente do parecer da Junta de Hygiene Pu- blica, (**) e com o qual se conformam sem a mínima objecçáo. (*) O Paiz de 15 de Novembro de 1886.— Macrolah. {**) Do Laboratório de Hygiene. -112- « Em vista disso, conclue-se que a fabricação desse vinho se faz de modo que —ou o vinagre durante ella se origina por incapacidade technica dos Srs. vinhateiros,— ou o vinagre é adjunto necessário á sua mistura de fezes de assucar. « Com este dilemina, que não vem dos escuros do sophisma, que é de leal argumentação e que apenas exhibe pontinhas de alfinetes, não se podem offender os Srs. vinhateiros, mesmo porque a couraça que os de- fende é feita de especial liga —liberdade e industria -— fundidas a geito de sua alchimia cenologica. Todavia, essas pontinhas não se embotam e servem ellas para instigar os poderes públicos afim de que, terminante- mente se mandem fechar essas fabricas de apuradissima arte vinícola. « Quando o Governo concedeu licença para que essas fabricas pudessem funccionar, (*) foi na persuasão de que ellas corresponderiam á expectativa, mas não correspon- dem, e em sentido nenhum ; pois saúde publica, razões econômicas, razões industriaes e moraes estão sendo im- moladas pelo cutello dessa desalmada industria de vinhos artificiaes nacionaes. « Se o povo pudesse distinguir esses pérfidos vinhos, deixaria de os comprar; e cortada ficaria a questão: mas como ha de o povo distinguil-os ? « O povo por si nada podo fazer. (**) » O falsificador não se approxima de ninguém sem tentar manchar para inutilizar. Para que nos ponhamos a salvo de seu veneno é preciso nem de longe parecer dar-lhes guarida. E o Sr. Dr. Borges da Costa não se tem mantido nessa attitude, procurando nessa analyse attenuar a má (*) Nunca houve licença, pois, eram tiradas para fabricas de distillação, e sim tolerância que chegou, é verdade, ao ponto de se acceitar, como fabricados por elles, vinho adrede adquerido para as exposições. (**) Pais de 17 de Novembro de 1886.— Macrolah. -113- qualidade do producto, principalmente na conclusão a que chegou sem poder scientificamenle fazel-o. Isso não justifica, bem o sei, insinuações malévolas a que se expoz, mas provoca-as. Me dispensarei de transcrever trechos das publica- ções em que se faz aos chimicos insinuações pouco hon- rosas, que não subscrevo e censuro, como arma impró- pria para quem defende uma causa, que tem por si a sciencia, o direito e a razão. Para a comprehensão do artigo que se segue, o leitor dispensa as publicações á que elle se refere. QUESTÃO DOS VINHOS Fritz, Mack & C. « Os artigos calumniosos apparecidos nestes dias na Secção livre á'0 Paiz (papel) sob a epigraphe « A indus- tria dos vinhos artificiaes legitimada», demonstram que nesta terra até se põem em duvida a honestidade e a boa fé de chimicos brazileiros, reconhecidos homens da sciencia^ imparciaes, taes como os illustrados Drs. Borges da Co^ta, inspector do laboratório de hygiene da Faculdade de Medi- cina'■; Antônio Correia de Souza Costa, antigo presidente da Junta Central de Hygiene Publiea; e Theodoro Peckolt, perilo-chimico da Alfândega do Rio de Janeiro; e que bem certo é o provérbio que diz : — Na sua terra ninguém é propheta. « Temos por isso que procurar a nossa salvação no estrangeiro, e eis que chegam opportunamente as ana- lyses do afamado professor Dr. R. Fresenius, que não é só notabílidade na Allemanha, mas cuja competência em questões analyticas também é reconhecida em todo o mundo scientifico. « llio de Janeiro, 24 de Novembro de 1885. — Fritz, Mack & C, successores de C. Schumann & C. » 8 - 114 - Analyses «Eu, Ludwig August Wilhelm Pahl, traductor publico e interprete juramentado da praça do Rio de Ja- neiro : «Certifico que me foi entregue pelos Srs. Fritz, Mack & C, desta praça, um documento, escripto em lingua allemã, que a pedido dos mesmos senhores verti para a lingua nacional, e que diz o seguinte, a saber: Traducção « Laboratório chimico do conselheiro professor Dr. R. Fresenius. Wiesbaden, aos 6 de Outubro de 1885. «Srs. Fritz, Mack & C, Rio de Janeiro. — Os dous vinhos de canna que me foram remetlidos por Vms. por intermédio dos Srs. Sandberg & Schneidewindem Ham- burgo, denominados — Vinho de canna superior C. Schu- mann & C-, Rio de Janeiro, submetti, conforme o seu desejo, a uma analyse completa, cujo resultado se segue : « Ambos os vinhos são claros, um de côr amarella dourada escura e o outro tinto escuro. O cheiro de ambos é puro alcoólico ; o gosto do vinho branco da canna ó adocicado, bastante alcoólico, totalmente puro, semelhante ao vinho doce fabricado da uva; o gosto do tinto é lambem alcoólico, um pouco menos doce e um tanto adstringente. « A analyse chimica deu o seguinte resultado : Vinho branco Vinho tinto 1,0113 0,9955 Cr. 15,93 9,45 Gr. 14,66 4,64 0,61 0,22 0,44 0,77 0,28 0,43 Densidade....................... Em 100 c. c. acham-se: Álcool...........,.............. Extracto........................ Ácido livre expresso em ácido tarta- rico........................ Ácido volátil dito em ácido acetico... Glycerina........................ -115 - Vinho Vinho branco tinto Assucar calculado pelo assucar uva. 6,65 1,7«57 Tanino e substancias corantes....... 0,0123 0,0648 Substancias mineraes.............. 0,18 0,23 Das quaes ácido phosphorico....... 0,0141 0,0184 Ácido sulphurico.................. 0,03 0,0244 Potassa........................ 0,069 0,081 A polarisação do vinho foi directa... — 38 — 1,2° Depois da inversão............... — 3n __ i'2° Idem da fermentação.............. 0 ' 0 « Estas cifras provam que em ambos os vinhos de canna acham-se as mesmas quantidades e proporções de quantidades das substancias que também se acham no vinho fabricado com uva, o álcool é, como na maior parla do vinho de uva, também produzido parcialmente pala fer- mentação directa, parcialmente ajunlada. « Das cifras encontradas com a polarisação antes e depois da inverção do vinho, fica provado que o assucar não fermentado não contém mais assucar da canna não alterado, mas que foi totalmente invertido pida fermen- tação e pela inaclividade óptica do vinho totalmente fer- mentado. « Fica, pois, provado que na fabricação do mesmo não entrou assucar de batata. « A côr do vinho tinto é proveniente de plantas inoffensivas, e, a julgar pelo precipitado produzido pelo acetato de chumbo, vê-se que é proveniente da malva. « Da ausência de anilinas convenci-me por provas diredas. « Baseado no resultado da analyse chimica, não ha motivo para duvidar dos vinhos de canna; elles, ao con- trario, apresentam o caracter geral do vinho doce fabricado com uva. « Para cumprir o seu pedido especial, fiz ainda provas minuciosas, para provar a ausência de substancias no- civas á saúde. (*) O resultado das provas sobre ácido saly- (*) Em amostras remettidas por falsificadores para serem anali- sadas não era para isso preciso incommodar Fresenius. - 116 - cilico, ácido borico, como também sobre metaes pesados venenosos, foi com ambos os vinhos negativo. « Por fim examinei ambos os vinhos, a ver se con- tinham alcalóide e, para ficar totalmente seguro, fiz, com pequenas quantidades de extrados obtidos, dentro dos quaes podia-se achar o alcalóide, experiência com rãs, as quaes são muito susceptíveis a estes venenos. « Ficou lambem aqui provado a ausência de qual- quer substancia venenosa. « Baseado na minha analyse, posso declarar que ambos os vinhos da canna são livres de substancias nocivas á saúde. (Assignado) — Dr. R. Fresenius. « O documento devidamente legalisado acha-se depo- sitado no escriptorio do Jornal do Commercio, » Dizem ser essa analyse devida a Fresenius, mas isso não está demonstrado. Quando estivesse demonstrado que a analyse não é apocrypha, seria absolutamente necessário demonstrar que as amostras de vinho não foram adrede adqueridas e enviadas pelos Srs. Fritz Mack & C, cuja ingenuidade não iria ao ponto de enviarem a Fresenius o vinho que criminosamente fabricam para nos envenenar. Autenticidade da analyse e autenticidade do producto são condições indispensáveis para que nos mereça fé a analyse attribuida a Fresenius. Na ausência dessas duas qualidades, a segunda das quaes já não é possivel conseguir, temos o direito de apenas transcrever a analyse, sem fazer-lhe a critica. Assim não pensou um articulista que se subscrevia Macrolah e que com proficiência fez o estudo dessa ana- lyse para provar que, apezar dos seus dizeres, ella era claramente contraria á falsificação. O Sr. Dr. Firmo Martins, em nome dos Srs. Fritz Mack & C. sahio a terreiro para oppor-se a Macrolah. -117 - Não apreciaremos a evolução dessa discussão, da qual nos limitamos a dar noticia, mas, para mostrar ao leitor que mesmo o Sr. Dr. Firmo Martins não se poude precaver contra a linguagem do falsificador eu transcre- verei um trecho de um dos artigos de S. S. que, afora o que diz respeito á competência, podia ser assignado por qualquer das honradas firmas: Fritz Mack & C, Ernesto de Oliveira & C, Manoel Teixeira Cardoso, etc. Diz o Sr. Dr. Firmo : « Não sei onde o articulista encontrou contradicção na citação que faz quanto a não poder contar commigo entre os chimicos habituados a analysar : demonstrar-lhe- hei que não sou tão neophyto como suppõe, quando publicar as analyses por mim feitas dos vinhos impor- tados. » (*) Nesse trecho o Sr. Dr. Firmo ameaça o seu con- tendor com analyses feitas em vinhos importados como se a descoberta de falsificações importadas justificasse a falsificação em nossas fabricas. Demais, essa promessa ainda não foi cumprida e lá se vão nove longos mezes. Já era tempo I Muito teríamos a lucrar com o conhecimento dessas analyses, pois, a maneira de se exprimir do Sr. Dr. Firmo parece indicar que descobrio grandes falsificações nos vinhos importados e teríamos encontrado mais uma demons- tração da necessidade urgente da creação de um laboratório na alfândega, a justificação do procedimento da Junta de Hy- (*) Paiz de 29 de Dezembro de 1885. -118 - giene presidida pelo Dr. Freire, retendo vinhos na alfân- dega até analyse, e, mais do que tudo isso, a condemnação do aviso do Sr. Belisario, homologado pelo Sr. Barão de Mamoré, que escancarou á fraude as portas da Alfândega. (Veja cap. II). Mais adiante {Paiz citado) diz o Dr. Firmo Martins: « Disse que não errava quando defendia os vinhos ar- tificiaes fabricados entre nós, mas unicamente os bem fa- bricados. « Vou por hoje dar ligeiras razões do por que estou disso convencido. » Ouçamos as ligeiras razões que por hoje vai dar : « Onde é maior a grita contra as falsificações de vinhos ? « Na Europa. Nos paizes vinícolas. « Onde mais se clama contra essas terríveis bebe- ragens, que lentamente nos envenenam? « Em França. Ainda o primeiro paiz vinícola do mundo apezar do phyloxera. « Não é de lá porventura, que nos vêm os meios de reconhecer as innumeras falsificações empregadas? «Se ellas se não praticassem, haveria necessidade de escrever tratados sobre falsificação de vinhos ? » Permitta-nos o Sr. Dr. Firmo; essas razões não são ligeiras ; essas razões não são razões. O Sr. Doutor defende os vinhos falsificados bem pre- parados, isto é, os falsificados pelos Srs. Fritz. Mack & C. porque na Europa se grita contra a falsificação, e porque se grita contra a falsificação o governo prohibe-a, e porque o governo prohibe-a, a sciencia escreve tratados para descobril-a. -119 - Em summa parece que a protecção do Sr. Doutor aos vinhos falsificados dos Srs. Fritz Mack & C, é só espirito de contradicção. Os europeus gritam contra, o Sr. Doutor grita a favor. Mais adiante S. S. justifica a sua teimosia, referin- do-se porém a um facto que não é verdadeiro, nem em relação ao seu contendor, nem em relação a nenhnm dos perseguidores da fraude, pois ninguém a persegue por se exercer aqui ou ali, e sim porque, além de desho- nesla, ella prejudica a saúde publica. Diz S. S.: « Quer o articulista que não nos envenenemos com os \inhos fabricados com assucar de canna, sendo-lhe, porém indiíferente que o façamos com os fabricados com aguardente de beterraba, de batatas, de maçãs, de me- laços de beterraba e de tantas outras substancias. » Ninguém quer isso, á excepção dos falsificadores e seus advogados, que, se nos envenenam com os vinhos falsificados com álcool de canna, não é porque um es- pirito de humanidade os faça procurar para nós, (perse- guindo-nos assim muito mais) morte mais lenta na into- xicação pelo álcool da canna, menos venenoso que os de beterraba, batata, etc, em idênticas condições, e sim porque o obtém por melhor preço. Descubra o Sr. Dr. Firmo meio de pôr ao alcance dos nossos falsificadores álcool de beterraba e elles aban- donarão o da canna, inda que importem o de beterraba. Descubra alguém alguma droga ainda mais venenosa e mais barata, e o falsificador se atirará a ella. Adduza o Sr. Dr. Firmo outras razões, pois essas — 120 — não são próprias da sua posição, e S. S. está tanto mais no dever de as adduzir, quanto prometteu pela imprensa dizer o que pensava dos vinhos artificiaes. Estamos persuadidos que S. S. já terá modificado até certo ponto o seu modo de pensar, principalmente depois da apprehensão de fuchsina, importada pelos Srs. Fritz, Mack & C. Se ainda não modificou, espero que, além das razões que tiver de adduzir em defesa do vinho dos Srs. Fritz, Mack & C., se não esqueça que aífirmou em seu período acima, que nos envenenamos mais ou menos com o uso dos vinhos arlificiaes feitos com álcool de canna, beterraba, batata, maçã, melaços, etc, e que o meio de obviar esse mal não é escolher dessas drogas a menos venenosa, e sim acoroçoar o consumo de bebida salubre, como o vinho, para o que não basta a propaganda ; é preciso, permittam-me o arrojo da figura,—queimar o ultimo falsificador na fogueira da ultima fabrica—para desse modo desenvolver a nossa vinicultura, já tão auspiciosa- mente iniciada em S. Paulo, Minas, Rio Grande, Santa Catharina, Espirito Santo e até na Província do Rio de Janeiro. "VIII A questão dos vinhos na Academia de Medicina. Em sessão de 3 de Novembro do anno passado o Sr. Dr. Araújo Góes, actual membro da Inspectoria Geral de Hygiene, agitou na Academia a questão dos vinhos e o fez nos seguintes termos: (*) «O Sr. Dr. Araújo Góes pede a palavra e diz que parece vir muito a propósito tratar-se da questão dos vinhos, que tem dado lugar a tão vivo debate na imprensa diária. « E' assumpto muito da competência da Academia e não deve ser ella a ultima a enunciar sua opinião. Por isso apresenta os seguintes quesitos, nos quaes re- sume-se a controvérsia : « i.° Em face da legislação financeira e sanitária do paiz, poder-se-ha condemnar em absoluto e desde já o commercio dos vinhos artificiaes que não contiverem sub- stancias NOCIVAS Á SAÚDE PUBLICA ? « 2.0 Supprimida a fabricação artificial dos vinhos, a producção dos paizes vinhateiros, por si só, será suficiente para prover as necessidades de todos os povos? « 5." Si não for suficiente a producção, haverá in- conveniente em supprir-se essa falta com os vinhos arti- ficiaes, SEM SUBSTANCIAS TÓXICAS? « 4." Algum dos princípios constitutivos dos vinhos naturaes, álcool, sáes, ácidos ou matérias orgânicas, exerce acção preponderante sobre a economia humana? (*) Boletim da Academia Imperial de Medicina, n. 9, anno l.« -122 - «5.° Si for o álcool o principio preponderante, po- derá este facto justificar a tolerância no mercado dos vi- nhos artificiaes ? « Quaes as medidas mais efficazes para obstar que os vinhos falsificados prejudiquem a saúde publica ? « Fundamentando esta proposta, entra o orador em breves considerações, sobre as quaes chama a attenção da Academia, mostrando que relativamente ao 1.° que- sito, as fabricas nacionaes funccionam com autorização da própria Junta de Hygiene. (*) « Além d'isso, no orçamento geral do Império, bem como no da municipalidade, ha verbas de receita pro- venientes dos impostos pagos pela industria dos vinhos artificiaes. (**) « Não era possível, pois, que o Governo, por um aviso, fizesse cessar a fabricação nacional ou mandasse inutillisar os vinhos de procedência estrangeira, que es- tavam em igualdade de circumstancias. Conseguiute- mente sem que sejam cassadas as licenças da Junta de Hygiene que dão vida legal ás fabricas e sem que sejam derogados artigos de lei ou verbas orçamentarias não é licito condemnar o commercio dos vinhos artificiaes isentos de substancias tóxicas. O que, porém, deve-se exigir é que sejam elles postos á venda com a precisa declaração de que não são naturaes. « Quanto ao 2.° quesito diz o orador que está na consciência de todos que a producção dos paizes viní- colas não satisfaz ás necessidades dos povos. « Em todos os pontos do globo bebe-se vinho que de Porto, Madeira, Xerez, Champanhe, etc, só tem o nome e em quantidade milhares de vezes superior á produ- zida pelas regiões vinhateiras respectivas. « Nenhum Governo tem tido o poder de impedir esta simulação que escapa ás mais previdentes disposições dos regulamentos sanitários. (***) (*) Essa proposição não é verdadeira tal como foi ennunciada. (**) Também não é exacto. {***) Chamo a attenção para esse periodo. -123- « O 3.° involve a questão hygienica de mais im- portância, mas o orador não hesita em aüirmar que não ha inconveniente para a saúde publica em ser supprida a insufficiencia dos vinhos naturaes pelos artificiaes que não contiverem substancias tóxicas. « E' conhecida a tendência do homem para as be- bidas fermentadas; sendo insuficientes os vinhos naturaes, os povos, na faltados artificiaes, lançarão mão de outros liquidos, quiçá mais nocivos, em que a proporção do álcool, sendo mais elevada, determinaria estimulo exa- gerado e as funestas conseqüências do alcoolismo. « Si fosse possível fornecer á todas as populações pro- ductos naturaes, o orador seria o primeiro a condemnar severamente todos os artifícios da especulação commercial. (*) Demais, eliminados do mercado os liquidos espirituosos artificiaes, o preço dos naturaes elevar-se-ia por tal fôrma que somente os ricos poderiam fazer uso delles. « Parece ao orador que estas questões devem ser tratadas como ellas podem ser e não como devem ser, porque é impossível realizar praticamente todas as aspi- rações theoricas do espirito humano, no que diz respeito ao bem estar dos povos. « Ao 4.° póde-se observar que o effeito benéfico dos vinhos naturaes é o resultante de todos os princí- pios constitutivos delle. Todavia, não é ditíicil provar que a parte alcoólica tem uma acção predominante. Isto porém, não autoriza a crer que qualquer álcool possa substituir in totum os vinhos naturaes. « O 5.e quesito justifica-se perfeitamente, porque sendo, na realidade, predominante nos vinhos a parte alcoólica, isto é, aquella que mais accentuadamente re- para as forças, e podendo os sáes, ácidos e matérias orgânicas que elles contem, ser fornecidos por outros ali- mentos, é preferível expor á venda um vinho artificial sem qualidadts nocivas, como o procedente da fermentação do assucar, a obrigar a população pouco abastada a usar de outras bebidas, que apezar cie naturaes, como aguar- (*) Chamo igualmente a attenção para esse outro período. -124- dente, cognac, etc, não deixam de incorrer nas mere- cidas suspeitas de prejudiciaes á saúde. (*) « O 6.° quesito é relativo á policia sanitária, que, por melhor organisação que tenha, é incapaz de impedir todos os abusos e fraudes. (**) «O orador divide os vinhos artificiaes em três classes: l.\ a de procedência estrangeira; 62.a, a de falsificação nacional (***); 3.a, a classe dos liquidos provenientes de misturas e fermentações feitas em grande escala em vendas e armazéns desta Corte. Para esta ultima classe é que deve convergir toda a severidade da autoridade sanitária, porque é ella a mais nociva : sem escrúpulos e sem conhecimentos scientificos, os especuladores fazem as mais repugnantes misturas, mormente nas vendas, onde são vendidas á parte mais baixa da população. O orador desejaria que fosse obrigatório o registro das marcas de todos os vinhos naturaes; aquelles que não estivessem nestas condições só poderiam entrar no mercado com o rotulo de vinhos artificiaes. Desfarte os representantes das marcas seriam prestimosos auxiliares da autoridade, fazendo apprehender os productos falsificados e processar seus autores. « Um syndicato composto de delegados dos proprie- tários das marcas prestaria igualmente bons serviços, porque levaria aos tribunaes as marcas fictícias que surgissem, para preencher o preceito legal do registro obrigatório. « A policia feita por parte dos interessados, de com- binação com as analyses realizadas pelos chimicos hygie- nistas, expelliria do mercado as bebidas espirituosas imprestáveis, e, ao mesmo tempo, protegeria a industria {*) Quando ennunciou esse periodo esqueceu-se o orador de que o vinho artificial, mesmo sem substancia tóxica, que se fabrica entre nós, não é senão aguardente a que se deu artificialmente a côr do vinho. (**) Pergunta-se se a actual inspectoria de hygiene, de que o orador faz parte, não está nas mesmas ou em peiores condições. (***) E' o Sr. Dr. Góes quem nessa sua 2.» classe chama os vinhos artificiaes de falsificados, no que estamos todos de accôrdo. -125- dos vinhos naturaes contra a invasão crescente da fraude c da especulação. « Esta vigilância fará com que os vinhos artificiaes prestaveis, sem serem banidos do mercado representariam nelle papel muito secundário. » Encetou a discussão dos quesitos do Dr. Góes, em sessão de 17 de Novembro, o Sr. Conselheiro Carlos Frederico, que, em bem elaborado discurso, que corre impresso em folheto, e de certo o leitor já examinou, sustenta a boa doutrina, oppondo-se ás theorias do Sr. Dr. Góes. Na sessão 24 de Novembro usaram da palavra os Srs. Drs. Costa Lobo e Souza Lima. O Sr. Dr. Souza Lima, professor de medicina legal em nossa Faculdade, Presidente da Academia e atual- mente membro da Inspectoria Geral de Hygiene, no- meado pelo Sr. Barão de Mamoré, começou o seu dis- curso explicando a razão porque vinha á tribuna. Lamenta profundamente a ausência do digno Presi- dente da Junta de Hygiene (o Dr. Freire), «lamenta, porém, ainda mais estar de novo em divergência com S. S. e desde já declara que, respeitando a sinceridade de suas convicções, protesta pelos mesmos sentimentos da parte de S. S. para com o orador, a ninguém dando o direito de duvidar delles, « Não pode, porém, deixar de estranhar vêr agora o Presidente da Junla mostrar-se tão intransigente e abrir uma guerra tão implacável contra todos os vinhos artifi- ciaes, quando, nos mesmo* princípios de defeza dos inte- resses da saúde publica foi, ha tempo, tão fácil e condes- cendente, e pareceu tão pouco escrupuloso com medicamentos falsificados da casa Rigaud & Dusart, entregues ao con- sumo publico mediante informação de S. S. baseada sobre analyses que nada adiantaram áquellas que tinham moti- vado a condemnação dos mesmos preparados. » - 126 - Entrando em matéria S. S. «achava que não é preciso deitar a livraria abaixo para provar que o ver- dadeiro e legitimo vinho, que o vinho propriamente dito, é o que procede de fermentação do sueco da uva (ma- dura), nem gastar eloqüência para demonstrar que é esse vinho superior a todos quantos a industria humana possa fabricar; não sabe, porém, qual a razão porque se ha de recusar systematicamente a denominação de vinhos a outros productos análogos, provenientes de outros fructos (*) bem como aos productos imitados ou preparados artificialmente á semelhança dos naturaes. » (**) Para justificar a sua estranheza o Sr. Dr. Souza Lima entra em uma série de considerações de ordem chimica que não justificam de sorte alguma o seu modo de ver a questão, tanto que por vezes S. S. se entrega a interpre- tações errôneas para coagir os factos a se amoldarem á sua anti-scientifica theoria. (***) Em seguida, como que fatigado pelo esforço que precisou despender para justificar a falsificação dos vinhos e em um rasgo de patriotismo que destoa das suas re- (*) A denominação dada por analogia a suecos fermentados de outros fructos ninguém nega e, como não são vinhos, dos quaes não tem a com- posição nem as propriedadas e com os quaes apenas se parecem pelo processo de obtenção, (fermentação do sueco do frueto) essa denominação é naturalmente acrescentada da designação da origem, assim diz-se : vinho de caju, vinho de annaz, etc. Se essa analogia não parasse nos productos do sueco de fructos fermentados, repare S. S. que iríamos ao ponto de admittir vinho de tudo que por fermentação produzisse álcool ethylico, até vinho de polvilho, o que seria levar muito longe a analogia. (**) Não é preciso deitar a livraria abaixo para responder ao Sr. Dr. Souza Lima; basta lembrar a S. S. que não se lhes deve dar a deno- minação de vinho pela razão muito simples de que não são vinhos. São productos falsificados, pois os processos empregados para essa imitação procuram, como S. S. sabe, dar a alcools baratos, e portanto os da peior espécie, a apparencia do vinho paia illudir o consumidor, o que constitue fraude, roubo, e nem é senão para vender como vinho de uva que os falsificadores preparam essas detestáveis tisanas. (***) Boletim da Academia Imperial de Medicina, n. 10, anno I. - 127 - ílexões anteriores, o Sr. Dr. Souza Lima « desde já aproveita o ensejo para protestar solemnemente contra a denominação de vinho nacional com que se vendem os vinhos artificiaes (falsificados) preparados nas fabricas do paiz; é um abuso inqualificável que se devia prohibir ex- pressamente porque faz crer que não existe no Brazil vinho legitimo, natural, de uva, ao qual compete de direito aquelle nome ou rotulo-, e que, como se sabe, já se fabrica com excellente resultado, embora em pequena es- cala, em algumas províncias do Império. « Acha extravagante e inexplicável que se pretenda sustentar que taes vinhos, mesmo fabricados com sub- stancias inoffensivas, sejam prejudiciaes á saúde publica, e devam ser rejeitados in limine. Reconhece o orador que muito melhor seria que se pudesse prescindir completa- mente desses vinhos, cuja fabricação constitue uma porta larga aberla aos abusos e á fraude, não só em relação á bolsa do consumidor, como no que aífeda á sua saúde e á vida. Com effeito, diz o orador, que a fraude pode consistir, no primeiro caso, em preparar com mais ou menos arte, vinhos inofiensivos pela sua composição, e vendel-os com rótulos de verdadeiros e legítimos; no segundo caso, em preparal-os com ingredientes nocivos; estes males, porém, são susceptíveis de remédios, e nesse sentido, entende o orador, que devem ser comminadas as penas as mais severas e rigorosas, multas pesadas, só ou com prisão temporária, e, nas reincidências, até mesmo o fechamento da fabrica. » Em seguida S. S. declara terminantemenle que « comprehende as diííiculdades com que se deve lutar na pratica para exercer eflicaz vigilância e segura fiscali- sação sobre a fabricação artificial dos vinhos, no intuito de sorprehender e punir os falsificadores; mas está con- vencido que essas diííiculdades são incomparavelmente maiores quando exercida a fiscalisação nas alfândegas sobre todos os vinhos importados do estrangeiro, e tanto mais será assim quanto essa importação terá de elevar-se - 128 - consideravelmente, se de facto forem supprimidas as fa- bricas nacionaes de vinhos. » (*) Depois de largas considerações sobre os vinhos que importamos falsificados e o modo porque o são, o orador affirma « que na sua opinião, em todo o vinho, mesmo o mais puro e verdadeiro, existe sempre um veneno, de cuja influencia seria conveniente acautelar o povo, si tanto fosse possível; é o próprio álcool que entra na sua com- posição. » (**) Negando que o vinho puro possa debellar as fu- nestas conseqüências do alcoolismo que S. S. mesmo pinta com tão feias cores, entra em largas considerações sobre o assumpto, não duvidando confessar que « o bom vinho sabiamente administrado ao ebrio, ao alcoolista, pôde ate- nuar ou modificar favoravelmente, mas nunca debellar de todo, as conseqüências funestas a que elles se expõem, ou que já experimentam. » Para quem não tivesse a idéa preconcebida de de- fender a todo transe a falsificação, esse período de S. S. obrigava a reconhecer que o bom vinho ao menos re- tarda as conseqüências funestas do alcoolismo que a droga falsificada apressa. Demais, é exigir do vinho, o que S. S. não exigirá de medicação alguma, debellar conseqüências de uma (*) Quem ler esse trecho com attenção, maximè, o que S. S. vai dizer adiante (considera haver um veneno no vinho o mais puro — o álcool —) achará extravagante e inexplicável que S. S. não se tenha lembrado de propor a creação dos laboratórios nas Alfândegas, o que fez mais tarde, e a suppressão da fraude e sim, porque julgue esses meios incapazes de cohibir em absoluto o abuso, ache preferivel acoroçoar mais a fraude; a menos que S. S. não se tenha deliberado a extinguir pelo envenenamento os consumidores, como meio de fechar aos abusos a porta que as fabricas abrem. [**) Como não é isso possivel, acha o Sr. Dr. Souza Lima que se o dove instigar á pratica opposta: beber cachaça como se bebesse vinho. — 129 — intoxicação que já se traduz por alterações materiaes, como soem ser as do alcoolismo. Julga que o vinho produz á humanidade mais mal do que bem, ora, talvez não diíficil ficarmos de accordo; mas, como conciliar isso com a protecção aos vinhos artificiaes é que ninguém explicará, nem mesmo o Sr. Dr. Souza Lima. Finalmente, antes de entrar em considerações que pretendem refutar as idéas emittidas pelo Sr. Dr. Freire, S. S. emitlio um conceito com o qual Analisaremos o seu discurso na Academia : « Assim, pois, adoplaria de coração o partido da- quelles que condemnam o uso de toda e qualquer be- bida alcoólica, mesmo a mais pura, e com o que muito mais lucraria a humanidade do que com as medidas de protecção applicadas em favor dos vinhos puros e le- gítimos. » Quem ler com attenção o discurso do Sr. Dr. Souza Lima concordará que elle não está na altura do mérito scientifico de S. S. e estranhará que taes doutrinas se possam conciliar com a protecção concedida aos vinhos artificiaes, e mais ainda que espirito tão culto se deixasse arrastar a uma verdadeira desordenação scientifica, onde não se sabe a attitude de S. S. que reconhece que o alcoolismo é um mal enorme, que pelo bom vinho mais tarde se chega a elle do que pelo máo vinho e entre- tanto acoroçôa o uso do máo vinho, fabricado em esta- belecimentos que são porta aberta a abusos que S. S. acha diíficil cohibir, e muito menos comprehenderá como S. S. julgue ter com esse discurso justificado as respostas que offerece aos quesitos do Sr. Dr. Araújo Góes e que 9 - 130 - são as que se lêem nos últimos períodos do seu discurso, que textualmente transcrevemos : « Tinha ainda o orador algumas considerações a fazer sobre o assumpto, mas para não fa ligar p >r mais tempo a attenção da Academia, vai terminar dizendo que estaria prompto a adoptar a prohibicão absoluta dos vinhos artificiaes: « 1.° Si fosse impossível a fabricação desses vinhos sem subsiancias nocivas á saúde publica. « 2.° Si fosse imposivel a fiscalisação severa das respectivas fabricas e industrias de modo a impedir o emprego das taes substancias. « 3.° Si não fosse muito mais difficil a fiscalisação exercida sobre os productos já preparados, e importados em larga escala do estrangeiro. « 4.° Si estes vinhos assim importados fossem seria- mente garantidos ou estivessem ao abrigo das mesmas ou peiores fraudes. « 5.° Finalmente, si na falta dos vinhos artificiaes fosse possível impedir o uso, em geral mais perigoso, de outras bebidas alcoólicas ou fermentadas. « Responde pois aos quesitos formulados pelo Sr. Dr. Araújo Góes no mesmo senlido em que elle o fez fundamenlando-os; somente quanto ao 1.° quesito acha-o deslocado no seio da Academia, pois que refere-se a uma questão administrativa que compete ás câmaras. » Na sessão de 1.° de Dezembro Mmc Durocher en- viou por escripto sua opinião sobre os vinhos artificiaes e usou da palavra sobre o assumpto o Sr. Conselheiro Carlos Frederico, que refulou com vantagem inconteslavel os oradores que o precederam. Na sessão de 9 de Dezembro falia sobre o assumpto o Sr. Pharmaceutico Cezar Diogo. Na sessão de 15 de Dezembro o Sr. Dr. Souza Lima volta á tribuna e pretende refular, dando ao seu -m - discurso a falsa orientação scientifica do anterior, não só as considerações do Sr. Conselheiro Carlos Frederico, como as reflexões feitas no Paiz, em umas cartas humorísticas sobre a discussão na Academia, por um articulista que se assignava Simpticio e que S. S. diz conhecer pelo estyio serem do um respeitável negociante desta praça e declara que as toma em consideração, apezar do estyio' faceto em que são escriptas pela consideração que vota ao seu autor. S. S. « lamenta que esse honrado e illustrado ne- gaciante tenha adoptado aquelle estyio nas suas apreciações sobre a Academia destratando essa corporação que ainda não deu motivo para ser assim ridicularisada. » Folgo de estar de accordo com o Sr. Dr. Souza Lima e de subscrever sua queixa, tanto mais quanto, quando a Academia, talvez arrastada pelo meio comediante em que respiramos, parecia que estava prestes a praticar o ridículo papel de, única no mundo, justificar a falsifi- cação, a consciência scientifica, em enérgica reação na occasião do voto, salvou-lhe o prestigio e robusleceu o honroso conceito, que ella merece, condemnando os vinhos artificiaes como prejudiciaes á saúde, mesmo não contendo substancia tóxica. O Sr. Dr. Souza Lima terminou esse discurso fa- zendo a apologia das conclusões de um opusculo de Car- penter, que mereceu o prêmio de 100 guineos deixados por um philantropo anonymo a quem escrevesse o melhor tra- balho sobre os eífeilos das bebidas alcoólicas, e são as seguintes: «1.° Uma grande parte das misérias humanas, in- clusive a pobreza, a moléstia e o crime tôm por causa o uso das bebidas alcoólicas ou fermentadas. -132 - « 2.° A saúde a mais perfeita é compatível com a abstenção total destas bebidas envenenadas, sejam a aguar- dente, os vinhos, a cerveja, etc. « 3.° As pessoas acostumadas a estas bebidas podem cessar seu uso, gradual ou bruscamente. « A.° A abstinência absoluta e universal de todas as bebidas alcoólicas contribuiria poderosamente para a saúde e prosperidade, bem estar e moralidade da espécie humana.» E, quando todo o mundo, depois de lêr as conside- rações com que que S. S. precede essas conclusões, espe- rava que uma proposta para a installação de uma sociedade de temperança fosse solemnemente apresentada e da qual eu seria talvez um dos primeiros inscriptos, S. S. dá segunda resposta e mais explicita aos quesitos do Dr. A. Góes e são as seguintes : «Aol.°: acha incompetente a Academia para re- solver sobre essa questão de ordem puramente adminis- trativa ; mas pensa que pelo menos não ha necessidade de se condemnar em absoluto os vinhos artificiaes, uma vez que não contenham substancias nocivas á saúde publica. « Ao 2.°: não ; a producção dos paizes vinhateiros não é suíficiente para prover de vinhos os outros povos. « Ao 3.°: não vê inconveniente em supprir essa falta com vinhos artificiaes sem substancias tóxicas. «Ao 4.°: sim; o álcool é o principio predominante. « Ao 5.°: sim ; esse facto mesmo justifica a tolerância dos vinhos arlificiaes, porque são menos nocivos do que as bebidas brancas. « Ao 6.°: as medidas mais efficazes para evitar que taes vinhos prejudiquem a saúde publica consistem: «1.° Em uma reforma radical da Junta de Hygiene, com pessoal suíficiente e habilitado para proceder á ins- pecção rigorosa e freqüente das fabricas e ás analyses que forem necessárias, em um prazo razoável. « %°, no estabelecimento de um laboratório annexo — 133 — á Alfândega e servido igualmente por pessoal habilitado, afim de proceder aos exames e anlyses dos vinhos impor- tados. » Na sessão de 23 de Dezembro volta ainda á tribuna o Sr. Conselheiro Carlos Frederico, cujo ardor crescia na proporção da resistência offerecida á sã doutrina. Na sessão de 5 de Janeiro os Srs. Drs. Eduardo de Menezes e Araújo Pinheiro justificam os seus votos, o primeiro do modo por que se verá na nota e o Dr. A. Pinheiro com o brilhantismo que o leitor poderá avaliar por um trecho que adiante transcrevemos. O Dr. Eduardo de Menezes « entende possuírem os vinhos propriedades complexas e que são independentes do álcool, e que não justificam a sua substituição na clinica pela aguardente em todos os casos, modo esse de entender que prejudica o 5.° dos quesitos de que tem se occupado a Academia. » (*) O Dr. Affonso Pinheiro termina o seu eloqüente discurso por um enérgico protesto que não nos podemos furtar ao prazer de transcrever para que o leitor, depois de vôr a questão reduzida a uma synthesc admirável, que dá do assumpto uma idéa perfeita, pasme ante o quadro fiel descripto com rara habilidade pelo Dr. A. Pinheiro, e bata palmas comnosco ao lêr o eloqüente protesto contra a tendência que S. S. pareceu de certo ver na Academia em manchar o ílorão de seu prestigio com a protecção á fraude cynica e desfaçada: « Não é, diz o orador, o álcool que representa nos vinhos naturaes o papel preponderante ; esses vinhos são, (*) E é porque entende assim que o Sr. Dr. Menezes responde affirma- tivamente aos quesitos do Sr. Conselheiro Carlos Frederico ! Melhor fora que não entendesse cousa alguma, para que o não víssemos enten sentença que o Governo generalisou, esses senhores com a pretenção de desmentir a noticia do Paiz, publicaram a seguinte declaração no Paiz de 20 de Janeiro de 1886 : FRITZ MACK & C AO PUBLICO « Em refutação á noticia publicada no Paiz de 15 do corrente, que foramos intimados a fechar o nosso es- tabelecimento, cumpre-nos declarar que, como até então, todas as repartições da nossa fabrica de vinagre, vinho de canna, licores, cognacs, perfumadas e águas gazozas funccionam ; effectuando-se com promptidão qualquer en- commenda e confiamos continuar assim emquanto houver justiça no Brazil. Rio de Janeiro, 18 de Janeiro de 1886.—Fritz Mach & C. Repare o leitor para a redacção dessa declaração. A inlimação foi feita. A fabrica devia ter cessado o fabrico de águas mi- julgarem conveniente, e si encontrarem águas falsificadas ou deterio- radas, ou rótulos que não sejam os das próprias fabricas ou não in- diquem realmente o conteúdo das vasilhas, farão inutilisar umas e outros, quantos estiverem em deposito e mandarão fechar as fabricas por um mez « Besta decisão haverá recurso para a Junta de Hygiene, no caso de ser imposta a pena pelas Commissões parochiaes. » -155- neraes, ao menos até a solução do recurso illegal que elles interpuzeram, entretanto o Paiz de 20 traz a publicação que se leu, onde o desrespeito á verdade, pois que houve a inti- mação, corre parelhas com a affronta á aucthoridade que intimou, c trahe a alta protecção do ministro, o que depois se verificou. Como complemento á visita, a Junla em data de 2 de Janeiro enviou ao Sr. Barão de Mamoré, Ministro do Império, o seguinte officio, que desmente o aviso dos Srs. Fritz, Mack & C. : « A Junla Central de Hygiene Publica visitou, em companhia do fiscal da freguezia de S. José, a fabrica de Fritz, Mack & C, á rua do Passeio n. 15, e ahi encontrou e apprehendeu grande quantidade de substan- cias tóxicas, que, segundo as declarações do frabricante, parecem entrar na confecção dos productos dessa fabrica, como V. Ex. verá dos autos de deposito e apprehensão, lavrados pelo fiscal que, por cópia, tem a honra de passar ás mãos de V. Ex. «Sendo esses productos destinados á alimentação publica, fica por esse facto em grave perigo a vida da população, pelo que pede a V. Ex. urgentes e enérgicas providencias no sentido de impedir que laes productos continuem expostos á venda, indicando como meio o fecha- mento da fabrica por três mezes, prazo necessário para que se effectuem as analyses. Outrosim tem a honra de levar ao conhecimento de V. Ex. que mandou fechar a fabrica de águas mineraes dos mesmos senhores por falta de cumprimento do art. 78 do Regulamento de 19 de Janeiro de 1882, que baixou com o Decreto n. 8387, pois foi pela secretaria da Junta informada que essa fabrica funcciona sem licença da autoridade sanitária. » Tendo apprehendido substancias tóxicas, suspeitando, o que está hoje demonstrado, que ellas entravam na con- fecção dos productos, parece natural que a Junta pedisse - 156 - ao Governo o fechamento da fabrica até o resultado da analyse, assim, porém, não pareceu ao Sr. Barão de Mamoré, que, recebendo o officio acima, respondeu á Junta declarando : « Que não pode ser ordenado, conforme propõe a Junta de Hygiene, o fechamento da fabrica de vinhos artificiaes pelo prazo de três mezes, que julga necessário para as analyses, visto que tal medida não está auto- rizada por lei, não sendo licito proceder-se sem ella a providencias de semelhante natureza; cumprindo, por- tanto, que a Junta de Hygiene intime os proprietários da fabrica para que não continuem a empregar as sub- stancias reconhecidas tóxicas e aguarde a promulgação do novo regulamento sanitário, que prevê e autoriza outras medidas coercitivas, quando não tenham sido observadas as ordens da autoridade sanitária ; « Que deve a Junta de Hygiene suspender a ordem de fechamento expedida em relação á fabrica de águas mineraes, e marcar prazo razoável para que os respe- ctivos proprietários regularisem o estabelecimento, soli- citando a licença exigida pela citada disposição do Regu- lamento de 19 ds Janeiro de 1882 e pelo art. 50 do que baixou com o Decreto n. 828 de 29 de Setembro de 1851, providencias que não consta haver a Junta tomado e que era imprescindível antes da medida extrema do fechamento. » Esse aviso, que parece ter sido redigido pelos Srs. Fritz Mack & C., tal o desembaraço com que se pro- cura nelle exautorar a Junta, mesmo passando por cima da lei, provocou por parte da Junta a pergunta contida no final do officio-resposta dirigido ao Governo, pergunta que ainda não foi respondida. Esse officio accentúa a illegalidade a que o Ministro não se vexou de recorrer para proteger os seus bons e pontuaes clientes: -157 - « A Junla Central de Hygiene Publica, em data de hontem, enviou ao Sr. Ministro do Império o seguinte officio, lido e approvado em sessão, em resposta ao aviso u. 274 de 19 do corrente : « A Junta Central de Hygiene Publica, desejosa de bem cumprir a ordem que V. Ex. se dignou de dar-lhe, em aviso de 19 do corrente, relativa á inlimação para o fechamento das fabricas de Fritz Mack & C, e Er- nesto de Oliveira & C., intimação feita em nome do art. 78 do Regulamento de 19 de Janeiro de 1882, ao qual deve obediência emquanto estiver em vigor, reconhecendo que baldados serão seus esforços em beneficio da saúde pu- blica, desde que fôr suspensa a sancção penal em que incorrerem os infractores das disposições da lei que a regula, faltaria a seu dever se não fizesse respeitosa- mente sentir a V. Ex. que debalde farão intimar aos fabricantes, como V. Ex. ordena, para que não continuem a fazer uso de substancias reconhecidas tóxicas, porque a essa inlimação unanimemente desobedecerão, confiados na impunidade, emquanto não fôr promulgado o novo regulamento sanitário a que V. Ex. se dignou de re- ferir-se no seu respeitável aviso, e a população continuará a ser victimada pela derrama desses productos no com- mercio. « Esta Junta, mandando fechar as fabricas de águas mineraes, como teve a honra de levar ao conhecimento de V. Ex. em officio de 2 do corrente, não fez mais do que obedecer á disposição imperativa da lei, que, usando da expressão — mandar fechar — não deu a esta Junta a faculdade de deixar de fazel-o, quando assim o entendesse, no exercício de sua autoridade, e a isso era ella tanto mais obrigada quanto no estabelecimento dos Srs. Fritz Mack & C. apprehendeu grande quanti- dade de arseniato de sódio, que os mesmos senhores de- clararam ter servido em outro tempo para o fabrico das águas mineraes, o que devia levantar suspeitas no espi- rito da autoridade sanitária, em relação ao fabrico actual. « E tanto assim entendeu esta Junta que, julgando necessário marcar o prazo de três mezes, tempo preciso para effectuar a analyse de todos os productos appre- -158 - hendidos, teve a honra de propor a V. Ex. esta medida, para a qual não estava autorizada por lei. « É verdade não ter esta Junta marcado prazo aos fabricantes para regularisarem seus estabelecimentos, como V Ex. se dignou de observar-lhe, como sendo medida imprescindível; mas esta Junta pede permissão a V. Ex. para não confessar-se em falta, porquanto nem na letra nem no espirito da citada disposição do art. 78, nem em nenhum artigo do regulamento achou autorização para conceder o referido prazo; e considerando que a ninguém era licito fabricar águas mineraes sem prévia licença das autoridades sanitárias, sob as penas do citado artigo, concluio que a lei havia sido lógica abstendo-se de con- ceder prazo para o cumprimento de um dever, cuja op- portunidade ficava ad libilum do fabricante. « Imprescindível era sem duvida essa licença; mas aos interessados, aos fabricantes exclusivamente corria o dever de solicital-a desta Junta, antes de estabelecerem suas fabricas, para não incorrerem nas penas legaes; e para os que se estabeleceram antes de vigorar o citado regulamento e o de 29 de Setembro de 1851, cuja igno- rância não se pode presumir, julga esta Junta ter sido demasiado o período de 35 annos para se submelterem ao regimen legal, em beneficio próprio. « Entretanto, fazendo esta Junta o maior empenho em obedecer ás ordens de V. Ex. em tudo quanto es- tiver a seu alcance na árdua missão de velar pela saúde publica, solicita de V. Ex. a honra de instruil-a a res- peito do artigo de lei que ella deve citar, fundamentando a ultimação que tem de dirigir aos referidos fabricantes, bem como aos muitos outros que existem nesta ca- pital. (*) » Pela leitura dos artigos citados no aviso se vê que a Junta de Hygiene era tribunal de ultima instância, como bem o demonstrou a illustrada e patriótica redacção da Gazeta da Tarde em um artigo de fundo, publicado a (*) Paiz de 24 de Janeiro de 1886. - 159 - 22 de Janeiro do corrente, com o titulo — O advo- gado da morte, — e que adiante publicaremos. Para que o leitor possa ir fazendo idéa da arrogância dos falsificadores, arrogância explicada pelo facto de se terem feito advogar pelo próprio Ministro do Império, vamos narrar um insignificante incidente : A Gazeta da Tarde, tendo tido noticia da visita que fizemos ao laboratório de intoxicação dos Srs. Fritz, Mack & C, deu em sua folha de 31 de Dezembro a seguinte noticia : VENENOS « Uma commissão da Junta Central de Hygiene Pu- blica, acompanhada do fiscal da freguezia de S. José, visitou hontem a fabrica de vinhos artificiaes de Fritz, Mack &C, á rua do Passeio n. 15, e ahi apprehendeu grande quantidade de substancias tóxicas umas, suspeitas de o serem outras, encontradas no laboratório da fabrica. « Entrarão essas substancias na confecção dos pro- ductos dessa fabrica ? » Os Srs. Fritz, Mack & C. vieram logo a publico e, na Gazeta da Tarde de 1.° de Janeiro, sustentaram, com o artigo que se segue, a novíssima e original doutrina de que não tinham obrigação de franquear á autoridade sanitária o seu laboratório particular, esquecendo-se de dizer nessa occasião que esse laboratório estava muito escon- dido, que depois de muito procurar é que demos com elle, que a entrada nesse laboratório foi precedida de uma negação formal, e que a concessão não foi dada senão quando o Sr. Dr. Sarmento, que o descobrira, amea- çou o Sr. Mack de mandal-o arrombar a força armada: - 160 - FRITZ, MACK & C. Junta de Hygiene « Em resposta ao artigo editorial da Gazela da Tarde de 31 de Dezembro próximo passado, sob a epigraphe Venenos, só dizemos que publicaremos o auto lavrado em nosso estabelecimento na occasião da visita da com- missão da Junta Central de Hygiene Publica, logo que obtenhamos a certidão que já requeremos. «Embora julgando não ser nossa obrigação, fran- queamos o laboratório do nosso sócio gerente, um labo- ratório chimico, que, como qualquer outro e ainda que seja modestamente montado, contém certos ácidos e outras drogas mais ou menos tóxicas, que servem, como nin- guém ignora, para investigações e outros exames chi- micos . « Agora, se taes substancias venenosas entram na confecção dos nossos productos, como a Gazeta da Tarde suppõe, é tarefa da Junta de Hygiene (que se acha de posse de todos os nossos fabricados) estabelecer a ver- dade. «Rio de Janeiro, 1.° de Janeiro de 1886. » O leitor que já examinou os autos de apprehensão e busca e que já attendeu á declaração que nesse artigo fazem os Srs. Fritz, Mack AC, fica sabendo que esses senhores confessam que no laboratório chimico do sócio gerente ha « certos ácidos e outras drogas mais ou menos tóxicas, como ninguém ignora, para investigações e outros exames chimicos. » Por menos versado que seja o leitor nos segredos da chimica, sabe que para laboratório chimico faltava ao dos Srs. Fritz, Mack & C. o essencial, que é o vazi- lhame, e, mais ainda do que isso, os reactivos indispen- sáveis á mais insignificante investigação chimica ao -161 - passo que para laboratório de intoxicação elle era com- pleto. Só em arsênico e na celebre substancia verde, que foi encontrada no Charlreuse da fabrica dos mesmos senhores, havia com que envenenar um exercito. A FABRICA DE ERNESTO DE OLIVEIRA & C Duas vezes visitámos essa fabrica, situada á rua do Senado n. 146 D e dá fundos para a rua do Conde d'Eu. Na primeira visita foi-nos apresentado como fabri- cante de vinho e dos outros productos um cidadão, que nos disse ser hespanhol, e declarou ser aualphabeto. Visitamos essa fabrica uma outra vez acompanhados do fiscal da freguezia, e ahi fizemos apprehensão de sub- stancias venenosas, bem como de um liquido colorido, que nos disseram servir para marcar volumes, apprehendemos grande quantidade de productos falsificados e amostra do assucar que empregam e que é de tal qualidade que dá bem idéa da qualidade do producto que deve resultar da fermentação de tal substancia, como tudo se verá dos autos que adiante publicamos e das amoslras apprehen- didas. Nessa segunda visila o cidadão hespanhol retirou-se para um segundo plano e apresentou-se como fabricante o Sr. Francisco Correia Diniz, pharmaceutico estabelecido nesta capital com pharmacia na praça do General Osório. Este senhor não estava quando chegámos. Preve- nido pelo telephone, apresentou-se na fabrica meia hora depois e assignou os autos na qualidade de procurador dos Srs. Ernesto de Oliveira & C. 11 - 162 - Ahi apprehendemos amostras de águas mineraes falsi- ficadas e mandamos inutilisar a que havia em deposito, na fôrma do art. 78 do Regulamento de 19 de Janeiro de 1882 c de tudo se deu conhecimento ao Governo. E' do theor seguinte o auto de apprehensão feito na fabrica de vinho e licores de Ernesto de Oliveira & C., á rua do Senado n. 146 D: « Auto da apprehensão feita na fabrica de distillação de Ernesto de Oliveira & C, á rua do Senador Ber- nardo de Vasconcellos n. 146 D. Freguezia de Santo Antônio—«Aos dous dias do mez de Janeiro do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1886, na rua do Senador Bernardo de Vasconcellos n. 146 D, na fabrica de Ernesto de Oliveira & C, ahi presentes os Srs. Drs. Luciano de Moraes Sarmento e Arthur Fernandes Campos da Paz, o fiscal desta freguezia, Gaspar Alves Meira, e os guardas mu- nicipaes abaixo assignados, foi pelos mesmos apprehen- dido e remeltido á repartição da Junta Central de Hygiene Publica os seguintes objectos: uma garrafa com o se- guinte rotulo: Lagrimas d'ouro — Porto—com as armas intercaladas no distico sem menção da fabrica; uma garrafa com rotulo Sue de grozelle; um frasco com o distico Essence de sue de annanaz; com o nome E. Buden, um frasco com assucar mascavo ordinário; um frasco com rotulo Chlorato de polassio; uma garrafa com laran- ginha; um frasco com maceração de assafrão ; uma gar- rafa de cognac R. Loubet&C,, e armas intercaladas no texto; uma garrafa de xarope de gomma fabricado na casa com o distico — Sirop super fin, garanti pur sucre. Pour éviter Ia contrafaçon exiger sur 1'ctiquelle le nom des inventeurs N. Santernot & C. de Rouen. Seul depôt a Paris, chez M. M. Marchand Primer. Négociants dis- tillateurs, 212 place St. Antoine; um frasco com o distico Ess. de Banana; um frasco com o dizer, Caju; uma gar- rafa com o seguinte rotulo : Vermouth Premiato con croce d'oro ai Exposicione de Londres, 1870. Cunex&C,. Prov. -163- delle Reali Case d'Itália e Portogallo. Torino; uma garrafa com rotulo — Vinho especial de canna. Ernesto de Oliveira & C. Rio de Janeiro; uma garrafa com rotulo Cognac Fine Champagne. I. Vianny & C. Bordeaux; uma garrafa de vinagre branco; uma garrafa de vinagre tinto fabri- cado na casa; uma garrafa com rotulo Vinho velho. Especial qualidade ; uma garrafa com matéria corante, a qual declarou o fabricante ser para marcar volumes; uma amostra de matéria corante; a qual declarou o fa- bricante não empregar; meia garrafa com o seguinte rotulo: Etablissement Thermal Vichy. Proprieté de l'Étal, rotulo extenso e em tudo perfeitamente igual aos das garrafas de águas mineraes francezas; meia garrafa com letreiro — Monopol Adler. Marca Selters Wasser. Feita a seguinte apprehensão, o fiscal mandou lavrar o presente auto para os devidos effeitos, e eu Joaquim Luiz Tarlé, que este lavrei.—Dr. Luciano de Moraes Sarmento.—Dr. Arthur Fernandes Campos da Paz.—Gaspar Alves Meira, por procuração de Ernesto de Oliveira & C— Francisco Correia Diniz. Como testemunhas, Pedro José Gomes da Silva.—Francisco Martinho da Gama.— Joaquim José Pereira. » Não posso resistir ao desejo de chamar a attenção do leitor para o Sirop garanti pur sucre, que é uma fal- sificação de rotulo na qual o falsificador nos recommenda d'exiger 1'étiquette pour éviter Ia contrefaçon! A Junla intimou o fechamento da fabrica de águas e mandou inutilisar as águas mineraes por serem falsificadas, entretanto os Srs. Ernesto de Oliveira & C. julgam que não lhes é desairoso estar fora da lei nem falsificar águas mineraes, ao menos assim o dizem os mesmos senhores no artigo por elles firmado e publicado no Paiz de 9 de Janeiro do corrente : - 164 - VINHOS ARTIFICIAES « Uma intimação da Junta Central de Hygiene Pu- blica, em officio de 5 do corrente, que aliás só hontem (7) recebemos, ordenando o fechamento do nossa fabrica de águas mineraes, por havermos incorrido na sancção de art. 78 do regulamento que baixou com o decreto n. 8.387 de 19 de Janeiro de 1882, obriga-nos a vir ainda uma vez á imprensa explicar aos que até agora nos tem honrado com a sua confiança, que continuamos a ser dignos delia, porquanto o fundamento da intimação não foi o haver qualquer analyse encontrado substancia nociva em nossos productos, e sim não se achar lega- lisada a fabrica com a respectiva licença para funccionar nos termos do artigo citado do regulamento. Saberemos cumprir com o nosso dever; mas fique desde já con- signado que nenhum motivo desairoso para nós deter- minou o ordenado fechamento. « A intimação nos encontrou desprevenidos como a todas as demais fabricas similares e descansados e tran- quillos na crença de que, sendo a nossa fabrica estabe- lecida anteriormente ao regulamento, não se podia en- tender com ella a disposição do art. 78. Se entendemos bem ou mal, não vale a pena discutir, desde que não temos motivos para nos furtar ao dever de pôr o nosso esta- belecimento em condições legaes e é hoje até de nosso interesse que assim seja para mais uma vez provar a boa fé, lisura e honestidade com que exercemos a nossa industria. » Estava assignado pelos Srs. Ernesto de Oliveira & C. que, requerendo licença nessa occasião que não sei se já foi dada, acreditam provar mais uma vez a boa fé, lisura e honestidade com que exercem a sua industria, como se fosse honesto dar a productos por elles fabri- cados rotulação estrangeira, e como se fosse prova de boa fé vender, como importadas do estrangeiro, águas mineraes clandestinamente fabricadas na rua do Senado. — 165 — Nesse mesmo dia a Gazeta da Tarde publicava o apedido que se segue, e que refuta a doutrina dos Srs. Ernesto de Oliveira & C. : A QUESTÃO DOS VINHOS « Um artigo assignado pelos Srs. Ernesto de Oli- veira á C. e publicado no Paiz de hoje, nos suggere algumas considerações em relação ao pouco cuidado com que as nossas autoridades vigiam o cumprimento da lei. « O art. 50 do regulamento sanitário de 1851 re- zava o mesmo que o art. 78 do regulamento de 1882, logo isso é lei desde 1851 e, desde essa data portanto isto é, ha 35 annos que a fabrica de águas mineraes dos Srs. Ernesto de Oliveira & C funcciona illegalmente: « A inlimação encontrou os mesmos senhores des- prevenidos, descançados e tranquillos, porque, sendo a sua fabrica anterior ao regulamento de 1882, não se podia entender com ella a disposição do art. 78. « Se o tal artigo se entende com as fabricas não vale a pena discutir. « Conscios simplesmente de que nenhum cidadão pode allegar ignorância da lei, digamol-o que ella data de 1851 e portanto se presume que desde antes dessa data ha fabricas que funccionam illegalmente e demos os parabéns ao Governo que, para deixar os fabricantes des- prevenidos, descançados e tranquillos, mantém duas com- missões sanitárias a 300&000 mensaes para cada membro, e são muitos, e uma Junta de Hygiene a 66$666 ditos, e o que vale é que são poucos.» Realmente se esses senhores não são leaes e honestos quando vendem águas que fabricam clandestinamente em sua fabrica, e quando rotulam fraudulentamente os seus productos, como se vê do auto publicado, fazem o pos- sivel para parecerem honestos e leaes, senão vae ver o - 166 - leitor que na occasião em que a Junta visitava as fa- bricas, recolhia amostras e apprehendia venenos, esses se- nhores levaram ao laboratório de Hygiene para submetter a analyse uma amostra de tinta para colorir vinho, que re- ceberam « do seu fornecedor de Hamburgo. O Laboratório procedeu ao exame e deu o parecer que transcrevemos da seguinte noticia do Paiz de 27 de Dezembro de 1886: « Tendo o Inspector do Laboratório de Hygiene, na analyse a que procedeu, a pedido de Ernesto de Oli- veira & C, em um liquido destinado a tingir vinho, verificado a existência de uma substancia corante vio- lete, derivada da anilina, a Junta Central de Hygiene Publica remetteu cópia do resultado da mesma analyse á commissão vaccinico-sanitaria da Gloria, afim de que intimasse aquella firma social para não empregar seme- lhante liquido, recommendando a maior vigilância sobre o cumprimento desta intimação. « A analyse do Laboratório de Hygiene é a seguinte : «Esse liquido, de consistência xaroposa e côr ver- melho-vinosa intensa, contém uma substancia corante violele, que isolámos e fixamos sobre a seda e a lã, empregando: 1.°, o processo de investigação especial dos derivados básicos do alcatrão de hulha'de Ch. Gi- rard; 2.', o de Romei, modificado por Marly; 3.°, o de Fahiores, modificado por Jacquemin e Ritter. « O ensaio prévio sobre o giz albuminado deu lugar, no fim de 24 horas, a uma mancha arroxada. « A seda e a lã tintas, depois de lavadas e seccas descoram-se pela acção da ammonia. Tratadas por algu- mas gottas de ácido chlorhydrico concentrado, adquirem uma côr amarella pardacenla, que torna-se novamente violete pela addição da água. «A solução'amylica de côr violele, obtida no se- gundo processo empregado, tratada a volumes iguaes por ammonia diluída, descora-se, conservaudo-se também mcolor a camada aquosa ammoniacal. -167 - « Para procedermos á investigação do arsênico, actuámos sobre 200 grammas do liquido em questão, que evaporámos a banho-maria, destruindo o resíduo pelo processo do Barão de Theresopolis; o liquido obtido não forneceu arsênico no apparelho de March. O producto contendo uma subslaucia corante violete, derivada da anilina, é prejudicial á saúde. « Rio de Janeiro, 9 de Dezomdro de 1885. — Dr. José Borges Ribeiro da Costa, Inspector do Laboratório de Hygiene da Faculdade de Medicina. » A Junta recommendou á commissão que intimasse aquella firma a não empregar semelhante liquido e exer- cesse a maior vigilância para que a intimação fosse cumprida. A Junta assim procedeu, porque sabia que esses senhores não têm laboratório em seu estabelecimento, sabia que elles não mandavam analysar as drogas sus- peitas que recebiam de seu correspondente de Hamburgo e que portanto a vida dos consumidores do vinho e mais productos do Sr. Ernesto estava confiada á honestidade do seu correspondente em Hamburgo. A Junta sabia, e toda a gente sabe, que Ham- burgo é o berço da falsificação, e ainda agora Dujardin Beaumetz nos diz na Academia de Medicina de Pariz que allemães, accusados de venderem alcools intoxi- cados por alcools superiores, desculparam-se allegando que o álcool venenoso era exportado para a França. A procedência, pois, do liquido de tingir vinhos importado pelos Srs. Ernesto de Oliveira & C. era por demais suspeita, e a analyse confirmou a suspeita, de- clarando venenoso esse liquido. Os Srs. Ernesto de Oliveira & C. não pretenderam, com o pedido de analyse para-esse liquido, senão armar -168 - effeito de honestidade, pois que do contrario nos dariam informações mais exactas de suas relações com o seu fornecedor hamburguez. Que os Srs. Ernesto de Oliveira & C. empregavam tal liquido é evidente, e a analyse que já tentou es- conder drogas congêneres nos vinhos dos Srs. Fritz, Mack & C, ha de por força descobril-o na amostra por nós apprehendida aos Srs. E. de Oliveira & C. E' preciso que o leitor se convença de que os fabricantes de vinhos arlificiaes não dispensam os vene- nos, e a prova ahi está: a Alfândega apprehendeu sub- stancia venenosa destinada a colorir vinhos e importada directamente pelos Srs. Fritz, Mack & C. e as drogarias poderiam informar, sob a pressão de um inquérito judicial serio, que os seus melhores freguezes de fuchsina e outras drogas venenosas são os fabricantes de vinhos arlificiaes. A intimação da Junta foi recebida pelos falsificadores do modo por que o leitor vai ver em uma noticia que transcrevemos da Gazeta da Tarde de 7 de Janeiro do corrente : QUESTÃO DOS VINHOS « Ao presidente da Junta Central de Hygiene Pu- blica dirigio ao Sr. Ministro do Império o seguinte officio, datado de 31 do passado: « Em officio de 23 do corrente mez communicou-me V. S. que, tendo a commissão vaccinico-sanitaria da Gloria, em virtude de ordem da Junta Central de Hy- giene Publica, intimado Ernesto de Oliveira & C, esta- belecidos com fabrica de vinhos artificiaes, para não empregarem na coloração dos vinhos o liquido que sub- metteram a exame do laboratório de hygiene, por se -1M- ter verificado conter elle uma substancia violete, deri- vada da anilina, recusaram-se os mesmos Ernesto de Oliveira & C. a assignar o termo de intimação. « A' vista do exposto, cumpre que a Junta de Hy- giene mande fazer nova intimação, sob pena de fecha- mento do estabelecimento, a qual será applicada, se se reconhecer, por ulterior analyse dos productos da men- cionada fabrica, que foi empregado o liquido de que se trata. » Os falsificadores antepuzeram sua palavra á da Com- missão Sanitária, affirmando não terem recebido inlimação e declarando que não se recusariam a obedecel-a. O leitor que escolha entre a affirmação da Com- missão Sanitária e a dos Srs. Ernesto de Oliveira & C., inserta no artigo que abaixo publicamos, extrahido do Paiz de 9 do corrente, e o Sr. Barão de Mamoré que receba com especial agrado os agradecimentos que lhe enviam os Srs. Ernesto de Oliveira & C. por ter re- salvado os seus direitos contra injustiças da autoridade sanitária : « Os jornaes de hontem dão noticia de um aviso de S. Ex. o Sr. Ministro do Império á Junta de Hy- giene, ordenando que mandasse fazer nova inlimação para não empregarmos de novo uma substancia violele, deri- vada da anilina, na coloração de nossos viuhos, sob pena de fechamento de nosso estabelecimento, visto que nos recusáramos a obedecer á primeira, que nos havia sido feita pela mesma Junta. « Agradecemos a S. Ex. o Sr. Ministro a prudência e critério com que deliberou sobre nossos direitos, por- quanto, se não fora assim, S. Ex. na boa fé e guiado mesmo pelas boas intenções, que presidem a todos os seus actos, nos teria feito a maior das injustiças, pre- judicando altamente importantes interesses nossos. « Nunca recebemos intimação alguma a esse respeito -170 - da parte de qualquer autoridade e nunca seriamos ca- pazes de pôr difficuldade no obedecel-a, além de outras, por uma razão peremptória, e é que não fazemos emprego de tal substancia. « Havendo recebido do nosso fornecedor de Ham- burgo um liquido próprio para a coloração de vinhos, nos dirigimos em dala de 25 de Novembro do anuo pró- ximo passado ao Inspector do Laboratório de Hygiene da Faculdade de Medicina, o honrado Sr. Dr. Borges da Costa, pedindo que procedesse á nossa custa á sua analyse a ver se continha matéria nociva. « Procedemos assim espontaneamente e em tal caso como explicar que, convencidos de haver princípios no- civos na substancia, fizéssemos uso delia? « A querer andar de má fé, no intuito de illudir, trataríamos de evitar a analyse, economisando por esta fôrma tempo e dinheiro. « O nosso procedimento, porém, recorrendo á auto- ridade constituída para que ella nos informassa se havia ou não inconveniente na substancia que nos havia sido fornecida, prova de um modo claro a nossa honestidade. « E é porque nos esforçamos para não nos desviar uma linha sequer dos bons princípios, que não nos ar- receiamos dos rigores da lei, desde que sejam elles appli- cados por espíritos rectos e desprevenidos de paixões. « Disto se hão de convencer, cedo ou tarde, as autoridades sanitárias, a opinião publica e o muito digno e honrado Sr. Ministro do Império, queiram ou não os interesses contrariados; que, sem escolher os meios, têm agitado esta questão.— Ernesto de Oliveira & C. » O leitor sabe que os Srs. Ernesto de Oliveira & C, não têm hoje razão de queixa das autoridades sanitárias, que são espíritos rectos e desprevenidos de paixões. Por isso dão licenças sem analyses, não inquirem do Sr. Cardoso se ainda emprega fuchsina e ácido sali- cylico, não indagam do Sr. Ernesto se já mudou de fornecedor e ensinam aos Srs. Fritz Mack & C. que não -171 - importem directamenle fuschsina, que a comprem, como os outros, nas drogarias, pois a economia não compensa os incommodos de uma apprehensão na Alfândega, e, não contente com tanta rectidão e tanta desprevenção, ainda vêm pelos a pedidos do Jornal subscrever artigos, que podiam ser assignados pelos Srs. Fritz Mack & C, Er- nesto de Oliveira & C, Pereira & Silva, Teixeira Car- doso ou qualquer outra illustre firma falsificadora. FABRICA DE MANOEL TEIXEIRA CARDOSO, Á PRAIA FORMOSA N. 167 Só visitámos essa fabrica uma vez, e isso depois que o Laboratório já tinha descoberto veneno (*) em seus productos. (**) Fomos mal recebidos pelo empregado, que pretendeu impedir que recolhêssemos amostras, e, quando foi con- vencido de que, apezar da protecção do Sr. Barão de Mamoré, estávamos prevenidos para coagil-o a ceder, (*) No fim deste livro o leitor encontrará a analyse do laboratório, que requeri por certidão. (•*) A propósito dessa descoberta, o Paiz de 7 de Dezembro do aaao passado deu a seguinte noticia : « Tendo-se verificado, mediante analyses praticadas no laboratório de hygiene da Faculdade de Medicina, sobre as amostras enviadas pela Commissão vaccinico-sanitaria de S. Chnstovão, de vinho e vinagre brancos e de vinho e vinagre tintos da fabrica sita á Praia Formosa n. 167 a existência de ácido salycilico em uma das amostras do vinho branco e a de uma matéria corante violete, derivada da anilina, no vinho tinto e no vinagre tinto, resolveu a Junta Central de Hygiene Publica mandar intimar o proprietário da mesma fabrica para não con- tinuar a confeccionar taes productos, visto ser o seu uso prejudicial á saúde. «A resolução da Junta foi approvada pelo Sr. Ministro do Império em Aviso de 4 do corrente. » A Junta fez o que podia fazer: intimou e pedio providencias ao Ministro, e essas providencias toda a gente sabe quaes foram : approvou o acto da Junta, e mais não disse. -172 - quiz ainda fazer imposições sobre o modo e o lugar de onde seriam retiradas as amostras, mas desde que o convencemos de que era ainda escusado tentar qualquer resistência, franqueou-nos o estabelecimenlo e nos tratou com a maior distincção. Tal foi a distincção com que nos tratou que, ao terminar a nossa visita, instou comnosco para que accei- tassemos um pouco de vinho. Tendo um de nós retorquido que nos dispensasse de corresponder á gentileza do offerecimento, porque não podíamos acceitar vinho de sua fabrica, sobre o qual pe- sava a certeza da falsificação e a suspeição de envene- namento, elle retrucou que não seria capaz de nos offe- recer senão daquelle de que usavam para gasto, e era superior. De facto, provámos um excellente vinho, e ao ouvir a nossa approvação, elle exclamava cheio de si: «Este é genuíno, é importado directamente para gasto da casa. » A propósito lembraremos, para não repetir, que na fabrica dos Srs. Schuman & C, na Gamboa, também bebem bom vinho, que importam directamente. Veja o leitor: elles não bebem do vinho que pre- param ; esse é para envenenar o consumidor. Importam vinho para si e fabricam drogas venenosas para o publico. Eu consentiria que esses senhores fabricassem vinho artificial, mas obrigal-os-hia a beberem desse vinho diaria- mente dose igual á que ingerem do vinho de uva qile importam, e estou certo de que, diante de tal ameaça, elles abandonariam o nefando fabrico. Apprehendemos ahi amostras que estão no Labora- -173 - torio de Hygiene, officialmente guardadas em um quarto lacrado. FABRICA DE PEREIRA & SILVA Esta fabrica de cerveja, situada á rua de Theo- philo Ottoni, tem uma secção que era clandestina, que é hoje conhecida da Inspectoria de Hygiene, apezar de não ter licença dessa Inspectoria nem da Câmara Mu- nicipal. Nessa secção clandestina se fabrica vinho, vinagre, licores etc. Grande quantidade de veneno nós ahi apprehen- demos; o fabricante declarou que se servia delles para a preparação dos seus productos; fomos ahi acompa- nhados pelo Fiscal da freguezia, o cidadão Carlos Pe- reira Rego, que de tudo lavrou auto e na forma do Tit. 2.°, § 1.° do Código de Posturas, fez remover para o Deposito Publico os productos envenenados. De tudo se deu conhecimento ao Ministro do Im- pério, a quem foram por copia enviados os autos la- vrados pelo Fiscal da freguezia. Tal era a protecção que o Sr. Ministro do Império entendeu dispensar a tudo quanto fosse falsificação, que a Junta recebeu um Aviso em que se lhe declarava que ella se não tinha baseado em nenhum preceito legal para fazer remover para o Deposito Publico os productos de Pereira & Silva e que em outra occasião se limi- tasse a tirar amostras para analyses. Ainda desta vez o Ministro não conseguio o seu intento, pois respondeu-se-lhe que á Junta apenas cabia a responsabilidade da declaração de que taes productos - 174 - eram prejudiciaes á saúde, e isso ella demonstraria pelas analyses das amostras apprehendídas; quanto á remoção para o Deposito, corria por conta da autoridade mu- nicipal, que cumprio o § 1.° do Tit. 2.° do Código de Posturas, como se vê do oílicio junto, pela Junta man- dado ao Ministro em resposta ao illegal Aviso : « A Junta Central de Hygiene Publica, em resposta ao Aviso de V. Ex., datado de 16 do corrente, tem a subida honra de levar ao conhecimento de V. Ex. que se fez acompanhar do Fiscal da freguezia do Sacramento, o cidadão Carlos Pereira Rego, na visita que fez á fa- brica de cerveja de Pereira & Silva, á rua Theophilo Ottoni ns. 151 e 168, para que essa autoridade obrasse na forma das posturas municipaes, e tendo ahi encon- trado em uma secção clandestina da dila fabrica de cer- veja liquidos destinados ao consumo e ahi fabricados, taes como: vinho, vinagre, xaropes, etc, uns corrom- pidos e outros falsificados, presumindo-se das declarações do fabricante serem essas falsificações feitas com sub- stancias venenosas, que ahi apprehendeu e fez disso sciente á autoridade municipal, como preceitúam, entre outros, o art. 31 § 3.° do Regulamento de 19 de Janeiro de 1882, e a autoridade municipal procedeu na forma do Tit. 2.° § 1.° do Código de Posturas (*), cabendo a esta corpo- ração apenas a responsabilidade da declaração de que taes gêneros eram deteriorados e falsificados, como a ana- lyse demonstrará, e á autoridade municipal a do cumpri- mento da postura citada. « A vista do exposto, a Junta Central de Hygiene Publica, vem respeitosamente ponderar á V. Ex. que, (•] S 1.» do Titulo 2.»: « Os que venderem ou tiverem á venda quaesquer gêneros sólidos ou liquidos corrompidos ou falsificados, serão multados em 30S000 e nas rein- cidências em OOgOOO, e em 15 dias de cadèa: o Fiscal fará conduzir ao De- posito Publico os ditos gêneros, para terem destino que ihes fôr dado por sentença. « As carnes ou peixes que estiverem damnificados, serão logo enter- rados ou lançados ao mar. » -175 - para o procedimento alludido, se baseou em disposição legal vigente. » A redacção desse officio, foi unanimemente approvada em sessão de 18 de Janeiro, e nessa mesma data foi enviado o officio ao Governo. Quanto ao ter-se feito acompanhar pelo Fiscal, se não fosse o cumprimento do Regulamento em vigor que o preceituava, era obediência ás ordens do próprio Mi- nistro, como se vê da seguinte noticia que a Gazeta da Tarde publicou em seu numero de 18 de Dezembro do anno passado: « O illustrado Sr. Dr. Freire, Presidente da Junta de Hygiene, recebeu do Sr. Ministro do Império a se- guinte communicação : « Declaro a V. S., para conhecimento da Junta de Hygiene e afim de o fazer constar ás commissões vac- cinico-sanitarias, que, sempre que a mesma Junta ou as commissões, nas visitas sanitárias e mais diligencias a que procederem em virtude de suas attribuições, ve- rificarem a infracção de posturas municipaes, devem dar conhecimento do fado á íllma. Câmara e ao respectivo fiscal, a quem compete lavrar o auto da infracção, com assignalura de duas testemunhas, e remettel-o ao Pro- curador da Câmara para os devidos effeítos, conforme preceitúa o art. 45, § 1.° do Decreto n. 4823 de 22 de Novembro de 1871. » Fizemos melhor, fazendo-nos acompanhar do Fiscal. Ignoraria o Ministro o Código de Posturas? Não será para admirar, visto como no Senado já declarou que era hospede na questão dos vinhos. -176 - FABRICA DE TAVARES & SINDE Na rua do Areai, na fabrica dos Srs. Tavares & Sinde, onde se prepara o mesmo vinho que nas outras, com a denominação, portas a dentro, de vinho de cevada, vimos apenas uma barrica com esse producto. Ahi nos quizeram a principio fazer provar, como preparado lá, excellente vinho de Malaga, que depois de descoberto, confessaram ter sido directamente importado para presentear um alto personagem. Retiramos d'ahi amostras de vinho e vinagre. AS OUTRAS FABRICAS Em todas as outras fabricas fizemos apprehensão de substancias tóxicas, além da de amostras dos productos; nada tendo occorrido de notável para especial menção e damos por eoncluida a nossa tarefa de descrever a vi- sita que fizemos, dando a lista das fabricas, incluindo nella as que foram descriptas com minuciosidade neste eapitulo e communicando ao leitor que todos esses pro- ductos e drogas venenosas ainda se acham guardados em uma sala do Laboratório de Hygiene legalmente lacrada. Fritz, llack tf C, rua do Passeio 15. Tavares tf Sinde, rua do Areai 16 e 27. Benjamim do Carmo Braga, rua do Livra- mento 23 e travessa do Ouvidor 17. Braga tf Irmãos, rua de S. Pedro 83. Carmo Braga tf C, rua do General Câmara 118, (Deposito). Ernesto de Oliveira tf: C, rua do Senado 146 D. Faria tf Ramos, rua de S. José 113. -177 - José CaflTareua tf C, travessa de S. Francisco de Paula 14. llacliado, Irmã» tf < .. rua da Uruguayana 31. Santos Guedes tf C, rua da Conceição 24. Pereira tf Silva, Secção Clandestina da Fabrica Central de Cerveja, rua Theophilo Ottoni 168 e 121. Scliuman tf C, (*) rua da Saúde 156 e 164. Ilanoel Teixeira Cardoso, praia Formosa 167. (Nesta fabrica já se encontrou fuchsina, colorindo vinhos e vinagres e ácido salicylico nos vinhos). Tliymotheo de Souza Spinola, rua do Núncio 30. Depois disso já se têm aberto mais algumas fabricas, (**) a saber: uma, no largo do Deposito, do Sr. Rrandão, [*) Desta nova firma são sócios commanditarios os Srs. C. Schumann, que o Almanack de Laemmert diz morar no Boulevard de Batiqnolles, 36, Pariz, e que é o mesmo que em pouco tempo enriqueceu na rua do Passeio, e o Sr. Francisco do Carmo Braga, o 1.° allemão, o 2.° portuguez. É gerente da fabrica o Sr. Herman Eisenstuck Schumann, sobrinho do piimeiro a quem os Srs. Fritz, Mack & C. negaram sociedade em sua fabrica, como foi sollicitado pelo tio, o que deu em resultado a creação de mais um laboratório de intoxicação, para enriquecei em pouco tempo o Sr. Herman, que irá talvez também para os boulevards parisienses sabo- rear o ouro ganho honestamente no exercido da industria nacional, deixando aqui carcomidos pela doença os intestinos nacionaes, enner- vada pela loucura a alma nacional, diminuída a população nacional, só tendo realmente concorrido para o engrandpcimento dos cemitérios. Que o Sr. Barão de Mamoré ainda seja ministro para condecorar com a grã- cruz do Cruzeiro o subdito allemão que tanto beneficio presta á nossa cara pátria, e para nos deportar a nós os intranzigentes. (**) Em Nitheroy, além de uma grande fabrica estabelecida no Graguata, S. Domingos, á rua Guarany ns. 25 e 27, pertencente ao Sr. Manoel Ferreira Garcia Redondo, ha outros laboratórios de into- xicação, de alguns dos quaes dá noticia o Paiz de 19 de Dezembro do anno passado nos seguintes termos: « Em Nitheroy, o digno delegado da Junta de Hygiene, acompanhado do subdelegado do 2.o districto, apprehendeu no dia 26, em algumas 12 -178 - que, ao tempo em que fazíamos parte da Junta requereu um privilegio para preparação de vinagre e creio que também para vinhos, o que não chegou a conseguir então, parecendo-me entretanto que os obteve posteriormente da actual Inspectoria ; não o affirmo, mas o que sei é que ella funcciona a portas fechadas; outra, na rua do Cães da Gloria, de Quintino & C-, afora outras que ainda estejam receiosas de aífrontar a moralidade publica, e por isso funccionem inteiramente ás occultas, como uma que nos consta haver em Catumby, Essas visitas, a noticia que dellas dava a imprensa diária, a publicação dos actos da Junta, os Avisos do Governo e a arrogância com que se ostentavam os fal- sificadores arrogância que chegou ao ponto de um delles, os Srs. Fritz, Mack & C, tentar processar o Dr. Freire, depois de o ter mandado provocar no laboratório da Faculdade, tudo isso arrancou á penna do illustre re- dactor da Gazda da Tarde um enérgico protesto em um artigo de fundo, que se tornou celebre, encimado com o titulo — o advouado da morte, publicado a VI de Janeiro do corrente, véspera da demissão da Junla de Hygiene, e que não podemos deixar de collocar sob os olhos do leilor: O advogado da morte «O Sr. Ministro do Império assumio francamente as funcções de advogado dos falsificadores de vinho e de águas mineraes, esses agentes do depauperamento da saúde publica, sapadores imperceptíveis da vida da população. tabernas, uma beberagem artificial, nociva á saúde, e que estava sendo vendida com o nome de vinho. « Juntam-se algumas preparações venenosas, que dão em resultado um liquido da côr do vinho, e impinge-se isso ao povo como sueco de uva. » -179 - « S. Ex. proclamou-se de facto advogado da morte acceilou com desembaraço a procuração dos envenena- dores remunerados pelo vicio de alguns e pela ignorância da maior parte. « Depois que a sciencia hygienica e medica, por todos os órgãos de que dispõe, desde a Junta Central de Hygiene Publica até a Academia de Medicina do Rio de Janeiro ; desde a opinião dos profissionaes brazileiros até a dos de todo o mundo eivilisado, condemnou como prejudiciaes á saúde todos os preparados que são impro- priamente chamados e criminosamente vendidos como vinhos, o Sr. Ministro do Império, insurgindo-se contra a sciencia e contra o decoro do Governo, placita o abuso, indulta o crime, e procura desprestigiar a benemérita corporação que emprehendeu a caça aos protegidos de S. Ex. « Para se avaliar bem o escândalo ofíicial por parte de S. Ex. é preciso narrar o facto, collocal-o em face da lei e do aviso hontem expedido pelo ministério do Império. « A casa Fritz Mack & C. tem uma fabrica de águas mineraes, annexa a uma outra de vinhos, vinagres e licores. « A Junta de Hygiene, visitando esse estabeleci- mento, apprehendeu grande quantidade de substancias toxiVas, e soube que a fabrica de águas mineraes func- cionava sem licença. « Eis o facto. « Como procedeu a Junla? applicou o art 78 do Regulamento de 19 de Janeiro de 1882, na parte que se conformava ao caso e recorreu para o Governo, quanto á fabrica de vinhos. « Leiamos o art. 78: « Sem licença das autoridades sanitárias não se estabelecerão fabricas de águas mineraes. « Para obtenção da licença os interessados apresen- tarão amostras das águas, afim de se reconhecerem suas qualidades, e poderão assistir ás respectivas analyses. « As mesmas autoridades visitarão as fabricas todas as vezes que julgarem conveniente; e si encontrarem águas falsificadas ou deterioradas, ou rótulos que não - 180 - sejam os das próprias fabricas, ou não indiquem real- mente o conteúdo das vasilhas, farão inutilisar umas e outros, quantos estiverem em deposito e mandarão fechar as fabricas por um mez. Desta decisão haverá recurso para a Junta de Hygiene, no caso de ser imposta a pena pelas commissões parochiaes. » Deste artigo se deprehende: 1.° Que nenhuma fabrica de águas mineraes pode funccionar sem licença da Junta de Hygiene, e que o Ministro do Império não é autoridade para dar taes li- cenças ; 2.° Que mesmo as que têm licença podem ser fe- chadas pelas Juntas Sanitárias; 3.° Que a Junta de Hygiene é o ultimo tribunal para julgar da justiça da applicação dessa pena. Pois bem : o Sr. 3Iinistro do Império, tendo noticia da sentença proferida pela Junta de Hygiene, intervém illegalmente, e diz o seguinte: « Que deve a Junta de Hygiene suspender a ordem de fechamento expedida em relação á fabrica de águas mineraes, e marear prazo razoável para que os respe- ctivos proprietários regularisem o estabelecimento sollici- tando a licença exigida pela citada disposição do Regu- lamento de 19 de Janeiro de 1882 e pelo art. 50 do que baixou com o Decreto n. 828 de 29 de Setembro de 1851, providencia que não consta haverá Junla tomado e que era imprescindível antes da medida extrema do fechamento. » Posto este Aviso em face do Regulamento, o es- cândalo se espapa epicuriamente, podendo apenas justificar- se pela conformidade com o primo vivere, deinde phüo- sophare, versículo da bíblia ministerial. A Constituição Política do Império não admitte -181 - nenhum commercio, ou industria, nenhuma cultura, ou trabalho que se opponha aos costumes públicos, á segu- rança e á saúde do cidadão. As fabricas de vinhos artificiaes são um estimulo á bebedice e o Sr Ministro do Império salta por cima das leis para protegel-as. Na fabrica de Ernesto de Oliveirra & C encontrou a Junta de Hygiene um laboratório de intoxicação do povo. A amostra do assucar, que a Junta apprehendeu é da peior espécie, e isso explica as diversas fermen- tações, entre as quaes a fermentação pútrida... « Os fabricantes em todas essas fabricas são com- pletamente ignorantes nas questões as mais comesinhas da chimica industrial. » Pois bem, o Sr. Ministro do Império, que é na matéria tão ignorante como os alludidos fabricantes, (*) de- clara que não pode ser ordenado o fechamento de se- melhante fabrica, nem o das suas congêneres. E' quasi inacreditável que este paiz tolere ministros deste jaez; collaboradores irresponsáveis da destruição da saúde publica ; desembaraçados cúmplices do lento enve- nenamento de um povo. « A lei agarra pela golla os falsificadores: o Go- verno os amnistia A lei investe a Junta de Hygiene de poderes para guardar a primeira fortuna de um povo — a sua saúde — o Governo cassa-lhe esses poderes para legitimar a au- (*) S. Ex. confirmou esse juizo pois que em pleno Senado declarou- se hospede na questão dos vinhos artificiaes e confessou nunca ter lido cousa alguma á respeito. - 182- ricidia de alguns felizes morlaes, que sabem pagar ad- vogados em todas as posições. O que resta apenas depois do confronto que aca- bamos de fazer entre a lei e os avisos do Sr. de Ma- moré, é que S. Ex. demitia a Junta de Hygiene actual e nomeie para a nova os Srs. Fritz Mack & C, Er- nesto de Oliveira &C, Pereira & Silva e todas as mais beneméritas firmas, que tanto favor, dedicação e prestigio souberam conquistar no Governo; ao ponto de fazer do ministério do Império o primeiro sócio commanditario ^*) da sua industria. » No sabbado 23 de Janeiro em que o Imperador resolveu o conflicto entre os falsificadores, representados pelo Ministro do Império, e a moralidade, representada pela Junta de Hygiene, pela demissão desta, ainda a Gazeta da Tarde em sua Semana Política, depois de nos dar no- ticia da submissão geral á prepotência do Governo e de tornar-se echo do—gloria in excelsis Deo et m terra pax hominibus, entoado em toda a parte, assim se ex- prime em relação á Junta de Hygiene : « Uma única excepção contrasta essa communidade de obediência : é a Junta de Hygiene, mas esperamos em Deus que ella acabará reconhecendo que no Império só podem salvar-se aquelles que, á semelhança de Cons- tantino, reconhecem o in hoc signo vinces, que divinisou a nossa moeda. «A Junta de Hygiene ha de afinal reconhecer que o vinho falsificado é necessário para completar o nosso systema de governo. « O Governo já nos matou a alma ; resta-lhe ma- tar-nos o corpo. « Elle tem-se esforçado muito para conseguir este resultado. (*) Se o não é, parece. -183- « O systema de encanamentos da City Improvements, a desidia na limpeza publica, a falta de hygiene nas construcções, cujo typo é o cortiço ; o transporte das carnes, o abastecimento de água, tudo quanto temos, concorre poderosamente para estiolar o organismo da população desta capital, que é a cabeça do Império. « Entretanto esta população é tão resistente que apezar d'isso vai vivendo, como Deus é servido. « Ora é preciso que a capital desappareça de uma vez, Dando-se na cabeça é que se mata a cobra. « Que meio empregar? «Fernando, das Duas Sicilias, lançou mão de um meio muito expedito. Mandava envenenar fontes publicas que serviam aos revolucionários. « O arsênico fazia rapidamente a sua obra, sob a mascara de epedemia circumscripta. « A Historia, porém, no laboratório das suas eternas reacções, descobrio a mão do envenenador e a substan- cia de que elle se servia. « Ora o nosso Governo, que é paternal, não quer ir para Historia com appellido de envenenador, por isso em vez de arsênico emprega um veneno que não deixa vestígio, que vai enfraquecendo dia a dia, e mala sem ruido. « O vinho falsificado, essa mistura fatal, que vai procurar de preferencia, o desprotegido da fortuna, e sentando-se com elle á mesa, ao domingo, e nos dias das festas de família, quando elle ri affagando a única eco- nomia que poude realizar—o filho — a bella moeda do seu amor; o vinho falsificado que parodia o milagre das bodas da Canaan, para emprestar alegrias á tristeza do vicio, approximando mais e mais a tristeza da cova sem cruz e sem nome, com a promiscuidade dos sexos na orgia dos vermes; o vinho é mais efficaz que o ar- sênico de Fernando, porque, produzindo o mesmo effeito, cinge á cabeça do Governo, que o emprega, o laurel de protector da industria nacional. « Não ha hoje negar que as drogas dos Srs. Fritz, Mack & C. são officiaes. « Basta lêr o que elles mandaram dizer á Junta de -184 - Hygiene, intimando-a a não encetar as analyses dos seus productos, recommendados pelo ministério do Im- pério. « Leiamos atlentamente, sem perder uma palavra, uem uma vírgula, este documento da moralidade do Império : « Fritz, Mack & C, tendo sido avisados para com- parecerem no dia 22 do corrente ás analyses dos pro- ductos de sua fabrica estabelecida á rua do Passeio n. 15, por communicação do Sr. Dr. Secretario da Junta, com data de 19 do corrente, vem, com o devido res- peito, protestar contra qualquer procedimento que a mesma Junta possa ter a respeito, visto que julgam-a suspeita pela paixão que a domina no tocante á industria nacional e pelos juízos preconcebidos e já manifestados sobre este assumpto. — Requerem, portanto, que seja adiada qualquer analyse até que o Exm. Ministro do Império, para quem recorreram, resolva sobre a arguida suspeição.» « A Junta de Hygiene dada por suspeita, por não concordar em que é licito vender como vinho uma tisana qualquer, e intimada pelos preparadores da tisana a não dar um passo, porque elles appellam da opinião de Do- mingos Freire para a de Ambrosio! «E' admirável isto. Uma corporação do Estado, presidida por uma gloria nacional, respeitada em toda a parte do mundo a que tenha chegado noticia dos seus humanitários trabalhos scientificos, a Junta de Hygiene do Brazil, insultada pelos Srs. Fritz, Mack á C, por terem as costas quentes pelo Ministro do Império! «Se não estivesse no programma do Governo matar a população, envenenando-a lentamente, de certo os Srs. Fritz, Mack & C. não se atreveriam a tanto. «E' por isso que nós esperamos do Sr. Dr. Do- mingos Freire que se conforme e que abra mão da sua resistência patriótica. « As urnas querem o Governo e o Governo quer os Srs. Fritz, Mack á C. « E' tão profundo o amor que o ministério do Im- -185- perio tem pelos vinhos artificiaes, e está tão convencido da sua utilidade, que até vai condecorar os fabricantes. (*) « E, para castigar o Sr. Dr. Freire, o Sr. Ministro do Império officiou ao Sr. Dr. Promotor Publico para que no processo que lhe vão mover os Srs. Fritz, Mack & C., o crime seja considerado publico, para que a Câmara Municipal pague as custas, dada a hypothese de não haver um Juiz bastante digno do Império capaz de condemnar a mais robusta organisação scientifica da actualidade brazileira, pelo crime de ter apontado a porta aos fabricantes de bebidas prejudiciaes á saúde publica. « E o Sr. Ministro do Império fez muito bem. « Quem está em Roma faz-se romano. « N'um paiz em que tudo é falsificado, por que pretender exceptuar o vinho ? « O Sr. Dr. Domingos Freire deve mudar de rumo: vai errado querendo cousas que não estão de accôrdo com o meio nacional. « Como quer S. S. exigir grandes escrúpulos, exa- geros moraes em um paiz, cujo Ministro do Império o define em um dos seus appellidos? (**) Proudhomme. » (*) Proudhomme referia-se ao titulo de Fornecedores da Casa Im- perial, que já estava promettido a essa importante firma falsificadora, e para cuja obtenção já estava prompto o requerimento. Não fosse a nossa petição ao Juiz do 8.° Districto Criminal, feita logo após a nossa demissão, e quem passasse pela rua do Passeio veria as armas imperiaes encimando a taboleta dos falsificadores e leria abaixo — Fornecedores da Casa Imperial. Se tivéssemos adivinhado que a nossa petição embaraçava a realiza- ção desse plano, do qual aliás já Unhamos conhecimento, não a teríamos feito, porque esse titulo inutilisal-os-hia mais depressa ante a consciência publica do que o processo. (**) 0 Sr. Ministro do Império chama-se Ambrosio Leitão da Cunha. S. Ex. usa hoje do pseudonymo Barão de Mamoré, pelo qual é mais conhecido. 2£ A demissão da Junta de Hygiene. Apprehendídas as amostras de productos e as subs- tancias tóxicas nas diversas fabricas, a Junta entendeu de proceder á analyse no mais curto prazo possível afim de, em reclamação ao Governo, informada com os resul- tados da analyse, reclamar providencias sérias contra o mal a que a saúde publica estava entregue com o com- mercio illicito dos vinhos artificiaes. Para isso resolveu proceder á analyse no Labora- tório de chimica orgânica da Faculdade, para onde ordenou o Presidente que fossem convidados os Srs. Drs. Felicíssimo Fernandes e Paiva Coelho, afim de darem começo aos trabalhos, no que seriam auxiliados pelo Sr. Dr. Freire, a quem se não pode negar competência, e por quem es- creve estas linhas, que, se a não tem de facto, tem-n'a ao menos de direito pelo cargo de Ajunto da cadeira de chimica orgânica e biológica, que exerce na Faculdade. No intuito de fazer também com que suas analyses podessem servir de corpo de delido para que as auto- ridades obrassem de accórdo com a lei, a Junla convidou a Promotoria Publica a assistir essas analyses. Igual convite fez aos interessados para que compa- recessem ou se fizessem representar por pessoa idônea. Nesse sentido oíliciou aos Srs. Fritz Mack & C, por cujos productos ia começar, e dirigio também ao - 188 - Dr. 1.° Promotor Publico o seguinte officio, em data de 18 de Janeiro: « Illm. Sr. Dr. Promotor Publico da Corte.— A Junta Central de Hygiene Publica, creada nesia Corte, em virtude do Decreto n. 578 de 14 de Setembro de 1850, para velar pela saúde publica, cujas attribuições se es- tendem a tudo quanto a ella possa interessar, acudindo ao justo reclamo da população affligida pelos soffrimentos adquiridos pelo uso de vinhos e mais bebidas falsificadas, expostos á venda em quasi todo o commercio a varejo, que, aos grandes lucros que de taes productos aufere, sacrifica deshumanamente a saúde de seus consumidores, a cujo alcance não pode estar o conhecimento dos arti- fícios fraudulentos usados pelos fabricantes dessas bebidas, para zombarem dos meios de que podem dispor para se precaverem contra essas mystificaçõos de que são con- stantemente victimas, compenetrada de seu dever e pesando devidamente a sua responsabilidade por esse inqualificável abuso, offensivo da saúde e da vida de seus concidadãos, confiadas á sua vigilância, visitou diversas fabricas de vinho e outras bebidas, estabelecidas nesta Corte, e appre- hendeu varias substancias tóxicas, destinadas ao fabrico dellas, entre as quaes grande quantidade de arsênico, o que tudo se acha depositado na Secretaria desta Junta e Laboratório de Chimica Orgânica da Faculdade de Me- dicina, afim de serem examinadas em presença dos fabri- cantes em cujos estabelecimentos foram encontradas, como consta dos respectivos autos de busca e apprehensão. « E, como esta Junta está persuadida, pela dispo- sição do art. 88 do citado Regulamento, de que o refe- rido exame deve interessar á justiça publica, porque evidenciará a pratica de um acto criminoso, qual o de envenenamento de bebidas destinadas ao consumo publico, sujeito á sancção da lei penal, além da estabelecida pelo mesmo Regulamento ás infracções de suas disposições, julga de seu dever solicitar a presença de V. S. ao exame das drogas apprehendídas, para o qual será desi- gnado dia e hora, e se realisará no Laboratório de Chi- - 189 - mica Orgânica da Faculdade de Medicina, e espera que V. S. se dignará comparecer ao dito exame. « Deus Guarde a V. S. etc. » As analyses deviam começar no dia 22 e não co- meçaram porque os Drs. Auxiliares chimicos da Junta não compareceram, por não terem ainda recebido aviso para o comparecimento, e também não compareceu o Dr. 1." Promotor Publico, que officiou ao Sr. Dr. Freire commu- nicando eslar impedido no tribunal do Jury. Os Srs. Fritz Mack á C, que a 19 tinham sido intimados para comparecerem á analyse, procuraram o Sr. Dr. Freire no Laboratório de chimica orgânica e sub- metteram a despacho do illustre cidadão um requerimento insultuoso, que em nada se parece com o que fizeram inserir em um artigo que publicaram no Paiz de 23 de Janeiro e que abaixo transcrevemos. O Sr. Dr. Freire fez ver ao empregado desses se- nhores que seu requerimento só podia ser despachado em sessão ; levasse-o pois á Secretaria da Junta. O empregado instou pelo despacho immediato e em tom grosseiro, pelo que o Sr. Dr. Freire fez-lhe saber que sua resolução estava tomada e que o requerimento só seria despachado em sessão, como era de regra. Tornando-se o empregado impertinente na exigência pelo despacho, o Sr. Dr. Freire reslituio-lhe o requeri- mento e o intimou em termos enérgicos, mas cortezes, a retirar-se do Laboratório, ameaçando fazel-o sahir se insistisse, como parecia, em não retirar-se espontaneamente, pois não eslava resolvido a deixar-se interromper em - 190 - seus trabalhos no Laboratório por exigências de falsfi- cadores. (*) Retirou-se o empregado dos audazes falsificadores; essa entrevista foi testemunhada por um dislincto chi- mico estrangeiro que no Laboratório trabalhava com o Dr. Freire. Ainda esse plano foi burlado, não conseguindo o (*) A Gazeta da Tarde, de 28 de Janeiro, apreciando o facto, es- creveu em suas — Notas : « A linguagem, como mediador plástico das idéas, é o mais melin- droso instrumento de que dispõe, para seu uso indispensável, a humani- dade. « Periphrases, rodeios, circumloquios, metaphoras, allegorias, ironias, toda a escala cambiante de recursos e expedientes rhctoricos não chegam para auxiliar o emprego do delicadíssimo instrumento. D'ahi vem que os circumspectos preferem ficar calados, a se expor ao risco das inconve- niências da linguagem. D'ahi vem, igualmente, a máxima popular do silencio é ouro. « Todavia, nem sempre é possivel o recurso do silencio. « Ás vezes, a situação é becco sem sahida e a gente tem de dizer naturalmente o que pensa. « Appella-se então para as figuras de rhetorica, recorre-se aos pannos quentes da linguagem e desembucha-se a cousa pelo melhor modo. I- Casos ha, porém, nos quaes nem o silencio é possivel, o discreto silencio de ouro dos idiotas e dos circumspectos, nem a figura atte- nuante da rhetorica. «Exemplo:—Um bilontra bifa-nos o relógio. «Tem-se necessidade urgente de chamar ao bilontra — ladrão... Mas não houve violência; chama-se — gatuno. Gatuno é uma injuria; cha- ma-se—amigo do alheio. O homem atacado na sua honra insulta-se tanto com a periphrase enluvada de pellica, como se o primeiro epitlieto injurioso, embora exacto, lhe fosse atirado ás ventas. « Vê-se, por esse modo, um cidadão privado do precioso chrono- metro e, ainda por cima, arriscado a um processo de injuria. Simples- mente porque, na linguagem, não se acha um manejo assaz hábil para denunciar um gatuno, sem melindral-o nos seus incontestáveis direitos ao prestigio hypocrita de homem de bem, até que a lei diga o con- trario. « E' o caso do Sr. Dr. Domingos Freire e o seu processo de in- juria. « O notável homem de sciencia não encontrou, no seu vocabulário, uma expressão macia para qualificar homem que falsifica vinho, e vinho que envenena o consumidor. « Um dos caixeiros da falsificação processa o Sr. Dr. Freire pela culpa de chamar falsificador o homem que falsifica, e industrial de venenos o fabricante de eólicas e desynterias, sob pretexto de —industria nacional. « Os homens do vinho postiço deviam primeiro processar o Diccio- nario por erro pernicioso de officio, incapaz de satisfazer ás requin- tadas exigências do amor-próprio de qualquer criminoso, com direito a passar por santarrão diante da sociedade » - 191 - audaz emissário dos falsificadores perturbar a calma do iilustre cidadão. Eis o artigo dos Srs. Fritz, Mack & C: A S. EX. O SR. MINISTRO DO IMPÉRIO « Intimados para assistir á analyse das bebidas al- coólicas de nossa fabricação, no laboratório chimico da Faculdade de Medicina, sob a presidência do Sr. Dr. Domingos Freire, dirigimos á Junta do Hygiene o se- guinte requerimento: «Fritz, Mack á C, tendo sido avisados para com- parecerem no dia 22 do corrente ás analyses dos pro- ductos de sua fabrica estabelecida á rua do Passeio n. 15, por communicação do Sr. Dr. Secretario da Junta, com data de 19 do corrente, vem com o devido respeito protestar contra qualquer procedimento que a mesma Junta possa ter a respeito, visto que julgam-n'a suspeita pela paixão que a domina no tocante á industria nacio- nal e pelos juizos preconcebidos e já manifestados sobre este assumpto.— Requerem, portanto, que seja adiada qualquer analyse até que o Exm. Ministro do Império, para quem recorreram, resolva sobre a arguida suspeição. « Entregue ao Sr. Dr. Domingos Freire, Presidente da Junta, não quiz este despachal-o (*) e, longe de o fazer prorompeu em insultos contra o nosso empregado, Sr. Júlio da Costa Braga, e contra nós, em altas vozes e com o maior descomedimento de linguagem, o que foi presenciado por varias pessoas. « Ao terreno da lei chamaremos em tempo o Sr. Dr. Domingos Freire a contas; por emquanto, o nosso intento, trazendo o facto a publico, é ainda uma vez provar que temos razão quando não nos queremos sub- metter ao juizo de homem tão exágeradamente apaixo- nado. «Rio de Janeiro, 22 de Janeiro de 1886.— Fritz, Mack & C. » (*) O leitor, em circumstancia idêntica, como depacharia semelhanta requerimento, apezar de mais amaciado do que o original ? - 192 - Como se sabe, esses senhores levaram a audácia a ponto de moverem um processo contra o Sr. Dr. Freire, com o qual só conseguiram cobrir-se de ridículo e de- monstrar até que ponto chega entre nós a ousadia de cri- minosos, que em lugar de expiarem nos cárceres o atten- tado que diariamente e a sangue frio praticam contra a saúde de uma população inteira, acotovelam nas ruas os homens de bem e movem, como se manuzeassem ar- lequins, ministros de estado, como o Sr. Mamoré, e autoridades sanitárias, como a actual Inspectoria de Hygiene. O plano forjado pelo Sr. Barão de Mamoré, cuja realisação foi confiada ao Sr. Dr. Araújo Góes,— obter da Academia uma manifestação contraria ao procedimento da Junta, — falhou, como já vimos. A Junta pedira ao Governo o artigo de lei que devia citar aos fabricantes quando suspendesse a ordem de fechamento das fabricas de águas mineraes, e isso tinha collocado o Ministro em posição esquerda, porque essa suspensão por elle ordenada era uma illegalidade. A Junta teimava em proceder ás analyses em pre- sença da Promotoria Publica, tendo burlado o plano dos falsificadores em provocar o Dr. Freire no Laboratório, para de fazel-o perder a calma e provocar assim um escândalo. O Imperador insistio em recusar sua assignatura, como é sabido, ao decreto de demissão da Junta, que hebdomadariamente subia a S. Christovão, na pasta do advogado dos falsificadores, o Ministro do Império. E a analyse imminente... e a pergunta da Junta a reclamar resposta... — 193 — Era chegado o momento decisivo, não havia a du- vidar. A situação era por demais diíficil, e o Regulamento, que dissolvia naturalmente a Junta e resolvia portanto o conílicto, não estava prompto. O Ministro vio-se obrigado a dar o golpe decisivo para sublrahir ás vistas da Justiça Publica os productos envenenados dos falsificadores. Sondou o terreno e jogou a cartada. Levantou uma questão de gabinete. Ou a Junta ou eu — tal foi a intimação que coagio o Imperador a capitular e a assignar o decreto de de- missão. De facto, por Decreto de 23 de Janeiro foi a Junta de Hygiene demittida em massa. Consta que as fabricas embandeiraram e festejaram o acontecimento, comparecendo á festa e sendo brindados com bom champagne e excellente vinho de uva vários personagens importantes, e ha quem afíirme terem sido vistos representantes da actual autoridade sanitária. Esse acto insólito foi mal recebido pela imprensa e pela opinião publica, e não nos podemos furtar ao prazer de transcrever um artigo de fundo que a Gazeta da Tarde publicou a 25 de Janeiro sob a rubrica Um povo morto, uma noticia do Boletim do Paiz, bem como um artigo de fundo do mesmo: LM POVO MORTO « O Sr. Ministro do Império demittio, finalmente, a Junla de Hygiene. « Este caminho, que era o unico a seguir por S. Ex., abrio-se-lhe desde o dia em que S. Ex. entendeu 1Ú - 194 - que a fortuna de alguns fabricantes de bebidas mortí- feras e a porcentagem do Sr. Inspector da Alfândega da corte valiam mais do que a saúde publica. « A nobre e patriótica attitude da Junta de Hy- giene demiltida e a sua resistência legal e digna á bene- volência criminosa do Sr. Ministro do império para com os industriaes da morte, provocaram logo as iras do poder e é para lamentar não ter o Governo respondido á primeira hostilidade com a represália habitual da omnipotencia: a demissão dos profissionaes. « Na esperança talvez de obter da parte da Junta uma genuflexão diante da sua vontade, o Sr. Ministro do Império quiz mostrar-se capaz de longanimidade e veio a proferir a demissão n'uma hora de deshonra governamental. « Os fabricantes de vinho haviam na véspera aver- bado de suspeita a Junta de Hygiene, haviam-se auda- ciosamente insurgido contra a lei, protestando contra a analyse, que é um direito da Junta, e foi nesse mo- mento que o Sr. Ministro do Império, para quem os falsificadores appellaram, lavrou o decreto de demissão da corporação insolitamente insultada por pretender desem- penhar as suas funcções legaes ! « Os Srs. Fritz*, Mack & C. declararam que não queriam a analyse feita pela Junta : o Sr. Ministro do Império fez-lhes a vontade. « O terror dos falsificadores era a analyse dos productos apprehendidos ; o Sr. Ministro do Império livrou-os do espantalho. « Não se fará por ordem do Ministério do Império analyse dos vinhos falsificados. Se elles tem veneno, tanto peior para quem os beber; se não tem tanto melhor. « Nomeando a nova Junta, o Sr. Ministro do Im- pério teve a rara habilidade de escolher pessoas que, dizem, já se declararam na Academia de Medicina favorá- veis ás falsificações, pomposamente baptisadas pelo rotulo —industria nacional. « A opinião da maioria da nova Junta annuncia jubileu ás falsificações. A questão, que pela sua impor- tância, devia ser resolvida á luz do dia, sob a inspecção -195 - immediata do publico, da moralidade administrativa e da sciencia, parece condemnada ao silencio e ao esque- cimento. « Amanhã ninguém mais se lembrará do assumpto, que deu ensanchas ao Governo para ver-se livre de al- guns cidadãos, que se temperaram no estudo para re- sistir á pressão do dinheiro de uns e da competência pre- sumpçosa de outros. « O Brazil é o paiz dos factos consummados. O Go- verno conta com a impunidade de todos os seus actos, sejam elles os mais contrários á justiça e ao direito. « Se, em França, um Ministro se lembrasse de de- mitlir Pasteur, porque o grande chimico oppunha-se ás falsificações, o povo de Pariz faria com que esse Ministro fosse immediatamente demiltido, ainda que fosse neces- sário demittir com elle uma forma de governo. « Entre nós, o Sr. Barão de Mamoré demilte muito á vontade Domingos Freire, o Pasteur brazileiro, e de- milte-o para ser agradável aos falsificadores; não obstante a opinião publica entende que ella não tem nada que ver com isso, encolhe os hombros e passa, achando que o facto é naturallissimo, e tão simples como se se tra- tasse de um presente de pai a filho. « Por estes e outros actos, que diariamente se re- petem, vê-se quão profunda é a perversão do caracter nacional. « A política do Império pode gabar-se do seu re- sultado. « Quando um povo não reconhece mais nem os seus homens illustres; quando é indiííerente á sorte delles, ao ponto de deixal-os á mercê do primeiro indivíduo, que as intrigas e as machinações de uma política sem princípios e sem caracter colloca no governo; esse povo já não é digno sequer desse nome. « E é isto o que está acontecendo neste paiz, onde é indifferente ser honrado e illustre; onde o arbítrio ni- vela o gênio com a topeira, o caracter com a venalidade para punir, mas prefere a topeira e a venalidade para applaudir e engrandecer. - 196 - Bem disse o Sr. Ferreira Viarina definindo os re- sultados da política do Imperador : « A política da força faz martyres, e os martyres, como sabeis, ressuscitam: a política da corrupção faz miseráveis, e os miseráveis apodrecem antes de morrer. « Eu governei pacificamente vivos-cadaveres. » Diz o boletim do Paiz : « O Sr. Ministro do Império, no uso de suas fa- culdades, e de accórdo com o elástico principio da con- fiança, demittio os membros da Junta de Hygiene Publica, substituindo-os por outros distinctos profissionaes, á cuja frente vemos o honrado Sr. Barão de Ibituruna. « Sem querer prescrutar os motivos que determi- naram essa deliberação governamental, parece-nos, com- tudo, que estando próxima a reorganisação do serviço sanitário por um novo plano de reforma, houvera sido mais prudente aguardar essa opportunidade para que a instituição sanitária entrasse logo no largo molde da pro- jectada reforma, dispensando-se assim a interinidade da nova Junta, cujas funcções têm de ser modificadas radi- calmente. « Além disso o momento foi mal escolhido, por pa- recer um acto de intervenção superior para o fim de inutilisar o patriótico esforço dos dignos membros que compunham a Junla de Hygiene na celebre campanha contra os falsificadores de vinhos, serviço relevante—que apezar de incompleto, ha de recommendar á estima pu- blica os nomes dos honrados e corajosos profissionaes, que na defesa da saúde publica souberam heroicamente resistir a todos os meios empregados pelos envenenadores públicos, os quaes effectivãmente representam uma in- dustria rica e poderosa. « Como todos os defensores da boa causa, os dignos profissionaes demittidos, tiveram de fazer o sacrifício da sua personalidade e do seu amor próprio, para collo- carein o severo cumprimento do seu dever acima de todas as solicitações do interesse particular illegilimo e astu- cioso. -197- « Por parte do Governo o unico prêmio conferido a tão honrosa conducta e a tão árduo labor foi o da demissão; mas por parte da opinião estamos seguros de que o prêmio a tão beneméritos servidores do bem pu- blico será a consideração e a estima respeitosa. « Não temos o direito de presumir dos novos membros da Junta de Hygiene que deixarão de continuar na obra louvável da resistência a tão cynica industria, nem que deixarão de proceder á analyse das drogas apprehendídas e das falsificações arrecadadas. « Seja, porém, qual tenha de ser a política sani- laria que vai ser inaugurada, nós, pela nossa parte, conlra o Governo ou contra a Junta, havemos de per- severar na luta contra os envenenadores públicos, para os quaes nenhum homem honesto pode ter sympathia ou tolerância, porque nada mais são do que criminosos des- humanos que desafiam as mais severas penalidades da lei. » Diz o artigo de fundo: saúde publica « O acto do Sr. ministro do Império demittindo a Junta de Hygiene, que velava pela saúde publica per- seguindo os falsificadores de bebidas, foi lógico. A sci- encia, que se não amolda e curva ás necessidades da política, não deve, porém, temer estes actos de coragem e, felizmente para honra da nossa classe medica, a sciencia que elles representam tem sabido resistir ao poder, sempre que o poder quer saber mais do que ella. « Por essa razão temos dito, e todos sabem, que a nossa Junta de Hygiene tem servido constantemente de joquete nas mãos do Governo. « Uma Junta de Hygiene, por exemplo, quer su- jeitar as pharmacias ao respectivo regulamento, não con- sentindo que leigos possam manipular e vender medica- mentos, mas as pharmacias levantam-se em peso e obrigam o Governo a demitlir a Junia. « Outra Junta de Hygiene condemna os preparados Grimault e Dusart como falsificados e mentirosos, os re- - 198 - presenlantes desses droguistas apresentam-se em campo e obrigam o Governo a demitlir a Junta. « Tem sido esta a vida da nossa Junta de Hygiene tem sido este o proceder nos nossos governos. « Qualquer charlatão inventa um conjuncto maravilhoso de drogas desconhecidas para curar toda a casta de mo- léstias. A Junta examina o preparado do charlatão e reconhece que, além de um embuste, pode ser nocivo pelos venenos que contem, nega-lhe, em nome da sciencia a sua approvação. O charlatão ri-se da Junta, vai ao Governo e obriga-o a dar-lhe o seu placet para a venda publica do seu producto. « Em honra dos actuaes membros da Junta, podemos asseverar ao Governo que não conte com elles para co- brir e defender os falsificadores de bebidas. « Os créditos scientificos de que elles gozam, a ho- nestidade de que têm dado provas e as energias de que são capazes, devem convencer ao Governo, que elles nunca pactuarão com os interesses politicos, sempre que a sciencia, o decoro e a verdade tenham de ser sacrifi- cados. « Para que, porém, chamar aquelles cargos homens honestos e de boa vontade, se o Governo quer expol-os ou a uma vileza, ou a uma demissão? « Melhor fora que o Governo constituísse a Junta de Hygiene de pessoas estranhas á sciencia, e fizesse daquella repartição uma dependência da politica. « Ou então, e como estamos em tempos de econo- mias, o Governo que se arvore em Junta de Hygiene de direito, como já o é de facto, e deixe correr tudo á re- velia. « E cada qual tratará de zelar a sua saúde. «Se, entretanto, o acto do Sr. Ministro foi lógico, porque, demittindo a Junta, afastou com a ponta do pé a lei que lhe era posta no caminho, por onde elle que- ria, de braço dado com os envenenadores, proseguir no escândalo ; a justiça, o direito, a saúde do povo foram por esse acto feridos de um modo selvagem. « Estamos, sem duvida em plena floresta, e preci- samos, ja que não temos lei nem autoridades, escon- -199- dermo-nos atrás dos troncos das arvores, quando passa- rem as feras postas em liberdade pelo Governo. « Feche o Governo, de uma vez, a Constituição, tranque as portas do parlamento, e governe em nome do despotismo, decretando deportações, cancelando a im- prensa, corrompendo caracteres, e diga depois aos mitros povos que nesta parle da America existio outr'ora a liberdade. « São tantos e tão repetidos os attentados que nos últimos tempos se têm praticado, que a indignação pro- rompe de qualquer animo, não de todo abatido e amol- dado ao servilismo que invade a sociedade por todos os pontos. « A Junta de Hygiene demittida mereceu os nossos applausos e os louvores da população. Foi encontrada no seu posto, defendendo a saúde do povo. « A Junta de Hygiene nomeada merecerá os mesmos applausos e os mesmos louvores, se souber cumprir o seu dever. » A illustrada e patriótica redacção da Gazeta de No- ticias em um bem elaborado artigo no qual aprecia a demissão da Junta, maximè a infeliz occasião que o Go- verno escolheu para o fazer, com uma lógica irrespon- dível demonstra á evidencia que o intuito do Governo era prescindir das analyses «banindo a sciencia de uma questão exclusivamente affectada ao seu julgamento. » (*) Assim se exprime a Gazeta de Noticias: « Repare-se que elles eram intimados a assistir á analyse chimica de seus productos, isto é, a uma ordem de investigações em que as opiniões individuaes mais ou menos apaixonadas nada têm que vêr, e de que os factos tinham de sahir evidentes, pela força das leis im- mutaveis da sciencia. Demittindo nesta occasião a Junta, [*) Paiz de 27 de Janeiro. -200 - o Sr. Ministro do Império parece querer prescindir de taes analyses, e dar completo ganho de causa aos in- dustriaes. » A redacção do Apóstolo não foi indifferente ao acto do Governo e o apreciou nos seguintes termos: « Foi demitlida a Junta de Hygiene presidida pelo Sr. Dr. Freire, e nomeada outra por acto de 28 do corrente. « Este acto não recommenda muito ao Sr. de Ma- moré, que pretendendo intromelter-se nos negócios da igreja, esquece a saúde publica, que lhe deve merecer toda a attenção, e por isso, constituindo-se protector dos falsificadores * de vinhos, demitte uma Junta de Hygiene que cumpre o seu dever mandando fechar uma fabrica de venenos. « Essa demissão muito honra aos exonerados e os recommenda á gratidão publica. « Felizmente os nomeados saberão cumprir seus de- veres e não se constituirão instrumentos dos caprichos do Sr. de Mamoré. « O Sr. Barão de Ibituruna seberá pezar sua digni- dade. » Estas palavras são do nosso collega do Apóstolo, diz o Paiz: « Provavelmente de amanhã em diante os interes- sados propalarão que aquella respeitável folha também se acha envolvida em especulações commerciaes. » A imprensa das províncias, principalmente a de S. Paulo, fez coro com a imprensa unanime na corte. Se alguém houve que ousasse defender o Governo, a não ser abrigado á sombra da irresponsabilidade do testa de ferro nos a pedidos, fel-o pelo silencio. >:*;< SKEiroâ PâBTI A Junta de Hygiene presida pelo Sr. Barão ie Mtnrnna. (Aclualmenle INSPECTORIA GERAL DE HYGIENE) I Auto de corpo de delicto nos productos apprehendidos pela Junta demittida. Por Decreto de 23 de Janeiro do corrente foram nomeados para occupar os lugares deixados pelos membros da Junta, demetlidos na mesma data, os Srs. : Barão de Ibituruna, presidente, Drs. Agostinho José de Souza Lima, Francisco Marques de Araújo Góes, José Ricardo Pires de Almeida e Bento Gonçalves Cruz, membros. Os três primeiros desses senhores fazem parte da minoria que foi vencida na Academia de Medicina e o Sr. Dr. Araújo Góes, como se vio do discurso que publiquei, foi o interprete do Sr. Ministro do Império que na Academia defendeu o acto do Sr. Barão de Ma- moré e não se fartou de accusar o da Junta de Hy- giene, para a qual leve phrases duras, por vezes insul- tuosas (*) e levou a sua dedicação ao Ministro e aos falsifi- (*) O Sr. Dr. Soeiro Guarany : (analysando a apresentação dos que- sitos do Sr. Dr. Góes) «E por que motivo assim procedeu o distincto acadêmico ? — 202 — cadores ao ponto de accusaroSr. Dr. Soeiro Guarany de insultar a Academia pelo unico facto desse distincto cavalheiro ter qualificado de correcto o procedimento da Junta de Hygiene!! (*) «Que razões actuaram no animo de S. S. para provocar no seio desta Academia a discussão em que nos achamos empenhados? «Acaso a Junta de Hygiene Publica já não havia chamado para os seus labores o assumpto que constituo a segunda parte da ordem do dia? (Trocam-se diversos apartes, que não permittem ao orador continuar.) O Sr. Dr. Araújo Góes—Ora a Junta de Hygiene .'.... E' uma cor- poração composta de mediocridades, tendo um dos seus membros sido reprovado em um concurso de hygiene. O Sr. Presidente—Attenção ! Não interrompam o orador. O Sr. Dr. Soeiro Guarany [Dirigindo-se ao Sr. Dr. Araújo Góes) —V. S. é injusto I Nessa illustrada corporação, cujos membros são todos distinctos pelos seus talentos e habilitações profissionaes—o procedimento ofíicial que elles tém tido, perseguindo a livre industria dos vinhos arti- ficiaes, e digno de todo o louvor, e do mais profundo reconhecimento por parte da população desta cidade. « Ainda n'0 Pais de hoje vem publicado um officio dirigido a S. Ex. o Sr. Ministro de Império pelo illustrado presidente da Junta, no qual esse zeloso funccionario communica ter apprehendido grande porção de substancias tóxicas em uma fabrica de vinhos artificiaes, e que serviam para colorir os respectivos productos. » (*) Diz o mesmo illustrado membro da Academia em outra parte do seu discurso: «Pois bem, senhores, quando aquella corporação occupava-se com tanto civismo do assumpto que estudamos, não dando tréguas aos falsi- ficadores de um producto fraudulento, attentatorio da saúde e da fortuna do cidadão; quando tão distinctos funccionarios cumpriam o seu dever de empregados públicos, e na qualidade de médicos collocavam os inte- resses da humanidade acima de considerações de qualquer ordem, a ques- tão dos vinhos artificiaes já sustentada nos—apedidos—da imprensa di- ária, foi arrancada, permitti-me a phrase, do ubi legal em que se achava, e veio, trazida pelo Sr. Dr. Araújo Góes, assentar-se no seio desta Academia, onde muitos de seus mais distinctos e illustrados membros têm-se manifestado em completa opposição ao modo de pensar e de pro- ceder da mesma Junta. « Que razões de ordem scientifica poderão justificar a opinião dos oradores a quem também estamos em opposição? « Confesso, Sr. presidente, que, diante das idéas até hoje professadas nos discursos proferidos por esses illustrados collegas, eu não compre- hendo nem sai expV.car o antogonismo scientifico existente entre os dis- tinctos acadêmicos proteccionislas de uma tal industria, e o procedimento opposto ãaquedes que compartilham da opinião correcta da Junta de Hygi- ene Publica. [Trocam-se apartes calorosos, que interrompem o orador.) «O Sr. Dr. Araújo Góes—Isto é um insulto feito á Academia: deve retirar a expressão. » O Sr. Cezar Diogo pedia a leitura do regimento. O Sr. Dr. Guarany dispensou-a e o incidente passou. -203 - A prova a mais frisante de que nos não enganamos, quando interpretamos como protecção aos falsificadores a demissão da Junta de Hygiene, é que a maioria da Junta nomeada foi tirada da minoria vencida, o que aliás já estava antecipadamente combinado, sendo de estranhar que entrassem dous membros alheios á Academia, quando o ministro ainda tinha lá de quem lançar mão, dos Drs. Castro e E. Menezes, por exemplo, que levavam a dedicação ao ponto de affirmarem que essas bebidas ar- tificiaes são vinhos e correspondem aos fins dieteticos e therapeulicos do sueco fermentado da uva. Se não bastasse isso para convencer, lembraríamos que o ministro podia evitar a difficuldade, esperando o Regulamento, publicado poucos dias depois, (3 de Feve- reiro) para dissolver a Junta. E, se ainda ha alguém tão incrédulo que pareça não estar convencido dessa verdade, preste attenção ás primeiras evoluções da Junta falsificada (*) e do Ministro do Império que passamos a descrever: Segunda-feira, 25 de Janeiro, primeiro dia útil de- pois da demissão que tivera lugar no despacho de sab- bado anterior, o Director da Faculdade de Medicina recebeu logo cedo ordem do Sr. Ministro do Império para entregar á Junta, recentemente nomeada, os pro- ductos apprehendidos pela ex-Junta de Hygiene, o que eqüivalia a entregal-os aos seus donos, pois para a no- meação parece que o Sr. Ministro do Império se tinha inspirado no conselho que lhe dera a Gazeta da Tarde (*) Chamamol-a falsificada, por ser em sua maioria composta por ci- dadãos, cuja opinião scientifica em relação ao assumpto tinha sido virtual- mente annullada pelo voto da Academia. -204 - no artigo com o titulo — O advogado da morte — que já publicámos. Quando porém o Director da Faculdade quiz cumprir a ordem do Ministro foi embaraçado por um despacho do integro Juiz do 8.° districto criminal, em uma petição que lhe fizemos, o Dr. Freire e eu, já prevendo o acto do Ministro. No mesmo dia a Gazeta da Tarde assim annunciava o facto, sob a rubrica—Caça aos falsificadores. « Os Srs. Drs. Domingos José Freire e Campos da Paz requereram ao Sr. Dr. Juiz de Direito do 8.° dis- tricto Criminal, Conselheiro Bento Lisboa, auto do corpo de delicto nos productos apprehendidos na fabrica de Fritz, Mack & C. « Ouvido o Dr. substituto, S. Ex. deferio o re- querimento e nomeou peritos os Srs. Drs. Borges da Costa e Micchler. » E no dia 26 publicou em sua integra o documento, que é do theor seguinte : « Illm. e Exm. Sr. Conselheiro Dr. Juiz de Direito do 8.° Districto Criminal. « Os abaixo assignados, ex-presidente e membros da Junta Central de Hygiene Publica, deste Império, dizem que estando em exercício de seus cargos, funccionando de conformidade com o Regulamento de 19 de Janeiro de 1882, que baixou com o Decreto n. 8387, procede- ram em commissão com o fiscal da íllma Câmara Mu- nicipal á apprehensão de productos das fabricas de Fritz, Mack&C, á rua do Passeio n. 15, denominados vinhos, vinagres, xaropes, licores, etc, destinados á alimentação publica para o que eram expostos á venda, e a sub- stancias chimicas tóxicas umas, suspeitas de o serem outras, que pelas declarações dos fabricantes, tomadas por termo, se deprehende que entraram na confecção desses pro- -205 - duetos, fizeram lacrar com todas as formalidades legaes o vasilhame que continha taes productos, selando-o com o sello da Junta, rubricando as amostras, os abaixo as- signados e os interessados para opportunamente se pro- ceder em taes productos ao respectivo exame, para o qual já se achava designado o dia, convidado para isso o Sr. De. i.° Promotor publico, e avisados os interes- sados, os Srs. Fritz, Mack & C. « Em tal emergência os supplicantes, quando com sacrifícios de todo o gênero procuravam livrar a popu- lação do império de ser envenenada pelo consumo desses productos, suspeitados venenosos, foram surprehendidos com o Decreto de sua exoneração, aliás ha muito espe- rado, pela parcialidade manifesta, senão mesmo conniven- cia do actual Ministro do Império com os fabricantes desses vinhos e mais gêneros falsificados e suspeitos tóxicos. « Os supplicantes, porém, que além de profissionaes são brazileiros e que não podem ficar silenciosos ante tão enorme attentado contra a saúde publica, ciosos de seus direitos e prerogativas, vêm, antes de ser apresen- tada a denuncia criminal dos delinqüentes como incursos no art. 192 do Código Criminal, combinado com o art. 34 do mesmo Código, requerer a V. Ex. como base do summario, e competente exame e auto de corpo delicto nos termos dos arts. 134 e 135 do Código do Processo Criminal, exame ou analyse que deve se proeeder em todas as amostras apprehendídas, nomeando V. Ex. os peritos, com citação do Dr. l.° Promotor publico e in- teressados, em cuja occasião se procederá previamente a um auto de exame e reconhecimento do vasilhame, de- vidamente sellado e lacrado para verificação de estar tudo intacto, visto tratar-se de um fado revoltante e que interessa immedialamente toda a população do Império e ao mundo inteiro. «Os supplicantes, a bem da justiça e dos direitos dos interessados, põem á disposição desse Juizo os volu- mes que contém os productos a examinarem-se. « Nestes termos. « E. 3Icê. » - 206 - O Paiz de 26, noticiando o facto, accrescenta as se- guintes expressões, que em demasia nos penhoram : « Pela nossa parte applaudimos a altitude enérgica e resoluta destes dous distinctos profissionaes, cujo zelo pela saúde publica e cuja nobre resistência á pressão exercida para beneficiar os falsificadores de vinhos demonstram ci- vismo e coragem. » A' vista do despacho, pelo meritissimo juiz dado a essa petição, o Director da Faculdade de accôrdo comnosco e o nosso advogado, o pranteado cidadão a quem-o Município Neutro acabava de brindar com uma cadeira na municipa- lidade, o Dr. José Alves Pereira de Carvalho, resolveu re- mover os productos e drogas venenosas para uma das salas do laboratório de hygiene. Assistiram á remoção e rubricaram o sello da porta da sala em que foram depositadas as amostras, além dos mem- bros da Junta demittida, Drs. Domingos Freire, Moraes Sarmento e Campos da Paz, os Srs. Conselheiro Saboia, di- rector da Faculdade de Medicina, José Alves Pereira de Carvalho, Muniz Maia e Borges da Costa. Feito isto o Direclor da Faculdade officiou ao ministro, a quem deu parte do occorrido, e depois de uma troca de officios entre o Director da Faculdade, o Ministro e o Juiz do 8.° districto criminal, exigindo o juiz as amostras e o Go- verno insistindo em não mandar entregal-as, apresenta- ram-se no laboratório no dia 27, o meritissimo Dr. Juiz do 8.° districto e o Dr. 1.° Promotor publico para se dar co- meço aos trabalhos, o que não teve lugar em virtude não só de opposição emanada do Governo, como de pedido de dis- pensa dos chimicos nomeados, o que determinou o juiz a adiar a solução do conflicto. -207 - De tudo se lavrou auto que transcrevo da noticia do Paiz de 28 em seu Boletim : « Como estava previsto nos últimos actos do Mi- nistro do Império, relativamente á apprehensão de amos- tras de vinhos artificiaes pela ex-Junta de Hygiene, por julgal-os a mesma Junta altamente prejudiciaes á saúde publica, todas as providencias foram tomadas para evi- tar que fossem analysadas aquellas amostras. A primeira foi a demissão immediata dos membros da Junta que « iam proceder á analyse» e a ultima opposição de obstáculo material ao exame requerido perante o Juiz do 8." districto criminal. « Não se quer a analyse das amostras apprehen- dídas, mas de outras : é evidente. « Ao laboratório de hygiene da Faculdade de Me- dicina compareceram hontem ás 2 horas da tarde os Srs. Dr. Montenegro, juiz substituto do 8.c districto cri- minal ; o escrivão do juizo ; o Dr. Carvalho Durão, 1.° Pro- motor ; os Drs. Domingos Freire, Campos da Paz, Mo- raes Sarmento, José Alves Pereira de Carvalho, Muniz Maia e mais os Srs. Dr. Dermeval da Fonseca, redactor da Gazeta de Noticias; Proença, pela Vanguarda, e Dr. Carlos Bousquet, por esta folha. « Não se fez a analyse nem se procedeu aos pri- meiros actos do processo, pela opposição dos delegados do governo, o que consta do seguinte auto: « Aos 27 de Janeiro de 1886, nesta corte e no edi- fício do laboratório de hygiene publica da Escola de Medicina, onde foi vindo o Dr. Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Juiz substituto do 8.° districto criminal, comigo escrivão, achando-se presentes o Dr. l.e Promotor publico Carvalho Durão, o advogado dos supplicantes Dr. José Alves Pereira de Carvalho, Drs. Domingos José Freire e Arthur Fernandes Campos da Paz, e bem assim o Dr. Luciano de Moraes Sarmento ; á revelia dos sup- plicados, pelo Dr. Juiz foi dito ao director do labora- -208 - torio, Dr. Borges da Costa, que tendo officiado ao con- selheiro Dr. Director da Faculdade de Medicina, pedindo venia para proceder-se ao auto de exame e corpo de delido requerido pelos supplicantes, pedia-lhe fossem en- tregues os objedos apprehendidos para o referido exame e corpo de delido, pelo referido Dr. Borges da Costa foi declarado que não tendo ordem do conselheiro director, e que achando-se aquelles productos apprehendidos em sala fechada e lacrada, em virtude de uma portaria do Ministério do Império, não podia fazer entrega dos mesmos. « Em seguida pelo mesmo Dr. Borges da Costa foi requerida a sua escusa de perito em virtude dos afa- zeres do seu cargo como inspector do laboratório, sendo no mesmo acto apresentada escusa do Dr. W. Michler, por doente. « A' vista do occorrido aceitou o Juiz as escusas dos peritos e nomeou em substituição os Drs. Felicís- simo Rodrigues Fernandes e Cândido de Paiva Coelho, auxiliares chimicos da Junta de Hygiene, e deliberou offi- ciar ao Ministro do Império. « Em seguida pelo Dr. advogado dos supplicantes foi requerido que, não contendo a sala lacrada senão os objedos apprehendidos, suspeitosos criminosos e por- tanto elementos de criminalidade, requeria que o meri- tissimo juiz, para garantia dos direitos dos interessados, mandasse appor os sellos. « Mandando o juiz ouvir ao Dr. l.° Promotor pu- blico, por elle foi dito que « uma vez que o meritis- simo Juiz, se julgou competente para mandar proceder ao exame requerido, designando o dia de hoje para elle ter lugar, o qual não se effeduou por não terem aceitado o encargo os peritos nomeados, é uma conseqüência lógica a apposição dos sellos, requerida pelos suppli- cantes, medida que interessa a estes, aos fabricantes e á justiça, e que tornará o exame que se fizer isento de qualquer suspeita. » « Pelo Juiz, porém, não foi attendido o requeri- mento, porque ouvido o Dr. Inspector do Laboratório, intormou este não saber o que continha a sala lacrada -209 - em virtude da portaria do Ministro e que apenas sabia serem productos apprehendidos em differentes fabricas; e nestas circumstancias, faltava-lhe competência para appor sellos em um quarto, onde não se sabia se estavam effec- tivamente os productos sobre os quaes foi o exame requerido, productos estes da fabrica situada em terri- tório de jurisdicção deste juizo ; e ordenou que se offi- ciasse ao Presidente da Junta, solicitando que os refe- ridos productos, uma vez entregues á sua jurisdicção, fossem postos á disposição deste juizo. « E nada mais havendo a tratar mandou o Juiz lavrar este auto, que assigna com o Dr. l.° Promotor os sup- plicantes e o Dr. advogado dos supplicantes. E eu Fran- cisco José Ernesto Cardoso, escrivão, o escrevi— (Assi- gnados) Caetano P. de Miranda Montenegro—Eduardo Teixeira de Carvalho Durão—José Alves Pereira de Car- valho— Dr. Domingos José Freire—Dr. Arthur Fernandes Campos da Paz—Dr. Luciano de Moraes Sarmento—Dr. Borges da Costa.» Nessa reunião do dia 27, como se vio do auto pu- blicado, foram nomeados os Drs. Cândido de Paiva Coelho e Felicíssimo Rodrigues Fernandes para substituírem os peritos que se recusaram. Não obstante a analyse demorou se, necessariamente por falta de orientação. O Juiz, imparcial e insuspeito, o que é preciso con- fessar bem alto em honra de nossa magistratura, não queria entretanto violentar o Governo e aguardava que elle lhe mandasse entregar os productos sobre que versava o nosso requerimento. O Governo, a Junta e os falsificadores, estonteados por esse golpe que não esperavam, estavam atrapalhados para se sahirem da difiiculdade, quando delia os tirou a firma falsificadora, dirigindo á Junta de Hygiene o requerimento que se segue em 28 de Janeiro : 14 -210 - « lllm. eExm. Sr. Presidente da Junta Central de Hygiene Publica da Corte.—Dizem Fritz, Mack & C, in- dustriaes estabelecidos com fabrica de bebidas alcoólicas, á rua do Passeio n. 15, que tendo sido feita, pelos membros demittidos da Junta de Hygiene, apprehensão de varias amostras de productos de sua industria, afim de serem sub- mettidas a analyse, por suspeitos de conterem substancias nocivas á saúde publica, conforme foi publicado pela im- prensa ; tendo ainda esses referidos funccionarios, logo após o acto de demissão, requerido ao Dr. Juiz substituto do 8.° districto criminal exame em tudo quanto foi apprehendido no intuito de instruírem queixa contra os supplicantes, acontece que até esta data não se têm realizado, nem a analyse por parte da Junta, nem o exame por parte da justiça criminal. « E porque não devam os supplicantes continuar inde- finidamente sob a pressão de um processo crime ou de apreciações menos exadas, sob ponto tão grave, do que lhes resulta grande damno moral e material, vêm os sup- plicantes mui respeitosamente requerer a V. Ex. digne-se mandar que, pelos chimicos auxiliares da Junla, que V. Ex. preside e que são os mesmos peritos nomeados para o exame judicial, segundo ainda consla dos jornaes, seja feita com urgência a necessária analyse, sendo publicados com ante- cedência o dia e hora em que esta liver de ser realisada, para que possam comparecer todos os interessados na questão, inclusive os ex-membros da Junta, e continuando em deposito no mesmo lugar, em que presentemente se acham quantidade suííicienle das amostras para o exame por parte da justiça criminal. « Por ser de justiça que quanto antes seja definida sua posição perante os poderes competentes e a opinião publica, cs supplicanles pedem deferimento. — Fritz, Mack & C.» Como se vê, não compareceram á reunião de 27 nem os Srs. Frilz. Mack & C. ou seu advogado, nem a Junta de Hygiene nem os peritos da mesma. Os falsificadores affectaram ignorar que essa reunião -211 - fora marcada e traçaram no requerimento que ahi fica o caminho a seguir pela nova Junta. Queriam que se dividissem os productos. Os peritos judiciaes eram os mesmos chimicos da Junta; queriam que a Junta mandasse por esses peritos fazer o exame da Junta e deixasse quantidade suficiente para o exame por parte da justiça criminal. Conclusão : Acabado o exame da Junta, que o não cederia para base do processo, (*) verificava-se não chegar o resto para o exame criminal ou mandava-se arrombar o laboratório para inutilisar esse restante, e em qualquer das duas hy- potheses o exame judicial não se faria. O Ministro foi logo ao encontro do plano bem con- cebido do falsificador, fazendo baixar um Aviso que deter- minava isso mesmo e o Presidente da Junta de Hygiene, o Sr. Barão de Ibituruna, na reunião do dia 30, foi disposto a fazer a vontade aos falsificadores e ao seu legitimo advogado, o Ministro do Império. Em ceder a metade dos productos para o exame judicial foi o Ministro vencido ; capitulou ante a força do direito. Vamos vêr em como foi mais uma vez vencido na pessoa do Sr. Barão de Ibituruna, que capitulou cedendo tudo, permittindo o Juiz que um dos membros da Junta assistisse ás analyses. A 30 de Janeiro do corrente, á 1 hora da tarde (*) A Junta precisava desse exame para o levar, como já o fez por intermédio do Sr. Barão de Ibituruna, á Academia para que ella de novo se pronuncie sobre os vinhos dos Srs. Fritz, Mack & C, que a Academia já condemnou, condemnando os vinhos artificiaes. -212 - reuniram-se no amphitheatro do Laboratório de Hygiene daf Faculdade de Medicina, o Dr. Miranda [Monte- negro, Juiz substituto do 8.° districto criminal, com o escrivão do seu cargo, o Dr. 1.° Promotor publico, o Barão de Ibituruna, Presidente da Junta de Hygiene ; os Drs. Souza Lima, Araújo Góes, Pires de Almeida, Gonçalves Cruz e Pedro Affonso de Carvalho, membros da mesma Junta; os Drs. Domingos Freire, Campos da Paz e Moraes Sar- mento ; o fabricante Ludwig Mack, com o seu advogado Dr. Tiburcio Figueira e o Dr. José Alves Pereira de Carvalho, além de muitas outras pessoas, entre as quaes representavam : a Gazeta de Noticias, o Dr. Dermeval da Fonseca ; a Gazeta da Tarde, o Sr. Palhares Ribeiro, e O Paiz, o Sr. Dr. Carlos Bousquet, afim de assistirem ao rompimento dos sellos e abertura dos invólucros em que se acham as bebidas e liquidos apprehendidos pela ex-Junta de Hygiene aos fabricantes Fritz, Mack & C. e outros. Antes de se dar começo ao trabalho o Sr. Barão de Ibituruna declarou ao Dr. Montenegro, Juiz do 8.° dis- tricto criminal que tinha resolvido dividir os productos e as drogas apprehendidas em duas porções sendo uma para o exame judicial e outra para o exame que a Junta ia fazer. Travou-se nessa occasião uma discussão violenta entre os Srs. Ibituruna, Dr. José Alves, Dr. Freire e o Dr. Campos da Paz, não aceitando o Dr. José Alves a pro- posta por desconhecer competência no Presidente da Junta para deliberar em questão affeda ao juizo criminal, poder soberano e independente ; sustentou ainda o Dr. José Alves com muito fundamento que á Junta compete fazer - 213 - novas apprehensões se queria analyses, pois aquellas ti- nham sido declaradas suspeitas de serem envenenadas e era só sobre aquellas que devia recahir a acção da justiça. Os Srs. Drs. Freire e Campos da Paz ponderaram que não veriam inconveniente na divisão se a quantidade fosse suíficiente para isso, mas tendo apprehendido pro- ductos para analyse, o fizeram em quantidade estrida- mente necessária para uma analyse. O Presidente da Junta resistia e a discussão foi violenta, sendo necessário appellar para o Sr. Dr. Souza Lima que confirmou a justeza das ponderações allegadas, concordando ser de facto a quantidade insufiiciente para a divisão. O Sr. Presidente da Junta, vencido e esquecido da sua posição, deliberou ceder e consentir em uma analyse só, ao que eu tive ainda necessidade de fazer-lhe vêr que do Presidente da Junta não aceitava concessão de espécie alguma, pois estávamos exercendo um direito ante a Juizo do 8.° districto criminal, única autoridade a que prestávamos abediencia naquelle momento. O Juiz interveio e tirou o Presidente da Junta da posição falsa em que se collocára allegando que aceitava o alvitre de uma só analyse, e, como tinha nomeado para peritos os chimicos da Jnnta, essa única analyse podia preencher os dous fins e assim ficou decidido sendo os falsificadores mais uma vez vencidos. Já começava a lhes custar caro a vidoria que supu- zeram alcançar com a nomeação para membros da Junta da minoria vencida na Academia. (*). (*) Estamos em face da nova Junta deliberando sobre vinhos artificiaes; é pois chegado o momento de escalpellar esse tribunal arranjado ad hoc para absolver os criminosos. - 214- Seguio-se o exame da sala e verificou-se que os sellos da sala onde haviam sido guardadas taes amostras estavam intactos, e retirando-se da mesma sala dous caixões, foi ella outra vez fechada. A porta foi lacrada com o carimbo da Junta, sendo as tiras rubricadas pelos Srs. Barão de Ibitu- runa, Dr. Alves de Carvalho, Dr. Campos da Paz, Dr. Freire e Dr. Pedro Affonso. Os productos e amostras foram conferidos na quan- tidade e rotulo com o auto de apprehensão e achados con- formes. Para isso reportemo-nos á votação da Academia, que o leitor encontrará nas paginas 135 a 140, e transcrevamos, na impossibilidade de critica mais justa e lógica, um trecho da illustrada e patriótica redacção da Gazeta de Noticias em um artigo de fundo publicado a 28 de Janeiro sobre hygiene publica, apreciando os votos dos Srs. Ibituruna, Góes e Souza Lima: « Até aqui vai tudo muito bem, e os três membros da nova Junta con- ciliam as suas respostas aos quesitos, com a doutrina de que parecem ter-se constituido arautos ; o 3.° quesito porém do Sr. Sr. Conselheiro Carios Fre- derico, deixa em posição menos favorável os dignos profissionaes. « O referido 3.° quesito reza assim : « Essas bebidas alcoólicas, embora preparadas com substancias que não são nocivas, podem substituir os vinhos naturaes sob o ponto de vista hygienico e therapeutico ? » « A este quesito os Srs. Barão de Ibituruna e Dr. Góes responderam abertamente que sim. « Em relação ao Sr. Barão de Ibituruna, a resposia afigura-se-nos ex- tremamente singular, comparada com a que deu aos outros quesitos; reu- nidos os três, vemos que o honrado actual presidente da Junta entende que os vinhos artificiaes não são vinhos, não têm as propriedades dos vinhos, mas podem substituir os sob o ponto de vista hygienico e therapeutico. Isto é o mesmo que dizer a um doente, que elle precisa comer carue, mas que á falta de carne coma peixe, que não é carne, nem tem as propriedades da carne ; é o mesmo que dizer a um pintor, que para pintar uma arvore, á falta de tinta verde, se sirva de tinta encarnada ; é dizer a um architecto que, não podendo edificar sobre pedra, edifique sobre areia. « O Sr. Dr. Góes, que entende que os vinhos artificiaes são vinhos em parte, que têm as propriedades dos naturaes, em parte, entende no entanto que elles podem substituil-os sob o ponto de vista hygienico e therapeutico no todo. Isto é, o vinho natural é um agente que vale como dez, o vinho ar- tificial vale como dous ou três ; mas sob o ponto de vista hygienico e thera- peutico, para o Sr. Dr. Góes tanto valem dous ou três como dez. « O Sr. Dr. Souza Lima responde com restricções a todos os' quesitos • isto e, diz que os vinhos artificiaes não são vinhos, com restricções- não tem as propriedades dos vinhos, com restricções; mas ainda assim Dodem substituir os vinhos natura-s, com restricções. « Da opinião deste illustrado acadêmico resulta, pois, que se a eentp beber vinhos artificiaes, com restricções, deve dar-se muito bem com êlles- e se se der mal, tem o consolo de soffrer secundum artem, com restricções » -2Í5 - Feito o que, declarou o Presidente da Junta que, sendo as quantidades dos liquidos e amostras muito di- minutas, e que tendo na maior confiança o Sr. Dr. Borges da Costa, entregava-lhe tudo para amanhã, segunda-feira, proceder-se á analyses pelos dous peritos nomeados pelo Juiz e pelo Sr. Dr. Souza Lima, membro da Junta. O Juiz deferio esse pedido, e os productos foram fechados em um armário, sellado com as rubricas dos Sr. Barão de Ibituruna, Drs. Souza Lima, Paiva Coelho, Domingos Freire e Alves de Carvalho. Lavrou-se o seguinte: « Auto de verificação e exame—Aos 30 dias do mez de Janeiro do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1886, no Laboratório da Junta de Hygiene Publica, nesta corte á rua Santa Luzia, onde foi vindo o Sr. Dr. Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Juiz substituto do 8.° districto criminal, comigo escrivão ahi presentes, o Presidente da Junta de Hygiene Publica, Barão de Ibituruna, os membros, Drs. Agostinho José de Souza Lima, Francisco Marques de Araújo Góes, Bento Gonçalves Cruz, José Ricardo Pires de Almeida, Pedro Affonso de Carvalho, secretario: os Srs. Drs, Domingos José Freire e Arthur Fernandes Campos da Paz, acompanhados do seu advogado, o Sr. Dr. José Alves Pereira de Carvalho, Lu- dovico Mack, acompanhado do seu advogado, o Dr. Antônio Tiburcio Figueira e os peritos nomeados, também chimicos da mesma Junta, os Drs. Felicíssimo Rodrigues Fernandes e Cândido de Paiva Coelho, verificado estar intacto o sello da porta, onde se achavam depositados os productos ap- prehendidos, pelo Presidente da Junta foi quebrado o mesmo sello e pelo Sr. Dr. Borges da Costa, inspector do la- boratório, aberta a porta; foram os productos apprehen- didos na casa Fritz Mack & C, retirados, afim de pro- ceder-se ao exame requerido ; pelo Dr. Presidente da Junta foi declarado que, lendo a Junta de proceder a exame seu não podia dispensar os productos e entregar uma parte -216 - delles a este juizo, por serem os mesmos productos in- sufíicientes para uma analyse chimica : em vista do que, pelo Juiz foi ponderado que, sendo os peritos nomeados os mesmos chimioos da Junta, a analyse por elles feita preencheria o exame requerido. «Assim resolvido e aceito o alvitre pelo Sr. Dr. Presidente da Junta, deferio o Juiz o juramento aos pe- ritos na forma da lei e foi o exame designado para se- gunda-feira, 1 de Fevereiro, no laboratório de hygiene. « Os productos encontrados foram os seguintes: « Um frasco de ácido borico. « Um dito de arseniato de sódio. « Uma lata de um composto de bóro. « Essência de cognac. « Essência de bitter. « Essência de amêndoas amargas. « Essência de groseille. « Essência de genebra. « Essência de pecego. « Essência de heliotrope. « Solução phtalica. « Um frasco de substancia desconhecida marcado com uma cruz. « Essência de ananaz. « Um frasco com phenol phtalico. « Um dito com matéria corante verde em pó. « Um dito de ether Kirself. « Uma garrafa de Chartreuse. « Uma dita com um liquido verde de natureza e applicação desconhecida pelo fabricante. « Dous frascos de Hesperidina. « Uma garrafa de vinho do Porto engarrafado no Rio de Janeiro, entremeiando ao distico as armas de Portugal. « Uma dita de Água Florida. « Uma dita com água de Selters. « Uma botija de genebra. « Uma garrafa de cognac fine champagne tendo no rotulo Bordeaux e com a firma Guyeau & C. -217- « Uma dita de xarope de ananaz. « Uma dita de orchata. « Seis ditas de vinho, sendo três de vinho branco e três de vinho tinto. « Três garrafas de vinagre linto. « Uma garrafa de vinagre branco. « Achava-se presente a todo o acto o Sr. Dr. Car- valho Durão, 1.° Promotor publico, que omittio-se de declarar no principio deste auto. « Em seguida, pelo Dr. presidente da Junta foi en- carregado da guarda dos productos o Sr. Dr Borges da Costa, inspector do Laboratório de hygiene, o qual ficou como depositário, fechando tudo em um armário respec- tivamente lacrado e sellado com as formalidades da lei. « E nada mais havendo mandou o Juiz lavrar este auto, o qual vai escripto em cinco laudas de papel, além desta, deixando de ser escripta a lauda que fica traçada por engano ; que assigna com todos os mencionados acima e eu Francisco José Ernesto Cardoso, escrivão o escrevi. » No dia 1.° de Fevereiro, como estava annunciado, ainda não teve lugar a analyse ; O Paiz noticia do se- guinte modo o facto em seu numero de 2 de Fevereiro: « Ainda hontem não se deu principio á analyse dos liquidos, bebidas e drogas apprehendidos pela ex-Junta de Hygiene a diversos fabricantes de vinhos (?) desta cidade. « A' hora annunciada para os trabalhos compareceram entretanto os Srs. Drs. Souza Lima, Paiva Coelho, Borges da Costa, Domingos Freire, Campos da Paz, Sarmento, Muniz Maia, o Sr. Mack e o seu advogado, o Sr. Dr. Ti- burcio Figueira. « Tendo dado parte de doente o Dr. Feliscissimo Fer- nandes, um dos peritos nomeados para a analyse, e não se achando presente o Juiz, Dr. Montenegro, para nomear outro perito, o Dr. Souza Lima resolveu communicar a oc- currencia ao referido juiz, adiando a analyse para quarta- feira, ás 11 horas da manhã. « O Dr. José Alves Pereira de Carvalho vai apresentar — 218 — os seguintes quesitos por parte dos Srs. Drs. Domingos Freire e Campos da Paz, para serem respondidos pelos peritos judiciaes na fôrma abaixo : « 1.° Qual a natureza chimica do conteúdo do frasco apprehendido, sem denominação e conheoido pela fôrma seguinte: — Um frasco contendo uma matéria corante verde — E se o seu uso é ou não nocivo á saúde como veneno ? « 2.° Se essa matéria corante verde acha-se colorindo ou compondo qualquer dos productos apprehendidos e su- jeitos ao exame, e se o referido frasco em que se acha men- cionada a matéria corante está completamente cheio ou se denota já ter sido retirada delle alguma porção e qual a quantidade desta, ainda que approximadamenfe ? « 3.° No caso de ser venenosa esta matéria, qual a quantidade precisa approximadamente para matar um cão de talhe médio, feita a experiência physiologica ? « l.° Os mesmos quesitos supra em relação ao frasco que contém o ácido borico. « 5.° Os mesmos quesitos em relação a uma lata de um composto de bóro. « 6.° Os mesmos quesitos em relação ao arseniato de sódio. « 7.° Os mesmos quesitos em relação ao conteúdo do frasco declarado no auto ser substancia desconhecida marcado com uma cruz. « 8.° Os mesmos quesitos em relação ao conteúdo de uma garrafa com um liquido verde, declarado no auto ser de natureza e applicação desconhecidas pelo fabri- cante. « 9.° A essência de annanaz é natural ou artificial ? Na segunda hypothese, qual a sua natureza chimica? se é ou não venenosa ? No caso de o ser, em que dose ? E se existe ou não delia no xarope de ananaz? « 10.° Qual a matéria corante do Chartreuse appre- hendido, se é ou não venenosa ? «11.° Qual a natureza chimica do ether kirsch ? Se é ou não venenoso? E se se acha na composição de alguns dos productos da fabrica? « 12.° Qual a natureza chimica da essência do co- -219 - gnac? Se é ou não venenosa < 3 se existe em algum dos productos da fabrica? « 13.° Os mesmos quesitos em relação á essência do bitter. « 14.° Os mesmos quesitos em relação á essência de amêndoas amargas. « 15.° Os mesmos quesitos em relação á essência de groseille. « 16.° Os mesmos quesitos em relação á essência de genebra. « 17.° Os mesmos quesitos em relação á essência do pecego. « 18.° Os mesmos quesitos em relação á essência de heliotropo. « 19.° Os mesmos quesitos em relação á solução phtaliea. « 20.° Os mesmos quesitos em r elação a um frasco « 21." Se uma garrafa de vinho do Porto, com o distico — Engarrafado no Bio de Janeiro — entremeiando as armas de Portugal, é de uva ou se é artificial, e qual a sua composição? « 22.° Se a Água Florida é legitima. «23.° Se a água de Selters é natural ou artificial? « 21.° Qual a matéria corante das três garrafas de vinho tinto; se é ou não venenosa; qual o seu titulo alcoólico; qual a natureza de álcool empregado; e final- mente, qual a sua composição total ? « 25.° Se estes" vinhos eqüivalem aos vinhos natu- raes no regimem dietetico e theurapeutico, de forma a poder substituil-os, sem prejuízo para a saúde, e isto no caso de não ser nelles encontrada substancia tóxica de qualquer natureza, incluindo nesse numero os alcools que costumam impurificar a cachaça? « 26.° Os mesmos quesitos em relação aos vinhos brancos. «27.° Qual a matéria corante do vinagre tinto; qual a sua composição; contém ou não ácidos mineraes; são ou não prejudiciaes á saúde, á vista da analyse? -220 - « 28.° Os mesmos quesitos em relação ao vinagre branco. « 29.° Os rótulos impressos que se encontraram nos diversos productos correspondem ao conteúdo das vazilhas? Na hypothese de não corresponderem, constituem ou não uma falsificação?» Foi nomeado o Sr. Dr. Pimentel para substituir o Dr. F. Fernandes; acceitou a nomeação, tendo-a em principio recusado. Tendo sido elevado a quatro o numero dos auxi- liares chimicos da Junta, foram os dous lugares preen- chidos pelos Drs. Pimentel e Borges da Costa. O exame não teve ainda entretanto lugar a 3 de Fevereiro, como se esperava e o facto foi assim noti- ciado pelo Paiz de 4: « Ainda hontem não se effecluou a analyse dos productos apprehendidos pela ex-Junta de Hygiene Pu- blica á casa Fritz, Mack & C., em conseqüência de não ter o Sr. Dr. Antônio Martins de Azevedo Pimentel, pe- rito convidado por parte da Junta, aceito esse convite. « O Sr. Dr. Montenegro, Juiz substituto do 8.° dis- tricto criminal, de accôrdo com os membros da actual Junta de Hygiene resolveu mandar convidar outro pe- rito, adiando a analyse para hoje ao meio dia. « O Sr. Dr. Tiburcio Figueira, advogado da firma Fritz, Mack & C., vai apresentar, por sua parte, o se- guinte quesito: « Os productos fabricados pela firma Fritz, Mack & C, especialmente os vinhos, contém matérias tóxicas? » « Estiveram presentes os Srs. Drs. Montenegro, Juiz substituto do 8.° districto criminal, Souza Lima, Paiva Coelho, Domingos Freire, Sarmento, Borges da Costa e o Sr. Mack eom seu advogado, o Dr. Tiburcio Figueira, e Palhares Ribeiro, pela Gazeta da Tarde. « A' ultima hora soubemos que a não aceitação por -221 - parte do perito da Junta, Dr. Antônio Martins de Aze- vedo Pimentel, foi unicamente devida a um equivoco na letra do convite que lhe foi dirigido, e, desfeito elle, o dito cavalheiro está prompto a encarregar-se da delicada e importante missão que lhe foi confiada. » Começaram finalmente os trabalhos no dia i e o Paiz noticia o facto em seu n. de 5 do modo porque segue : « Hontem, á meia hora depois do meio dia presentes no Laboratório de hygiene os Srs. Dr. Montenegro Juiz do 8.° districto, Drs. Souza Lima, Paiva Coelho, Do- mingos Freire, Campos da Paz, Sarmento, Borges da Costa, muitos alumnos da Escola de Medicina, o Sr. Mack e o seu advogado Dr. Tiburcio Figueira, Dr. José Alves Pe- reira de Carvalho e representantes do Diário de Noticias, Gazeta da Tarde, Evolução, e o desta folha, o Sr. Dr. Souza Lima convidou o Sr. Dr. Pimentel a prestar ju- ramento para entrar no exercício de perito, em substi- tuição do Dr. Felicíssimo Fernandes; lavrando-se um auto deste juramento. «Sendo entregues aos peritos os quesitos apresen- tados pelo advogado Dr. José Alves Pereira de Carvalho, e já publicado, á vista dos mesmos o perito Dr. Paiva Coelho pedio o prazo de um anno para apresentar o re- sultado da analyse e o perito Dr. Pimentel solicitou apenas o prazo de três mezes, travando-se a este respeito uma discussão. «O advogado Dr. J. A. Pereira de Carvalho declarou que, julgando a questão de interesse geral, requeria que o prazo fosse indeterminado—o que foi acceito. « Procedeu-se em seguida á abertura do armário onde se achava um frasco, contendo matéria corante verde, devendo por ahi começar os trabalhos de analyse. « Foi lavrado o auto de abertura do armário e en- trega das drogas á responsabilidade da commissão de peritos. «Os trabalhos vão ser feitos em particular, por - 222 - terem os peritos declarado não poder effedual-os publi- camente. « Os Srs. Fritz Mack & C. apresentaram o seguinte requerimento! « Mm. e Exm. Sr. Dr. Juiz do 8.° districto criminal— Dizem Fritz Mack & C, industriaes desta corte, que tendo de se proceder ao exame dos productos apprehen- didos em sua fabrica pelos membros demittidos da Junta de Hygiene, vêm os supplicantes respeitosamente requerer a V. Ex., no intuito de apurar a verdade, digne-se de- terminar seja esse exame dividido em duas partes: uma restrida aos productos propriamente ditos de fabricação dos supplicantes e de que exclusivamente*, como é intui- tivo, pode resultar sua criminalidade; outra extensiva, se assim V. Ex. julgar necessário e de direito, ás ma- térias primas também apprehendídas e que pelos suppli- cantes eram applicadas em parte á fabricação de bebidas alcoólicas e em parte á fabricação de sabonetes, perfu- madas. «Por ser de justiça que a parte, de onde pôde re- sultar a criminalidade, não fique dependente da que tem apenas mero interesse scientifico, com grave detrimento dos direitos dos supplicantes e das conveniências da própria justiça publica, os supplicantes—P. P. deferimento e E. E. R. Mcê. «Corte, A de Fevereiro de 1886—Dr. Antônio Ti- burcio Figueira. «Este requerimento obteve o seguinte despacho: «Junte aos autos para em tempo ser resolvido. « — Nota importantíssima ! «Fomos informados pelo Sr. Dr. Campos da Paz, de que, ao começar a analyse, suscitou-se uma questão em relação ao producto pelo qual se deveria inicial-a ficando resolvido que se começasse pelo frasco de sub- stancia verde, objecto do 1.° quesito. «Immediatamente o Sr. Dr. Tiburcio Figueira, ad- vogado de Fritz Mack á C, requereu verbalmente que, se dispensasse essa analyse, visto como se se tinha em vista saber se a substancia em questão era ou não tóxica, elle, — 223 — em nome do seu constituinte, declarava ser ella venenosa e bastava, portanto, procural-a em algum dos productos da fabrica. «O Sr. Ludwig Mack, que assistiu a toda analyse confirmou a declaração do seu advogado. « O Dr. Juiz substituto indeferio este requerimento (apezar da insistência do Sr. Dr. Figueira), attendendo a que se tratava simplesmente de auto de corpo de de- lido, como base de processo ulterior; e não tinha por- tanto lugar nessa occasião a confissão, da qual o mesmo senhor pedia que se lavrasse termo. Além de que (ob- jedou o Sr. Dr. Campos da Paz) não se podia procurar a matéria em questão nos productos da fabrica, sem de- terminar a sua constituição chimica, como pedia o 1.° quesito. « Terminaram os trabalhos ás 3 1/4 horas, sem que se tivesse chegado á determinação da natureza chimica da substancia submettida á analyse. «Amanhã, ao meio dia, continuarão os trabalhos e far-se-ha a experiência physiologica, se houver tempo. « O Dr. Juiz substituto achou-se prasente durante todo tempo que duraram os trabalhos. » Se o leitor se der ao trabalho de examinar o auto de deposito, á pagina 153, verá que o mesmo Sr. Ludwig Mack, que no laboratório confirmou a declaração de seu advogado de que a substancia verde era venenosa, declarou ahi que desconhecia a natureza e applicação de tal sub- stancia. Não nos podemos furtar ao prazer de transcrever um artigo de fundo do Paiz sob a rubrica — Os vinhos falsi- ficados — apreciando as occurrencias da analyse do dia i: « A questão já vai ficando um pouco esclarecida. « Pelo que hontem se passou na diligencia judicial, a que se está procedendo, pôde o publico ir desde já formando o seu juizo. -224 - « Ao encetar-se o exame de uma das drogas apprehen- dídas á fabrica de vinhos de Fritz, Mack & C , requereu verbalmente o advogado desses senhores que fosse dispen- sada a analyse da substancia contida no primeiro frasco, que se abrio, porque, em nome dos seus constituintes, elle declarava ser a referida substancia venenosa, baslando, por- tanto, procural-a em algum dos productos da fabrica ! « O Sr. Dr. Juiz substituto indeferio este requeri- mento, ponderando que, não se tratando senão do corpo de delido para base do processo, não tinha lugar, naquelle momento, o termo de confissão requerido pela parte. « Antes disso requereram por escripto os mesmos fa- bricantes que o exame fosse dividido em duas parles: uma restrida aos productos propriamente ditos da fabricação dos supplicantes; outra das matérias apprehendídas, e que pelos supplicantes eram applicadas em parte á fabricação de bebidas alcoólicas e em parte á fabricação de sabonetes, pcrfumarias, etc! « Este requerimento foi, por ordem do Juiz, appenso aos autos para em tempo ser resolvido. « Temos, portanto, por confissão da parte quercllada, as seguintes declarações: « Que as drogas apprehendídas eram applicadas á fa- bricação dos vinhos e a fabricação de sabonetes e perfu- madas ; e que desde logo, e previamente, reconhecia que a primeira dellas escolhida para exame era venenosa. « Depois disto, pôde a questão subsistir e continuar no terreno judicial, porque as fórmulas do processo assim o exigem; mas para nós, e para o publico, no terreno da moral e dos factos arguidos pela imprensa e pelos honrados membros demittidos da Junla de Hygiene, cila eslá ter- minada. « Dizíamos até aqui vinhos falsificados; diremos d'ora em diante — vinhos envenenados. « As evasivas e os artifícios empregados até aqui, e desgraçadamente favorecidos pela protecção decidida do Governo, tiveram finalmente um termo. « Desde que não se pode evitar o processo á luz publica e a analyse chimica á luz da sciencia, os pró- prios fabricantes apressaram-se em confessar aquillo que — 225 — até aqui tôm negado a pés juntos: isto é, que empre- gavam drogas tóxicas e portanto nocivas á saúde pu- blica na fabricação dos seus vinhos; augmentando ainda o cabedal da nossa instrucção com a segurança de que os mesmos venenos servem igualmente para fabricação de sabonetes e perfumadas, o que também precisa ser esclarecido pelos competentes, para sabermos se o uso de taes sabonetes e perfumadas envenenadas é inoffensivo para a economia humana. « Alguma cousa, portanto, conseguio a perseverança da imprensa contra a obstinação dos interessados e contra a prepotência ofíicial. « E' somente agora que começa a ser explicada com alguma clareza a demissão do Dr. Domingos Freire e dos seus dignos companheiros da Junta de Hygiene Publica. « Esses cavalheiros, bem como nós e todos quantos ousamos propugnar pela causa da saúde publica contra o interesse^ e a cynica avidez do dinheiro alcançado, por dólo, á custa da ruina da saúde e talvez da vida do próximo, fomos declarados suspeitos e venaes, como servindo aos interesses da falsificação dos vinhos estran- geiros, em opposição á honrada industria nacional da propinação de venenos á população do Império ! « O primeiro resultado moral conseguido pelo ini- cio do exame analytico das taes drogas já nos consola de todos os affrontamentos e injurias com que procura- ram inutilmente enlibiar o nosso zelo e enfraquecer a nossa coragem. « E assim será sempre, desde que, ainda correndo o risco de errar, tenhamos uma convicção formada na nossa consciência. « Na vida dos jornalistas esses são os momentos psychologicos : mas sempre que, no cumprimento do nosso dever, tivermos o stoicismo necessário para im- molar as nossas próprias individualidades em beneficio do interesse commum dos nossos concidadãos, salvaremos com os grandes princípios moraes a ordem e a fortuna publicas. « O que está feito é já alguma cousa: mas tudo* 15 — 226 — ainda está por fazer nesta questão de hygiene e das ga- rantias com que deve ser amparada a saúde e a vida da população. « Os' vinhos estrangeiros, dos quaes uma grande parte é também suspeita aos nossos olhos, carecem de ser fiscalizados severamente na sua introducção. « E emquanto não chegarmos a esse desideratum, póde-se dizer que falta o complemento da propaganda a que nos dedicámos com a consciência de estar prestando um real serviço á causa da nossa Pátria. » Sob epigraphe—Réo confesso, publica o Paiz do dia 9 de Fevereiro, o seguinte artigo: « Pouco a pouco vamos avançando. « A jornada é longa, mas não desanimamos. « Os peritos officiaes procederam hontem á analyse de varias das substancias apprehendídas a um dos grandes fabricantes de vinhos artificiaes, e as quaes são empre- gadas na fabricação dos diversos productos dessa impor- tante drogaria. « A analyse feita revelou o seguinte: « 1.°—Que o frasco apprehendido em casa de Fritz, Mack & C., com o rotulo de arseníato de sodio, é de facto arseníato de sodio existindo nelle 745 grammas dessa substancia, faltando 265 para o encher. « 2.°—Que o frasco com o letreiro ácido borico, é de facto ácido borico. « 3.°—Que o vidro com o rotulo de essência de ananaz, não é essência de ananaz, e sim a substancia venenosa conhecida por batijrato de ethyla, que tem o cheiro daquella essência. « No auto de apprehensão, assignado pelo Sr. Luduig Mack, está por elle declarado que se servia do con- teúdo desse vidro para a preparação do xarope de ananaz. « Não se chegou ainda a determinação da natureza chimica da substancia verde, que o advogado dos Srs. Frilz, Mack & C. já confessou que era veneno, mas, - 227 - pelas reacções chimicas até agora reveladas por essa substancia, ó de presumir ter ella por base o verde de anilina, que é um derivado do azul de rozanelina: que é quasi sempre arsenical, e portanto venenoso. « Para determinar-se a criminalidade dos referidos fabricantes, depois de verificada a natureza da tal es- sência de ananaz, bastava a sua própria confissão exarada no auto que assignou. « Desde que, segundo a declaração do réo, essa substancia é por elle empregada na confeição do xarope de ananaz, um dos productos da sua fabrica, desti- nados ao consumo publico, temes diante de nós o que em jurisprudência forense se chama — prova provada. « Comtudo, como não queremos precipitações neste assumpto, esperamos pacientemente a analyse* do vidro de xarope apprehendido, afim de verificar-se nelle a existência (ou não) da tal essência reconhecida pelos pe- ritos officiaes como uma substancia não innocente. E' assim que havemos de responder á grita des- temperada e aos insultos dos especuladores fraudulentos e dos interessados na tal industria internacional do enve- nenamento de substancias alimentares para locupletarem-se com o dinheiro das vidimas incautas.» Omittimos o resto do artigo em que se trata da industria franceza de coloração de doces. Em quanto se procedia á analyse no Laboratório, os interlinhados do Jornal do Commercio procuravam por todos os modos explicar a attitude do Paiz como perse- guição movida pelo illustre proprietário desse jornal, para attender aos seus interesses. Tão desinteressado julgamos o apoio que a illustre Redacção desta importante folha, no que foi acompa- nhada pela imprensa toda, tem dispensado á causa que defendemos que não podemos deixar de collocar sob os olhos do leitor o artigo de fundo publicado por sua Re- dacção em 10 de Eevereiro, sobre a rubrica - 228 - COMBATE Á FRAUDE « Qualquer pôde ter na sua casa um laboratório chimico, sem que d'ahi se infira (se elle fôr fabricante de vinhos) que recorre para esse fim ás substancias do seu laboratório. « Qualquer pôde ter na sua casa as drogas tóxicas que quizer e na quantidade que quizer, sem que d'ahi se infira que taes drogas são aproveitadas para algum fim. « Qualquer pode fabricar os productos que quizer, pondo-lhes também os nomes que quizer, ainda que esses nomes pertençam a productos naturaes communs no mer- cado e sem que seja obrigado a declarar no rotuto que os seus productos são artificiaes. « Taes são as theorias postas em circulação pelos defensores da industria nacional da propinação de vene- nos á população ignorante ou desacautelada. « Taes theorias, em verdade se parecem com os productos das fabricas tão ardentemente defendidas. « Como elles, são também falsificações destinadas a enganar o publico e a illudir a questão que se debate não somente no terreno scientifico, mas também no ter- reno moral e jurídico. « Desde que, pensam os defensores da liberdade da tal industria, não consta que haja alguém succumbido fulminantemente depois de beber um cálice de qualquer dos taes xaropes, denominados vinhos do Porto, de Col- lares ou Bordéos, não se pode dizer nem suppor que taes vinhos são nocivos, ainda que na sua composição entrem drogas mineraes ou orgânicas. « Toda a questão está em que a substancia seja dosada por tal forma na sua applicação aos vinhos arti- ficiaes, que por quasi imperceptíveis sejam difiiceis de apprehender pela analyse chimica, e só muito lentamente possam produzir algum effeito no organismo humano. — 229 — « Não ha duvida que só á sciencia compete deter- minar o gráo maior ou menor da inocuidade de taes substancias depois de ingeridas, e foi justamente, por isso, que, havendo-se pronunciado os homens da sciencia por'grande maioria, contra o consumo dos xaropes (vi- nhos) assim fabricados, nós nos acolhemos á sombra da sua autoridade e nos inclinamos á sua opinião. « Neste terreno permanecemos e permaneceremos seja qual fôr o desenlace da questão controvertida, graças á intereza, coragem, patriotismo e probidade scientifica do illustre Sr. Dr. Domingos Freire, ex-presidente da Junla de Hygiene Publica, e dos seus dignos compa- nheiros nessa honrosa mas espinhosa commissão. « Na presumpção de que servimos aos interesses de uma certa classe em opposição aos interesses dos fabricantes, allegam todos os dias os defensores da frau- dulenta industria que somos órgão dos molhadistas, sup- postos sustentadores da associação que ha tempo se organisou nesta capital com o titulo Centro Commercial de Molhados, organização essa enthusiasticamente applau- dida pelo nosso conspicuo collega do Jornal do Com- mercio, como o ponto de partida para a restauração da probidade mercantil na venda dos vinhos e da resis- tência legitima opposta á fraude, que tanto prejudicava ao commercio quanto á saúde publica. « Ora, para sermos francos, devemos dizer que, em nossa opinião, e salva as excepções que natural- mente existem, são os molhadistas os melhores freguezes das fabricas de vinhos artificiaes e os vehiculos mais fáceis para a introducção e vulgarisação dessa merca- doria de contrabando. « A barateza inicial do producto artificial opposta á carestia do vinho natural importado, os grandes lucros realizados sobre o producto falsificado mas vendido, com pouca differença, pelo mesmo preço do producto ver- dadeiro, são aílicientes poderosos para que os molhadistas se constituam, não os inimigos da fraude, mas os seus mais efficientes auxiliares e cooperadores. « A nós, como redacção d'0 Paiz, é muito indif- ferente que em tal ou tal outro ramo de commercio — 230 — possam achar-se interessadas pessoas que muito nos mereçam pela amizade ou que tenham mesmo pela sua posição autoridade para influir nos destinos da folha em que escrevemos. « Essa autoridade, porém, por mais predominante que pudesse ser, iria somente até os limites onde co- meça o domínio da nossa consciência e da nossa respon- sabilidade. « D'ahi por diante nem essa nem outra autoridade pôde existir para nós, razão pela qual falíamos desas- sombradamente sobre todas as questões, sem receio de nenhum gênero. « Por fortuna, porém, bem alto o proclamamos, entre o honrado fundador e proprietário desta folha e a sua redacção, o accôrdo e conformidade de vistas têm sido e são completos. « De modo que nesta como em todas as questões agitadas pel'0 Paiz temos tido e temos, ao par da mais absoluta liberdade de opinião, a honra de nos podermos considerar interpretes fieis do pensamento e echo legi- timo dos sentimentos e das aspirações que nutre o hon- rado fundador e proprietário desta folha, o qual como brazileiro é tanto ou mais do que nós interessado no bom governo e na prosperidade da terra em que elle e nós nascemos. » No Paiz desse mesmo dia o Centro Commercial de Molhados, de que é presidente o proprietário do Paiz, vem publicada uma reclamação dirigida á Inspectoria de Hygiene e concebida nos seguintes termos: « Mm. e Exm. Sr. Inspector geral de Hygiene.— Cum- primos o dever de communicar a V. Ex. que, tendo a al- fândega de Bordéos recusado receber um carregamento de vinho falsificado remettido por um exportador da praça de Lisboa, e que sendo esse vinho devolvido para Lisboa, a respectiva alfândega, também conhecida a falsificação, lhe não deu entrada, consta agora que foi elle despachado com destino ao Rio de Janeiro. -231- « Devendo esse carregamento estar prestes a chegar, ou ter já chegado a este porto, e sendo no interesse da saúde publica necessário que não entre para consumo esse carregamento de cerca de 300 pipas, já recusado por duas alfândegas como nocivo á saúde, esta Diredoria toma a li- berdade de pedir a V. Ex. as providencias que o caso exige, para que o commercio não seja illudido e a saúde publica não seja prejudicada. « Tendo este facto determinado o acto do governo por- tuguez, que, para credito dos vinhos naturaes, sujeitou por portaria de 24 de Dezembro ultimo a exame nas alfândegas os vinhos destinados á exportação, esta Diredoria em nome do commercio legitimo desta praça tem a honra de lembrar a V. Ex. a urgente necessidade de se estabelecer um labo- ratório na Alfândega para exame dos vinhos importados, e que já foi por nós solicitado do Governo Imperial. « Somos com a mais subida estima, de V. Ex. attentos veneradores e criados. — João José dos Reis Júnior, pre- sidente.— Paulo Faria, 1.° secretario. » Os falsificadores, á vista das noticias constantes publi- cadas pelo Paiz e pela Gazeta da Tarde sobre os resultados da analyse, começaram a clamar contra essa publicidade, da qual se tinha incumbido quem escreve [estas linhas, o que levou a redacção do Paiz a isentar os peritos da responsa- bilidade dessas noticias, o que fez em seu numero de 11 de Fevereiro na noticia seguinte sob a rubrica — Xaropes (vinhos) envenenados. XAROPES (VINHOS) ENVENENADOS « Continuou hontem a analyse das drogas e produc- tos apprehendidos na fabrica de vinhos de Fritz Mack & C. «Na substancia verde, cuja natureza e applicação declararam os fabricantes não t conhecer, ficou revelada pela analyse chimica a presença do ácido picrico. « Esta substancia é venenosa. -232- « Procedendo-se á analyse do xarope de ananaz, fa- bricado por esse mesmo estabelecimento, e em grande quantidade vendido para o interior, verificou-se entrar na sua composição o butyrato de ethyla. « Esta substancia é lambem venenosa, como já o dissemos. «A este propósito cumpre-nos declarar o seguinte: que na qualificação das substancias analysadas empe- nhamos apenas a nossa responsabilidade e a dos cavalheiros e a dos livros que consultamos. « Dos honrados peritos officiaes não temos tido nem informações nem antecipação de juizo sobre os resultados das analyses a que estão procedendo. « A missão delicada da qual eslão encarregados e o caracter severíssimo dessa missão excluem a hypothese leviana de qualquer manifestação individual, sobretudo para servir á imprensa . «Esta tem os seus meios de investigação e delles usará como puder ou como entender. « O que queremos é a analyse, é a prova experi- mental, é o exame rigoroso das matérias apprehendidas. «Uma vez manifestadas estas pelo processo scienti- fico, das conclusões moraes nos encarregamos nós, ficando á espera das conclusões judiciaes, que só á autoridade competente pertencem. « Os alchimistas das drogarias industriaes e os defen- sores dos taes xaropes envenenados, impingidos á popu- lação como vinhos legítimos e com rótulos de contrafação, batidos em todos os recessos a que se abrigam foragidos, estão agora empenhados na demonstração de que os taes venenos não são venenos e que ainda* que o sejam não matam. « Ergo, continue o publico, dizem elles, a favorecer a industria nacional da fabricação de vinhos, porque não consta do obituario que nenhum indivíduo tenha morrido de vmhite arsenical ou de outra qualquer moléstia se- melhante. -233- «O butyrato de ethyla não é veneno, dizem os al- chimistas, é até uma substancia tão innocente que os inglezes, gente pratica e sadia, a empregam em certa limonada de que fazem uso. « Pensam acaso que a ethyla é alguma substancia desconhecida ou pouco usada? « Pois não é ; a terrível ethyla é simplesmente isto : álcool sem água ! « Esta simples definição caraderisa toda a sciencia dos taes alchimistas, ou antes, toda a esperteza dos es- peculadores fraudulentos, que batem moeda sobre a saúde e sobre a vida do próximo, propinando-lhes a sangue frio, sem ódio e sem paixão, essas e quejandas tisanas, unicamente com o fito da exploração da bolsa alheia, na do consumidor incauto ou ignorante, que é afinal de contas todo o publico, que não sabe chimica nem pôde ter la- boratório em casa para analysar os productos alimentares que compra para seu uso. « O segredo dos venenos que matam lentamente e não subitamente não pertence á chimica moderna, que está realmente muito adiantada, sobretudo na Allemanha. « Os Borgias já o conheciam e no armado de ferro do Vaticano existem ainda naturalmente algumas receitas esquecidas ou não conhecidas. «Os vinhos artificiaes, queremos dizer os. xaropes chimicos vulgarisados com essa denominação, devem ser portanto, menos pretenciosos. « São apenas approximações industriaes das águas toffanas, que eram o agente mortífero das vinganças in- dividuaes no tempo antigo, e o terror daquelles que por qualquer causa incorriam no ódio dos poderosos. « Mesmo como applicação moderna á confeição dos vinhos e xaropes industriaes, essas substancias nocivas destinadas a dar côr ou perfume a certos productos não estão mais rodeadas do mysterio da ignorância. «A sciencia as conhece e sabe discriminal-as, e os seus terríveis effeítos no organismo, graças á acção lenta — 234 — ou chronica de taes beberagens, já estão igualmente pa- tenteados por autópsias a investigações severas. «Temos á vista, para exemplo, o n. 11 (1.° de Dezembro de 1885) do Jornal de Pharmacie et Chimie, importante revista que se publica em Paris. « Nella deparamos com um artigo que assim se in- titula : «Recherches sur les parfums artificieis employés par les confisseurs et les liquoristes. « Nesse artigo, tratando-se dos etheres chimicamente constituídos pelo valerianato amylico, pelo butyrato amy- lico, pelo butijrato cthylico e outros, diz-se o seguinte: « Só uma dose muito forte das diversas essências, applicadas aos cães e porcos da índia, pôde produzir phenomenos apreciáveis. « Quando a dose necessária é atlingida, os symp- tomas manifestam-se quasi instantaneamente e apresentam o aspecto da maior gravidade. « Nos animaes aos quaes se applicou a essência do ananaz (a tal essência empregada nos xaropes dos Srs. Fritz, Mack & C), da maçã e da framboeza (todos fructos innocentes), a hypersecreção do muco tornado espumoso e até sanguinolento foi acompanhada de estertores bron- chicos, que eram ouvidos a grande distancia. « Apezar da prostração conseqüente, os animaes que ingeriram as essências do ananaz, da maçã, da framboeza e dos morangos, manifestaram uma convulsão geral. Nas patas manifestou-se o movimento dos remos. (*) « Produzio-se um tympanismo considerável nos que tomaram a essência da framboeza, da maçã e dos mo- rangos e nos que ingeriram a essência do ananaz deu-se o prolapso do redo. » « E assim por diante, vêm descriptos os diversos (*) O Sr. Dr. Freire e o signatário destas linhas emprehenderam uma serie de experiências sobre cães com o butyrato de ethyla, injectado hy- podermicamente, e observaram os phenomenos descriptos por Poincaré e Vallois no numero citado do Journal de Pharmacie et Chimie (1.° de Dezembro de 1885 n. 11). -235- symptomas produzidos pelas taes essências nos differentes animaes sobre os quaes effeduaram as experiências phy- siologicas. « Vejamos, porém, agora o que mais ainda nos interessa saber: isto é, o resultado das autópsias feitas e a verificação das lesões encontradas no organismo dos animaes autopsiados. « Eis o que deparamos no referido artigo: « O envenenamento chronico (é o nosso caso quanto aos productos da tal industria nacional) não forneceu le- sões anatômicas distinctas das do envenenamento agudo. « Em todos os animaes autopsiados a mucosa do estômago mostrou-se injedada, turgida, coberta de man- chas ecchymoticas e até de ulcerações. A mucosa intes- tinal apresentou-se igualmente muito injedada e coberta de muco sanguinolento. As placas de Peyer estavam hy- pertrophiadas. « Os pulmões, cheios de um muco ás vezes sangui- nolento, apresentavam manchas violaceas e eram semeados de agglomerações de crystaes sangüíneos. « Na maior parte dos casos o encephalo e a me- dula estavam muito congestionados. Os rins não o esta- vam tanto. « Todos os órgãos exhalavam um forte cheiro re- velando a essência ingerida. » « Taes são os resultados das provas experimentaes scientificamente feitas para o fim de conhecer-se o effeito das taes essências empregadas pelos fabricantes de licores na confeição dos seus productos. « E' essa a industria nacionalisada entre nós e para a qual se pede a protecção do Estado e a tolerância da imprensa. « Não; preste apoio a essa industria immoral quem para isso tiver gosto e consciência. « Nós, não. « Se no Brazil outra industria não pode prosperar além dessa, preferimos ficar eternamente um paiz essen- cialmente agrícola... » -236 - O Paiz de 12 de Fevereiro, continuando a noticiar os resultados na analyse, nos dá igualmente noticia de uma carta de seu correspondente de Lisboa, sob a rubrica — Vinhos envenenados. « Continuou hontem a analyse a que estão procedendo os peritos judiciaes. « Na lata que tinha o letreiro — Boridina anti-septica o melhor meio de conservação—encontrou-se pura e sim- plesmente ácido borico. « Na substancia verde, cuja analyse continuou, tam- bém manifestou-se o alumen. « As analyses continuam. « A propósito de vinhos envenenados destacamos da carta do nosso correspondente de Lisboa, carta que aca- bamos de receber, o seguinte trecho : « Estão entregues ao poder judicial para se lhes ins- taurarem os competentes processos numerosas amostras de vinhos que do nosso mercado tinham sido exportadas para Bordéos pela firma Leitão & Velloso, e que d'ali foram de- volvidas por incapazes para o consumo. Essas amostras já foram submettidas á analyse no laboratório municipal de hygiene, onde foram dadas por nocivas á saúde, visto es- tarem todas parcialmente coradas com uma mistura de deri- vados ácidos do alcalrão da hulha. 265 cascos voltaram recambiados a bordo dos vapores Ivez, Alphonse Conseil e Gedeon, parte delles pela firma Dauflon, Ducap & Fernandes, de Bordéos, de que são representantes os Srs. Cunha Porto, Irmãos. « A firma Leitão & Velloso vai chamar aos tribunaes o verdadeiro culpado da falsificação. « E' triste que, depois de nos termos lisonjeado pelo bom acolhimento que nos mercados estrangeiros iam tendo os nossos vinhos, tenhamos a registrar já hoje este facto, deveras lamentável. » «Temos boas razões para suspeitar que uma parte dessa drogaria já está em caminho para a terra dos Botocudos, -237- cujos caciques não protegem a instrucção publica nem as industrias licitas, mas são, ao que parece, devotos do alco- olismo e patronos da industria das falsificações. « Ora, emquanto estas se operam nos tecidos com que nos vestimos e no calçado que usamos e em outros artigos de uso externo, passe embora o contrabando, uma vez que só a nossa bolsa é a victima dos espertalhões. « Mas, desde que se trata de substancias alimentares, sejam estas vinhos, bacalháo, cebolas ou manteiga, toda a cautela nos parece pouca e toda a vigilância insuulciente. « Já basta que sejamos explorados e envenenados por conta da industria nacional: se a isso, porém, se accres- centa a exploração dos industriaes do exterior, trocando os seus productos pelo nosso dinheiro, então o melhor é pre- garmos um grande cartaz no morro do Pão de Assucar com este distico: Cemitério dos tolos: paraíso dos velhacos. « Sem sabermos se tem referencia com estes vinhos o aviso dado á Junta de Hygiene e á Inspectoria da Alfândega pelo Centro Commercial de Molhados, temos prazer, neste momento, em servir de órgão a essa associação, procla- mando o seu serviço e deprecando ás autoridades compe- tentes para que nos livrem dessa peste que ahi vem, tão boa ou melhor do que a nossa febre amarella. » Nesse mesmo numero e sob a mesma rubrica trans- creve uma communicação que lhe dirigimos, á propósito de um artigo anonymo em que se procurava demonstrar a inocuidadc do butyrato de ethyla, e a faz preceder de algumas considerações: « Embora pungidos por natural vexame, não temos remédio senão confessar a nossa ignorância em chimica. « Não sendo nós fabricantes de vinhos artificiaes, estamos dispensados de ler laboratório em casa e de fazermos estudos sobre essa especialidade. « Comtudo para esclarecimento do publico e na falta -238- de competência pessoal para tratar destas questões de toxicologia, abrimos espaço á seguinte communicação que interessa ao caso de que vimos tratando. « Essência de ananaz e butyrato de ethyla são duas cousas inteiramente differentes. O commercio vende frau- dulentamente um pela outra; leiamos Poincarré e Val- lois : «Desde muitos annos os confeiteiros e licoristas empregam na confecção dos seus productos, sob a deno- minação commercial de perfumes artificiaes, etheres chi- micamente constituídos pelo valerinato de amyla, butyrato de amyla, butyrato de ethyla, ether propilico álcool ca- prilico, etc. « Elles podem assim communicar a esses productos o cheiro e o sabor da maçã, da pera, do ananaz, do morango e do framboeza. « Não só essas imitações podem tornar inútil a intervenção dos fructos correspondentes, mas com muito menos despeza e com uma similitude perfeita ellas dão resultados sensoriaes mais accentuados. « Esta pratica constitue incontestavelmente um at- tentado á moralidade commercial, pois que ha fraude sobre a proveniencia. Além, disso, ainda que cada uni- dade alimentícia não contenha senão uma quantidade insignificante da substancia, é entretanto do dever da hygiene verificar experimentalmente mesmo a inocuidade da falsificação, com mais forte razão deve verificar se ella é perigosa e em que proporção ella o pôde ser.» « Etyla não é em linguagem alguma o álcool sem água. (*) « Álcool sem água é em toda a linguagem pura e simplesmente álcool absoluto. « O resultado da subtracção de hydrogeno e oxi- geno, sob a fôrma de água, na molécula do álcool seria, quando muito, ether sulfurico, se se quizesse fazer allusão ao modo de interpretar a reacção do ácido ethylico antes da lheoria de Williamson. * (*) Foi affirmado pelo articulista anonymo ser ethyla o álcool sem água. -239- « Agora, se se quizer fallar linguagem que ainda se falia, o álcool sem os elementos da água será ethy- leno, um dos productos do gaz da illuminação. « Quando mesmo ethyla viesse a ser álcool sem água, não ficava provado que butyrato de ethyla não seja substancia tóxica. « O ácido butyrico é conhecido de todos nós que temos cheirado manteiga ou banha rançosa (*) como subs- tancia nociva á saúde, tanto que basta a sua presença revelada pelo olfato, para que rejeitemos sem mais discussão esses productos alimentares. « Butyrato de ethyla, que se obtém da reacção entre o ácido butyrico e o olcool ethylico, não é nem ácido butyrico nem álcool; e a prova é que, em vez de ter cheiro de manteiga rançosa ou de cachaça, tem, simplesmente e tão perfeito, o agradável cheiro do sabo- roso ananaz, que, fraudulentamente introduzido do xarope, engana ás mil maravilhas o consumidor, a ponto de levar vantagem, por suas propriedades aromaticas, ao pobre e desprezado xarope de ananaz verdadeiro, « O butyrato de ethyla não faz excepção á regra em sciencia estabelecida, se avocar a si o direito de ter propriedades physicas, chimicas e mesmo physiolo- gicas, que em nada se pareçam com as de seus proge- nitores, se assim se pode chamar, ao ácido butyrico e ao álcool. « Se é necessário um exemplo, ahi vai: « O innocentissimo bydrogeno, o utilissimo oxigeno e o bom do enxofre, que só melte medo aos parasitas, combinados, produzem o terrivel vitriolo. « Se esse exemplo não chega, vejamos um outro. « Quem não sabe quanto é pacato o azoto, que em tão grande dose entra na composição da atmosphera? Quem não conhece a inércia do carbono ? O hydrogeno já apresentámos. « Pois bem; o ácido prussico, o terrivel veneno, (*) O articulista anonymo alludio ao facto de ser o ácido butyrico muito conhecido por todos quantos tenham cheirado manteiga ou banha rançosa, d'onde julgou poder inferir sua inocuidadc — 240 — que toda a gente conhece, não é senão a combinação desses três elementos: hydrogeno, carbono e azoto. A 13 de Fevereiro dava o Paiz noticia dos traba- lhos effectuados a 12, e a propósito transcreve uma noticia do Journal du Havre, de 17 de Janeiro: « Contiuuaram hontem os trabalhos analyticos dos peritos judiciaes. « A analyse revelou que o frasco com letreiro de phenol-phtalein contém uma substancia em pó, branco- pardacenta, conhecida em chimica por phenol-phtalico, substancia essencialmente venenosa. Annunciaremos as reacções obtidas por serem curiosas: « Tratada por uma solução alcalina dissolveu-se, revelando a solução a bella coloração vermelho-purpu- rina da fuchsina. « Essa solução descora facilmente quando o alcali é a soda, o que não acontece com a cal, que parece fixar a côr. « O acool realça a côr da solução alcolina. « Outro tanto acontece com o assucar, que a fixa. « Levada á consistência xaroposa uma solução con- centrada de assucar, assim colorida, obteve-se um li- quido de aspecto perfeitamente análogo ao xarope de groseille do commercio. « Está se procedendo á analyse de um vidro con- tendo, segundo o letreiro, essência de groseille. « Infelizmente o xarope de groseille de Frilz, Mack & C. escapou á apprehensão da ex-Junta. « Não fabricarão esse refresco ? « Não parece provável. « A essência de groseille foi reconhecida artificial, nella se encontrando uma mistura de differentes etheres, entre elles predominando os etheres butyrico, caprilico, caprico e caproico. » « —Uma vez que a questão dos vinhos falsificados continua na ordem do dia, eis aqui uma noticia que -241 - colhemos do Journal du Havre de 17 de Janeiro pró- ximo passado : « A queslão dos vinhos fuchsinados apprehendidos, em Outubro ultimo, na estação de Toulon, teve o seu epílogo sexta-feira de manhã, na audiência do Tribunal Correccional desta cidade. « O Sr. Jérôme, negociante de vinhos em Lansar- gues (Hérault), reconhecido culpado de ter despachado, em Outubro ultimo, 225 hedolitros de vinho colorido por meio do alcatrão de carvão de pedra ao sulfato de fuchsina arsenical, foi condemnado, por contumacia, a um anno de prisão, 100 francos de multa, na inserção do julgamento em três jornaes de Toulon, Marselha e Montpellier, e á aífixação em cartazes, no numero de 50 exemplares. O Tribunal resolveu mais a confiscacão dos vinhos apprehendidos, e ordenou que fossem disti- lados em proveito dos estabelecimentos de beneficência. « O Tribunal Correccional de Lyon occupou-se igual- mente , sexta-feira, de uma questão de falsificação de vinhos (com auxilio da fuchsina e de um ácido), que está destinada a fazer graiuje barulho no sul e na Bourgogne. « Os accusados que compareceram nessa audiência foram em numero de seis. São elles os Srs.: Hippolvte Roux, de Béziers; Louis Fabre, de Castries ; Gilbert/de SaintBrés; Honoró Grégoire, de Lunel; Jean Pous, de Montpellier ; Billard, de Pommard. O Tribunal adiou para dentro de oito dias o pronunciamento de seu veredictum. « Negociantes do sul em numero de cem serão successívãmente perseguidos. » Chegou-se afinal a determinar a natureza chimica da celebre substancia verde, mas um perito manifestou du- vidas e a analyse recomeçou até final resultado que os leitores verão no Relatório dos peritos. Passa-se ao exame dos vinhos, e eu chamo especial- mente a attenção do leitor para o que se deu durante esse exame : 16 - 242 - O Sr. Dr. Pimentel encontrou algumas das reacções características de matéria corante de anilina e não fez disso segredo. Ainda mais, o Sr. Dr. Pimentel achou nesses vinhos grande quantidade de alumen e disso não fez igualmente segredo. Procuradas as reacções da malva negra, verificou-se que algumas das reacções offerecidas pela matéria corante do vinho se assemelhavam ás dessa substancia, ao passo que outras eram completamente mescladas; não eram ní- tidas, como deveriam sel-o. Formou-se no espirito do perito a convicção de que o vinho era corado pela malva negra, e que, alem da malva negra, alguma cousa havia que embaraçava a nitidez das suas reacções e que ao perito parecia uma matéria co- rante derivada da anilina, pelas reacções que obteve, e que além disso havia grande porção de alumen no vinho. Nós damos disso testemunho ; (*) vimos as reacções da matéria corante derivada da anilina pelas quaes o Sr. Dr. Freire insistio. Acreditávamos pois que o Relatório seria divergente, mesmo porque o Inspector de Hygiene já tinha sido in- formado pelo Sr. Dr. Pimentel da grande quantidade de alumen do vinho. Entretanto o accôrdo foi completo : o Sr. Dr. Paiva Coelho, que nada achara, cedeu em ad- mittir uns traços de alumen e o Sr. Dr. Pimentel, que vira grande porção de alumen e reacções de matéria co- {*) Pouco se nos dá que o nosso testemunho seja averbado de sus- peito pelos falsificadores e seus advogados, pois não escrevemos para elles e sim para o publico com cuja confiança nos honramos. — 243 — ranle derivada a anilina, reduzio o seu alumen a traços, e atirou com a anilina para os recônditos de sua cons- ciência. Que ella o não persiga é quanto lhe desejamos, pois tanto nos faz que a analyse a tenha descoberto nos vinhos dos Srs. Fritz, Mack & C. como que os processos psy- chicos nol-a deixem entrever na consciência do perito atravez da ambígua redacção do Relatório, cuja obscu- ridade muito se illuminou com a apprehensão de fuchsina na Alfândega, fuchsina que os Srs. Fritz, Mack & C. importaram, e que talvez a esta hora estejam reclamando do Thesouro, em gráo de recurso da decisão da Alfândega para não perderem a amostra. O Sr. Barão de Ibituruna, afllicto pelo resultado da analyse, officiou ao Sr. Dr. Borges da Costa, pedindo informações, o Sr. Dr. Borges respondeu ao officio re- metlendo a resposta dos dois peritos: o Sr. Dr. Paiva Coelho respondeu que os vinhos eram innocentes e o Sr. Dr. Pimentel, divergindo desse juizo, appellidou o vinho de maceracão malvada e chamou a attenção do Inspector Geral de Hygiene para a grande quantidade de alumen que a analyse revelara. A resposta do Sr. Dr. Paiva Coelho estava de perfeita harmonia com a facilidade com que o Sr. Dr. nada en- contrava de nocivo, e a do Sr. Dr. Pimentel com o cuidado e seriedade com que prescrutava no exame das reacções a comprehensão exada da composição do vinho, Entretanto, como já o disse e o leitor vae ver, a diver- gência constante dos peritos desappareceu no Relatório. Harmonisaram-sè na confecção do Relatório, a ponto -244 - de serem accordes em redacções ambíguas e em esque- cimentos sensíveis na resposta de certos quesitos. Não indagaremos da razão desse phenomeno. Não indagaremos da razão pela qual o Sr. Barão de Ibituruna julgou-se com o direito de não publicar os oflficios dos peritos, não emitliremos igualmente juizo sobre o Relatório sem completal-o com as respostas a novos quesitos que vamos propor em requerimento ao Juizo competente. Não discutiremos o arrombamento do laboratório por ladrões singulares, que deixam objedos de valor e até dinheiro, que lhes estava á mão, e furtam um relógio de parede de pouco valor, um paletot velho e os Documentos do Laboratório Municipal de Pariz, á cargo de Mr. Gi- rard, pelo qual os chimicos se guiavam na analyse. Parece que esse relógio, esse paletot e esse livro não passaram de pretexto para se fingirem de gatunos vulgares, gatunos de mais alta esphera que não reconheceram e por isso não levaram ou não inutilisaram a preza cubiçada. Dando noticia do Relatório, preenchemos um duplo encargo, scientificando o leitor do modo porque a firma fal- sificadora dos Srs. Fritz, Mack & C. recebeu o relatório, julgando-o favorável a seus vinhos, e publicando-o em sua integra com ligeiros esclarcimentos em nota. Os peritos enviaram ao Inspector Geral de Hygiene copia, que a Gazeta de Noticias publicou, e os Srs. Fritz, Mack & C. distribuíram em avulso em um annuncio pelo Diário de Noticias. « Relatório apresentado a S. Ex. o Sr. Dr. Juiz de Direito do 8.° districto criminal, pelos Drs. Cândido de Paiva Coelho e Antônio Martins de Azevedo Pimentel peritos nomeados por S. Ex. e pelo Exm. Sr. Dr. Inspector — 245 — Geral de Hygiene, Barão de Ibituruna, para procederem á analyse dos productos apprehendidos a Fritz Mack & C, por alguns membros da ex-junta de hygiene. « Resposta aos quesitos apresentados pelo Sr. Dr. José Alves Pereira de Carvalho, por parte dos Srs. Drs. Domingos José Freire e Arthur Fernandes Campos da Paz. « i.u_I. Qual a natureza chimica do conteúdo do frasco apprehendido sem denominação, e conhecido pela fôrma seguinte : um frasco, contendo uma matéria co- rante verde ; II, e se o seu uso é nocivo á saúde como veneno ? « Resposta: 1.°, a matéria corante verde «é uma mistura formada principalmente pela reunião do sulphin- digotato de sodio, vulgarmente denominado carmim de indigo, azul purpureo, azul Bolley, e do binitrocresylato de potássio, commummente chamado amarello victoria. Além destas duas substancias, existem na mistura saes mineraes, como sejam : sulphalos, chloruretos e phos- phatos de sodio, potássio, ferro, cálcio, e o alumen. 2.°, o seu uso é nocivo á saúde como veneno. » « 2.°—l. Se essa « matéria corante verde» se acha colorindo ou compondo qualquer dos produdos appre- hendidos e sujeitos ao exame ; e, II se o referido frasco em que se acha a mencionada matéria corante está com- pletamente cheio ou se denota já ter sido retira delle alguma parte ou qualquer quantidade d'esta, ainda que aproximadamente ? « Resposta :—I. A « matéria corante verde » se acha corandosóo liquido verde referido no 8.° quesito, declarado no auto ser de natureza e applicacão desconhecidas pelo fabricante. «II. o frasco em que se acha a mencionada « ma- téria corante verde» não estava completamente cheio, denotando já ter sido retirada delle quantidade de cerca de 80 grammas da substancia. « 3."—No caso de ser venenosa esta matéria, qual a quantidade precisa approximadamente para matar um cão de talhe médio, feita a experiência physiologica? « Resposta:—A quantidade precisa para matar um -246 - cão de talhe médio, feita a experiência physiologica, foi de 50 centigrammas. « A.° Os mesmos quesitos supra, em relação ao frasco que contém ácido borico. « Resposta :—I. O ácido borico não foi encontrado em producto algum apprehendido e sujeito á analyse. « II. O frasco de ácido borico, de capacidade de 1,000 cc, não estava completamente cheio: continha apenas 310 grammas do ácido. « III. O ácido borico não è venenoso (Trousseau, Sprengel, Bouchut e Dumas). « 5.° Os mesmos quesitos em relação a uma lata con- tendo um composto de bóro. « Resposta:—Este composto de bóro é o ácido borico. A resposta, portanto, é a mesma que a do que- sito precedente. « 6.°—Os mesmos quesitos em relação ao arse- níato de sodio. « Resposta:—1.° O arseníato de sodio não foi en- contrado em nenhum dos productos apprehendidos e sujeitos á analyse. II. O frasco em que se achava o arseníato de sodio, de capacidade de 1,000 cc. continha somente 745 grammas de arseníato. III. O arseníato de sodio é muito venenoso. A sua acção tóxica se manifesta de cinco centigrammas para cima. (Trousseau). « 7.° Os mesmos quesitos em relação ao conteúdo do frasco declarado no auto ser substancia desconhecida e marcado com uma cruz. « Resposta:—O frasco que continha o liquido em questão era de capacidade de 250 grammas, faltavam porém 125 grammas. Este liquido tinha o cheiro pronunciado do ácido acetico, côr vinhosa, era turvo e semelhante á borra do vinho. « Não continha substancias tóxicas. « 8.°— Os mesmos quesitos, em relação ao conteúdo de uma garrafa com um liquido verde, declarado no auto ser de natureza e applicacão desconhecidas pelo fabricanle. -247- « Resposta:—I. O liquido verde, de que trata este quesito, não foi encontrado fazendo parte de nenhum producto apprehendido e sujeito d analyse. (*) II. Estava completamente cheia a garrafa, de capacidade de um litro; a côr verde era dada pela «matéria corante verde» a que se refere o 1.° quesito.No producto de distillação deste liquido havia as essências de hortelã pimenta, cravo, canella e água de melissa. O liquido verde continha, além destas essências, assucar, álcool e aloes. « A analyse das cinzas revelou a existência de carbo- natos, sulphatos, chloruretos e phosphatos de potássio, sodio, ferro e cálcio. Não havia metaes tóxicos. « III. A matéria corante é a mesma de que se occupa o 1.° quesito e cuja propriedade tóxica já foi enunciada. Attendendo-se, porém, ao grande poder tin- torial da «matéria corante verde» em virtude do qual uma pequena quantidade, um centigrammo, pôde colorir uma quantidade de liquido relativamente grande, um litro, este liquido verde de que trata o quesito só deve ser nocivo sendo ingerido em porção notável. (**) « 9 "—i. a essência de ananaz é natural ou arti- ficial ? II. Na segunda hypothese, qual a sua natureza chimica ? III Se é ou não venenosa ? IV No caso de o ser, em que dose ? V. E se existe ou não d'ella no xarope de ananaz ? (*) Esse liquido verde, que os peritos,.por distracção provavelmente, fazem passar na resposta por matéria prima, não é outra cousa senão Chartreuse, como se vò da rápida noticia que dão da composição. Os peritos declaram não conter metal tóxico; nem mesmo o alu- mínio ? ('*) O quesito pergunta so essa droga é tóxica e os peritos affirmam que o liquido é tóxico, mas, para não lezar os interesses dos Srs. Fritz, Mack & C. aconselham que se beba pouco para não se morrer instantanea- mente, mas, em o seu arrazoado gracioso, não se lembram de que não é de boa hygiene bebêr-se aos poucos drogas venenosas. Em todo o caso seria de bom conselho que os Srs. peritos começassem a usar desse chartreuse. -248 - «Resposta:—-I. A essência de annanaz é artificial.— II. Na composição chimica deste ether artificial entram di- versos corpos chimicos, predominando os elheres amyl- butyrico,butyrato de ethyla e a glycerina. III e IV é venenosa em dose superior a 6, 8 e 10 grammas, segundo as expe- riências de Poincarré e Vallois, feitas em porcos da índia e em cães. Existe aromatisando o xarope de ananaz. (*) 10. —1." Qual a matéria corante do Chartreuse appre- hendido ? 2.a Se é ou não venenosa? Resposta:—I. A matéria corante do Chartreuse appre- hendido é açafrão natural? (**) Não é venenosa. 11. — 1." Qual a natureza chimica do ether kirsck? 2.a se é ou não venenosa ? 3.a E se se acha na composição de alguns productos da fabrica? 12.—l.a Qual a natureza chimica da essência de cognac? 2.a Se é ou não venenosa? 3.a Se existe em alguns dos productos da fabrica. 13.-—Os mesmos quesitos em relação á essência de biter. 14.— Os mesmos quesitos em relação á essência de amêndoas amargas. 15.—Os mesmos quesitos em relação á essência de groseille. 16.—Os mesmos quesitos em relação á essência de genebra. 17. —Os mesmos quesitos em relação á essência de pecego. 18.—Os mesmos quesitos em relação á essência de heliotropo. Resposta:—As essências constantes dos quesitos un- decimo ao décimo oitavo são todas artificiaes, constituídas (*) Os Srs. Fritz, Mack & C. suprimiram, na publicação do relatório que distribuiram, essa phrase, como facilmente se verá, cotejando essa publicação com o relatório pelos peritos entregue ao Exm. Juiz do 8.» districto criminal, no cartório do escrivão Ernesto. (**) Seria curioso saber por que processo o descobriram. — 249 — por uma mistura em proporções variáveis de diversos compostos chimicos, entre os quaes figuram : os etheres amylico, butyrico, acetico, benzoico, cenantico, pelar- gonico, valerianico, cinamico, caprico, caproico, chlo- roformio, etc... os ácidos benzoico, tartrico, butyrico, oxalico, succinico, álcool amylico, aldehydo, glycerina e sáes mineraes. (*) Observações. n. O ether kirch, (undecimo quesito) além de alguns dos compostos enumerados, tinha traços de ácido cyanhy- drico. Está aromatisando o xarope de orchata. 12. A essência de cognac existe no cognao. 13. A essência de bilter não foi encontrada em pro- ducto algum analysado. 14. A essência de amêndoas amargas é a nitro-benzina, vulgarmente denominada essência de mirbano. Não foi encontrada em producto algum analysado, 15. A essência de groseille não foi encontrada em producto algum analysado. 16. A essência de genebra existe na genebra. 17. A essência de pecegos não foi encontrada em pro- ducto algum analysado. 18. A essência de heliotropo não foi encontrada em producto algum analysado. As essências artificiaes encontradas nos productos ana- lysados existiam em traços. 19.—Os mesmos quesitos em relação á solução phtalica. Resposta : — l.a A solução phtalica é constituída pelo phenol phtalico. 2.a Não foi encontrada em producto algum analysado. (*) Nos quesitos 12, 13,14,15,16,17 e 18, pergunta-se se as substancias a que se referem são venenosas e se entram nos productos da fabrica. Os peritos respondem, dizendo em observações, que a essência de cognac está no cognac, que a de genebra existe na genebra; na resposta enumeraram uma lista dos mais terríveis venenos como entrando na composição dellas, mas, esqueceram-se absolutamente de dizer se são ou não venenosas ; feliz- mente, para a moralidade do caso, ninguém acreditará na innocencia de tanta droga de nome arrevezado. - 250 - 20.—Os mesmos quesitos em relação a um frasco de phenol phtalico. Resposta:— A natureza chimica deste corpo é a mesma que a do composto do quesito precedente. E' um derivado da serie aromatica dos hydro- carburetos, o qual derivado se apresenta sob três fôrmas : ácido phtalico, terephtalico e isophtalico. O primeiro é o unico que tem applicações indus- triaes. (Grimaux) 21.—1.° Se uma garrafa de vinho do Porto, com o distico — Engarrafado no Rio de Janeiro entremeiando as armas de Portugal, é de uva ou não ? 2.° Se é artificial? 3.° Qual a sua composição? Resposta: — 1.° e 2*.° — O vinho do Porto com o dis- tico— Engarrafado no Rio de Janeiro — entremeiando as armas de Portugal, não é de uva somente: e sim uma mistura de vinho tinto de uva com vinho branco artificial. 3/—Composição do vinho do Porto: Álcool................................ Extracto a 100.° (por litro).............. Sulphatos............................. Tanino............................... Ácido salicylico........................ Alumen.............................. Metaes tóxicos........................ Matéria corante. Não é de anilina. (*) A analyse das cinzas revelou a existência decarbonatos, sulphatos, phosphatos, chloruretos de cálcio, potássio, sodio e ferro. 22. — Se a água Florida é legitima? Resposta:—A sciencia não fornece dados para res- ponder a este quesito. 23. —Se a água de Selters é natural ou artificial? Resposta. — A água de Selters é artificial. 24 —1.° Qual a matéria corante das três garrafas 18.10°/0 69.50 0.66 0.20 Não tem Não tem Não tem (*) De que é então ? -251 - de vinho tinto? 2.° Se é ou não venenosa? 3.° Qual o seu titulo alcoólico? 4.° Qual a natureza do álcool em- pregado? E 5.° finalmente, qual a sua composição total? Resposta:—1.° A matéria corante das três garrafas de vinho tinlo é a malva negra ; 2.a não é venenosa; 3.a o titulo alcoólico é de 17.30°/0; 4." o álcool empregado ó o álcool elhylico commum ; 5." composição total do vinho tinto : Álcool...................:.............. 17.30'/. Extracto a 100° (por litro)................ 63.30 Assucar reductor........................ 57.00 Cinzas.................................. 1.40 Tanino................................. 0.20 Acidez................................. 5.30 Sulphato de potássio..................... 0.40 Alumina vestígios Ácido salicylico. Não tem; matéria corante—malva negra; metaes tóxicos — não tem. Este vinho artificial tem o cheiro pouco semelhante ao do vinho natural, sem o gosto deste e causa sen- sação de ardencia ao paladar. 25.— Se estes vinhos eqüivalem aos vinhos natu- raes no regimen dietetico e therapeutico, de fôrma a poder substituil-os sem prejuízo para a saúde, e isto no caso de não ser nelles encontrada substancia tóxica de qualquer natureza, incluindo nesse numero os alcools que costumam impurificar a cachaça. Resposta:—Estes vinhos não eqüivalem aos vinhos naturaes no regimen dietetico e therapeutico de fôrma a poder substituil-os, e só podem prejudicar a saúde por não corresponderem ás necessidades do regimen dietetico e therapeutico. (*) (*) Se dieta é regimen alimentar, como rezam os diccionarios, me pa- rece que isso basta para condemnar as maceraçdes malvadas dos Srs. Fritz, Mack & C, na phrase feliz do Dr. Pimentel, quando outras razões de ordem scientifica os não condemnasse, máo grado o Sr. Mamoré e a sua Inspectoria. -252 - Não foi encontrada nelles substancia tóxica de qual- quer natureza, incluindo os alcools que costumam impu- rificar a cachaça. 26.— Os mesmos quesitos em relação ao vinho branco. Resposta: —1.° A matéria corante do vinho branco é o caramello ; (*) 2.° não é venenosa ; 3.° o titulo alcoólico é de 18.30 °/0; 4.° o álcool empregado é o álcool ethylico commum ; 5.° composição do vinho branco : Álcool................................. 18.30°/, Exlracto a 100° (por litro)................ 74.90 Assucar redudor........................ 66.50 Cinzas................................. 1.50 Tanino................................ 0.20 Sulphato de potássio..................... 0.30 Alumina vestígios ácido salicytico não tem ; metaes tóxicos não tem ; ma- téria corante caramello. O vinho branco é transparente, de cheiro pouco se- melhante ao vinho branco de uva, de sabor ardente. 27.— I. Qual a matéria corante do vinagre tinto? II. Qual a sua composição? III. Contém ou não ácidos mineraes? IV. São ou não prejudiciaes á saúde á vista da analyse ? Resposta: — I. A matéria corante do vinagre tinto é a malva negra ; II. Composição do vinagre tinto : Extrado secco a 100°................... 16.10 °/0 Acidez total (por 100)................... 7.29 Matéria corante ) ,AA A «- Tanino lPor 10°................ °67 (*) O Sr. Dr. Borges da Costa já achou derivados da anilina nos caramellos. Os peritos procuraram-n'os no caramello dos Srs. Fritz, Mack & C. ? — 253 — III. Não contém ácidos mineraes (livres) ; IV. A' vista da analyse, o vinagre tinto não é prejudicial á saúde. 28.— Os mesmos quesitos em relação ao vinagre branco* Resposta.— l. A matéria corante do vinagre branco é fornecida pela faia, que em presença do álcool a cede a este, que por sua vez a dissolve ao mesmo tempo que acetifica-se. II. Composição do vinagre branco : Exlrado secco a 100°................... 1450o Acidez tolal (por cento)................... 7.10% Matéria cerante e tanino (por 100).......... 0.49 7. III. Não contem ácidos mineraes (livres). IV. Á vista da analyse o vinagre branco não é prejudicial á saúde. Observações aos quesitos 27 e 28 : Nas cinzas a analyse revelou a existência de car- bonatos, sulphatos, chloruretos e phosphatos de cálcio, potássio, sodio e ferro. 29.—I. Os rótulos impressos que se encontram nos diversos productos, correspondem ao conteúdo das va- silhas? II. Na hypothese de não corresponderem constitue ou não uma falsificação ? Resposta:—■ I. Os productos apprehendidos e que tem rótulos impressos, são : — O vinho do Porto — a ge- nebra— o cognac—a hesperidina—o xarope de orchata — o xarope de ananaz—; destes porém só consta, nos quesitos, o vinho do Porto. Entretanto, como procedemos ás analyses de todos os productos apprehendidos, damos conta de todas ellas. (*) 1.°—Quanto ao vinho do Porto, por isso que o con- teúdo da respectiva garrafa não é só vinho de uva, podemos aílirmar que o rotulo não corresponde ao con- teúdo. (*) O quesito especifica: os diversos productos; quer saber do facto em relação ao rotulo de todos os productos aprehendidos. - 254 - 2.°. —Quanto aos xaropes de: ananaz e orchata e a genebra, o vicio dos rótulos está em não especifi- carem que essas bebidas são artificiaes. (*) 3.°—Quanto ao cognac, por não conhecermog o pro- cesso dos fabricantes Guyeau & C, cujo nome o rotulo mencionava, nada podemos aífirmar. (**) 4.°—Quanto á hesperidina, o rotulo corresponde ao conteúdo. (***) II.—A segunda parte do quesito, relativo á — falsifi- cação—, por ser alheia aos sentidos das scienciaes médicas, abstemo-nos de dar parecer. (****) Deus guarde a V. Ex.—Illm. e Exm. Sr. Dr. Juiz de Direito do 8.° districto criminal. —Rio de Janeiro, 16 de Julho de 1886.—Dr. Cândido de Paiva Coelho.— Dr. Antônio Martins de Azevedo Pimentel. (*) Logo, o rotulo não corresponde ao conteúdo, por que quem não diz que ó artificial diz que é natural, tratando-se de producto para cujo uso se emprega exclusivamente o natural ; é um artificio e pois uma falsificação. (**) Podem affirmar tudo, por que sabem que Guyeau & C, quem quer que elles sejam, nunca fabricaram cognac na rua do Passeio. (***) Como sabem ? (****) Essa proposição não ficará sem a devida contestação em tempo opportuno. II Os meus artigos. A serie de artigos, que escrevi para a Gazeta da Tarde sob a rubrica Saúde Publica e para O Paiz sob a rubrica vinhos falsificados, constituem assumpto deste capitulo, e correspondem a um período em que os des- mandos da Inspectoria de Hygiene, no furor de protecção aos falsificadores, deu novo incremento á questão. O Ministro da Fazenda, attrahido pelo ruido então levantado, inspirou-se nas paginas dos Relatórios dos Srs. Laffayette e Saraiva, que consideram os vinhos artificiaes como nocivos á saúde, venenos lentos, na ex- pressão que empregaram, e pedio ao parlamento para embaraçar a falsificação com o imposto de 50 rs. por litro, que já foi approvado pela Gamara, e sel-o-ha pro- vavelmente pelo Senado. Somos contrario a esse imposto porque queremos o fechamento desses laboratórios de intoxicação, e da lei- tura deste capitulo se verá as razões em que me fundo. Antes desses artigos sobre a industria criminosa eu escrevi uma serie contra o acto do Inspector geral de Hygiene, mandando expor á venda batatas greladas, de- pois de ter sustentado na Academia que esse gênero é prejudicial á saúde publica. -256 - LICENÇA. A VINHOS ENVENENADOS I O Exm. Sr. Barão de Ibituruna ainda é Inspector geral de Hygiene, e eu sinto isto. S. Ex. não devia ter acceitado esse mimo, que foi um verdadeiro presente de gregos. Seu prestigio ensombrava, era preciso destruil-o; e se já o não conseguiram de todo, conseguil-o-hão em breve. Já obrigaram S. Ex. a mandar entregar ao con- sumo publico, por diversas vezes, gêneros deteriorados, e agora forçam-no a dar licenças para que fabricas de vinhos arlificiaes funccionem, inundando o mercado com esses productos, tendo a licença por unico fundamento lógico o serem esses vinhos envenenados, Parece que se trama o envenenamento da população. Demonstral-o-hei em these, e em seguida especifi- carei um caso. Quando a Junta Central de Hygiene, a que tive a honra de pertencer, visitou as fabricas de vinhos arti- ficiaes, communicou ao Governo que tinha apprehendido nessas fabricas substancias tóxicas umas, suspeitas de o serem outras. Fez também ver ao Governo que, já tendo sido des- coberto fuchsina e ácido salicylico em vinho e vinagre, apprehendidos pela commissão vaccinico-sanitaria de S. Christovão em uma fabrica da Praia Formosa n. 167, era para receiar da nocividade de productos, em cujas fabricas a autoridade descobrio e apprehendeu venenos. Como conseqüência, a Junta pedio o fechamento dessas fabricas, até que a analyse dissesse se o crime só era perpetrado na Praia Formosa e as substancias ve- nenosas encontradas nas outras fabricas ahi tinham ido parar por descuido, ou se ao contrario a crimiualidade as abrangia em todo ou em parte. O Governo não achou o fundamento lógico e inde- ferio o pedido. A Junta não desanimou, convidou a Prometeria pu- blica para assistir ás analyses, na esperança de encontrar -257- na justiça publica para a saúde da população o apoio que o Sr. Ministro do Império só tinha e decidido para os falsificadores. Achou o Governo que era de mais querer a Junta antepôr-se ao interesse particular de meia duzia de in- divíduos e demittio-a Dous dos membros da corporação demiltida reque- reram ao Juiz do 8.° districto criminal auto de exame e corpo de delido nos productos de uma dessas fabricas. A analyse, que consta já estar terminada, (*) já é co- nhecida do Sr. Barão de Ibituruna, e delia o publico sabe que no vinho um dos peritos achou substancia tóxica. (**) Pois bem, se tudo isso não bastasse para que o Sr. Barão de Ibituruna insistisse com o Governo na me- dida de fechar as fabricas, ao menos até emquanto a analyse não tivesse dito a sua ultima palavra, era mais que suíficiente para que S. Ex. fosse cauteloso na con- cessão das licenças que, para proteger os falsificadores, o regulamento creou. Mas assim não tem'acontecido. O Sr. Barão de Ibituruna, rompendo com os nobres precedentes de sua carreira publica, precedentes que, por altamente honrosos e dignos, o tornaram credor do respeito de seus concidadãos, tem sido de uma facilidade nessas e n'oulras questões de sua repartição que até se tem deixado envolver, pelas malhas do Código crimiral. Felizmente para S. Ex. não haverá neste paiz um Promotor que ouse, cumprindo o seu dever, apontar-lhe os artigos em que se embrulhou. A denuncia, que qual- quer cidadão pôde dar, não a darei eu, emquanto o Ins- pector de Hygiene fôr o Sr. Barão de Ibituruna. (*) Voja pags. 244 a 254 (o Relatório). (**) A substancia tóxica a que me refiro é o alumen que o Sr. Dr. Pimentel encontrou em grande quantidade, do que deu conhecimento ao Inspector de Hygiene. Xo relatório essa substancia reduzio-se a traços por mechanismo que ainda não foi explicado nem pelo perito nem pelo Ins- pector de Hygiene. 17 — .258 - Essa circumstancia me faria mesmo calar, se os in- teresses da saúde publica e a minha altitude, quando íiz parte da Junta Central de Hygiene publica, não pesassem em meu espirito mais do que quaesquer outras consi- derações . Na próxima carta especialisarei um caso. {Gazeta da Tarde de 1.° de Julho do corrente.) LICENÇA SEM ANALYSE AOS VINHOS ENVENENADOS DE MANOEL TEIXEIRA CARDOSO II S. Ex. o Sr. Barão de Ibituruna ainda é Inspector geral de Hygiene! Quem acreditaria, conhecendo os honrosos prece- dentes do illustre Barão, que elle se sujeitaria a colla- borar na obra do envenamento da população ! ? E' preciso que grande força tenha aduado em seu espirito, ou que o desejo de desfazer o que o meu il- lustre mestre, o Sr. Dr. Freire, com tanta hombridade começara, o tenha cegado, a ponto de o não deixar com- prehender que tem dado licenças para fabricas de vinhos pela única razão de serem envenenados. Demonstremos essa these e praza aos céos que tal demonstração abra os olhos do Sr. Ibituruna, ainda que isso muito contrarie o Sr. Ministro do Império : A Commissão vaccinico-sanitaria de S. Christovão apprehendeu amostras de vinho em uma fabrica da Praia Formosa n. 167 e remetteu ao laboratório de hygiene para que fossem analysadas. O laboratório de hygiene analysou-as e nellas encon- trou fuchsina e ácido salicylico, que são substancias vene- nosas, e desse facto deu conhecimento á Junta de Hygiene. A Junta pedio providencias ao Sr. Ministro do Im- pério, Barão de Mamoré, e, quando esperava o processo do fabricante criminoso, recebeu ordem do Ministro para intimal-o a não continuar a empregar essas substancias!! ! -259- 0 Begulamento sanitário de 3 de Fevereiro do cor- rente, que parece ter sido expressamente confeccionado para proteger a falsificação, correu uma cortina vermelha sobre o paragrapho unico do art. 83, (*) preceituando neste arligo que nas fabricas de vinho, etc, as autoridades farão visitas freqüentes destinadas a verificar: 1.° Se as substancias empregadas no fabrico são de má qualidade. 2.° Se na composição do producto entra qualquer ma- téria nociva á saúde publica. 3.° Etc, etc Ora, não se podendo saber se na confecção de um producto entra substancia nociva sem analysaí-o, é claro que o art. 83 manda fazer a analyse do producto, para o que a autoridade sanitária dispõe de um laboratório e quatro chimicos. Sabido isso narremos um facto: O proprietário da fabrica da Praia Formosa (a mesma em que a analyse ofíicial descobrio veneno no vinho) requereu á Câmara Municipal, em data de 9 de Abril, licença para fabricar vinho artificial, aproveitando-se das disposições do regulamento. A Câmara mandou o requerimento á inspectoria de hygiene para informar. A inspectoria, ou antes o Sr. Inspector, mandou aos delegados da inspectoria, digo do inspector, para darem parecer sobre o assumpto. Os delegados devolveram o requerimento com um pa- recer favorável, (**) no dizer do Sr. Inspector, e esse senhor despachou o requerimento pouco mais ou menos no teor seguinte: A' visla da informação dos delegados, póde-se conceder a licença. Devolveu o requerimento assim informado á Câmara, e essa concedeu a licença, em dala de 26 do mesmo mez: Em 17 dias tudo estava consummado 1 Prodigiosa adividade ! (*) Veja a nota da pag. 13. (**) Veja no fim do livro no Cap. Documentos: parecer dos Delegados. — 260 — A fabrica funcciona hoje de viseira erguida, á sombra da responsabilida da autoridade sanitária! Raciocinemos: A informação dos delegados foi forçosamente pre- cedida de uma visita á fabrica da Praia Formosa. Essa visita devia ter sido feita na fôrma do art. 83, já citado, que manda fazer analyse do producto, como já provámos. Ora, a analyse não foi feita. (*) Logo de duas uma: Ou os delegados a não fizeram (por intermédio do labo- ratório de hygiene), porque não quizeram fazer, e desres- peitaram a lei, o que o Código criminal pune, ou não fizeram a analyse por já haver analyse feita e ser por- tanto desnecessário esse luxo de actividade. A primeira hypothese é pouco admissível, tratando- se de empregados que não têm as immunidades do Sr. Inspector, para não serem apanhados pelo código, que os pode atirar para o banco dos réos... Resta-nos, pois, a Ia hypothese: Não fizeram ana- lyse por já haver analyse feita. Mas a analyse que ha feita é justamente a que de- nuncia o vinho de conter veneno. (**) Logo, o fundamento da licença foi o facto de ser o vinho envenenado por fuchsina e ácido salicylico. Muitas outras licenças tôm sido dadas nas mesmas condições, com a mesma leviandade, e com a mesmissima ausência de qualquer vestígio de escrúpulo, o que me autodsa a, em nome da lealdade e franqueza que toda a gente conhece no Sr. Barão de Ibituruna, pedir a S. Ex. que adopte um dos dous procedimentos seguintes : Cassar essas licenças em nome do decoro e fechar esses laboratórios de productos envenenados; ou então, mandar apagar o letreiro que se lê no edifício da inspec- toria e substituil-o por este outro: — Agencia de licenças para fabricas de vinhos fal- sificados, envenenados ou não. {Gazeta da Tarde de 12 de Julho do corrente.) (*) Veja lugar já citado. ("*) Fuchsina e ácido salicylico. -261 - LICENÇA SEM ANALYSE A VINHOS FALSIFICADOS DE VARIAS FABRICAS III Em minha ultima carta eu asseverei que muitas outras licenças tinham sido dadas, sem analyse, para fa- bricação de' vinhos artificiaes, que eu chamarei antes falsificados e que poderia mesmo dizer envenenados, sem receio de que por isso me chamem á responsabilidade, ao menos até emquanto não derem escapula ás amostras que a Junta demittida apprehendeu. Infelizmente S. Ex. o Sr. Barão de Ibituruna pa- rece não ter sido collocado na Inspectoria, senão para proteger esses falsificadores. A não ser assim não se explicam essas licenças concedidas de afogadilho, sem analyse, sem exame serio, só porque se trata de producto falsificado em que a Junta de Hygiene, presidida por meu mestre, o Dr. Freire, suspeitou da existência de veneno. Ainda que o art. 83 do Regulamento vigente não exigisse terminantemente essa analyse, como já demons- trámos, parece, é de simples bom senso, que só o facto da Junta ter suspeitado da existência de venenos nesses productos, deveria obrigar a qualquer outra autoridade, que não tivesse sido creada expressamente para o es- cândalo, a não dar licença sem exigir dos fabricantes, um por um, prova de que a suspeição era infundada. As licenças, que o Sr. Barão de Ibituruna tem dado, têm sido baseadas unicamente na boa fé dos industriaes; ora, a essa contrapõe-se a suspeição da Junta de Hy- giene demittida, que se precisasse de prova ahi estava ella na analyse feita no vinho e no vinagre da praia Formosa n. 167, que foi reconhecido envenenado, sem que haja até agora prova do contrario. Isso não impedio, e até justificou, como se sabe, a licença que já foi dada e de que já me occupei. Para cumulo da protecção aos falsificadores, só falta vermos a Inspectoria indeferir o requerimento em que algum ingênuo representante da verdadeira industria na- -262 - cional pedisse para fabricar legitimo e bom vinho de uva do paiz, ou, o que seria o mesmo, mandar a Ins- pectoria prohibir a venda do vinho do Rio Grande do Sul, S. Paulo, Minas e Santa Catharina, por não ser falsicado e ninguém, nem os falsificadores, suspeitar nelles a existência de veneno. Bem se vê que a protecção tocou ás raias do es- cândalo e que a Inspectoria de Hygiene, concedendo as licenças que abaixo publicamos, sem exame algum serio, a despeito da opinião da Junta demittida, atira-lhe fran- camente a luva, em nome do escândalo desfaçado, pois eu a levanto em nome da moralidade. A protecção é tal que justifica até certo ponto a crença em que toda a gente está de que o protedor é muito chegado ao Sr. Ministro do Império, e que S. Ex. mesmo não parece estranho a essa protecção. (*) O futuro o dirá. Ahi vai a lista: — Manoel Teixeira Cardoso requerendo para fabricar vinho e vinagre em que o Laboratório de Hygiene des- çobrio fuchsina e ácido salicylico, venenos violentos. — Benjamin Carmo Braga & C. licença dada a 30 de Abril sem analyse. — Braga, Irmão & C. licença requerida a 27 de Janeiro e concedida a 15 de Março com o seguinte despacho: « Braga, Irmão & C. já satisfizeram as disposições do art. 83 do Regulamento annexo ao Decreto n. 9554 de 3 de Fevereiro de 1886; pôde, pois, a Illustrissma Câmara conceder-lhes a licença que sollicitam. » Assignado.— Dr. Barão de Ibituruna. Uma nota importante: Braga requereu a 27 de Janeiro : o requerimento foi para a Inspectoria a 28 do mesmo mez; o Regula- (*) Hoje ninguém mais duvida de que elles sejam protegidos pelo próprio Ministro, que se tem servido para isso do Dr. Góes na Academia, ■e do Sr. Barão de Ibituruna na Inspectoria Geral de Hygiene. -263- mento é datado de 3 de Fevereiro, e o Sr. Barão affirma em 15 de Março que Braga satisfez (no requerimento está claro) as disposições do Regulamento. Ahi fica a nota sem commentarios! Satisfazem-se dis- posições que se não conhecem ainda ofíicialmenle. A advocacia dos falsificadores terá até entrada na pasta do Ministro ? (*) Agradeço ao Sr. Barão de Ibituruna a franqueza desse despacho que nos dá a conhecer mais um escândalo. — Tavares & Sinde.— A fabrica desses senhores leve a honra de ser visitada por um membro da Inspectoria, que deu parecer, o Sr. Dr. Pires de Almeida. Publicaremos o parecer. (**) — Schumann & C.— Requereram a 28 de Abril, ti- veram licença a 10 de Maio. — Ernesto de Oliveira & C.— Requereram a 27 de Abril e tiveram-n'a a 30 do mesmo mez. Três dias J se me não engana o meu caderno de notas. (***) Esses senhores são os mesmos que ingenuamente, depois de terem comprado tinta para tingir vinhos e vi- nagres, mandaram perguntar ao Laboratório de Hygiene se a tinta era venenosa, e isso quando a Junta já olhava com desconfiança os enfants gantés dos aduaes Srs. Mi- nistro do Império e Inspector de Hygiene. O Laboratório respondeu que a tinta era venenosa ; elles ficaram com a tinta e disseram muito obrigado ao Laboratório. Não consta que tivessem mandado analysar nenhuma outra que o Laboratório achasse boa. Por isso a licença se deu em 3 dias! Pudera ! elles são tão conscienciosos !... [Gazeta da Tarde de 20 de Julho do corrente.) (*) Está hoje provado que tôm, e toda a gente conhece os advogados pelos nomes. (**) Está publicado na pag. 266 e no cap. Documentos. (V*) Não me enganou, como se verá adiante. -264 - REPTO AO INSPECTOR GERAL DE HYGIENE. IV As fabricas de vinho, que adualmente com licença da Inspectoria de Hygiene manipulam suas drogas de que já tivemos uma lista no Relatório dos peritos, (*) funccionavam illegalmente. Não tinham licença nem da Junta de Hygiene, (**) o que não carece de demonstração, nem da Câmara Municipal, o que demonstraremos. Foi preciso que á pasta do Império assomasse o Sr. Barão de Mamoré e á Inspectoria de Hygiene o Sr. de Ibituruna para que, com prejuízo da saúde publica, as autoridades sanitárias licenciassem essas dro- garias, de onde a morte, sob a fôrma das variadas aífecções chronicas do apparelho gastro-intestinal, e com salvo-condudo assignado pelo Sr. Barão de Ibituruna, se propaga sorrateiramente para surprehender a população incauta. O Sr. Barão de Ibituruna, fazendo ouvidos de mercador ao protesto que tenho levantado, continua no posto que lhe foi assignalado pelo Sr. Ministro do Império e fiel ás ordens que recebeu. Faz mal, porque não tarda que o meu protesto tenha a força necessária para obrigar o Sr. Barão a desembuchar e a refutar as seguintes asseverações: Eu afflrmo que o Sr. de Ibituruna mandou consci- entemente entregar ao consumo gênero alimenticio prejü- dicial á saúde; Eu affirmo que, para assim proceder, evitou a discussão em sessão de Inspectoria, do parecer (anti- scientificamente) favorável dos delegados, deixando de (*) Veja pags. 244 a 2Õ4 (o Relatório). (**) As licenças eram tiradas, para fabrica de distillação. Apenas uma conseguio obter licença da Junta, (não no nosso tempo) para um vinho tão artificial e pois falsificado como os outros sob o pretexto de ser vinho de cevada, como se de cevada se pudesse fazer vinho. - 265 - cumprir o Regulamento em vigor, que é claro a esse respeito; Eu affirmo que S. Ex. concedeu licença para a fabrica de vinhos da Praia Formosa, cujos productos foram reconhecidos envenenados pelo laboratório de Hy- giene, sendo a analyse firmada pelo Sr. Dr. Borges da Costa, actual chimico da Inspectoria ; Affirmo ainda que não ha prova de que adual- mente esses productos não sejam envenenados, porque o Sr. Barão, com manifesta infracção do art. 83 do Regulamento, não analysou os productos dessa febrica. Ora, essas affirmações ou são verdadeiras ou falsas. Se são verdadeiras, o que S. Ex. com o seu silencio quasi me dispensa de provar, já devem ter mostrado a S. Ex. a porta da rua, que no caso é a da dignidade. Se são falsas, o mais elementar bom senso, para não dizer a minima dose de dignidade, impõe a S. Ex. o dever de demonstrar a falsidade e responsabilisar-me por ella. [Gazeta da Tarde de 21 de Julho do corrente) PARECER DO DR. PIRES DE ALMEIDA SOBRE A FABRICA DE TAVARES & SINDE Á RUA DO AREAL V Para começar ainda por uma afirmação publica de certa gravidade, eu affirmo que as licenças todas têm sido dadas sem analyses, e que o art. 83 do Regula- mento claramente exige essa analyse, apezar do seu pa- ragrapho unico. Esse paragrapho que eu transcreverei (*) em occasião opportuna, dá a medida da protecção dispensada pelo Governo, que deve ser solidado com o Sr. Ministro do Império, a esses droguistas. {*) Está transcripto na'pag. 14. - 2136 - Sem diploma preparam elles sem consciência e sem uva diversas variedades de vinhos, que os membros da Inspectoria e seus chimicos, incluindo os dous peritos não são capazes de beber, nem de aconselhar aos seus amigos. Em minha penúltima carta prometti publicar o pa- recer do Sr. Dr. Pires de Almeida, membro da Ins- pectoria geral de Hygiene e Archivista da Câmara Mu- nicipal . Trata-se da fabricados Srs. Tavares, Sinde & C. á rua do Areai. Esses senhores requereram licença para fabricar vinhos. A Câmara Municipal mandou ouvir a Inspectoria e esta in- formou favoravelmente, baseada no seguinte parecer, que a Câmara me mandou dar por certidão: « A fabrica, a que se refere o officio junto, acha-se em boas condições hygienicas; porquanto sobre ser rela- tivamente espaçosa, regularmente arejada e clara, tem as suas machinas isoladas, bem collocadas, sem tocar ás pa- redes do prédio. Não sendo um estabelecimento modelo acha-se todavia nas condições de continuar a funccionar. Inspectoria Geral de Saúde, 24 de Fevereiro de 1886. Assignado.—Dr. Pires de Almeida. » Ahi está o que se pôde chamar um parecer modelo! O Sr. Dr. Pires de Almeida nem sabe ainda o que está fazendo na Inspectoria de Hygiene, pois que se sub- screve inspector de saúde, como poderia subscrever-se inspector de qualquer outra cousa. Pergunta-lhe a Câmara se uma fabrica de vinho pôde continuar a fazer vinho, na fôrma do art. 83 do Re- gulamento (está claro) e elle responde, que as machinas (como se vinho já se fizesse por machina do mesmo modo porque se forjam pareceres) não tocam ás paredes e que o edifício é claro e arejado. Bem dizia eu que era um parecer modelo. S. S. pôde mandar imprimil-o á maneira das circulares de an- nuncio, e, quando tiver que dar pareceres é só juntar -267 - ao requerimento um impresso, seja que o supplicante queira fabricar chapéus, manteiga, queijo, marmelada, ou outra qualquer cousa. E assim fica S. S. dispensado de sahir do seu ar- chivo e de saber hygiene. (Gazeta da Tarde de 22 de Julho do corrente) PARECER MODELO SOBRE VINHOS AXONYMOS VI O parecer do Sr. Dr. Pires de Almeida, que hon- tem publiquei, unico que me foi possível por emquanto obter, tal é o sigillo em que a Inspectoria tem guardados os corpos de delido de sua incompetência, provoca largos commentarios que, ao menos, por ora, eu não farei. Tenho pressa de fazer justiça ao meu caderno de notas. Em uma de minhas ultimas cartas cheguei a duvidar delle, quando me annunciava que Ernesto de Oliveira & C, tendo requerido licença a 27 de Abril á Câmara Munici- pal, já a 30 lá estava o requerimento de volta da Ins- pectoria e informado favoravelmente. Pois é perfeitamente exado. Requeri á Gamara que me mandasse dar por cer- tidão o seguinte : « 1.° A data do requerimento de Ernesto de Oli- veira & C., pedindo para fabricar vinhos e se nesse requerimento se especifica a natureza do vinho, ou se Ha essa especificação na informação da Inspectoria Geral de Hygiene. « 2.° A data da informação da inspectoria Geral de Hygiene. « 3.° Se esses senhores pagaram licença de Abril de 1885 a Abril de 1886 para a fabricação de vinho. » -268 - A íllma. Câmara Municipal certificou do modo por que se vai ler: « Certifico, de conformidade com o que me foi apon- tado neste requerimento quanto ao 1.° quesito :—a data do requerimento de Ernesto de Oliveira & C., é de 27 de Abril do corrente anno, e nesse requerimento, assim como no officio da Inspectoria de Hygiene, que existe nesta repartição, não se especifica a natureza dos vinhos; quanto ao 2.° quesito : a data do officio da Inspectoria de Hygiene é de 30 de Abril do corrente anno ; quanto ao 3.° quesito, finalmente, não consta, nesta repartição no período apontado pelo supplicante, pagamento de licença por parte de Ernesto de Oliveira & C., para fabrica de vinhos. « O referido é verdade, etc.» Está datada em 15 do corrente e assignada pelo Sr. Miguel A. J. Rangel de Vasconcellos. Desta certidão se infere que a licença, que até então não pagavam, foi arranjada quasi a vapor, e em 3 dias; que essa fabrica era clandestina, e que agora tem da autoridade sanitária licença para fabricar vinho sem que a Câmara saiba de que, pois que o requeri- mento não especifica, estando na mesma ignorância o Sr. Barão de Ibituruna, porque o não procurou saber pela analyse, que o regulamento manda fazer, sendo ainda maior a ignorância dos delegados do Sr. Barão, que não trataram de saber ao menos se na fabrica não se usava mais a tal tinta, que o laboratório achou venenosa. Fica, pois a saúde de quem beber os vinhos ahi fabricados, á mercê da ignorância (em chimica industrial, já se vê), dos Srs. Ernesto de Oliveira & C , e da do fabricante que, ao tempo que visitamos essa fabrica, era um homem analphabeto. [Gazeta da Tarde de 27 de Julho do corrente). — 269 — OS ENVENENADORES E O PROFESSOR VIARD i VII Ninguém lastima mas do que eu que a ignorância (em chimica industrial) e a boa fé dos honrados dro- guistas, preparadores de vinhos falsificados, os tenha induzido a empenhar grossas sommas em uma industria considerada em toda a parte como criminosa, e perseguida como se persegue a moeda falsa. Mas o interesse da saúde da população vale mais do que os capitães damninhos, que, á maneira dos para- sitas, não sabem se desenvolver senão sugando a adividade alheia. Ninguém veja offensa nem insulto, que não estão em minha intenção, no que se vai ler nestas linhas e sim o desejo unico de esclarecer a verdade. E até mesmo porque a qualificação não é minha, como vão ver. Em seu importante Tratado geral dos vinhos e suas falsificações, o eminente chimico Emile Viard assim se exprime: « As matérias ajuntadas fraudulentamente aos vinhos têm quasi todas por ponto de partida a addicão da água. Toma-se uma pequena quantidade de vinho, ajunta-se- Ihe muita água, e, para enganar o comprador e os chi- micos, ajuntam-lhe outras substancias, de maneira a ar- ranjar um todo que imite o vinho. Bem feliz ainda (o comprador) quando o falsificador não fabrica um li- quido que de vinho só tem o nome, e onde não entra uma golta de vinho natural; o que é entretanto caso raro. « Se se dilue o vinho na água, fica elle diminuído de quantidade proporcional de matérias nutritivas nelle realmente contidas. « Portanto, qualquer que seja a substancia introdu- duzida em um vinho com o fim de fazer-lhe um bene- ficio illicito, essa addicão constitue um roubo, e um roubo acompanhado da circumstancia aggravante do prejuízo á saúde publica. Com effeito, o vinho tomado em dose mo- derada é um alimento reparador, que dá uma certa - 270 - excitação aos nervos e desperta o apparelho digestivo, se pois em lugar desse liquido bemfazejo, vendem-vos um liquido diluído com água e matérias estranhas aos vinhos, mesmo inoffensivas, causam um prejuízo á vossa saúde, e as mais das vezes compromettem-na. » Vêm, pois, os honrados industriaes de vinhos fal- sificados que eu não tenho a culpa do epitheto com que indiredamente os mimoseia Viard. E igualmente veja a população lesada em sua saúde que eu não sou culpado de que o governo, entre nós, anime com sua poderosa protecção uma industria criminosa, apezar da opposição da ex-Junta demittida, do voto da Imperial Academia de Medicina, da opinião de todo o mundo scientifico e da perseguição que ella soífre. Não bastava para o Brazil a deshonra do trabalho pela escravidão, era ainda preciso a deshonra da industria pela fraude. E houve um medico notável que se prestou a encam- par com sua responsabilidade esse crime, para indultar os criminosos, como se houvesse prestigio capaz de suffocar o direito ; respeitabilidade capaz de emmudecer a sciencia ! E esse medico, toda a gente o sabe e lastima, é o Sr. Inspector Geral de Hygiene. [Paiz de 27 de Julho de 1886.) A pressão exercida pelos meus artigos fez-se afinal sentir e o Sr. Inspector Geral de Hygiene, que não ac- ceitou o repto—explicar-se ou chamar-me aos tribunaes—, comprehendeu entretanto que era preciso tentar sahir da posição difficil em que se tinha collocado, julgando que estivéssemos dormindo para não ver os escândalos que praticava e denuncial-os. O modo por que julgou poder sahir dessa posição o leitor apreciará pelo seguinte officio que didgio ao Ministro do Império e a cujo exame não nos furtaremos, como verá: -271 - «O Sr. Inspector Geral de Hygiene dirigio em data de hontem ao Sr. Ministro do Império o seguinte officio. «Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex. que em cumprimento do que determina o § V do art. 9.° do Regulamento de 3 de Fevereiro do cor- rente anno, ordenei aos Drs. Delegados de Hygiene que visitassem todas as fabrieas de vinhos, licores, vinagres cervejas, etc., e arrecadassem em cada fabrica a quan- tidade dos diversos productos que julgassem necessária para a analyse chimica « Esses productos exigidos, arrecadados em acto continuo pelos Delegados, eram lacrados, convenientemente rubricados e 7*emettidos ao Laboratório de Hygiene da Faculdade de Medicina, e seus proprietários intimados para apresentarem a esta Inspectoria ás fórmulas de cada um delles, o que cumpriram sem a menor ob- jecção. « Os Delegados de Hygiene examinaram também as condições hygienicas de todas as fabricas, algumas das quaes foram também examinadas por mim e por mem- bros desta inspectoria, e cumpriram tudo quanto deter- mina os arts. 83 e 84 do Regulamento, apresentando-me os competentes relatórios. « Foi depois de municioso exame de cada uma dessas fabricas e dos relatórios dos Delegados de Hygiene, que esta Inspectoria forneceu á Illm. Câmara Municipal informações precisas para que ás mesmas fabricas per- mittisse licença para continuarem a funecionar. « V. Ex. me permittirá que com este meu officio eu leve também ao seu conhecimento o do Dr. Director do Laboratório de Hygiene e a relação de todas as fa- bricas sobre as quaes se exerceu a fiscalisação exigida pelo regulamento. « O officio do Dr. Borges da Costa é o seguinte: « Tenho a honra de remetter a V. Ex. a relação dos fabricantes de bebidas alcoólicas, que. por intimação dos Delegados da Inspectoria Geral de Hygiene, enviaram seus productos ao Laboratório de Hygiene da Faculdade de Medicina para serem submettidos ás analyses na — 272 — fôrma determinada pelo Regulamento de 3 de Fevereiro do corrente anno. « Como V. Ex. sabe, são trabalhos lentos, e que exigem tempo para serem regularmente executados; até ha poucos dias só dous chimicos da Inspectoria se occupavam com o exame dessas amostras, porque acha- vam-se os outros dous impedidos com as analyses dos productos dos Srs. Fritz, Mack & C. « Relação dos fabricantes de bebidas alcoólicas que enviaram seus productos para o Laboratório de Hygiene por intimação dos Delegados da Inspectoria Geral de Hygiene: Pinho & Leite, cerveja; Schumann & C, licores, xaropes, vinhos, vinagres e águas mineraes; Ribeiro & Vieira, cerveja; Domingos Rodrigues, idem; José Caffarena & C, licores xaropes e vinagre; Albino Carneiro Leão, cerveja; Francisco P. Brandão & C, vinhos; João Botelbo, cerveja ; Timotheo de Souza Spi- nola, licores, xaropes e vinagres; Machado, Irmão & C. licores, e xaropes; Braga, Irmão & C, licores xaropes, vinhos e vinagres; Viuva Marta Stoífel, cerveja; João Soares, idem; Souza Nobre & C„ cerveja; Pereira & Silva, xaropes, licores, cerveja e vinagres; Jacob & Teixeira, cerveja; Tavares Sinde & C. vinhos vinagres; T. Cardoso, vinhos; Manoel ventura Rodrigues, cer- veja; Ernesto de Oliveira á C, bebidas alcoólicas; Santos Guedes & C, licores, xaropes, vinhos e vi- nagres .» OU O INSPECTOR DE HYGIENE OU O INSPECTOR DO LABORATÓRIO FALTOU Á VERDADE VIII Eu prometti demonstrar que as fabricas de vinho eram clandestinas e essa demonstração ficou dada com a publicação hoje no Paiz de uma certidão que requeri á Câmara Municipal. (*) (*) Veja Cap. Documentos.) — 273 — Passemos a examinar o officio que o Sr. Barão de Ibituruna enviou ao Ministro do Império, no qual pro- curou explicar-se das graves accusações que contra S. Ex. eu tenho articulado. Se me era penoso responsabilisar. o Sr. Barão de Ibituruna, a quem sempre me prenderam laços da maior sympathia e gratidão, pelos desmandos da Inspectoria de Hygiene, cuja direcção S. Ex. em tão má hora ac- ceitou, muito mais penoso é para mim o exame do seu officio ao Ministro, e o confronto desse officio com a cer- tidão a que já me referi. Diz o Sr. Barão, referindo-se ás apprehensões feitas pelos seus delegados nas fabricas : <\ Esses productos exigidos, arrecadados em acto continuo pelos delegados, eram lacrados, conveniente- mente rubricados e remettidos ao laboratório de Hy- giene, etc. » Diz o Sr. Dr. Borges da Costa no seu officio ao Sr. Barão de Ibituruna : « Tenho a honra de remetter a V. Ex. a relação dos fabricantes de bebidas alcoólicas, que, por inlimação dos delegados da Inspectoria Geral de Hygiene, enviaram seus productos ao laboratório de Hygiene, para serem analysados etc. » Essas duas affirmações envolvem factos antagônicos. Para que umas dellas seja verdadeira é preciso que a outra falte á verdade. O Sr. Barão affirma que os seus delegados, nessas visitas, cumpriram tudo quanto determinam os arts. 83 e 81 do Regulamento. Essa aílirmação não é verdadeira, por que o art. 83 manda fazer analyse e, essas não estando terminadas, S. Ex., quando muito poderia dizer: estão cumprindo. S. Ex. affirma que «fonuceu á Mm.* Câmara Municipal informações precisas para que ás mesmas fa- bricas permitisse licença para continuarem a funccionar. » 18 -274 - Ha nesse período duas afíirmações falsas: S. Ex. não forneceu á Câmara informação alguma, quanto mais informações precisas, pois a única infor- mação, acompanhando os seus oííicios, que eu ahi en- contrei, foi o parecer do Dr. Pires de Almeida. (Veja-se a cerlidão no Cap. Documentos.) S. Ex. affirma que essas fabricas requereram licença para continuarem a funccionar (o que faz crer que é func- cionar dentro da lei, e, sendo assim), essa affirmação é falsa, porque ellas funccionavam illegalmente. Demais, a questão não é tanto essa. S. Ex. quiz evitar a difiiculdade de explicar-se cor- redamente e não conseguio. —Demonstre que procurou ao menos, de leve siquer, verificar se não estavam envenenados os productos que licenciou, e com especialidade os do Sr. Manoel Teixeira Cardoso — [Gazeta da Tarde de 28 e Paiz de 29 de Julho do corrente.) AJUSTE Dfi CONTAS COM O ADVOGADO DOS FALSIFICADORES, O SR. BARÃO DE MAMORÉ IX E chegado o momento de ajustar contas com o mais extrenuo defensor dos falsificadores, o Barão de Mamoré. An les, porém, de o fazer é justo que eu declare que ignoro o motivo dessa defesa, tão sympathica a S. Ex. quanto compromettedora dos seus apregoados créditos de hygienista e administrador zeloso. Para demonstrar que S. Ex. não é zeloso no co- nhecimento dos negócios administrativos de sua pasta basta transcrever um trecho que S. Ex. escreveu ou mandou escrever no Diário Official: «As fabricas de vinhos artificiaes estabeleceram-se -275- no Império mediante as condições legaes; foram collectadas, pagam impostos á Fazenda Publica, etc. » (*) E mais adiante: « Condemnar em absoluto os productos dessas fabricas eqüivale a supprimir uma industria creada e que ha longos annos tem vivido á sombra da lei. » (**) Quando toda a gente não soubesse que tal propo- sição não é verdadeira, a certidão da Câmara Municipal, que publiquei nesta folha a 28 do corrente, demons- tral-o-hia á saciedade. A Junta de Hygiene demittida condemnou o vinho importado [note bem o Sr. Barão de Mamoré : o vinho importado) de marca KV por ser artificial, isto é, não ser vinho e ter de ser despachado, vendido e consu- mido como tal. O Sr. Barão de Mamoré, que por certo já estava deliberado a favorecer a falsificação, por motivos que por emquanto ignoro, (***) exautorando essa corporação, man- dou entregal-o ao consumo, e, explicando o seu acto, diz no Diário Official, depois de informar, o que é certo, que a Junta lhe dissera que o vinho não continha substan- cia tóxica : « E' certo que a Junta de Hygiene accrescentou que esse vinho, sendo artificial, era prejudicial á saúde; mas, pelo unico fundamento de ser vinho artificial (reparem bem essa phrase do Sr. Barão de Mamoré), não poderia ser condemnada a mercadoria de que se trata, sem que o fossem também todos os productos da mesma natureza fabricados no paiz. » (*) Agora é que o Sr. Belizario taxou a sua producção em 50 rs. por litro de droga venenosa. (**) Não é exacto. (***) Ignoro eu, mas toda a gente sabe. - 276 - Ora, o advogado dos falsificadores, que uma elo- qüente e patriótica apostrophe qualificou de advogado da morte, escreveu nesse periodo a sentença de morte desta população, e, em vez de armar a guilhotina ou a forca, chamou em seu auxilio, para a execução da sentença, as affecções de tubo digestivo e o alcoolismo. Note-se que eu estou no ponto de vista do Sr. Ma- moré, considerando o vinho em que a analyse a mais rigorosa não encontrar substancia tóxica, o da marca K V por exemplo, importado do estrangeiro. Para mostrar a S. Ex. que meu desejo ó convencer e não magoal-o, trabalho a que eu não me consagraria, eu vou dar a palavra ao eminente chimico Emile Viard, o mesmo que, sem o saber, preparou para os honrados defendidos de S. Ex. uma carapuça que em qualquer outro paiz, como terei talvez occasião de demonstrar, abriria para os fabricantes de vinhos falsificados as portas da burra e da prisão, como aconteceu ha pouco em Paris com os Srs.: Urbano Longueville, Affonso Lignon e Emile Ruch, além do perda dos vinhos, que, em vez de escorregarem pela guéla dos apreciadores, escoaram-se pelos esgotos da grande cidade. Falia Emile Viard: « Eu disse acima que a inlroducção de substancias consideradas inoffensivas não deve ser tolerada ; com effeito nada nos diz que essas substancias, se não acluam immediatamente sobre o estômago, não venham a dete- rioral-o, depois de um longo uso. » E mais adiante elle julga que os falsificadores de- vem ser divididos em duas cathegorias : os que falsi- ficam com matérias inoffensivas, punidos por crime de roubo e introducção, de substancias nocivas á alimentação, e os que falsificam com substancias venenosas, punidos por crime de tentativa de envenenamento. Para nós seria preciso crear uma nova classe para os que os falsificam em absoluto, fazendo vinho com ca- chaça, assucar podre e matérias corantes, a maior parte delles venenosos. -277 - Depois das considerações que ahi ficam, quem du- vidará que este vasto Império se reduzirá em pouco tempo em vasta necropole, por sobre cujos túmulos va- garão dyspepticos, se Deus se não se amerciar de nós, livrando-nos do Sr. Mamoré na pasta do Império, como outr'óra se condoeu do seu povo flagelado no Egypto. [Paiz de 30 de Julho do corrente.) A CIRCULAR Á IMPRENSA. Ante a attitude do Inspector Geral de Hygiene, a do Ministro do Império e a do Imperador que os tolera, de- liberámos appellar para a consciência nacional, pelo que distribuímos uma circular á imprensa chamando a sua attenção para o assumpto. Esta circular foi distribuída com o Paiz de 1.° de Agosto, e aproveitamos o ensejo de agradecer a gentileza com que o illustre proprietário dessa importante folha a fez imprimir e distribuir: « Illm. Sr.—Quando fizemos parte da Junta Central de Hygiene Publica exercemos sobre os vinhos importados tão severa fiscalisação, para que não fossem ^ introduzidos no mercado publico productos prejudiciaes á saúde, que o commercio importador queixou-se, e pretendeu-se nessa occasião insinuar no espirito publico que as medidas ri- gorosas adoptadas tinham por fim proteger as fabricas de vinhos artificiaes, em grande numero estabelecidas nesta cidade. A attenção da Junta foi assim solicitada para essas fabricas e os abaixo assignados visitaram-n'as no exercício de suas funcções, e essa visita revelou-lhes os escanda- losos abusos, contra os quaes pediram providencias ao Governo. Esse pedido era fundamentado com as seguintes ra- zões : -278- Em vinho e vinagre apprehendidos pela Commissão vaccinico-sanitaria de S. Christovão, o Laboratório de Hy- giene descobrio fuchsina e ácido salicylico, substancias venenosas, cuja presença nos vinhos torna os fabricantes responsáveis pelo crime de tentativa de envenenamento. Em todas as fabricas encontrámos e apprehendemos substancias tóxicas umas, suspeitas de o serem outras, e, pelo que pudemos colher de nossas pesquizas, nos convencemos de que algumas dessas substancias tóxicas entravam na confecção desses productos alimentares. A matéria prima, encontrada nessas fabricas, era em sua generalidade da peior espécie. Verificámos ainda que o trabalho era feito do modo o mais rudimentar que é possível, sem pessoal technico habilitado, sendo todos os fabricantes ignorantes no que é mais elementar em chimica industrial, e alguns delles mesmo analphabetos. Em todas as fabricas verificámos que os rótulos eram falsificados. A' vista da descoberta dessa industria criminosa a Junta vio-se desarmada, porque o Regulamento então em vigor não especificava essa industria, até então fora da lei. Havia, porém, disposições terminantes em relação a abusos análogos referentes ás águas mineraes; era o art. 78 do Regulamento de 19 de Janeiro de 1882 (*) que já é cópia do art. 50 do Regulamento sanitário de 1851. Por essas disposições a Junta podia mandar fechar as fabricas de águas mineraes, quando as encontrasse nas condições em que encontrou as de vinhos, e, segundo essas disposições, a Junta é tribunal de ultima instância no assumpto. A Junta mandou fechar essas fabricas e consultar ao Governo se podia applicar essas disposições ás fa- bricas de vinhos falsificados. O Governo, sem responder á consulta, e, deprezando a lei, usando de uma autoridade que não tinha, mandou que a Junta suspendesse a ordem de fechamento. (*) Veja pag. 153. — 279 — Escusado é dizer que, em resposta, ella fez ao Go- verno uma nova consulta: mandou perguntar em que artigo de lei se devia fundar para sustar essa ordem, pois queria citar o artigo respectivo no officio que tivesse de dirigir aos fabricantes. Não havendo lei que autorizasse o Ministro a inter- vir, essa consulta só podia ter uma de duas suluções : Ou o Governo não respondia, porque não podia res- ponder, e ella não suspendia a ordem expedida e então o Ministro, exautorado, tinha de demittir-se, o que seria um beneficio para a saúde publica, ou o Ministro tinha de demitlir a Junta para decentemente evitar a resposta e demittio-a. Esse acto coincidio com o convite feito ao Dr. 1.° Promotor publico para assistir ás analyses dos productos que ella suppunha envenenados. Seria coincidência, ou não convinha que a justiça publica visse o crime, para responsabilisar os criminosos que gozam da protecção do ministro, o Sr. Barão de Mamoré ? Vendo-se os abaixo assignados embaraçados por esse meio de dar caça aos falsificadores criminosos, reque- reram, logo em seguida a sua demissão, antes que a nova Junta se apossasse dos productos apprehendidos, auto de exame de corpo de delido ao meretissimo Juiz do 8.° districto criminal nos productos apprehendidos a Fritz, Mack & C, para iniciar por ahi analyses judi- ciaes. Quando a Junta nomeada, cujo pessoal foi escolhido dentre os membros da Academia que se mostraram fa- voráveis á falsificação, na discussão travada nessa cor- poração, os Srs. Barão de Ibituruna, Drs. Souza Lima e Araújo Góes e mais dous senhores a ella eslranhos, pro- curou apossar-se dos productos, teve de sujeitar-se a assistir á analyse, para a qual aliás o meritissimo Juiz substituto, o Sr. Dr. Montenegro, juramentou como peritos dous chimicos daquella corporação, os Srs. Drs. Pimentel e Paiva Coelho. Do relatório que corre impresso se evidencia a cri- minalidade dos fabricantes e o prejuízo da saúde publica, — 280 — pois delle se vê que, das muitas drogas apprehendídas, algumas entram na confecção de productos dessa fabrica, e que os vinhos, no dizer dos peritos, não correspon- dem ás necessidades do regimen dietetico e therapeutico e são, pois, prejudiciaes á saúde publica. Os abaixo assignados nessa campanha de honra contra a fraude que impede o desenvolvimento da indus- tria vinícola nacional, iniciada com tão auspiciosos re- sultados em S. Paulo, Minas-Geraes, Rio-Grande do Sul, Espirito Santo e Paraná, não contam com o apoio do Governo, que protege a fraude a ponto de a reco- nhecer no Regulamento de 3 de Fevereiro do corrente, nem com o da Inspectoria Geral de Hygiene, presidida pelo Sr. Barão de Ibituruna, que, para protegel-a, tem até com corajoso desembaraço deixado de cumprir o já tão manso regulamento, concedendo sem analyse licenças para todos quantos tôm querido fabricar vinhos falsifi- cados, incluindo nesse numero fabricantes como o Sr. Manoel Teixeira Cardoso, cujo vinho foi denunciado, pelo laboratório de hygiene de conter fuchsina e ácido sali- cylico, em analyse firmada pelo director desse laboratório, o Sr. Sr. Dr. Borges da Costa, actual chimico da Ins- pectoria. Assim pois, recorremos ao patriotismo de V. S., esperando que, prestando sua preciosa attenção para o assumpto e, acompanhando de perto a marcha desta questão, que se pôde dizer que começa agora, nos auxilie nessa grande propaganda, ao menos tornando os seus leitores ao corrente da questão no seu estado actual com a pu- blicação, em seu conceituado jornal, desta nossa circular, e chamando a attenção de seus leitores para osjornaes desta capital, sempre que mais uma nova phase se de- senvolver no evoluir do assumpto. Confiam os abaixo assignados em que não lhes será negado o apoio que pedem em nome da saúde publica, para opporem um obstáculo aos esforços combinados do Mi- nistro do Império e das actuaes autoridades sanitárias em prejudical-a seriamente com a animação emprestada aos fabricantes de vinhos, licores, cognacs, xaropes alcooli- sados, etc, falsificados e alguns mesmo envenenados. -281 - Subscrevem-se com toda a consideração e respeito.— De V. S.—Dr. Domingos José Freire.—Dr. Arthur Fer- nandes Campos da Paz.—Dr. Luciano de Moraes Sar- mento. » OS FALSIFICADORES « A GAZETA LUZITANA » E «O FERRUCCIO DA CALÁBRIA » X O Sr. Barão de Mamoré, que ainda é Ministro do Império, o que prova que Deus ainda se não amerciou de nós, julgou-se com direito de, do alto de sua irres- ponsabilidade parlamentar, appellidar nullidades verda- deiras glorias da engenharia brazileira, lentes notáveis da Escola polytechnica. Não seremos nós quem lhe havemos de contestar esse direito, protestando entretanto contra o qualificativo que aliás S. Ex. omittio na publicação do seu discurso. Um senhor, que é membro da Academia de Medi- cina, e actualmente faz também parte da Inspectoria Geral de Hygiene, quando, no seio daquella respeitável corporação o Sr. Dr. Soeiro Guarany—fulminava com grande elo- qüência a fraude dos vinhos, que sua lógica estrangulou entre argumentos hercúleos, commetteu a incivilidade de chamar mediocridades aos membros da Junta, sabendo que á sua frente estava uma gloria nacional, na phrase do Conselheiro Octaviano. Querendo evitar que de nós diga o Sr. Ministro do Império o que disse de respeitáveis membros da con- gregação da Escola polytechnica, e querendo ainda evitar que esse senhor da Academia e da Inspectoria repita a grosseria, não porque ella chegue até nós, mas para que não recaia sobre a corporação sanitária de que S. S. actualmente faz parte, continuamos a nossa tarefa de de- monstrar que o Sr. Ministro do Império, defendendo uma causa má, prejudica a saúde publica e compromette a honra da pátria, appellando para autoridade de outros. Não citarei a Gazeta Luzitana de 31 do passado, -282 - porque ella pórle parecer suspeita a S. Ex. ; obedeço, porém, ao grato dever de fazer esta referencia, para en- viar-lhe protestos de gratidão pelo grande auxilio que nos vem prestar na luta contra a fraude. Mas, transcreverei o que em relação a este assumpto se lê no Ferruccio, importante jornal que se publica na cidade de Reggio da Calábria, na Itália. Diz elle, tratando dos vinhos artificiaes, em seu nu- mero de 8 de Março do corrente : « E' uma arte cruel e pérfida que se empenha em sub- stituir, por imitações insalubres e inteiramente artificiaes bebidas agradáveis sãs e naturaes. E' dever de um homem honesto denuncial-as e desmascaral-as. O interesse da nossa agricultura e do nosso commercio, o interesse do rico e do pobre, a razão e a lei poem-se em campo neste assumpto e erguem bem alto a voz da reprovação. « Em algumas manufacturas se fabricam artificialmente vinhos, misturando água, álcool, assucar, tartaro de vinho, decocto de páo campeche e algumas outras substancias co- rantes. « Os fabricantes não ignoram a presença do bi-tar- trato de potássio no vinho natural; assim, para evitar a condemnação, que continuamente em França se lhes applica, quando os seus vinhos não contem essa substancia, apressaram-se em introduzir esse sal nas suas fabricações para que a analyse não pudesse culpal-os. « Essas misturas não são vinhos, porque não são fa- bricados com uva; são vinhos falsos, vinhos facticios.» Em seguida nos faz elle conhecer a composição de uma dessas drogas damninhas e termina o seu bello ar- tigo, todo palpitante de adualidade para nós, chamando a attenção das autoridades italianas para a existência de taes productos. Havemos de ir folheando as autoridades scientificas, quer ellas se exhibam pela imprensa ou em tratados es- peciaes, para demonstrar ao Sr. de Mamoré que a iu- dustria dos vinhos artificiaes, cujo artificio constitue fal- sificação, é prejudicial á saúde do cidadão, e, pois, o — 283 — seu regulamento, além dos qualificativos que lhe demos, fere de frente a Constituição do Império, S. Ex. disse no Senado que o seu regulamento é lei. Consentirá essa veneranda corporação que um Mi- nistro, que na opinião de S. Ex. o Sr. Senador Vieira da Silva é o attestado ambulante da pobreza de seu partido, rasgue a Constituição para proteger a fraude? O futuro o dirá. [Pais de 3 de Agosto do corrente.) A EDUCAÇÃO POLÍTICA DO SR. MINISTRO DO IMPÉRIO XI Vou começar por uma phrase que já enunciei em outra occasião. Se a educação polilica do Sr. Ministro do Império não tivesse descido além daquelle nivel que S. Ex. com tanta habilidade descobrio e verberou da tribuna do Senado, veríamos o Exm. Sr. Barão de Ibituruna inti- mado por um aviso, pedindo-lhe explicações sobre as contradicções entre o seu officio e o do Sr. Dr. Borges da Costa, e ainda, o que é mais grave, sobre as affirmações contrarias á verdade, contidas naquelle do- cumento. Felizmente para a saúde publica, e, pela palavra autorisada e insuspeita do Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá, que encontrou echo na apostrophe brilhante com que o Exm. Sr. Conselheiro José Bonifácio condemnou a fraude dos vinhos entre nós, a questão já foi levada ao Senado Brazileiro, e, discutida ahi, trará para o Sr. Ministro do Império um máu quarto de hora em justificar-se da grave accusação de protecção aos falsi- ficadores . S. Ex. não ha de ficar muito senhor de si, quando tiver de explicar porque demittio a Junta de Hygiene, presidida pelo Dr. Freire, a quem S. Ex. o Sr. Se- nador Odaviano, em aparte no senado, qualificou de — gloria nacional. -284 - Lembrar-se-ha o Sr. Ministro do Império de ex- plicar a demissão pela nullidade scientifica do demittido? Lembrar-se-ha S. Ex. de dizer, como insinuou aos seus íntimos, que a Junta, pela perseguição ás fa- bricas de vinhos artificiaes, não cuidava da epidemia de febre amarella, sendo essa Junta presidida pelo Dr. Freire, que justamente por estudos dessa natureza, con- seguio em sciencia, o que o Sr. Ministro do Império nunca conseguirá montado no seu decantado, imprestável e criminoso regulamento sanitário, o ser considerado uma gloria nacional, e cujos trabalhos já foram com tanta justiça apreciados pelo Sr. Castro Carreira? Explique como quizer a demissão dessa corporação scientifica, não conseguirá justificar-se, porque com pe- neiras não se impede a irradiação solar. Explique como quizer; uma cousa ficará patente e é que o Sr. Ministro do Império, para proteger meia duzia de especuladores, introduzio na legislação sanitária um crime—a falsificação — com a circumstancia aggra- vante do envenenamento lento do organismo de um povo sem nenhuma attenuante, ao menos em razão de ordem econômica. Que força, pois, aduou em S. Ex. e o attrahio para os falsificadores, repellindo-o da Junta, da Academia e do conceito de todos os sábios ? Que o diga quem souber. (*) [Gazeta do dia 2 de Agosto do corrente.) A CONSTITUIÇÃO RASGADA PELO MINISTRO DO IMPÉRIO PARA PROTEGER A FRAUDE XII Se a questão dos vinhos artificiaes, que são falsifi- cados, fosse a única que estivesse na tela da discussão, podia-se dizer, que na administração do Sr. Barão de (*) Toda a gente o sabe. — 285 — Mamoré, a Secretaria de Estado dos Negócios do Impé- rio tinha se transformado em banca de advocacia. Como, porém, felizmente não é essa a única questão que attrahe a attenção de S. Ex. assim não pode ser considerada a Secretaria do Império, sem que por isso S. Ex. deixe de ser o advogado dos falsificadores. Se S. Ex. não fosse ministro, nos limitaríamos a dizer que advogava uma causa má, uma causa perdida mesmo. Como porém, S. Ex. é Ministro, e do Império, e introduziu no seu celeberrimo Regulamento sanitário a falsificação como industria licita, e como a falsificação ó das que prejudicam a saúde do cidadão, nós estamos demonstrando que S. Ex. tinha rasgado a Constituição do Império, que prohibe taes industrias. Para provar a menor do nosso sylogismo, já tinha- mos a opinião da Junta demittida, a da Academia de Medicina, a do professor Viard, a do autor do artigo publicado no Ferruccio e a de todo o mundo scientifico, como iremos aos poucos demonstrando. Para arredar desta discussão qualquer fermento que possa azedal-a e embaraçar o conhecimento pleno da verdade, não entraremos no estudo das causas que po- deriam ter actuado no animo de S. Ex. para levar a sua defesa além de certos limites, compatíveis com a seriedade administrativa. Que S. Ex. não mandasse fechar as fabricas pelo simples facto de serem de vinhos artificiaes—vade — nem podia fazel-o sem autorização do parlamento, unico competente para transformar em lei uma aspiração da Hygiene moderna—a suppressão dos vinhos artificiaes— uma verdade scientifica—a sua nocividade. Nem a Junta de Hygiene pedio isso. O que ella pedio foi que se fechassem as fabricas, emquanto se verificava se os seus productos estavam ou não envenenados. Ha nada mais natural e mais justo? Tinha a Junta fundamentos para suspeitar do en- venenamento dos productos? Que o diga alguém, que não tenha interesse me- diato ou immediato na renda de tal industria, se não eram -286 - fundamento de sobra o fado de se ter achado veneno na composição dos productos de uma dessas fabricas e o facto de se terem apprehendido drogas venenosas em outras. Se isso não era bastante, o que queria o Sr. Ma- moré para justificar o fechamento até que a analyse fat- iasse, como já vai faUando ? Que a droga fosse tal que pudéssemos exhibir em sua palpitante realidade os cadáveres das vidimas? E de mais, sua protecção não parou ahi: A Junta pedio providencia contra a fabrica da Praia Formosa, que vendia productos envenenados, e o Sr. Barão limitou-se a dizer: Intime a não continuar a empregar essas substancias. Sendo ainda Ministro o Sr. Barão, e, sem que ne- nhuma oulra analyse tenha demonstrado que a intimação foi cumprida, o proprietário dessa fabrica foi licenciado. Isto é serio ? A Junta tentou um ultimo esforço : convidou a Pro- moloria publica para assistir ás analyses e obrar de accôrdo com a lei. O Sr. Mamoré, como quizesse salvar os falsificadores das garras da justiça publica, demiltio a Junta. Demittio-a para salval-os, não ha duvida ; pois se queria apenas vôr-se livre de uns importunos, que em- baraçavam a boa solução dos seus planos, dissolvesse-a, como dissolvida ficou, poucos dias depois de nomeada, a nova Junta, hoje Inspectoria Geral de Hygiene. Mas não ; era preciso a todo transe arredar a jus- tiça publica, para que ella se não immiscuisse em taes negócios, que só podem ser tratados em antros sombrios, onde não penetram, sem que os prejudique, o direito e a lei. [Paiz de 5 de Agosto do corrente.) - 287 - AO EXM. SR. CONSELHEIRO FRANCO DE SÁ Segunda vez se vio o Inspector Geral de Hygiene obrigado a explicar-se; e desta vez o fez de modo que se não fosse o dever de historiar os factos com verdade, para obedecer á tarefa que me impuz, eu pouparia ao leitor o artigo que se segue, endereçado ao Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá, onde foi por mim, grifado parte dos ante-penultimo e penúltimo períodos: Vinhos Artificiaes « Esperei até hoje pela publicação da integra do discurso pronunciado no Senado, na sessão de 28 do mez passado, pelo honrado Sr. Conselheiro Franco de Sá, para lhe dar a conveniente resposta, se encontrasse o conceito que o Paiz de 29 do mesmo mez, no seu boletim, diz ter S. Ex. enunciado em relação a mim e aos meus illustres collegas da Inspectoria de Hygiene, membros da Academia Imperial de Medicina, sobre nossas opiniões, que S. Ex. assegurou serem favoráveis aos vinhos falsificados. « Tenho empenho em provar a S. Ex. quanto se enganou na apreciação que fez do nosso caracter, quanto foi injusto no desabafo pela demissão que soffreu, ha tantos annos, de Promotor Publico no Maranhão, não trepidando em trazer para a discussão azeda, em que se empenhou, o nome de illustre morto que foi uma das glorias de nossa pátria. « Hei-de provar também a incoherencia de S. Ex. na celebre questão dos vinhos arlificiaes, que agora denomina falsificados e venenosos, incoherencia que mais realça o procedimento nobre do Sr. Barão de Mamoré, que hoje, no Governo, procura realizar todas quantas idéas apresentou, quando estava na opposição. (*) (') O Sr. Barão de Mamoré deve ter-se mostrado muito sensivel a esse elogio, por serem raros na biographia de S. Ex. conceitos dessa ordem, que destoam dos que foram enunciados pelos Senadores Sil< - 288 - « Espero convencer a S. Ex. de que o seu obscuro co-religionario, que teve a hombridade de dar as costas ao lugar de Presidente da Junta de Hygiene, para cas- tigar um Ministro do seu partido, quando se esqueceu que lidava com um homem de bem, (*) não acceitaria de seus adversados políticos um cargo de alta confiança, que o obriga a improbo trabalho, o embaraça no exercício de sua profissão, de que vive, e o priva do descanso necessário em certa idade da vida, para servir aos planos interesseiros ou inconfessáveis de qualquer Ministro ou de qualquer governo. « Tratarei da questão dos vinhos artificiaes e pro- varei a S. Ex. e ao publico que os vinhos artificiaes, não contendo substancias tóxicas, vendidos como artifi- ciaes, com rótulos próprios, como exige o Regulamento de 3 de Fevereiro do corrente anno, são menos preju- diciaes á saúde publica do que os vinhos falsificados que nos vem do estrangeiro, (**) e os preparados e baptisados nos veira da Motta e Vieira da Silva, por toda a imprensa e pela opinião publica. Praza aos Céos que o Sr. Ibituruna ainda não se tenha de arre- pender dessa leviandade. Para tentar ferir o Conselheiro Franco de Sá, o que não conseguio, não precisava elogiar o Sr. Mamoré. (*) O distincto cidadão, o Sr. Barão Homem de Mello, a quem o Sr. Ibituruna só refere, está se lavando em águas de rosas, e muito ha de rir-se quando lêr essa tardia quixotada do Presidente da Junta, que elle demittio, se vê agora, que por ter n'elle reconhecido incom^ petencia para o cargo, como se tem agora fartado de demonstrar. (**) A hora em que escrevo esta nota (5 de Outubro) já vai appa- recendo a explicação promettida nesse artigo na apprehensão de vinhos na Alfândega, alguns dos quaes a Inspectoria condemnou por conterem ácido salicylico. Praza aos céos que o Sr. Ibituruna consiga demonstrar que do es- trangeiro nos vem muito vinho falsificado, pois justificará plenamente, e sou sensível ao serviço que me presta, o que eu afíirmei na pag. 147 deste livro. Prosiga a Inspectoria com critério e justiça no exame dos vinhos importados, certo de que em vez de demonstrar a necessidade dos fal- sificados aqui, demonstrará que é preciso um laboratório para a Alfân- dega e uma tranca para as fabricas. - 289 - fundos de alguns armazéns desta corte, e que foi esta a opinião que eu e os meus collegas sustentámos na Academia Imperial de Medicina. « Sinto ser obrigado a incommodar um cavalheiro distincto como é o S. Conselheiro Franco de Sá ; sou a isso obrigado desde que S. Ex. teve a imprudência de se constituir éco, perante o Senado, de accusações injuriosas ao meu caracter e ao dos meus collegas da Ins- pectoria de Hygiene, com os quaes sou solidário, accusa- ções e injurias que até hoje não tinham sahido de certo grupo de despeitados, cuja opinião, longe de me molestar, mais me elevará na opinião publica. (*) « Terminarei assegurando a S. Ex. que me des- vaneço de ser actualmente o auxiliar na execução dos projedos de um Governo que me convenceu (**) de que deseja seriamente cuidar do melhoramento das condições hygienicas do paiz, e sabe comprehender que pode contar com a absoluta lealdade de quem se esquece dos inte- resses mesquinhos do seu partido, e dos seus próprios, quando se trata da saúde publica e dos grandes inte- resses da communhão brazileira.—Barão de Ibituruna.» [Jornal do Commercio de 6 de Agosto do corrente). O Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá havia profli- gado no Senado os vinhos artificiaes. Em seu discurso o Sr. Barão de Ibituruna e os seus collegas da Inspectoria foram tratados com a maior delica- deza e distincção, como o mesmo Sr. de Ibituruna vae confessar, não obstante o Sr. Conselheiro não escapou á (*) Quando o Sr. Barão de Ibituruna escreveu este periodo, estava persuadido que a opinião publica é a do Imperador, e a do Sr. Mamoré e os falsificadores ; phenomeno de illusão psychica. (*') Seria interessante o conhecimeuto dos argumentos de que se ser- vio o Sr. de Mamoré para convencer o Sr. de Ibituruna de que as condições hygienicas do paiz dependem da proteccção aos falsificadores cVaqui e perseguição aos que, não conformes com esse juizo, com- batem-n'os á luz do dia. 19 -290 - bilis hygienica tia Inspectoria, como se vio da leitura do artigo. Havendo nesse artigo insinuação clara e pouco hon- rosa a mim, ao Dr. Freire e ao Dr. Sarmento, feita pelo Sr. de Ibituruna, que não ousou formular ac usações claras por não poder demonstral-as, julguei de meu dever prevenir ao Inspector de Hygiene que se obstivesse, em seu interesse, de repetir essas insinuações, sob pena de eu chamal-o á ordem, como se lê no seguinte artigo que nesse mesmo dia publiquei na 1." edição da Gazeta da Tarde. AO EXM. SR. BARÃO DE IBITURUNA XIII Li o artigo do Exm. Sr. Barão de Ibituruna, ende- reçado ao Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá e publi- cado no Jornal de hoje. O illustre senador saberá chamar a contas na tribuna do Senado ao Sr. Barão de Ibituruna. Ha, porém, um tópico que se refere á minha hu- milde individualidade, ao Dr. Freire e ao Dr. Sarmento «grupo de despeitados, cuja opinião, longe de o molestar, mais o elevará na opinião publica. » Esse tópico carece de rápida resposta : Não é assim que um funccionario brioso responde a accusações positivas, como as que tomei a liberdade de formular. Ainda que ellas lhe fossem dirigidas por algum garoto, cumpria justificar-se, pois que ellas eram documentadas, e até devia fazel-o em juizo, pois que exerce uma funcção remunerada pelo Estado e das mais importantes. Esse dever cresse quando essas accusações são fir- madas por mim em artigos na imprensa e pelos Drs. Freire -291 - e Sarmento, em uma circular impressa, e por parte muito respeitável da imprensa. Não vai nisso um conselho, que os não dou, mas um aviso. Eu já tinha deliberado deixar descansar no seu in- glório posto o Sr. de Ibituruna. Espero que me não obrigará a encommodal-o de novo, com o que muito lucrará e me fará um grande favor, porque preciso de tempo para o ajuste de contas em que estou empenhado com o Sr. Ministro do Império. Rio, '6 de Agosto de 1886.—Dr. Campos da Paz. [Gazeta da Tarde de 6 e Pai; de 6 de Agosto.) Justamente na véspera desse dia eu recebia uma certidão que demonstrava que os vinhos de Teixeira Car- dozo, (*) reconhecidos envenenados, tinham sido licenciados sem analyse, mostrei essa certidão á illustrada redacção da Gazeta da Tarde, a quem o artigo do Sr. de Ibituruna indignou, principalmente pela allusão feita a Domingos Freire, e em sua 1 ,a edição publicou ella um artigo de fundo intitulado—Os coveiros legaes — que em seguida publicamos, e acabou de convencer ao Sr. Barão de Ibi- turuna que se não fazem impunemente insinuações a quem, quando esgrime por uma idéa ou por um principio fal-o claramente, assumindo a inteira responsabilidade de seu acto, não se occultando em emboscadas á sombra de insinuações, nem por detraz dos testas de ferro. OS COVEIROS LEGAES « Vem hoje á imprensa o Sr. Barão de Ibituruna, em resposta ao discurso do Sr. Senador Franco de Sá, o illustre parlamentar que tem crescido em patriotismo, (*) Veja Cap. Documentos. - 292 — como os prophetas antigos, na proporção da angustia da pátria. Sabe o Sr. Barão de Ibituruna quanta recordação tem de romper, sangrando o coração, o autor destas linhas para vir collocar-se em frente á S. Ex.; mas na convivência de S. Ex. mesmo, modelo de civismo que elle copiou outr'ora na adolescência, foi que o autor destas linhas aprendeu a collocar o dever acima de tudo e a pátria acima de todos. Declaremos com toda a franqueza que nos surpre- hendemos, lendo o artigo de S. Ex., principalmente pelo modo desattencioso pelo qual trata cavalheiros que tem titulos da mesma classe a que S. Ex. pertence e alguns dos quaes tem provas publicas e oíficiaes de sciencia, a que S. Ex. nunca submetteu-se. Um delles o Sr. Dr. DoriMngos Freire é uma gloria da sciencia brazileira, e pôde responder ao menospreço do illustre Sr. Barão de Ibituruna com a acclamação de corpos scientificos, seguramente mais ponderosa em saber do que o respeitável Inspector Geral de Hygiene. S. Ex. fez mal em dar ao debate a direcção com que nos surprehendeu hoje. Funccionirio publico, S. Ex. não pode julgar que augmenta de prestigio com a accusação que soffre, por que ella tem sido baseada em documentos irrefutáveis. Para confundir o Sr. Barão de Ibituruna basta uma simples certidão: a que se refere aos productos da fabrica de Manoel Teixeira Cardoso. Os dous signatários do parecer, os Srs. Drs. Peder- neiras e Celso Reis, declaram que o vinho artificial é vendido em barris ou pipas. Não é preciso, pois, grande esforço para demons- trar que uma vez engarrafado esse vinho pôde ser, pelos retalhadores, vendido fraudulentamente como na- tural, e isto suppondo a maior probidade da parte do fabricante, que o leve ao mercado honestamente como artificial. Que vinho é este ? Dil-o o Sr. Dr. Borges, chimico actual da Inspe- ctoria de Hygiene: -293- A analyse demonstrou a presença de ácido salicylico (leia bem o Sr. Barão) no vinho branco. Qual a fórmula deste? Álcool, substancias sacharinas, cremor de tartaro, tannino, cinzas, e... ácido salicylico. Quanto ao vinho tinto, é a mesma fórmula, aug- mentada da matéria corante que — a analyse demonstrou ser violete e derivada de anilina 1 Entretanto o Sr. Barão de Ibituruna licenciou esta fabrica, este Laboratório Pathologico, esta oíficina de nervroses fataes, esta succursal dos cemitérios. Quem dará razão a S. Ex. contra a extinda Junta de Hygiene e quem poderá considerar serviço publico esta cooperação criminosa no envenenamento clandestino e premeditado da população ? A verdade é que a presença do Sr. Barão de Ibituruna na Inspectoria de Hygiene é um triste des- mentido a todo o seu passado, S. Ex. collocando o seu prestigio, como anlemural do Sr. Barão de Mamoré, commette um erro gravíssimo, do qual infelizmente não se quer corrigir. O Ministro do Império está julgado e com elle todos os seus collaboradores, na sustentação da fabrica de veneno legal, para matar um povo. O vinho artificial é uma deshumana immoralidade, que todo o inundo hoje combate, applicando, ou recla- mando dos poderes públicos a mais severa legislação. Fica bem a protecção dada a essa immoralidade da parte do Sr. Barão de Mamoré, porque S. Ex. protege muitas outras — entre as quaes avulta a escra- vidão . Mas o Sr. Barão de Ibituruna devia poupar-se a este sacrifício inglório. Não vale a pena ter dado as costas ao seu partido para ir encontrar-se somente com o código, que é a única porta honradamente aberta aos falsificadores e seus cúmplices. Deixe este caminho ao Sr. de Mamoré: elle que vá só, porque nesta questão de vinhos S. Ex. tem com certeza feito só, sem testemunhas, cousas que o -294 - Sr. Barão de Ibituruna, em nome de seu passado, o afirmamos, não se prestaria a fazel-as. » (Da Gazeta da Tarde de Agosto corrente.) O MINISTRO ARGUIDO DE SUSPEIÇÃO XIV S. Ex. o Sr. Barão de Mamoré, cuja entrada para o gabinete de 20 de Agosto, maximé, sua perma- nência nesse alio posto, significa mais do que a pobreza de seu partido, não será tão feliz neste negocio de vinhos falsificados, como tem sido em outros de que se tem encarregado. Os falsificadores, que especulam com a saúde e, por- tanto, com a vida do próximo, levantaram até á altura do Sr. de Mamoré (o que não lhes foi difficil) suspeição contra a Junta a que tive a honra de pertencer. O Sr. de Mamoré, então Ministro, acceitou a sus- peição, provocou por parte da Junta um pedido de de- missão em avisos inconvenientes, e, não o tendo con- seguido, demitlio-a. Levantamos hoje á altura da consciência nacional uma grave suspeição contra o Sr. Barão de Mamoré, baseada na protecção escandalosa que tem prodigalisado aos falsificadores. Justifiquemos a nossa suspeição com documentos, que o próprio Sr. Barão de Mamoré nos mandou passar por certidão por meio do Aviso n. 3080, dirigido á Ins- pectoria de Hygiene: Diz a certidão, referindo-se aos vinhos da fabrica de Manoel Teixeira Cardoso, á Praia Fomosa n. 167. Vinho branco—E' um liquido de côr fulva, de gosto doce e acidulo, com cheiro de aguardente. Depois de dar a composição, continua ella. Em seis das sete garrafas de vinho branco, que nos foram enviadas, a analyse demonstrou a presença de ácido salicylico, etc - 295 - Vinho tinto—Liquido de côr vermelho-vinosa, límpido de gosto adocicado e cheiro de aguardente. Depois de dar a composição, continua ella. Coloração—A analyse demonstrou neste vinho a exis- tência de uma matéria corante violele, derivada da ani- lina, etc. A analyse, que é firmada pelo Dr. Borges da Costa tem a data de 14 de Novembro do anno passado, O Sr. Ministro do Império teve conhecimento dessa analyse, que se lhe enviou por cópia, pedindo provi- dencias. Já toda a gente sabe qual ella foi : Intime a não continuar a empregar essas subsiancias isto é, matéria corante violete, derivada da anilina e ácido salicylico, substancias venenosas, E a Junta, porque perseguia tal industria, era sus- peita aos industriaes, melhor—aos industriosos, o que se comprehende, porque atacava os seus interesses, mas tornou-se também suspeita ao Ministro, o que se não pôde comprehender senão admiltindo communidade de in- teresse, o que seria de tal gravidade, que não nos aven- turamos a fazel-o. Em uma certidão da Câmara, que publicámos nesta folha a 28 do passado, se vê que Manoel Teixeira Car- doso teve licença para fabricar vinhos. O espirito menos escrupuloso em matéria de mora- lidade e seriedade affirmaria logo que posteriormente o falsificador protestou, fizeram-se novas analyses, elle pro- vou que as primeiras amostras eram apocryphas e que a commissão de S. Christovão nunca lá tinha ido, etc, etc. Mas nada disso. Entre a licença concedida e a analyse feita pelo Dr. Borges, só ha o requerimento de licença e a informação que se segue, ainda dada por certidão por ordem do ministério do Império : -296- « Parecer dos delegados da Inspectoria geral de Hy- giene sobre a fabrica de vinhos de Manoel Teixeira Car- doso : « Informando, etc, cumpre declarar que tendo-a exami- nado achamol-a em condições hygienicas e com os appa- relhos necessários para a fabricação em que trabalha a 12 annos. As formulas empregadas, bem como as amostras dos productos, vão juntas a esta informação, devendo de- clararmos que o vinho é nella vendido como artificial e só em barris ou pipas, não fazendo negocio a varejo. Estando ella em boas condições, e, verificado que o vinho arti- ficial NÃO TEM SURSTANCIA NOCIVA, ENTENDEMOS QUE SE PODE CONCEDER A LICENÇA. » Está datado de 24 de Abril do corrente e assignado pelos Drs. Manoel V. Paranhos Pederneiras e Celso dos Reis. Este parecer de camaradagem é uma prova de que nenhum meio foi empregado para verificar se o Sr. Car- doso já não usava venenos. E apezar disso a licença deu-se. Não haverá fundamento de sobra para a suspeição que ora levantamos ? O próprio Sr. Barão de Mamoré não ousará negal-o. Sendo S. Ex. responsável por essa escandalosa li- cença, perguntamos: Quem demittirá o Sr. Barão de Mamoré? Em um paiz onde o espirito publico fosse uma reali- dade, S. Ex. já teria sido coagido a sahir um pouco mais depressa do que entrou. No Brazil, porém, só se pode esperar de Sua Ma- gestade o Imperador que obrigue o Sr. de Mamoré a explicar essa licença ou a retirar-se dos conselhos da coroa, até onde Sua Magestade não consentirá que chegue a advocacia administrativa. [Paiz de 7 de Agosto do corrente.) -297- A S. M. O IMPERADOR.—O MINISTRO ENVOLVIDO EM CERTIDÕES DO CARTÓRIO DO TABELLIÃO CANTANHEDA JÚNIOR XV Senhor.—Os reis vivem em geral cercados de uma atmosphera de bajulação e intriga, que os não deixa bem apreciar os soffrimentos de seus subditos, e é por isso que Vossa Magestade ainda não vio o que ha de abjedo e repugnante nesta questão dos vinhos falsificados nas nossas fabricas. Que elles são falsificados Vossa Magestade sabe me- lhor do que nós, pois sabe que elles não são o pro- ducto da fermentação do sueco da uva. Que elles são prejudiciaes á saúde publica, Vossa Magestade já sabe igualmente e, quando não soubesse, ahi estava a palavra autorizada e insuspeita do Exm. Sr. Inspector de Hygiene no Jornal do Commercio de 6 do corrente. S. Ex. compromette-se a provar ao Exm. Sr. Con- selheiro Franco de Sá ( o que ainda o não fez) que os vinhos artificiaes, preparados pelos clientes do Sr. Ministro do Império, são menos prejudiciaes do que os vinhos importados e sophisticados no fundo de certos ar- mazéns. Vossa Magestade não concorda comnosco que S. Ex., assim se exprimindo, reconheceu que os vinhos artifi- ciaes são prejudiciaes ? Parece-nos estar ouvindo a resposta afirmativa de Vossa Magestade. Quando mesmo Vossa Magestade não fosse de nossa opinião, ahi estavam os argumentos que tenho produzido, comprovados com certidões que tenho publicado, demons- trando que têm sido licenciados vinhos que, além de artificiaes, isto é, falsificados, são envenenados por fu- chsina e ácido salicylico. E' pois claro que ha em circulação, envenenando os subditos de Vossa Magestade, vinhos falsificados. Não acreditamos que Vossa Magestade julgue natural - 298 - que o povo se envenene para satisfazer aos caprichos de sua fidalguia, como ninguém acha extraordinário que elle se male pelos caprichos de seu rei. Mas se Vossa Magestade julga isso natural, quem se atreverá a oppor-se ? Sujeitar-nos-hemos ao envenenamento, pois que isso é do agrado dos barões da sua corte, mas permitia que examinemos, ao menos, o brazão do Sr de Mamoré. Como nesse exame Vossa Magestade deve ser tão interessado como nós, permitia que a lealdade de um democrata, que acredita na probidade de Vossa Mages- tade, rompa a mephytica atmosphera que o cerca para muito respeitosamente pedir que pergunte ao Sr. Barão de Mamoré, e elle que responda á fé de seu brazão : Se S. Ex. é o Desembargador Ambrosio Leitão da Cunha de que falia o livro dos registros n. 118 a fls. 112 verso, do cartório do tabellião Cantanheda Júnior? Se S. Ex. é ainda o mesmo Desembargador Ambrosio Leitão da Cunha de que falia o mesmo livro a fls. 143 verso, do mesmo cartório ? (*) Se o.Dr. José Maria Leitão da Cunha, actual repre- sentante do Pará, na Câmara dos Deputados, que Vossa Magestade sabe que é filho do Sr. Barão de Mamoré, é ou não o advogado da empreza Gary? Pergunte ainda Vossa Magestade ao Sr. Barão por que motivo o illustre advogado deste foro, o Sr. Dr. Silva Nunes, que é o advogado dos Srs. Fritz Mack & C, não figurou no auto de axame de corpo de delido que requeremos, e sim o Sr. Dr. Tiburcio Figueira, companheiro de escriptorio de S. Ex. o Sr. Dr. Leitão da Cunha? Será pela natureza administrativa desta questão? Desculpe-nos Vossa Magestade a impertinencia, mas pergunte por que verba o Exm. Sr. Barão de Mamoré mandou durante algum tempo pagar o reboque do lixo para a ilha da Sapucaia, apezar do contrato feito pelo Sr. Commendador Gary com o Governo, sendo Ministro (*) O leitor encontrará no fim deste livro as certidões publicadas na integra. - 299 - o Exm. Sr. Conselheiro Meira de Vasconcellos, exigir terminantemenle na cláusula XIX que Iodas as despezas corram por conta da empreza? Depois de bem informado de tudo isso e de mais alguma cousa, que talvez tenhamos occasião de commu- nicar a Vossa Magestade, nos diga se até esses fidalgos têm direito ao sacrifício de nossa saúde, que é mais cruel que o da vida ! Se Vossa Magestade entender que não; nem esses nem quaesquer fidalgos têm o direito de envenenar o seu povo, esperamos que arrede o Sr. Barão de Mamoré da administração publica. Que Vossa Magestade ainda o não tenha feito pelo que sabe da correspondência do Pará, comprehende-se. Mas agora as provas estão á mão, os cartórios são bem perto de S. Christovão. Ouça-nos, Senhor ! Quaesquer que sejam os erros que Vossa Magestade tenha commettido em seu longo reinado, qualquer que seja o juizo que a posteridade tenha de escrever nesta pagina de nossa historia, uma justiça ella fará: O Im- perador é um homem probo. Não serão conveniências políticas, acreditamos, que impedirão Vossa Magestade de mais uma vez confirmar essa crença. [Pais de 11 de Agosto do corrente. O unico effeito que produzio essa carta foi provo- car dous artigos, um do Sr. Dr. José Maria Leitão da Cunha, e outro do Sr. Dr. Antônio Tiburcio Figueira, que passamos a publicar: O DEPUTADO LEITÃO DA CUNHA «Contestando, na parte em que se declina o meu nome, um artigo inserto no Paiz de hoje, devo fazer as seguintes declarações: « l.a Desde o anno de 1876 tenho, na qualidade de advogado, prestado ao Sr. Commendador Aleixo Gary -300- officios exclusivamente forenses; jamais requeri ao Go- verno Imperial em nome de S. S. nem intervim nos diversos contrados com elle até hoje celebrados: forne- cem disso prova cabal já os archivos da Secretaria do Império, já o testemunho tanto dos dignos funccionarios daquella repartição, como o dos illuslres cavalheiros que têm estado á sua testa, nomeadamente os Srs. Con- selheiros Cunha e Figueiredo, Leão Velloso e Meira de Vasconcellos, á cuja administração se ligam aquelles con- trados, absolutamente estranhos á do Sr. Barão de Ma- moré, que sujeitou á concurrencia publica o primeiro serviço dessa natureza que teve de prover: « 2.a Nem como advogado, nem como particular, jamais entretive relações, quer directas, quer indiredas. com qualquer dos Srs. fabricantes de vinhos artificiaes. — Dr. /. M. Leitão da Cunha. » Como vê o leitor, do exame desse artigo se deduz que o Sr. Dr. José Maria confessou que desde 1876 presta serviços na qualidade de advogado, não ao Sr. Com- mendador Gary, mas á Empreza, o que não é a mesma cousa, maximè sendo seu pae Ministro do Império. E verdade que no contracto de limpeza e irrigação da cidade S. Ex. não teve intervenção, porque disso se encarregou o Sr. Desembargador Ambrosio Leitão da Cunha. De mais, toda a gente sabe a natureza da intervenção dos advogados administrativos. Se para provar innocencia é preciso attestado de conduda dos funccionarios da Secretaria do Império e dos cavalheiros que tem estado á testa daquella repartição, nomeadamente os Srs. Conselheiros Cunha Figueiredo, Leão Vellozo e Meira de Vasconcellos, compete ao Sr. Dr. José Maria pedir esses attestados e publical-os, se acha que isso tem valor. -301 - Quanto a nós o que é preciso que se saiba é se é regular, sob o ponto de visla administrativo, que S. Ex. seja advogado de uma Empreza que está sob a juris- dicção do senhor seu pae, como Ministro. Quanto á 2.a declaração do Sr. Dr. José Maria, a que se refere aos fabricantes de vinhos artificiaes, se julga que deve explicar-se, como parece, o meio unico é provocar o exame da escripluração desses senhores por uma commissão de homens acima de toda a suspeição e alheios a quaesquer paixões. É do theor que se segue o artigo do Sr. Dr. Figueira : AO PUBLICO « Em artigo firmado pelo Sr. Dr. Campos da Paz e inserto no Paiz de hoje lê-se: « Pergunte Vossa Magestade ao Sr. Barão por que motivo o illustre advogado deste foro, o Sr. Dr. Silva Nunes, que é o advogado dos Srs. Fritz, Mack & C, não figurou no auto de exame de corpo de delido que requeremos e sim o Sr. Dr. Tiburcio Figueira, compa- nheiro de escriptorio do Exm. Sr. Dr. Leilão da Cunha? « Será pela natureza administrativa da questão ? » « Respondendo, como me cumpre, a este trecho, devo declarar : « 1.° O meu illustre collega e amigo, o Sr. Deputado Leitão da Cunha, não teve absolutamente parte na re- solução por mim tomada de acceitar a defesa dos Srs. Fritz, Mack & C, no processo a que respondem perante o meritissimo Juiz do 8.° districto criminal, por provocação de alguns membros demittidos da Junta de Hygieue Pu- blica. A esse tempo o Sr. Leitão da Cunha achava-se no Pará, e antes de sua partida para essa província nenhuma palavra trocámos a respeito dessa questão, que aliás só foi agitada depois dessa partida, e da qual, por- tanto, não teve S. Ex. nem podia ter o menor conhe- cimento. - 302 - « 2.° Não duvido que o illustre Sr. Dr. Silva Nunes seja advogado dos Srs. Fritz, Mack & C.; mas affirmo que não o é exclusivamente « Eu e outros collegas, entre os quaes o illustre Sr. Dr. Manoel Ignacio Gonzaga, lemos tratado de ques- tões forenses, em que tem sido interessada essa impor- tante firma commercial. « H.& O Sr. Dr. Campos da Paz não me conhece bem porque data de poucos mezes o nosso conhecimento; mas não sou tão obscuro que lhe seja difficil informar-se, para convencer-se de que conheço e jamais esqueci as normas de escrupulosa honestidade, que devem ser obser- vadas no exercício da advocacia. « Desafio o Sr. Dr. Campos da Paz, em nome de sua honra, a que exhiba prova cm contrario do que affirmo. « Corte, 11 de Agosto de 1886.— Dr. A. Tiburcio Figueira. » Não comprehendemos a publicação de S. S. senão como o desejo de expontaneamente passar em publico um attestado de bom comportamento, o que aliás nin- guém pedio, e mais compromette de que justifica, ao seu illustre collega e amigo, o Sr. Deputado Leitão da Cunha. A não ser isso, não vemos que o Sr. Dr. Fi- gueira carecesse de nos offerecer qualquer contestação, por que, nesta questão de vinhos falsificados e ao lado dos falsificadores, S. S. é talvez o unico que ahi pode estar sem se incompatibilisar com a Moral, pois que exerce a sua profissão e merece talvez elogios pela po- sição arriscada que assumio no pleito, defendendo uma causa perdida. Muito menos comprehendemos o desafio com que termina o seu artigo em seguida á sua 3." declaração, - 303 - desafio a que eu não estou obrigado o corresponder, sem offensa ao Sr. Doutor, a quem respeito e considero, porque não é minha missão, nesta questão de vinhos falsificados, dar balanço á honestidade alheia, o que não poderia fazer sem justificar igual procedimento a meu respeito, o que não seria tolerável. Todo o mundo tem o dever de acreditar que ne- nhum advogado, bem como nenhum medico, se serve de sua profissão para fins deshonestos. Quando digo advogado, não me refiro aos advogados administrativos, porque esses não exercem uma profissão, exploram uma industria illicita, e os ha em Iodas as classes sociaes, d'onde possam sahir para se avisinharem do poder ou nelle se aboletarem. O que lenho feito é narrar factos e interpretal-os, e minhas interpretações tem sido tão racionaes e lógicas que não tem provocado protesto, nem mesmo dos in- teressados. Dadas essas explicações, que eu devia ao Sr. Dr. A. T. Figueira, por não ter até hoje acudido ao seu desafio, não por falta de consideração, mas por impos- sibilidade de o fazer sem offensa de que não sou capaz, prosigo no meu assumpto. No mesmo dia, 12 de Agosto em que se leram no Jornal esses artigos, vem a esperada demonstração do Sr. Barão de Ibituruna. O leitor lembra-se de que S. Ex. prometteu ao Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá demonstrar umas tantas cousas, que constam do seu primeiro e inconve- niente artigo, publicado a 6 de Agosto e já transcripto nestas paginas. (Pag. 287) - 304 - Vai o leitor ver como é que a primeira autoridade Sanitária do Império cumprio a sua promessa, publicando o artigo que em seguida transcrevo : AO EXM. SR. CONSELHEIRO FRANCO DE SÁ Vinhos artificiaes « Devo ao Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá uma satisfação publica e a dou com o sincero prazer. « No seu discurso, pronunciado no Senado, na sessão de 28 do mez passado, publicado no Jornal do Com- mercio de hontem, não encontrei conceito algum offen- sivo ao meu caracter e ao dos meus distinctos collegas da Inspectoria de Hygiene. « Ao contrario, S. Ex. exprimio-se a nosso respeito de modo tão lisongeiro, penhorou-nos tanto, que, em nome de meus collegas, usando da reciproca solidarie- dade em que convivemos, agradeço a S. Ex. essa prova de sua gentileza para comnosco. « A consideração dos homens sensatos entregamos a nossa causa; elles que apreciem a neutralidade e im- parcialidade com que um jornal, interessado em certos negócios, julga dos actos de funccionarios que não fazem vida de empregos públicos, não miram aposentadorias, não medem suas decisões pela craveira dos interesses particulares, e da facilidade com que elle envolve, em questões que devem ser tratadas com toda a serenidade de espirito, nomes respeitáveis, cujas opiniões torce, para chegar a seus fins. « Peço, entretanto, permissão ao Sr. Conselheiro Franco de Sá para ponderar que S. Ex. confunde as questões e lhes dá apreciações diversas. « Eu e os meus collegas da Inspectoria de Hygiene entendemos que se pôde e se deve permiltir a industria dos vinhos artificiaes, mas unicamente dos vinhos arti- ficiaes que não contenham substancias tóxicas, que sejam expostos á venda com rótulos que designem sua proce- dência e sua qualidade, para uso das pessoas que os -305 - apreciam, que sabem o que compram e o que vão beber, o que não se dá com os vinhos falsificados e artificiaes, importados do estrangeiro ou preparados e baptisados nos fundos dos armazéns. « Esles, os intitulados vinhos naturaes sophisticados (é o termo próprio) são mais prejudiciaes do que aquelles, porque representam uma bebida falsificada, vendida com rotulo fraudulento, ao passo que os artificiaes, fabricados no paiz sob a vigilância de autoridades sanitárias, ze- losas pela saúde publica, mas imparciaes e justas, só prejudicarão aos consumidores pela quantidade de ál- cool (*) que contém, que é mais elevada do que a dos vinhos puros de uva. « A Inspectoria de Hygiene unanimemente favorável ao commercio dos vinhos artificiaes, nas condiccões em que acabo de estabelecer, não permiltirá a venda de vinhos, quaesquer outras bebidas falsificadas, ou que contenham substancias nocivas á saúde dos consumidores, quer sejam naturaes, arlificiaes, nacionaes ou estrangeiras. «Prova o seu procedimento para com todas as fa- bricas, cujos productos, em numero avultadissimo, estão sendo submettidos á analyse no Laboratório de Hygiene da Faculdade de Medicina. «Alli já se tem encontrado sáes de chumbo em muitas amostras de cerveja nacional, subsiancias tóxicas em outras amostras de cognac e de preparados estran- geiros. (**) « De todas essas analyses, que demandam tempo das providencias tomadas para salvaguarda da saúde e da vida dos habitantes desta capital, opportunamente darei conta ao Governo Imperial e ao publico que, nessa occasião (*) Mas não será mesmo por isso que elles devem ser condemnados por conduzirem ao alcoolismo, cujas manifestações são attenuadas ou mo- dificadas favoravelmente pelo uso do bom vinho de uva, na opinião do Sr. Dr. Sousa Lima ? {'" A Inspectoria confessa já ter encontrado venenos em substancias alimentícias, e entretranto não consta que até agora nenhuma providencia tenha sido tomada e estamos a 21 de Setembro, dia em que escrevo o original desta pagina, lá se vão portanto 43 dias!! 20 - 306 - poderão apreciar a imparcialidade e zelo das autoridades sanitárias. (*) « Ficarão convencidos os que se intitulam zeladores da saúde publica de que eu e os meus collegas não somos protodores de falsificadores e de falsificações. (**) «Em um outro engano persiste S. Ex., acreditando que só nesta Corte ou neste Império são permiIlidas as fabricas de vinhos artificiaes e de bebidas alcoólicas, como o assegurou no senado. «Se S. Ex. quizer se dar ao trabalho de consultar a pag. 357 do tomo II da chimica industrial de Girardin verá que em todas as partes do mundo são fabri- cados, com licença dos respectivos governos, bebidas es- piriluosas, com diversas denominações, análogas aos vinhos artificiaes e ás nossas bebidas alcoólicas, para uso das classes menos favorecidas pela fortuna, que não podem beber vinho do Alto Douro tendo algumas dessas fabricas obtido privilegio para certos e determinados productos. « No Moniteur scientifique, de Outubro de 1884, jor- nal mensal, publicado em Paris, encontrará S. Ex. os se- guintes decretos do Governo francez: 161.596,—18 de Abril de 1884.—Brin, representado por Chasseven, 11 Boule- vard Magenla — Pariz — Systema aperfeiçoado da fabricação de álcool de beterrabas 161.759 — 26 de Abril de 1884. Abelé, representado por Casalonga—15 rue de Halles— Pariz — Aperfeiçoamento no tratamento dos vinhos de Cham- pagne. « Aqui termino o que tinha a dizer hoje sobre este assumpto. « Rio de Janeiro, 11 de Agosto de 1886. —Barão de Ibituruna. » (*) Praza aos céos que eu seja dos que applaudam, se vir con- demnados não somente os pequenos falsificadores sem capitães e pro- tecção, mas também os grandes industriosos, citados nas pag. 176 e 177 deste livro, maximé se nesta occasião a Inspectoria já estiver conven- cida di que os vinhos facticios são falsificados. (**) Não nos demoraremos em confessar essa convicção, mas note o Sr. Baião que para isso é preciso concordar que os vinhos facticios são falsificados, pois ahi é que está a divergência capital entre a Ins- pectoria de Hygiene e o resto da humanidade. -307 Ao ler esse artigo suspeitei da falsidade da citação de Girardin, e, consultado esse autor verifiquei que real- mente a citação era falsa. Como o Jornal do dia seguinte não trouxe rectifi- cação, pois podia haver um engano explicável, publiquei o seguinte artigo, sob a rubrica —Saúde Publica — na Gazeta da Tarde de 13 de Agosto (*) (*) O Centro Commercial de Molhados, importante associação que tem sua sede nesta Corte, apreciou o 2.° artigo do Sr. Barão de Ibitu- runa do modo porque segue: AO EXM. SE. BARÃO DE IBITURUNA « O segundo artigo, que o Exm. Sr. Inspector Geral de Hygiene dirigio ao Sr. Senador Franco de Sá, e publicado no Jornal de ante- hontem, accrescenta novas affirmações, já publicamente declaradas em seu primeiro artigo, que, interessando tanto ao publico, pelo que lhe diz respeito á saúde, como ao commercio legitimo, pelo que affecta seus direitos, exige de nossa parte algumas considerações. « O honrado Sr. Barão de Ibituruna, repetindo, sob o nome e au- toridade de Inspector Geral de Hygiene, os argumentos, pobres argu- mentos, de que usam os fabricantes de vinhos artificiaes, em suas invectivas contra o Centro Commercial de Molhados, assume grande responsabilidade perante os homens sensatos a cuja consideração entrega a sua causa, que parece não ser outra senão a dos vinhos artificiaes, preferiveis, em seu pensar, aos vinhos naturaes, porque não são tão nocivos, nem trazem, como esses, fraudulentos rótulos. « O honrado Inspector Geral de Hygiene refere-se neste seu artigo aos vinhos estrangeiros falsificados e aos que são baptisados nos fundos de alguns armazéns, para declarar que os vinhos artificiaes não enganam a «ninguém, e que todos os bebem como taes, e que o consumidor o aprecia. « Esta accusação gratuita feita pelos fabricantes ao Centro Commer- cial de Molhados é repetida pelo Inspector de Hygiene, e precisa de uma resposta condigna. « O Centro Commercial de Molhados desafia o honrado Sr. Barão de Ibituruna a provar-lhe que elle tenha requerido á Inspectoria de Hygiene licença para importar vinhos falsificados, ou para baptisal-os nos fundos dos armazéns, assim como affirma perante o publico sen- sato que, se vinhos estrangeiros falsificados se acham á venda, e se nos fundos de alguns armazéns se baptisam, esse baptismo e essa venda são autorisados ou consentidos pela Inspectoria de Hygiene. « Escreve o Sr. Barão de Ibituruna que a Inspectoria de Hygiene é unanimemente favorável ao commercio dos vinhos artificiaes, sahindo dos limites da hygiene, de sua competência para manifestar-se em questões de commercio, de administração, e de economia politica « Esta Directoria sente profundamente que S. Ex., contra a opinião de quasi todos os Hygienistas modernos, e contra os actos de todos os governos de outras nações, declare que os vinhos artificiaes devem ser permittidos, não se lembrando que elles só se vendem e se bebem pela fraude, e que nunca a fraude pôde ser tão damnosa como quando affecta a saúde publica. - 30o- UMA CITAÇÃO FALSA XVI O Sr. Barão de Ibituruna, dirigindo-se ao Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá, no Jornal de hontem, disse: « Se S. Ex. quizer se dar ao trabalho de consultar a pag. 357 do Tomo II da Chimica industrial de Gi- rardin, verá que em todas as partes do inundo são fa- bricadas, com licença dos respectivos Governos, bebidas espirituosas, com diversas denominações, análogas aos vinhos artificiaes e ás nossas bebidas alcoólicas, para uso das classes menos favorecidas pela fortuna, que não po-' dem beber vinho do Alto Douro, tendo algumas dessas « Pretender a Inspectoria que vinhos artificiaes sejam vendidos como artificiaes com rótulos próprios, indicando a sua procedência, é uma ingenuidade sem nome. « Fora o mesmo que persuadir-se alguém do que moeda falsa, ven- dida como falsa com rotulo próprio, indicando sua procedência, deva ser uma industria permittida ! « Declarando-se francamente favorável ao commercio de vinhos arti- ficiaes, a Inspectoria de Hygiene, além de exorbitar de suas attribuições aífronta a legislação actual de todos os paizes civilisados que procuram combater essa fraude de bebidas, e offende os principios de moral que servem de base ao commercio leal e honesto, e que regulam as relações commerciaes entre os povos cultos. « A iniciativa do Centro Commercial de Molhados não é isolada no mundo, como parece crel-o o Sr. Barão de Ibituruna. « Percorra S. Ex. o mappa e verá por toda a parte a mesma luta que nós sustentamos. «Ao lado do commercio das falsificações, S. Ex. verá na França, na Allemanha, na Itália, na Hespanha, em Portugal, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Republioa Argentina, o commercio leal erguendc-se chamando a attenção dos governos para esses defraudadores da fortuna publica e privada, e mais do que isso, para esses envenenadores do povo, por amor de um punhado de ouro. « Era todos esses paizes verá S. Ex. governos, parlamentos, hy- gienistas, prestando o mais detido e serio exame a essa perversão da moral publica, e condemnando a fraude que, sob a capa de artificio industrial, quer illudir o povo, roubando-lhe o dinheiro e arruinando- lhe a saúde. « O que S. Ex. não verá em paiz nenhum é o que todos estamos vendo aqui: « O Inspector Geral de Hygiene declarar-se favorável ao commercio de vinhos artificiaes ! « Isto S. Ex. não verá senão aqui, e sob a direcção de uma Ins- pectoria de que S. Ex. é Inspector. « Com semelhante declaração S. Ex. -vem lançar indistinctamente sobre o commercio do Rio de Janeiro a suspeita de que elle só é honesto quando fabrica vinho sem uva. -309- fabricas obtido privilegio para certos e determinados pro- ductos. » Sendo falsa essa citação, esperei redificação no Jornal de hoje; não a tendo encontrado, peço-a. Eis a razão do meu pedido. Folheei a dita obra e nada encontrei que pudesse explicar a analogia de que falia o Sr. Barão , preciso saber até onde ella vai. A obra que consultei, foi a seguinte: Leçons de chimie elementaire. appliquée aux arts in- dustrieis, par M. J. Girardin, 5.a edição. 1879. « Com semelhante declaração S. Ex. confessa implicitamente que não é favorável aos vinhos naturaes, e, para dar mais força a esta condem- natoria sentença, accrescenta que ella é unanimemente apoiada pelos honrados membros da Inspectoria actual! « Não queremos nem precisamos senão avivar a memória deS.Ex. sobre esta unanimidade. « Quando na Imperial Academia de Medicina se discutio este as- sumpto, um quesito houve que provocou de três dos actuaes membros da Inspectoria respostas divergentes. « Esse quesito era: « _ Podem os vinhos artificiaes substituir os vinhos naturaes? « A este quesito responderam: « O Sr. Góes—Sim. « O Sr. S. Lima—Sim, com restricção. « O Sr. Ibituruna.—Não. « Com esta recordação apenas pretendemos provar que, apezar de apparentemente concordes na questão dos vinhos, a opinião dos mem- bros da Inspectoria não é unanime em pontos essenciaes, como esse que faz objecto do quesito. . _ . « E o que espera S. Ex. desta sua animação aos fabricantes ? Ani- mação partida de tão alto. . « Os falsificadores, acreditando que a sua industria e licita, man- dam vir já ostensivamente as drogas com que manipulam os vinhos, submettem-nas a despacho na alfândega, e obrigam S. Ex. a ensinar - lhes o meio de poderem receber essas drogas, que e consignando-as a phrarmacias e drogarias. ., « Novas fabricas abrem-se por todas as ruas desta cidade, espalham- se cartazes annunciando a venda de todos esses productos fraudulentos, e entretanto S Ex. e todos os seus delegados nao sao capazes de achar á venda uma só garrafa de vinho artificial. « E' tudo vinho do Porto 1 « Será isto moralisador ? « O Publico sensato, para quem S. Ex. appella, que responda « Rio 14 de Agosto de 1886.—João José dos Reis Júnior, presidente.— Manoel Pereira Barbosa, vice-presidente.—Pauto Faria, 1.° secretario.— Nuno Barbosa, 2.° secretario.—Manoel José Gonçalves Pereira, thesou- reiro. » - 310- V PROPÓSITO DE UMA CITAÇÃO FALSA XVII Toda a gente leu um artigo assiguado pelo Sr. Ins- pector Geral de Hygiene, Barão de Ibituruna, no qual se citava, além do Moniteur Scientifique, publicação pa- risiense, de Outubro de 1884, A chimica industrial de Girardin. Não nos demos ao trabalho de examinar o Moniteur, porque, em a campanha contra a falsificação dos vinhos, nada temos que ver com o « Systema aperfeiçoado da fabricação do álcool de beterrabas » do Sr. Briií, ou de qualquer outro fabricante de alcools, nem com o « Aper- feiçoamento no tratamento dos vinhos de Champagne » do Sr. Abale. Gomo foi a Inspectoria achar ahi meio de justificar a fraude, implantada desfaçadamente entre nós, é o que acreditamos que ninguém o saberá, porque o Sr. Barão nunca o explicará. A citação de Girardin, porém, como veio desacom- panhada de qualquer transcripção, despertou a nossa attenção. Gonsultámol-o. Na pagina citada pelo Sr. Barão, elle estuda a industria do ferro. Folheámol-o, a vêr se um engano de pagina ou de volume tinha escapado do bico da penna do Sr. Barão. Nada ; absolutamente nada que directamente ou in- diredamente tivesse relação com a citação do Sr. Barão. Procurámos hoje o Jornal a vêr sé se desmanchava o engano; ainda nada.. Mas a primeira autoridade senitaria do Império não podia ter feito uma citação falsa ! Procurámos desmanchar o enigma e o Sr. Barão vai nos dizer se fomos felizes e nos ha de agradecer por auxilial-o a sahir do embaraço em que a sua citação falsa o collocou. Escreveu-se para os falsificadores em 1851, uma -311 - obra intitulada : — Nouveau manuel complet de Ia fabri- cation des vins de fruits. — Traduit de íanglais de Ac- cum, par M. M. G. et OI...— Befondu et considerable- ment augmenté par M. F. Malupeyre (Encyclopedie française). Lê-se no prefacio dessa obra : « Não podemos passar em silencio em nosso ma- nual a fabricação dos vinhos de licor de imitação, mas o fizemos com reserva, salvando nossas intenções e li- mitando-nos a algumas formulas mais conhecidas. » Folheando esse livro, encontra-se na pag. 116, liv. 3o, cap. 1.°, o estudo da fabricação dos vinhos de fruetas e o autor nos ensina que a lyra do grande poeta Virgílio os tinha já endeusado : « Pocula Iceli. « Fermento atqae acidis imitantur vita} sorbis. » No cap. "2.°, á pag. 119, encimado pelo titulo — Des vins de fruits — o autor começa assim : « Partindo do principio de que os vinhos facticios são destinados a imitar o vinho da uva, o que temos a fazer em primeiro lugar é preparar um sueco ou môsto (jus ou-moüt) semelhante, em sua composição, ao da uva.» Nos caps. A.°, 5.° e 7.° apresenta-nos elle cada um dos productos com os seus competentes processos de preparação. No livro 6.°, cap. 1.° — Da imitação dos vinhos e licores — lê-se •• « Acreditam geralmente que os vinhos e licores imitados são máos para o estômago: mas é um prejuízo que nada justifica. » Não será nessa obra, ou em alguma outra de igual jaez, que a Inspectoria se inspirou? E nesse caso o engano não seria de texto e sim de autor? Se o não foi, é força confessar que isso que ahi - 812 — fica se parece mais com as doutrinas da Inspectoria em matéria de hygiene, do que tudo quanto tenha dito Girardin em seu importante trabalho. Demais, para honra de Girardin, que se não pode confundir com a sciencia, que se prostitue, trocando-se em moeda no balcão dos especuladores, digamos: nada ha em seu longo tratado, nada absolutamente nada, que se pareça com a citação da Inspectoria. (*) A veracidade deste facto arma a Inspectoria, re- presentada pelo seu chefe, o seguinte dilemma: Ou trucou de falso, ou não entendeu o que leu. [Paiz de 15 de Agosto do corrente.) AINDA A PROPÓSITO DE UMA CITAÇÃO FALSA XVIII Tenho redobrado de attenção a leitura da Chimica industrial de Girardin, a ver se descubro alguma cousa que se pareça com a citação da Inspectoria Geral de Hygiene, e todas as minhas pesquisas têm sido infruc- tiferas. Outro tanto ha de ter acontecido ao Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá. A pag. 357 do volume t.°, que a Inspectoria citou com ar triumphante, faz parte da 29.' lição, que começa na pag. 338 e acaba na pag. 391. Abrindo a pag, 357 a attenção do leitor é des- pertada pelo desenho de duas secções de um forno de reverbero (Fig. 552—Four á rèchauffer). Essa pagina é encimada pelo titulo — Affinage de Ia fonte. A citação da Inspectoria é pois evidentemente falsa, Folheando a obra, nada encontrámos, no 3.° vo- lume, nas lições 55.', 56.', 57.', (únicas em que talvez (*) Ao contrario, Girardin condemna os vinhos facticios, que elle chama falsificados. -313 - se pudesse encontrar alguma cousa de semelhante á citação official.) Quando dizemos que nada encontramos, queremos dizer que em parte alguma dessas lições se descobre, nem mesmo com o espirito prevenido, cousa alguma que se pareça com a analogia descoberta pela inspec- toria, Esse facto suggere ao nosso espirito algumas re- flexões. Uma citação falsa, em matéria de chimica, feita pelo Exm. Sr. Barão de Ibituruna, não deve sur prender a ninguém, porque toda a gente sabe, e o próprio Sr. Barão não terá a pretenção de contestar, que S. Ex. é pouco versado nesse assumpto. Mas, em seu artigo, no ponto em que se descul- pava de umas insinuações offensivas, dirigidas ao Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá, declarou que fallava em nome de seus collegas da Inspectoria. Essa solidariedade abrangerá o artigo todo, de modo a envolver a citação falsa ? Se assim é, temos o di- reito de muito respeitosamente perguntar ao nosso illustrado mestre, o Sr. Dr. Sousa Lima, se é solidário com o Sr. Barão de Ibituruna na falsidade da citação. Prevemos a resposta negativa, porque o illustre Professor, que tão merecidos louros colheu no magis- tério, na Faculdade de Medicina, e cuja competência nesse assumpto é das mais accentuadas, não pode citar em falso e em publico sobre o assumpto que diz respeito á chimica. Quando affirmei que S. S. não podia ser solidário com o Sr. Barão na occasião em que mandou entregar ao consumo publico batata grelada, S. S. correu a atlestar essa solidariedade. Quando accusei o Sr. Barão de ter dado licença aos vinhos de Teixeira Cardoso, que a analyse tinha reconhecido envenenados, muito de propósito evitei col- locar em embaraço o distindo professor, perguntando-lhe se era solidário com esse acto, em que S. S. não teve a mínima intervenção, porque essa licença foi despa- chada como expediente ordinário. - 314 - Agora, porém, trata-se de uma citação em matéria de sciencia, e essa sciencia é a chimica. Esperamos que o Sr. Dr. Sousa Lima redifique a citação, cuja falsidade o Sr. Barão se obstina em manter. (*) Esperamos, porque acreditamos que para o homem de sciencia, ha um marco além do qual elle não pode passar, quaesquer que sejam os abusos que pretenda encampar com o seu prestigio. Esse marco é aquelle além do qual, se pode esbarrar com a improbidade scientifica. [Paiz de 17 de Agosto do corrente). SAUDAÇÃO AO GABINETE EM SEU ANNIVERSARIO, OU PORQUE O IMPERADOR NÃO DEMITTE O MINISTRO DO IMPÉRIO XIX A Sua Magestade o Imperador Senhor ! O gabinete de 20 de Agosto festeja amanhã o seu anniversado. O Sr. Barão de Mamoré ainda é Ministro do Império, e os jornaes annunciaram que devia ter ido ao parlamento pedir credito para o saneamento da capital, á maneira de presente de festas. Eu quero também concorrer para as festas do anni- versario. Em vez porém de confeitos, discursos ou versos, eu transcrevo um trecho do discurso do Sr. Senador Sa- raiva, para presentear o gabinete, principalmente o Sr. [*) Tivemos o desprazer de não ver até hoje rectificada a citação. O Sr. Dr. Sousa Lima ainda está calado, o Sr. Barão ainda não desceu da sua dignidade para dar explicações. Cada vez que a Inspectoria se enfatúa em seu prestigio official, a citação ri-se, e todos lhe acham graça, unico recurso de que pôde lançar mão um povo, cuja opinião não peza na balança do funccionalismo, quando o Imperador, contrafeito ou não, senta-se na outra concha. -315- Ministro do Império, com um aparte do Sr. Senador Sil- veira da Motta. Lê-se no Jornal do Commercio de 1.° do corrente mez, « O Sr. Saraiva insiste com o nobre Senador que deu o aparte, que não faça questão de palavra. Está faUando em governo ; governo imperial ou governo municipal, para o que está expondo isso não tem importância. O Sr. Silveira da Motta — Tem muita- O Sr. Saraiva entende que, se a attribuicão é da câmara, e ella pode realizar a empreza, que o faça; se não pode faça o governo. O Sr. Silveira da Motta—■ Mas não se pode affedar isto ao Sr. Barão de Mamoré. O Sr. Saraiva não trata desse ponto, não se occupa com quem o deve fazer; mas sim com a possibilidade de se fazer, com os meios que ha disponíveis e efficazes para o fazer.» Porque será que o distindo Senador por Goyaz acha que « não se pôde affedar islo ao Sr. Barão de Mamoré ? » Eu não sei, Senhor; apenas sei que o Sr. Saraiva pedia ao governo que fizesse dinheiro com as concessões das companhias de bonds e o empregasse no saneamento da capital. Teria o illustre Senador visitado o cartório do tabellião Cantanheda ? Feito esse comprimento ao gabinete volto ao meu as- sumpto. Depois que tive a honra de me dirigir a Vossa Mages- tade para pedir que arredasse o Sr. Mamoré da adminis- tração publica, eu deveria lembrar a Vossa Magestade que o Inspector geral de Hygiene, declarando falar em nome da Inspectoria, faltou aos severos deveresda probidade scienti- fica, poduzindo uma citação falsa e obstinando-se em não redifical-a, e, achando Vossa Magestade, que é muito en- tendido em lettras e sciencias, que dá de si triste cópia perante o mundo civilisado uma autoridade sanitária, cujos actos praticados e publicados se contam por erros de officio, e que não contente com isso pretende fazer errar os outros, citando falsamente, eu queria hoje pedir que arredasse a -316 - aduai Inspectoria de Hygiene da administração da repartição de saúde. Mas, nem insisto no meu primeiro pedido, nem formulo o segundo, esperando que da Providencia venha o remédio para a nossa administração publica e para a nossa saúde. Não posso porém eximir-me do que julgo ser o meu dever: levar ao conhecimento de Vossa Magestade o que toda a gente sabe por ouvir dizer, e Vossa Ma- gestade de certo ignora: Senhor! O Dr. Leitão da Cunha, no dia imme- diato ao, em que eu me dirigi a Vossa Magestade, veio á imprensa para contestar o que eu havia dito na parte em que me referi a S. Ex. E como não achasse nada que contestar, pois que eu apenas formulei uma pergunta, limitou-se a responder á pergunta, dispensando assim o senhor seu pai de res- ponder a Vossa Magestade e imaginou, para poder con- testar alguma cousa, que eu dissera que S. Ex. fazia requerimentos por conta do Sr. Gary aos ministros do Império, como se alguém ignorasse que os requeri- mentos de advocacia administrativa, se não são sempre verbaes, nunca os oscreve o advogado em papel de Hol- landa. Quando muito, o que se pôde escrever nesse papel são contratos de cota litis, e esses não vêm a publico senão quando surprendidos pelo acaso. De mais, S. Ex. sendo, como francamente o declarou, advogado dá empreza Gary (note-se que eu digo empreza Gary) e sendo o senhor seu pai, como Ministro do Im- pério, supremo arbitro nas questões dessa empreza, o Sr. Leitão da Cunha não precisa requerer cousa alguma; basta fallar ao papai em casa; fica tudo em familia. Agora, onde S. Ex. precisa requerer é na secre- taria da agricultura. (*) (*) S. Ex. figura ahi como advogado de uma empreza que reclamou do Governo indemnisação de prejuizos causados por suspensão dos tra- balhos. Essa suspensão, ordenada pelo Exm. Sr. Conselheiro Buarque de Macedo, de saudosa memória, foi provocada pela impertinencia com que a pedio da tribuna do Senado, o Desembargador Ambrosio Leitão da Cunha, Senador pelo Pará. -317 - S. Ex. nunca requereu também cousa alguma para empreza alguma, na secretaria da agricultura? No caso afirmativo, visto que o Sr. Doutor está em maré de amrmações: O senhor seu pai foi tão estranho a esse assumpto quanto S. Ex. na questão dos vinhos falsificados ? Haja Vossa Magestade de perguntar ao Sr. Barão de Mamoré, e o conserve para que a prosperidade das emprezas não perigue. Como estão mudados os tempos I Outr'ora, Vossa Magestade demittia o resto do mi- nistério por causa de uma questão de popelines, que afinal não prejudicava a saúde do consumidor. Hoje, Vossa Magestade não tem força de demittir o Sr. de Mamoré, que, além de outros prejuízos, causa ao Estado o prejuízo da saúde publica. E' que os tempos mudaram; outr'ora, reinava o poder pessoal, hoje reina a escravidão ; outr'ora, Vossa Magestade chegava da Europa, onde se tinha impregnado da atmosphera da civilisação, hoje Vossa Magestade sente a ennervação da atmosphera das senzalas! Conserve o Barão de Mamoré, senhor! Se ainda elle é pouco, invente mais alguns, o que não é difficil. Conserve o Sr. Ibituruna, que faz citações falsas, e se elle não basta invente mais alguns. Conserve ministros que se julgam superiores á pro- bidade administrativa e autoridades sanitárias que se jul- gam superiores á probidade scientifica; mas, em nome da reputação de vosso reinado. Uma viagem, senhor, uma viagem. [Paiz de 20 do corrente.) O VINHO, NÃO É VINHO. OS FALSIFICADORES PUNIDOS PELA LEI FRANCEZA XX Estava reservado a este pobre paiz, onde a gran- deza da natureza mais faz avultar a pequenhez dos homens - 318 - ouvir a seguinte linguagem da boca da primeira auto- ridade sanitária : « Eu e os meus collegas da Inspectoria de Hygiene entendemos que se pôde e se deve permitlir a industria dos vinhos artificiaes, mas unicamente dos vinhos arti- ficiaes que não contenham substancias tóxicas, que sejam expostos á venda com rotutos que designem sua proce- dência e sua qualidade, para uso das pessoas que os apreciam, que sabem o que compram e o que vão beber, o que não se dá com os vinhos falsificados e artificiaes importados do estrangeiro ou preparados e baptisados no fundo de alguns armazéns. « Estes, os intitulados vinhos naturaes sophisticados (é o termo próprio), são mais prejudiciaes do que aquelles por que representam uma bebida falsificada, vendida com rotulo fraudulento, ao passo que os artificiaes, fabricados no paiz sob a vigilância de autoridades sanitárias zelosas pela saúde publica, mas imparciaes e justas, só preju- dicarão aos consumidores pela qnantidade de álcool que contém, que é mais elevada do que a dos vinhos puros de uva. « A Inspectoria de Hygiene unanimemente favorável ao commercio dos vinhos arlificiaes, nas condições em que acabo de estabelecer, não permittirá a venda de vinhos e de quaesquer outras bebidas falsificadas, ou que con- tanham substancias nocivas á saúde dos consumidores, quer sejam naturaes, artificiaes, nacionaes ou estrangeiras. Os vinhos naturaes sophisticados são mais prejudiciaes do que os vinhos artificiaes dos Srs. Teixeira Cardoso, Fritz, Mack & C, Ernesto de Oliveira e outros, porque representam uma bebida falsificada, etc. » Logo, a Inspectoria não pôde deixar de aceitar esta conclusão : os vinhos desses senhores não são falsificados. Mas, se não são falsificados, são verdadeiros. Ora, elles não são vinhos, porque não são de uva nem de cousa alguma. Logo, o vinho não é vinho. Conclusão de uma crueldade feroz, mas lógica. A Inspectoria está fazendo pelos falsificadores mais - 319 - do que elles desejam, e esse exagero de defesa compro- mette a causa. Elles já não dão o cavaco de serem chamados fal- sificadores; sabem que o são; isso pouco lhes importa. Para que a Inspectoria os satisfaça e agrade assim o seu advogado, o Sr. Barão de Mamoré, basta que queime o seu ultimo cartucho na defesa deste principio — a falsificação é innocente. Nem mesmo o sábio areopago carece de ir adiante, sustentando que a falsificação é tônica e corroborante. Mas já agora a Inspectoria disse que não são fal- sificados, não o sejam ; ella assim o quer assim o lenha. A Inspectoria, querendo mostrar que até o Sr. Dr. Sousa Lima não discrepa uma linha desse modo de ver, griphou o advérbio e disse: « A Inspectoria de Hygiene unanimementa favorável ao commercio dos vinhos artificiaes etc... » Deixemos a Inspectoria com as suas doutrinas de occasião e folheemos as paginas do Diccionario das al- terações e falsificações de A. Chevalier, 6.a edição—1882: " Comecemos pelo fim, examinando a pagina 1.501— Taboa alphabetica e analytica: Percorrendo a 1." columna. lemos na 44.2 linha: Falsificações dos vinhos—Vinhos facticios—Abramos a pagina marcada pelo Índice:—1.440 e leiamos: «Vinhos facticios—Além das falsificações operadas sobre o próprio vinho, ha outras que consistem em fa- bricar vinhos facticios, isto é, liquidos aos quaes é com- pletamente estranho o sueco da uva (treille). » Não é preciso grande esforço para ver desde logo que os liquidos fabricados pelos Srs. Teixeira Cardoso, Frilz, Mack & C. e Ernesto de Oliveira estão na cathe- goria desses a que Chevalier se refere, logo são falsificados, e a Inspectoria como taes os deve perseguir. A Inspectoria, porém, protege-os a ponto de os vir defender pelos «pedidos do Jornal e, pois, a Inspectoria é connivente na falsificação. Na pagina 1.465 lê-se : —«Lei —A assembléa na- cional adoptou a lei seguinte: — 320 — « Art. l.° Serão punidos comas penas do art. 423 do Código penal: «1.° Os que falsificarem subsiancias ou gêneros ali- mentícios ou medicamentosos destinados a serem vendidos; « 2.° Os que venderem ou expuzerem á venda subs- tancias ou gêneros alimentícios ou medicamentosos que souberem ser falsificados ou corrompidos.» Ora, eu desafio a citação de algum chimico, excep- tuando os que escreveram expressamente para ensinar a falsificar, que não considere os vinhos cilados, que a Inspectoria defende, na calhegoria das falsificações. Logo, pela lei franceza os Srs. Teixeira Cardoso, Frilz, Mack & C., Ernesto de Oliveira e os outros citados ás pag. 1T6 e 177, estão incursos no art. 423 do Có- digo penal francez, mesmo que as autoridades não sou- bessem que o primeiro já tem analyse que revelou fuchsina e ácido salicylico : o segundo apprehensão de fuchsina que importara, porque amostras não se enviam nem se pede aos kilos, e o terceiro, o exame de uma tinta que se reconheceu venenosa. (*) Entre nós faz-se leis para os protegerem e dá-se-lhes licenças sem analyse! Por que?! Talvez o saiba a escripturação desses senhores fal- sificadores, mas nós nunca o saberemos, porque elles não nol-a mostrarão. (*} O vapor allemão Corrientes entrado a 14 de Agosto de 1886 trouxe uma barrica pezando 201 kilogrammos com a marca: um triângulo, no vértice do qual havia um coração transpassado por um travessão em cujas extremidades havia uma pequena haste vertical em fôrma de cruz, abaixo do coração havia as letras W. C, n. 11576. Essa barrica descarregou do vapor mas não chegou á Alfândega. Consta que foi procurada pelo despachante de uma importante fabrica de vinhos artificiaes, talvez só para ter certeza de que ella tinha des- apparecido, pois não protestou pelo desapparecimento ! Essa barrica trazia matéria corante. Não terá a procedência da amostra que a Alfândega apprehendeu? Eis o que convinha indagar, e não seria difficil ao Exm. Sr. Inspector da Alfândega, ou à Inspectoria de Hygiene. As informações ahi ficam. - 321 - Não me refiro á Inspectoria, a cujos membros faço justiça, nominadamente os Srs. Ibituruna e Sousa Lima, que de mais perto conheço, e affirmo não receiarem o exame dessas escripturações. Mas a advocacia administrativa receia-o, e se não, pro- voque-o, se for capaz. Como ficariam envergonhados os Srs. Ibituruna e Sousa Lima, por terem feito de seu prestigio pedestal para os exploradores de emprezas. Afastem-se emquanto é tempo. Nada se occulta in- definidamente. Terminaremos hoje com as palavras de Chevalier á pagina 195, estudando a falsificação da man- teiga, em cujo numero inclue a de margarina : «Em face dos culpados esforços de industriaes sem consciência, para realizar benefícios illicitos, illudindo em relação á natureza das matérias alimentícias em geral e em particular á do producto acima, seria para desejar que a lei, armada dos meios engenhosos que os sábios crearam para oppor uma barreira a esses montruosos abusos, ferisse o falsificador com uma penalidade tão excessiva que elle não pudesse mais se reerguer. » [Paiz de 22 de Agosto do corrente). PROPOIIÇÕES A QUE FICOU REDUZIDO O PRESTIGIO DA INSPECTORIA XXI Somos nós os demittidos da Junta de Hygiene, não a bem do serviço publico, mas a bem dos falsificadores de vinhos, grupo de despeitados, cuja opinião longe de o molestar, mais o elevará na opinião publica, disse o Sr. Ins- pector geral de Hygiene, e portanto a Inspectoria, una- nimemente solidaria com o seu chefe, até no favor concedido aos vinhos dos Srs. Texeira Cardoso, Fritz, Mack & C. e Frnesto de Oliveira, que a Inspectoria teima em appellidar artificiaes, e todo o mundo chama fal- sificados. 21 - 322 - A Inspectoria chamou-nos despeitados na mesma occasião em que dirigia ao Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá uma insinuação injuriosa, em troca da cortezia extrema com que o mesmo senhor a tinha tratado na tribuna do Senado, quando censurou o procedimento do Governo em relação aos vinhos falsificados. A mesma Inspectoria, porém, já deu ao Sr. Conselheiro uma pu- blica satisfação e o fez —« com o sincero prazer » — não fallemos, pois mais nisso. Mas perguntemos a essa Inspectoria que adduz citações falsas porque assim nos injuriou, a mim, ao Dr. Freire, que só não vale mais que a Inspectoria, por se não poderem comparar quantidades heterogêneas, e ao Dr. Sarmento ? Porque na Junta sustentámos que os vinhos dos Srs. Cardoso, Fritz, Mack & C., Ernesto de Oliveira e outros, ou quaesquer outros que não fossem o resul- tado da fermentação do sueco da uva, e como taes se qui- zessem impor, eram prejudiciaes á saúde publica, mesmo não contendo substancia tóxica. Esse grupo que, pôde se dizer, tem a adhesão de toda a imprensa, porque a que o não apoia não aceusa, é muito maior do que o Sr. Inspector pensa, e havemos de o ir pouco a pouco demonstrando. Pequeníssimo, microscópico mesmo, é o grupo a que se filiou a Inspectoria. O Ministro do Império constitue o seu centro; assimilou em torno de si a advocacia administrativa, que explora a bolsa dos falsificadores; a outra camada é constituída pelos falsificadores, que exploram a bolsa e a saúde da população; e finalmente a ultima camada é constituída pela Inspectoria, espécie de camada pro- tedora, que, com o seu prestigio de corporação scien- tifida, pretende resguardar o todo. Não o conseguirá, porem, porque o seu prestigio scientifico afogou-o na citação falsa que fez do professor Girardin, o seu prestigio administrativo esboroou-se de encontro a essa alluvião de licenças fáceis para pro- ductos envenenados. O que lhe resta ? -323- 0 prestigio official. E esse toda a gente sabe que é dado pelo Sr. Ba- rão de Mamoré, e isso basta para que se possa medir- lhe o valor. Esse grupo, pois, está fatalmente condemnado, sendo que qualquer de nós o poderia desmanchar de prompto, se o obrigasse a comparecer aos tribunaes para explicar-se. O grupo dos despeitados entretanto acaba de receber um grande contingente. No mesmo dia em que recebíamos jornaes do Rio Grande do Sul que se manifestavam francamente contra os falsificadores e, portanto, adheriam ao nosso grupo, o grande tribuno rio-grandense, cujas palavras vão fazer na Inspectoria o effeito do ferro em braza, assim se expri- mia no Senado brazileiro: « O Sr. Silveira Martins.—Por isso recorre ao nobre ministro, para que S. Ex. tome as providencias que o seu collega do império diz não ter poder nem attribui- ções de tomar, em relação aos vinhos artificiaes ou fal- sificados. « Recorda que o presidente da Inspectoria de Hy- giene Publica veio á imprensa declarar que esses vinhos eram menos nocivos que os que se manipulavam no fundo dos armazéns. E', pois, a própria Inspectoria incumbida de velar pela saúde publica, que vem confessar expres- samente que são nocivos, e apenas mais nocivos aquelles que ella tolera que se vendam. « Ora, desde que o nobre Ministro do Império de- clara que não tem poder para tomar medidas prohibitivas a esse respeito, o orador reclama-as do nobre Ministro, que tem a seu cargo a policia. Pede a fiscalisação que a policia deve ter sobre a venda de drogas falsificadas e beberagens tóxicas, que envenenam a população. » E mais adiante: « E' a sua commissão de hygiene que reconhece — 324 — que essas bebidas são nocivas, e a Junta antecessora francamente o declarou. « Que significa, pois, essa inércia da acção gover- nativa? Não parece realmente razoável que o Governo persiga os moedeiros falsos, persiga quem vende remé- dios falsos, por ser isso um crime, e tolere o estellionato, além do mal que pode causar, daquelles que vendem um objedo por outro, isto é, vinhos falsificados. » £ Até agora a Inspectoria, em uma questão de tão grande alcance, só tem tido comsigo ella própria, os advogados administrativos dos falsificadores e os próprios falsificadores. O apoio dos falsificadores a si mesmos se compre- hende : — é o instincto de conservação—que nem aos ir- racionaes a Natureza negou. O apoio dos advogados administrativos em todas as posições, até nos conselhos da coroa, também se com- prehende—é a ambição do ouro que cega o homem a ponto de fazel-o perder o escrúpulo da escolha dos meios. Mas o apoio da Inspectoria? Mysterio, que trabalhamos por desvendar 1 (Pais de 23 de Agosto do corrente.) A NOSSA CIRCULAR XXII A 1.° de Agosto dirigimos á imprensa de nosso paiz uma circular, pedindo o apoio dessa grande força contra a fraude desfaçada, que conseguio elevar um seu advogado á posição de Ministro, para d'ahi organisar autoridades sanitárias, que montassem guarda á porta dos falsificadores. Melhores sentinellas não podia encontrar o Ministro do que médicos, que esquecidos dos sagrados deveres da profissão, que os obriga a serem sentinellas sim, mas da saúde de seus semelhantes, tudo têm sacrificado — 325 — para defender a fraude que compromette a saúde do povo — tudo, inclusive a probidade scientifica. A Imprensa a que recorremos mostra-se na altura de seu sagrado apostolado, e somos felizes de poder transmittir-lhe os nossos agradecimentos. O nosso grito de indignação foi ouvido, encontrou écho na imprensa, écho que se ha de propagar em todo o Brazil e ensinar a esse governo sem patriotismo e sem idéas, que é veleidade pretender oppor barreiras á corrente da civilisação. A Inspectoria injuriou o Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá, quando disse no Senado que os vinhos artificiaes, fabricados pelos seus licenciados, eram falsi- ficados . Vai provavelmente injuriar agora o Sr. Senador Silveira Martins por ter repetido a mesma blasphemia. Ha de ir injuriando cada uma das redações de jornal, á proporção que eu fôr transcrevendo o juizo que a imprensa forma de taes vinhos. E então, ella, que já fez jus ao titulo de —Agencia de licenças para vinhos falsificados — passará a tornar-se credora de algum outro titulo, que justifique essa nova funcção. E, quando outra gloria lhe não advenha desses títulos, elles servirão ao historiador desta pagina de nossa historia para apresental-a aos pósteros como uma autoridade sanitária sui generis, verdadeiramente única na espécie :— caso theratologico que attrahirá a attenção dos sábios.— Para facilitar a tarefa do historiador, eu irei transcrevendo o que disser a imprensa, e, para ainda mais facilidade de pesquiza, de modo que a Inspectoria não escape á historia, eu espero poder reunir tudo n'um documento unico. (*) Comecemos pelo Diário de Campinas, de 5 de Agosto de 1886. O Diário publica na primeira pagina a nossa cir- (*) Referia-me a este livro. - 326 - cular na integra e a faz preceder das expressões que se seguem e que, em demasia, nos penhoram: « Os distinctos facultativos Drs. Domingos José Freire, Arthur Fernandes Campos da Paz e Luciano de Moraes Sarmento, ex-membros da Junta Central de Hygiene Publica, dirigiram á imprensa do paiz uma circular em que protestam contra a tolerância do Governo em relação ás fabricas de vinhos e outras bebidas artificiaes. « A hombridade e inteireza de caracter, demons- tradas pelos referidos médicos, tornam o seu protesto de grande valor e digno de ser lido attentamente. « Em seguida transcrevemos a circular, accedendo com satisfação ao pedido que nella é feito, á imprensa.» A Gazeta Sul Mineira, órgão do partido republicano, redigida pela hábil penna de Américo Werneck, e pu- blicada em S. Gonçalo de Sapucahy, de 15 de Agosto do corrente, publica na integra a nossa circular, pelo que os nossos agradecimentos. Outro tanto faz, e em lugar de honra de sua pa- ginação, o Artista, importante jornal da tarde que se publica no Rio Grande do Sul, em seu numero de 12 de Agosto do corrente. O Pequeno Jornal, de Guaratinguetá, na província de S. Paulo, mimoseou-nos com a seguinte noticia : Circular á imprensa « Quando a matéria vertente está, como agora, scientificamente estudada e discutida, o dever do humilde Pequeno Jornal, é, á bem da humanidade, render preitos aos Ires homens da sciencia, os Illms. Srs. Drs. Domin- gos José Freire, Arthur Fernandes Campos da Paz e Luciano de Moraes Sarmento. » O Correio Mercantil de Pelotas, no Rio Grande do Sul, publica também na integra a nossa circular, e, como se isso não bastasse, para coufundir os falsifica- -327 - dores e seus advogados, chama para ella a attenção dos seus leitores com a seguinte noticia, que, cheios de sa- tisfação, tomamos a liberdade de transcrever: Vinhos artificiaes « Sob a rubrica—Actualidade—publicamos hoje a circular dirigida á imprensa do Império, pelos cavalheiros que cumpunham a extinda Junta de Hygiene da Corte. « Appellam os illuslres filhos da sciencia para os homens de boa fé c os commerciantes honestos, pedindo que se incumbam de banir do mercado os productos das fabricas de bebidas alcoólicas estabelecidas na capital do Império—verdadeiros laboratórios de substancias tóxicas, com que se extingue aos poucos a saúde do povo. « Os leitores estão perfeitamente ao corrente de todas as peripécias da campanha travada entre os ho- mens da sciencia e os poderosos falsificadores. « Sabem qual o resultado da aualyse chimica a que se procedeu nos seus preparados e a vidoria immoral que elles obtiveram, graças aos maiores empenhos. « Graças a elles, e* ao escandaloso descuido com que as aduaes autoridades sanitárias trataram da questão, os falsificadores ficaram habilitados a introduzir aberta- mente no mercado as suas perniciosas bebidas e a afastar da praça os productos sãos e úteis á conservação da saúde. « Não ha hoje na Corte uma taverna ou armazém de molhados que não venda, com o rotulo de vinho ou licor, as mais ordinárias tizanas. « Nesta província mesmo o consumo dellas tem augmentado consideravelmente. « Parece, pois, que o unico meio de evitar o mal é pedir aos negociantes honrados que façam guerra de morte aos vinhos falsificados, estabelecendo, com sacri- fício embora, competência de preços e desmascarando os que traficam com a boa fé dos incautos. « O povo que se acautele. « Nada de vinhos Fritz, Mack & C. » [Paiz de 24 de Agosto do corrente.) -328- A CITAÇÃO FALSA NO SENADO XXIII A Gazeta Luzitana de 7 do corrente publica os tre- chos principaes da nossa circular, fazendo-os preceder das seguintes linhas, que muito nos honram: « Pelos distinctos médicos os Exms. Srs. Drs. Do- mingos J. Freire, Arthur Fernandes Campos da Paz e Luciano de Moraes Sarmento, foi no dia 1 do corrente endereçada aos collegas d'0 Paiz uma circular, distri- buída aos milhares com aquelia folha, em cuja circular os distinctos Srs. médicos expuzeram com toda a fideli- dade e clareza a primeira phase desta questão, revelando os mais escandalosos abusos dos falsificadores e do Go- verno; que em todas as fabricas de vinhos artificiaes, quando membros da Junta Central de Hygiene Publica, visitando-as no exercício de suas funcções, acharam sub- stancias tóxicas; fuchsina e ácido salicylico e outras drogas venenosas; que a matéria prima encontrada nas fabricas era da peior qualidade, pessoal technico inha- bilitado, sendo todos os fabricantes de uma completa ignorância nos mais elementares princípios de chimica industrial e alguns até mesmo analphabetos! « Que em todas as fabricas verificaram que os ró- tulos eram falsos. » A Você dei Popolo, importante órgão italiano publi- cado nesta Corte, em seu numero de 3 do corrente termina um importantíssimo artigo de fundo, em que discute com grande elevação de vistas o assumpto de nossa circular, de cujo conteúdo dá uma idéa exada, com as seguintes palavras : « La circolare non puó essere piá terminante a se- riamente redatta, e se grande è Ia responsabililà che il Ministro e cointeressati assumono davanti a fondate accuse e provvedimenti che si dovrebbero ma non si vogliono adottare, è dovere d'ogni libero cittadino protestare ener- -329- gicamente, e si II Governo s'ostinasse nel colpevole far niente, non mancano i mezzi pratice per fare chiudere le fabbriche avvelenatrici. » Depois dos nossos sinceros agradecimentos, somos forçados a abrir um parenthesis para transcrever o que se lê hoje no Jornal do Commercio no resumo do dis- curso do Exm. Sr. Conselheiro Franco de Sá, proferido hontem no Senado, acerca dos vinhos falsificados e prin- cipalmente da citação falsa da Inspectoria, o que prova que S. Ex. foi, como nós, enganado pela citação, e prova ainda que tínhamos tido razão quando affirmamos que em toda a obra de Girardin nada tínhamos encontrado que se parecesse com a citação da Inspectoria, e, diga- mol-o agora, Girardin, lido com attenção, condemna os vinhos licenciados pela Inspectoria : « O Sr. Franco de Sá.— O illustrado Inspector de Hygiene Publica, que precipitadamente correu á imprensa na errada persuasão de que em um discurso do orador havia proposições que lhe tivessem sido offensivas, levou a sua bondade ao ponto de indicar ao orador uma obra scientifica, em que, disse esse funccionario, claramente se mostra que a industria dos vinhos artificiaes é per- mittida em todos os paizes. O orador consultou essa obra e nella, poslo que não no lugar indicado pelo honrado Sr. Inspector, encontrou prova do contrario. Assim é que lá se lhe deparou uma lista de bebidas fermentadas, mas nella não figuram senão liquidos feitos do sueco da uva e de outros fructos e não bebidas fa- bricadas de álcool e substancias corantes. Sob a rubrica Falsificação de vinhos o autor indicado pelo Sr. Ins- pector menciona os vinhos falsificados com substancias corantes, e os liquidos fabricados de álcool e dessas subs- tancias, profligando taes fraudes como damnosas á saúde. « Em idêntico engano incorreu o Sr. Ministro quando por vinhos artificiaes entendeu os fabricados com o sueco do ananaz, caju e de outras fruetas. Estes não devem ser confundidos com as misturas de álcool e - 330 - substancias corantes: são vinhos naturaes, posto que não de uva.» E para não perder o ensejo de ser agradável ao Sr. Barão de Mamoré, dando maior publicidade ao que se diz de S. Ex., para demonstrar sua alta compe- tência em hygiene, transcreveremos um trecho do dis- curso proferido hontem pelo Sr. Senador Silveira da Motta, não sem lembrar que nesse discurso o illustre e independente Senador por Goyaz não redificou o aparte do seu discurso, com que saudei o Sr. de Ma- moré no anniversario de sua ascensão ao poder: « O Sr. Silveira da Moita.— Ora, senhores, eu não sei como em um governo constitucional vem um Ministro ao parlamento e diz — eu não quero saber de questões políticas, quero saber só de questões de lixo, de questões de esgotos, etc. ! (Riso). « E' querer substituir a política pelo lixo e pelos esgotos ! E' com effeito reduzir um paiz á ultima ex- pressão da miséria, vir a uma câmara legislativa dizer : eu não sou ministro político... « O Sr. Franco de Sá.— E o Ministro do Império! « O Silveira da Motta.—... quando a pasta do Império é a mais política... «não sou político, não quero saber de política; quero só saber de esgotos, de cisco e de cousas semelhantes! » Isto o nobre ministro o disse, não se pôde queixar de mim. O que fiz foi estranhar a sua manifestação.» E mais adiante: « O que é a quantia de quinhentos e tantos contos para o Sr. Gary varrer as ruas da cidade? O que é a de cento e tantos contos da limpeza de praias ? A de duzentos e tantos contos para o melhoramento do estado sanitário ? para commissões, para a Junta de Hygiene, a mesma cousa que agora existe com outro nome, por que o que era a Junta de Hygiene senão a Inspectoria Geral que hoje existe, com a differença de que esta custa 60:000$000 de despeza só com o pessoal?» -331- Perdôe-nos o Sr. de Mamoré se collocamos ao al- cance do historiador mais esse trophéo de sua gloria como hygienista, tão bem amparada por solido pedestal cuja matéria prima é, na phrase do Sr. Silveira da Motta — o lixo e o cisco — e cuja argamassa eu julgo não estar muito fora da verdade affirmando ser a falsificação das substancias alimenticias, principalmente do vinho, por quem S. Ex. por varias razões, entre ellas, o amor paternal, tem sacrificado todo o seu esforço. DECLARAÇÃO OFFICIAL XXIV O Sr. Barão de Mamoré, cuja permanência na pasta do Império vai assumindo as proporções de um escândalo, escândalo que só é tolerado no Brazil, onde a opinião publica raro se compenetra de seu dever, que no caso vertente era impor ao Imperador a retirada desse senhor dos conselhos da coroa, disse hontem no Senado que: « Quanto á questão dos vinhos artificiaes, declara que em seus actos seguio o que já encontrou feito pelos Srs. Franco de Sá e Meira de Vasconcellos, e, desde que confiou em uma corporação scientifica esta questão, resolverá conforme indicar a Inspectoria de Hy- giene, única competente para conhecer se os vinhos são ou não falsificados, bons ou máos para a saúde publica. « Quanto ás fabricas de vinho, pede ao Sr. Franco de Sá que apresente um projedo prohibindo-as, e o orador votará por elle.» Nesse trecho o Sr. Ministro do Império faltou á verdade. S. Ex. não seguio o que encontrou feito por nin- guém ; inventou uma lei escandalosa, para o que não trepidou em rasgar a Constituição do Império, como já demonstrámos. (*) (*) Veja á pag. 13 o artigo 83 do Regulamento Sanitário do Sr. de Mamoré e o seu escandaloso paragrapho unico. - 332- Nem o Sr. Franco de Sá, nem o Sr. Meira de Vasconcellos crearam o art. 83 do Regulamento sanitária, que manda guardar sob sigillo as formulas dos falsifica- dores, imprimindo na face augusta da lei uma vergonha nacional. S. Ex. fez mais ainda: Demittio a Junta de Hygiene presidida pelo Dr. Freire para evitar o processo dos seus clientes, depois que o Sr. Dr. Góes levantou na Academia a questão dos vinhos para arrancar daquella corporação um voto que o Sr. Ministro pudesse oppor á opinião da Junta, o que fe- lizmente não conseguio. Fez mais ainda: Tendo sido requerido por nós auto de corpo de delido nos productos das fabricas, S. Ex. procurou occul- tal-os á acção da justiça publica, incumbindo disso o Sr. Barão de Ibituruna, o que também não conseguio. Fez mais ainda: Permittio que a Inspectoria licenciasse os vinhos envenenados do Sr. Cardoso, sem analysal-os. Fez mais ainda : Foi buscar as suas autoridades sanitárias na mi- noria da Academia, capitaneada pelo Sr. Dr. Góes. Fez mais ainda: Não explicou o conteúdo dos livros de registro do cartório do tabellião Cantanheda. Fez mais ainda : Não aconselhou o senhor seu filho a provocar a ex- hibiçâo da escripturação dos falsificadores, para desmentir a crença, em que toda a gente está, de que S. Ex. advoga administrativamente os interesses desses senhores, e que o mesmo Sr. Barão não é a isso estranho. Se eu fosse o Sr. Senador Franco de Sá ou o Sr. Senador Meira de Vasconcellos, já teria exigido do Sr. Mi- nistro do Império, como correcção á impertinencia da insinuação, que exhibisse prova documental de haverem praticado na pasta do Império qualquer dessas facilidades. O Sr. Ministro do Império appella para a opinião da — 333 — inspectoria de Hygiene, sem se lembrar: 1.°, que essa Inspectoria é obra sua, imposta pela falsificação; t.°, que essa Inspectoria perdeu o prestigio scientifico, desde que se deu ao luxo de fazer citações falsas. Se quando cita, ella erra, o que não serão os seus conceitos quando forem de elaboração própria! Para tal Ministro, tal autoridade sanitária ! Exija S. Ex., se falia serio, que essa Inspectoria responda ao seguinte quesito : São ou não falsificados os vinhos feitos com ca- chaça, ingredientes corantes e outras drogas ? Ouviríamos mais uma vez uma theoria original. E talvez um novo — sim em parle — nos viesse surprehender. A Inspectoria já os julgou prejudiciaes, segundo se deduz dos artigos do Sr. Barão de Ibituruna, mas é pre- ciso que ella falle claro, que diga : São ou não são fal- sificados e arme assim, para cumulo de sua gloria, o seguinte dilemma: Se são, por que os tolera ? Se não são, porque os não aconselha francamente á população como tônicos e corroborantes ? S. Ex. pede ao Sr. Senador Franco de Sá para apre- sentar um projedo, prohibindo as fabricas, que votará por elle. Não creio que seja sincero, pois que nessa hypo- these encarregaria disso o senhor seu filho na Câmara dos Deputados. E se é sincero, e, por amor paternal, evita de en- volver seu filho em questão tão incandescente, elles, os falsificadores, que lhe agradeçam a maneira por que desempenha o solemne compromisso de defender a indus- tria nacional, em nome dos sagrados interesses do Estado. (*) Quanto a nós, aqui ficamos, por hoje, embalados por um sonho dourado: Examinar essa escripturação, que tantos segredos deve guardar em seu seio ainda não violado. [Paiz de 26 de Agosto do corrente.) (*) Yeja o artigo do Governo no Diário Official á pag. 17.) — 334 — O C0NTRACT0 A Sua Magestade o Imperador XXV Senhor ! — Vossa Magestade conserva na pasta do Império o Sr. Barão de Mamoré, apezar de eu ter in- dicado a Vossa Magestade onde se achavam documentos que provam que o Sr. de Mamoré é incompatível, como Ministro, com o Sr. Gary emprezario, e com o Sr. Dr. Leitão da Cunha advogado da Empreza. Está Vossa Magestade no seu direito, se bem que pareça que para exercel-o está abusand» da paciência deste pobre povo, que sente corroerem-lhe os intestinos e perturbar o exercido de suas funcções cerebraes, os vinhos envenenados que o Sr. Barão de Mamoré e a sua Ins- pectoria têm derramado na circulação do organismo da população. Vossa Magestade vai enfrentar amanhã, no despacho imperial, com o Sr. Barão de Mamoré, a quem vai es- tender a mão a apertar. Eu terei junto de Vossa Magestade quem me informe se vossa augusta mão treme nesse momento, e, mais ainda, se não tem a expressão singular do desgosto a expansão physionomica de Vossa Magestade, ao fazer esse supremo esforço de vossa individualidade quasi aniquilada pelo mandatário da escravidão. E assim julgo, porque não posso comprehender pa- ctuando com o Sr. Mamoré nessa obra do envenenamento de um povo, quem, como Vossa Magestade, conviveu na intimidade dos sábios que, na capital do mundo—Paris, ainda ha pouco apostropharam os falsificadores na Aca- demia de Medicina. Muita gente, Senhor, tem visitado o cartório da la- bellião Cantanheda, mas não me consta que entre os visitantes fosse visto emissário algum de Vossa Magestade Teria o Sr. de Mamoré informado Vossa Magestade? E' possível. E é a essa informação, que por certo não foi ve- -335- ridica, que eu quero oppôr hoje o conteúdo das certidões que requeri e obtive. Na pag. 142 do livro as de registros Vossa Ma- gestade encontrará, segundo a certidão que tenho em meu poder, e que não farei duvida em confiar a Vossa Magestade—o registro de um documento de sociedade entre o Conselheiro Joaquim Pedro de Faria e Aleixo Gary apre- sentado ao tabellião em 3 de Outubro de 1878. (*) « Essa sociedade foi organisada para a exploração em commum da empreza de limpeza e irrigação desta cidade. » Sobrevieram divergências, Senhor, em vista das quaes resolveram dissolver a sociedade; para isso, porém, mo- veu-se um processo, e nesse processo, que ainda não está findo, o Dr. José Maria Leitão da Cunha é advogado da Em- preza, por procuração passada pelo Sr. Aleixo Gary que lá está nos autos no Supremo Tribunal de Justiça. Nomearam um tribunal arbitrai para decidir da pen- denga, e esse tribunal foi constituído pelos Srs. desem- bargador Ambrozio Leitão da Cunha e Dr. Antônio Fer- reira Vianna. O Dr. José Maria Leitão da Cunha ainda continuou advogado da Empreza. No laudo, que os árbitros, assignaram, lê-se o seguinte trecho, para o qual chamo a attenção de Vossa Magestade : « Considerando que foi dispensada a exhibição dos livros da sociedade para que os árbitros julguem o quo et rono pelas informações dos sócios, etc. » O que elles decidiram, e em que pé está o processo, isso pouco importa a Vossa Magestade, e o publico já sabe tudo. Mas esse treeho, para o qual ousei chamar a attenção de Vossa Magestade, desperta sérias reflexões e envolve quem o lê em duvidas atrozes. I*) As certidões estão publicadas no fim deste livro no Cap. Docu- mentos. — 336 — Por que dispensaram a exhibição dos livros da so- ciedade ? O que haveria nesses livros que não pudesse ser lido ? Haveria inconveniente cm ser o segredo confiado ao Exm. Sr. Dr. Ferreira Vianna, um dos árbitros, pois que entre os Srs. Mamoré e Gary não ha segredos? Ninguém o sabe, ou antes pouca gente o sabe, e Vossa Magestade faria bem em perguntar ao Sr. de Mamoré e pedir-lhe mesmo que explicasse isso, de fôrma a destruir completamente a suspeita de que entre o Sr. Barão de Mamoré e o Commendador Aleixo Gary ha um contrado igual ou melhor do que o do Conselheiro Faria. Não é possível, Senhor, que essa suspeita seja uma realidade ! Mas, Vossa Magestade se lembra, e os annaes do parlamento ahi estão para o altestar, que o Sr. Desem- bargador Leitão da Cunha muito concorreu na tribuna do Senado para que o serviço de irrigação passasse a ser feito pelo Corpo de Bombeiros, alliviando assim a empreza, sem alliviar os cofres do Estado, porquanto o corpo de bombeiros não faz o serviço de graça, e a pres- tação mensal do Sr. Gary não foi diminuída, ao que me consle. Vossa Magestade ha de se lembrar de que em uma occasião que foi visitar a Empreza Gary lá encontrou o Sr. Ambrosio Leitão da Cunha, que esteve mostrando os instrumentos da varredura e fazendo-lhes a apologia ao Presidente do Conselho de então, que julgo ter sido o Sr. Conselheiro Martinho Campos. Vossa Magestade sabe, porque é de agora, que a Empreza Gary é escandalosamente protegida pelo Sr. Ministro do Império, Tudo isso combinado com o" segredo em que se en- volveu a escripturação da empreza em um processo, dando-se a singularidade do Sr. Desembargador ser ar- bitro que concorda com o segredo, seu filho advogado que arranja as cousas de modo que elle não se di- vulgue, não prova, Senhor, a existência do contrado, mas justifica a suspeita do publico, que, sendo juiz de -337 - fado e não de direito, nem sempre é muito exigente no exame de documentos. Senhor ! eu já vi até alguém, tão seduzido pela suspeita, que ousou affirmar: ha contrado sim, ha até mais de uma cópia. Ao que eu retorqui : — Vio? O meu interlocutor cahio em si e exclamou : — Não vi, mas não pôde deixar de haver. Ao que eu respondi: ■— Não é possível, seria de mais! Mas, Vossa Magestade, diante da gravidade do facto, só pode continuar a tolerar junto a si no conselho de ministros o Sr. Mamoré, depois que esse senhor provar á evidencia que o segredo da escripturação, nem quaes- quer outras relações, o incompatibilisam para o cargo, para o que basta que o Sr. Commendador confie os livros a Vossa Magestade. [Paiz de 28 de Agosto do corrente). O CÓDIGO PENAL FRANCEZ APPLICADO AOS VINHOS ARTIFICIAES XXVI Para que essa droga, que aqui se fabrica sob a denominação de vinho, não devesse ser con-i lerada—fal- sificação—necessário seria que se a chrismasse com qual- quer outra denominação, que lhe especificasse claromenle a espécie, por exemplo—Bebida alcoólica, feita com as- sucar podre fermentado, cachaça, matérias corantes e outras drogas chimicas, da fabrica dos Srs. Fulano ou Shrano. Mas toda a gente sabe, e, não seria difficil demons- trar, que os Srs. fabricantes vendem isso por vinho, e não é para outra cousa que fabricam essa droga. São pois falsificadores e estão sujeitos em França ás penas do artigo 423 do Código Penal: « Prisão por três mezes a um anno, multa que não será de mais de 1/4 das restituições e indemnisação, nem - 338- menos de 50 francos. Os objedos do delido ou seu valor serão confiscados, etc. « O tribunal poderá ordenar que se affixe a sentença nos lugares que designar, e sua inserção integral ou por exlrado nas folhas que designar, tudo á cusla do condemnado. » Em França, pois, esses senhores estariam ou já teriam estado na cadeia, ao menos por três mezes. Isto é para o caso da falsificação em si, que o có- digo considera « fraude, roubo. » (Theoria do código penal por Ad. Chauveau eF. Helie, io.a edição belga annotada, 1862, tomo II, pag. 38.) Mas esses senhores não se limitam á simples falsi- ficação, isto é, vender por vinho cousa que não é vinho. Elles vão adiante: empregam substancias tóxicas. Quando não bastasse, para o demonstrar, o relatório dos peritos, que não pôde ser suspeito, ao menos a um desses senhores, os Srs. Fritz Mack & C., onde, apezar do cuidado com que se o procurou encobrir, o veneno appareceu ; Quando não bastasse o exame feito no laboratório de hygiene nos productos do Sr. Teixeira Cardoso; Quando não bastasse a tinta que o Sr. Ernesto de Oliveira mandou ingenuamente examinar pelo mesmo la- boratório ; Quando não bastasse a matéria corante de anilina, matéria venenosa, que os Srs. Frilz, Mack & C., im- portaram com a declaração do que era para tingir vi- nhos ; Ahi estão as apprehensões feitas pela Junta demit- tida. Para esse caso em França o Código considera o delicio como « attentado conlra a vida das pessoas.» « Seus autores são, diz Chauveau, [obra e pagina citada), os vendedores de bebidas falsificadas por misturas nocivas á saúde; envenenadores públicos que, por meio de oxidos metálicos, procuram dar o sabor do vinho a liquidos já coloridos com matérias estranhas, e vendem a RETALHO O VENENO E A MORTE. » -339- São punidos com as penas do art. 318 do Código. Esses envenenadores públicos ha muito que infestam o território francez, e Paris foi por elles tão perseguido que, desde 1813, está em vigor a seguinte lei: Art. 11 do decreto de 15 de Dezembro de 1813 : « E' prohibido a Iodas as pessoas, que fazem em Paris o commercio dos vinhos, fabricar, alterar ou fal- sificar ou misturar vinhos, e isso, sob as penas dos arts. 318, 475 e 476 do Código Penal. » ( Obra e pagina ci- tada .) Em França, pois, os clientes do Sr. Ministro do im- pério são réos de policia, e S. Ex. connivente no crime, pelo que a opinião publica já o condemnou. No Brazil o Sr. Ministro do Imporio, vendo a in- dustria nacional através de seu temperamento e da lente que lhe forneceu a fraude, erigio a falsificação em in- dustria e creou o celebre art. 83 do seu regulamento, que é uma vergonha nacional. Não lhe serve de desculpa o facto de exigir o rotulo de vinho artificial: 1.°, porque todo o vinho pode ser considerado artificial, pois que a natureza só fornece a matéria prima—o bago de uva, a arte se encarrega do resto ; 2.° porque está na consciência de todos, e na do próprio Sr. Barão de Mamoré, que não ha meio de fazer eíTediva essa disposição. Elles hão de illudir no rotulo, a despeito de tudo, e empregar substancias tóxicas. Para resguardar a saúde é preciso que o parlamento brazileiro siga o exemplo da legislação do mundo inteiro^ da qual dei o exemplo da França, por hoje, punindo severamente os falsificadores e envenenadores, protegidos escandalosamente pela Inspectoria de Hygiene, e muito principalmente pelo Sr. Barão de Mamoré, que parece não ter aceitado a pasta para outra cousa. [Paiz de 30 de Agosto do corrente.). - 340 - OS VINHOS FALSIFICADOS E 0 SR. COELHO DE ALMEIDA XXVII O Sr. Ministro da Fazenda assim se exprimio na Câmara dos Srs. Deputados : « As bebidas alcoólicas não podiam deixar de ser taxadas. Não era possível que, pagando impostos os vinhos naturaes, ficassem livres os artificiaes, embora de producção indígena. « O Sr. Cândido de Oliveira— Esta deve ser abolida é a minha opinião. « O Sr. F. Belisario ( ministro da fazenda)— O estado a que chegou esta questão, as accusações feitas contra a falsificação das bebidas alcoólicas, não podiam permittir que o Governo ao menos, deixasse de estabe- lecer um imposto sobre esta industria. O imposto não abrangerá somente o que se chama — vinhos falsificados — deve abranger todas as bebidas alcoólicas, bem en- tendido, na proporção devida, desde o minimo naquillo que é ulil, até o' máximo para o que apenas visa a simulação do vinho natural.» Desse trecho se infere que o Governo julga-se obrigado, pelo estado a que chegou a questão dos vinhos artificiaes a taxal-os. Vê-se ainda que o Sr. Ministro da Fazenda foi mais franco do que o seu collega do Império, chamando fal- sificados a esses vinhos, pois outra accepção não pode ter a seguinte phrase : « o imposto não abrangerá so- mente o que se chama — vinhos falsificados—» a menos que não haja na tarifa da alfândega uma tabeliã espe- cial para esse novo gênero — o vinho falsificado. O Sr. Ministro da Fazenda inspirou-se sem duvida no trecho seguinte do relatório do Sr. Saraiva : « Accresce que iríamos animar a industria de vi- nhos artificiaes, cognacs e licores, com que se tem invadido o mercado da Corte e das províncias, com -341 - manifesto damno para a saúde publica. » (Relatório do Sr. Saraiva, de 1885, pag. 16.) O Sr. Saraiva propunha 100 rs. por litro, de im- posto a esses vinhos falsificados aqui; o Sr. Belisario propõe 50 rs. e ambos estão de accôrdo que elles são prejudiciaes á saúde publica. O Sr. Saraiva disse-o francamente; o Sr. Belisario deu a entender que o eram, O Sr. Coelho de Almeida, mais vulgarmente conhe- cido por Thomaz Coelho, revelando illustração insufi- ciente para o cargo que desempenha, vota contra o imposto, justificando o seu voto do modo por que se segue: « O imposto de 50 rs. por litro de bebidas al- coólicas fabricadas no paiz, gravará enormeniente a la- voura do assucar, que fornece a matéria prima para esses productos da industria nacional. Depois do parecer da Inspectoria Geral Hygiene, anima-se o orador a impugnar, com mais vigor este imposto, porque desap- pareceram os fundamentos que serviam de base á sua indicação, pois que a commissão o encontrou na ba- gagem' do 6 de Junho. Em nenhum paiz do mundo é prohibida a industria dos vinhos artificiaes, e é real- mente admirável que se pretenda no nosso opprimir essa industria para proteger a estrangeira, quando é geralmente reconhecido que nove décimos dos vinhos estrangeiros que importamos são artificiaes. Refere-se o orador á representação que apresentou a esta câmara, em uma das sessões' da legislatura finda, assignada por commerciantes desta corte, consignatarios dos productos da lavoura do assucar, e faz sobre ella muitas consi- derações, tendentes a provar a injustiça e gravame do imposto que combate. » Como se vê, o Sr. Deputado nunca compulsou um código de paiz algum, nunca folheou sequer de leve nenhum tratado de amologia ? para poder affirmar que « em nenhum paiz do mundo é prohibida a industria dos vinhos artificiaes. » - 342 - O Sr. Deputado concluio isso do facto, aliás ver- dadeiro de importarmos grande quantidade de vinhos ' artificiaes sem se lembrar; 1.°, que elles entram na Al- fândega como vinho de uva ; 2.°, que se isso acontece é porque o Sr. Barão de Mamoré escancarou as portas daquella repartição a essa torpe fraude, para melhor advogar os interesses dos falsificadores d'aqui. Seria para desejar que o Sr. Deputado, antes de enxertar nos Annaes de nosso parlamento heresias desse jaez, que dão triste idéia do nosso adiantamento intel- ledual, folheasse alguns livros e meditasse sobre o que lesse. Admittindo que a industria assucareira de seu districto morresse com o fechamento das fabricas, o que o Sr. Deputado não é capaz de provar, julgo que o seu districto repelirá a triste gloria de á maneira dos parasitas, viver á custa da morte do resto do Brazil. Se o Sr. Deputado quer favorecer as fabricas, prin- cipie por demonstrar que os vinhos artificiaes são inno- centes, e o acompanharemos nessa demonstrarão, com tanto mais liberdade quanto não somos militar e não receiamos censuras em ordens do dia nem prisões. Para terminar o incidente, a que o Sr. Deputado nos arrastou, tomando-nos um tempo que é precioso, diremos que se o parlamento fosse uma philarmonica, o Sr. Thomaz Coelho tinha emittido uma nota falsa, por des- toar da harmonia que a esse respeito reina em todo o mundo scientifico, e de que a Academia de Medicina francoza está dando mais um exemplo actualmente. Nesta questão de vinhos artificiaes somos intran- sigentes e da opinião do distindo deputado por Minas o Sr. Cândido de Oliveira : — Esta industria deve ser abolida. ■{Paiz de 31 de Agosto do corrente). - 343 - o certificado de girard XXVIII Ao passo que o Ministro do Império, o Sr. Barão de Mamoré, producto genuíno do periodo de dissolução social que atravessamos, e a Inspectoria Geral de Hygiene protegem escandalosamente os falsificadores de substancias alimentícias, a Academia de Medicina de Paris, em uma discussão luminosa que em Julho passado ali teve lugar em relação á alcoolisação dos vinhos, está dizendo bem alto, e o Imperador já deve ter ouvido, que a imperial Academia de Medicina teve razão quando condemnou os vinhos falsificados, que a Junta de Hygiene, presidida pelo Dr. Freire, teve razão quando os perseguio, e que temos razão hoje em atacal-os nos seus últimos reductos. Ultimamente os falsificadores têm reproduzido uma argumentação de que muito se serviram, baseada em uma analyse, attribuida a Fresenius, analyse que já mo- tivou uma apreciação séria pela imprensa em artigos assignados por Macrolah, e contra os quaes se antepoz um illustrado professor da Escola Polytechnica, o Sr. Dr. Firmo Martins, em defesa, disse S. S. do grande mestre atacado por Macrolah. E agora apresentam um certificado altribuido a Girard sobre uma determinada amostra (que se não diz do que é) e que a Girard foi apresentada por correspondentes dos falsificadores, e no certificado, que dizem firmado por Girard, se diz que a amostra é passable. Os falsificadores esqueceram-se, porém, de vários requesitos indispensáveis para dar valor a esses docu- mentos, pois, admittido que a analyse citada seja de Fresenius, e admittido que ella justifique a innocuidade dos seus vinhos, era ainda preciso provar que o vinho enviado a Fresenius foi realmente retirado do mesmo com que elles envenenam a nossa população. A ingenuidade dos Srs. falsificadores não ha de ir a ponto de supporem que se seja obrigado a crer na lealdade dessa remessa, quando todo mundo sabe que essa - 344 - qualidade não pode ser inherente a quem vive do em- buste, vendendo por vinho o que não é vinho e rotulando fraudulentamente todos os seus productos, como está offi- cialmenle demonstrado. (*) Quanto ao certificado de Girard, além de demonstrar a identidade dos productos, é ainda preciso dizer de que é essa amostra, pois do modo por que Girard passou o certificado podia ter examinado até manteiga. E ainda isso não basta; seria também preciso publicar a analyse com todos os seus dizeres, pois Girard não certificava sem ter analysado, e sendo a analyse a peça a mais im- portante, o correspondente não devia se ter esquecido de a remetter. E', portanto, de suppor que os Srs. falsificadores a tenham ; publiquem-na, e com isso prestarão um serviço ao Sr. Barão de Mamoré, que já deve sentir carestia de provas da innocuidade das drogas dos seus clientes. Não haverá nessa publicação os mesmos inconveni- entes que proviriam da exhibição da escripturação, de cujo exame começamos a perder a esperança. [Paiz de 4 de Setembro do corrente.) A VOSERIA NOS INTERLINHADOS XXIX Quem se der ao trabalho de examinar a secção dos A pedidos do Jornal do Commercio de hoje comprehen- derá que está perturbada a paz nos campos da indus- tria nacional. A presença de uma bomba de dynamile prestes a arrebentar não produziria tão grande confusão nos campos da industria, como a que produzio o imposto do Sr. Conselheiro Belisario de 50 réis por cada litro de droga venenosa. (*) Esperamos informações minuciosas sobre o certificado de Girard e nessa occasião analysal-o-hemos. - 345 - De vários ponlos parte uma gritaria enorme ; nin- guém se entende. Só ha uma cousa de positivo —o imposto não convém. Aqui, um grupo se enthusiasma ante a altitude enérgica e patriótica da deputação mineira impugnando o imposto do sal, ameaça a deputação fluminense com a exclusão da chapa senatorial, e pergunta desesperada aos deputados nortistas, que não acudiram ao porta-voz do Sr. Thomaz Coelho, chamando a reunir em ordem de batalha contra o imposto : Que fizestes dos nossos productos? Que mal vos fez o nosso trabalho ? A industria nacional é um crime? Estamos imaginando a resposta dos Srs. Deputados. Os vossos productos, deixamol-os socegados entregues ás mãos da justiça publica; o vosso trabalho, emquanto se limitar a produzir drogas com que envenenais um povo, depois de corridos de vossas pátrias, só importa ás autoridades criminaes, e para essa industria de que nos fallais é que se crearam as cadeias e os presídios. AUi, um grupo mais pacato, formado por um phi- losopho campista que, ruminando a sua desgraça, cerrado de loucos, cardíacos, dyspepticos e agonisantes, alguns dos quaes vão ficando mortos, vai monologando : « Eu prefiro o israelita Scchilock, enthesourando escudos para melhor fazer a guerra, do que Cleopatra bebendo pérolas.» « Os pobres morrem de fome, quando os ricos di- minuem suas despezas» como se os vinhos artificiaes envenenados se fabricassem para os ricos. « Não ha extravagância que não tenha passado pela cabeça de philosopho» esquecendo-se de accrescentar: como não ha crime que não tenha passado pela cabeça dos industriosos de bebidas envenenadas. Além, um outro, ainda embriagado pelo ouro dos envenenadores, depois de proferir uma heresia scientifica tal como só um Mamoré poderia imaginar, atira-se contra o Sr. Cesario Alvim de punhos arregaçados e vomitando injurias com ar chocarreiro. -346 - Mais adiante, um outro grupo ensina aos poderes constituídos que de nada serve tributal-os ; é peferivel supprimil-os porque elles sabem o meio de illudir o tri- buto, mudando para as fazendas os laboratórios de in- toxicação. De um outro ponto surge uma algazarra enorme em manifestação ao Sr. Dr. Ferreira Vianna. E elles vêm gritando:—« O vinho de uva só o bebem os que têm libras esterlinas; os inglezes o bebem mais pelo pensamento que pela bocca, pois fazem parte da sociedade de tempe- rança» ; o nosso homem também faz parte dessa sociedade e é por isso que ha muito não bebe senão água. E para que de toda essa algazarra pudesse sahir alguma cousa útil, de um outro ponto nos ensinam que o próprio lavrador, que colhe a uva para fermentar-lhe o sueco, já aprendeu a augmentar o producto addicionando fraudulentamente álcool ao mosto. Será uma calumnia ou um aviso? Em qualquer das duas hypotheses nada ha mais cheio de ensinamento para o legislador e hygienista do que a secção de -1 pedidos de hoje. Que nessa leitura se inspire o parlamento e com- prehenda que os industriosos clamam contra imposto por- que, se o Governo conseguir fazel-o cobrar, mata-os, pois obriga-os a augmentar o preço da mercadoria, o que fornece ao producto legitimo margem para a luta, e colloca-os sob a vigilância das autoridades fiscaes, que não hão de ser cegas para não assistir á manipulação das drogas venenosas. Mas, a verdadeira medida contra os falsificadores não é o imposto, que por imcobravel não os matará e collocal-os-ha mais á sombra da lei do que já o fez o Regulamento Mamoré, mas a prohibição da industria fraudulenta, o que abrirá para os recalcitrantes as portas da cadeia, unico lugar á cuja sombra se podem hones- tamente acolher. [Paiz de 6 de Setembro do corrente.) -347 - AS ORELHAS DE MI D AS XXX No Jornal do Commercio de hoje vi um discurso do Sr. Barão de Mamoré, pronunciado a 24 do mez passado, e, como brazileiro amante de minha pátria, li, corrido de vergonha, o seguinte trecho: « Senhores, na questão dos vinhos arlificiaes sou hospede não tenho opinião alguma formada, não tenho lido obras a respeito de semelhanle assumpto, como o honrado Senador diz ter lido, porque tenho mais em que me occupar, e, por tanto, devia me louvar no parecer das autoridades competentes. A Inspectoria de Hygiene já se tem pronunciado por mais de uma vez a este respeito, inclusive em um artigo que ultima- mente publicou o illustre Sr. Barão de Ibituruna em resposta ao honrado Senador, mostrando que nãohavia inconveniente algum para a saúde publica com o uso de vinhos artificiaes.» Ao bico de minha penna acudiram, ao ler esse trecho, umas phrases violentas, quando eu comecei a ouvir ao longe o hymno da independência tocado a sur- dina, o que me fez lembrar que estamos em véspera do dia 7 de Setembro, em que o officialismo se ex- pande em estudado gáudio por tão fausto acontecimento. Comprehendi que o Sr. Mamoré ia ler estas linhas quando estivesse reunindo toda a sua seriedade para ageitar-se na sua dupla farda, e amoldando o craneo para receber a coroa de Barão com que se deve apre- sentar na corte, e que não era, portanto, próprio in- commodal o em momento tão solemne. Nos importará, portanto, pouco por hoje que o Sr. Mamoré leia ou não leia assumptos de salubridade publica, de que fez sua Delenda Carthago, e por causa dos quaes subio ao poder. Não indagaremos em que mais se deve occupar - 348 - um Ministro do que em assumptos de sua administra- ção. Nem mesmo procurarmos averiguar se o que tira o tempo ao Ministro de ler a questão dos vinhos ar- tificiaes é a questão do lixo. Mas, como afinal é preciso dizer alguma cousa, eu vou narrar um conto mythologico, que não tem relação alguma com o assumpto: Houve um rei chamado Midas, que reinou na parte da Phrigia, por onde o rio Padolo espraiava as suas águas. Resolveu Midas fazer um pedido a Baccho e se didgio aos Estados deste; Baccho recebeu-o e prometteu conceder-lhe quanto elle lhe pedisse. Midas pedio poder para transformar em ouro tudo aquillo em que tocasse; este desejo foi satisfeito. Mas Midas comprehendeu lugo a sua imprudência, pois a própria comida se transformava em ouro debaixo dos seus dedos. O deus, para livral-o desse funesto dom, fel-o ba- nhar no Padolo, que desde então carreia ouro em suas águas. Midas não ficou curado de sua imprudência, pois convidado por Apollo, o deus das bellas-arles e da poesia, a sesolver uma pendência entre esse deus e Marsyas, Midas resolveu a favor de Marsyas, o que lhe valeu um par de orelhas de asno com que Apollo ornou-lhe a fronte. Pode o Sr. Mamoré confessar-se hospede em todos os outros ramos de serviço administrativo porque os bons tempos mythologicos lá se foram, e hoje nin- guém se lembrará de inventar uma apologia para S. Ex., nem mesmo se servir do que já ha feito, porque o Sr. Lafayelte, que de vez em quando o fazia, não está na terra. Demais, Apollo está captivo; hoje é dia de festa, e, escapada a primeira occasião, depois não faz effeito. (Paiz de 7 de Setembro do corrente.) — 349 — O AMOR FILIAL XXXI Um estadista, que, cansado de vagar á mercê de incompetência provada, foi ao palácio imperial pedir hos- pedagem na pasta do Império, tem um filho que é de- putado provincial. Esse deputado é o Sr. Dr. Ambrosio Leitão da Cunha formado em medicina e depulado por causa do seu ap- pellido. O Sr. Barão de Mamoré foi accusado na Assembléa Provincial pelo Dr. Oliveira Pinto, que lá se foi tornar écho do grupo de despeitados de que o Sr. Ibituruna já fallou, grupo de despeitados que pertenceu áquella Junta de Hygiene, que constantemente estava dando exu- berantes provas de incúria e deleixo e tinha um procedi- mento desrespeitoso para com seu superior hierarchico, o Sr. Desembargador Ambrosio, de quem o Sr. Dr. Leitão é inferior genealogico. Essa Junta tinha por presidente o Dr. Domingos Freire. Tenho em mãos o discurso do Dr. Ambrosio, acervo de incongruências e de proposições ocas, desacompanhadas de provas. Eu quizera tomar em consideração esse documento mas, o Sr. Dr. Leitão, comprehendendo que não era acreditado pela inverosimilhança do que dizia em defesa do senhor, seu pai, exclamou : « Eu chamo a attenção da Assembléa para o que vou affirmar : nem o Sr. Barão de Mamoré, nem parente algum pvoximo de S. Ex. tem relações direclas ou indirectas, nem conhece um só dos industriaes que fabricam vinho artificial na Corte; e quem se exprime desta maneira, como o hu- milde orador que se dirige á Assembléa, não tem receio de ser contestado e tem o direito de ser acreditado. (Muitos apoiados.) » - 350 - Eu não sou deputado, mas digo também — apoiado. O Sr. Dr. Leitão tem razão; o meio de provar a não existência de relações entre os falsificadores e o Sr. Mamoré ou o Sr. Dr. José Maria não é o exame dos livros desses falsificadores. Para essa demonstração basta que um filho do Sr. Mamoré e irmão do Sr, Dr. José Maria levante-se e diga: O papai e o Jucá não tem nada com isso, quem fôr capaz que conteste; eu tenho o direito de ser acredi- tado, porque sou de casa e sei o que se passa por lá. E haverá alguém, que, diante de um filho defen- dendo seu pai, e portanto desempenhando o mais sagrado dos deveres, tenha a coragem de gritar: contesto eu. Era preciso haver nessa Assembléa alguém que não tenha ou não tivesse tido um pai, de quem recebesse desvelos em criança, para commetter tal irreverência. Eu também não contesto ; não isso, que não affirmei e sim fiz ver que era preciso provar que essas relações não existiam para destruir boatos compromettedores, mas não contesto cousa alguma do que S. Ex. disser em de- fesa de seu pai, e, se tivesse assento ao lado de S. Ex. na Assembléa faria mais: Começaria assim a minha interpellação ao Sr. Barão de Mamoré: « Peco ao nobre deputado, (dirigindo-me ao Sr. Dr. Ambrosio) que se retire do recinto para deixar-me inteira liberdade nas accusações que vou formular contra o senhor seu pai, o Ministro do Império. « Espero que o nobre deputado corresponderá ao meu convite, retirando-se, para evitar que ambos fiquemos em posição difficil.» Como não sou deputado apenas posso tomar a liber- dade de dizer ao Sr. Dr. Ambrosio: Espero que merecerá de algum dos seus collegas da maioria o serviço da defesa do senhor seu pai, para não me collocar na difficil posição de ouvir do nobre depu- tado certas allusões á Junta de que fiz parte, allusões - 351 - que traduzem factos que não são verdadeiros, e algumas até impolidas, sem ter inteira liberdade de contradiclal-as, como merecem, pelo respeito que a mim, filho que ainda venero a memória de meu pai, merece a posição do nobre deputado quando defende o Sr. Ministro do Império. [Paiz do dia 10 de Setembro do corrente.) O DEPUTADO SOARES E O IMPOSTO DE 50 REIS XXXII O Sr. Soares votou contra o imposto sobre bebidas alcoólicas, « porque, tendo o paiz subvencionado estradas de ferro e engenhos com a intenção de alargar a industria saccharina, e sendo os primeiros freguezes dos engenhos centraes os fabricantes, já se vê que o imposto vai atacar de frente a producção nacional e a industria. » Nessa razão, adduzida por S. Ex. da tribuna par- lamentar, ha um erro grave, que não era de esperar partir do Sr. Soares. E esse erro é suppor que o imposto lançado sobre os fabricantes ataca de frente a industria e a producção nacional. O Sr. Soares está enganado quando suppõe que dessa freguezia immoral depende a sorle da producção saccharina, quando ella só serve para desmoralisar essa producção, fazendo com que parle delia seja empregada no fabrico* de vinhos falsificados, que são prejudiciaes á saúde publica. O preço do assucar não é dado pelos falsificadores e sim pelo mercado do inundo, de onde os falsificadores são expellidos. Se o Sr. Soares quer, de facto, proteger a pro- ducção saccharina, ahi está o caminho traçado pelas as- sociações Commercial, Beneficente Agrícola e Auxiliadora da Agricultura, de Pernambuco, que reunidas, represen- tadas por suas direcionas, dirigiram ao Presidente do Conselho, aos Presidentes do Senado e da Câmara e aos — 352 — Senadores e Deputados pernambucanos, a 10 do corrente, um telegramma, no qual, baseando-se sobre o preço Ínfimo (75 rs. o kilo) que obtém hoje o assucar sobre os mercados, preço que não pôde subir, em vista da grande abundância de assucar de beterraba nas praças da Europa, pedem a convocação de um congresso de agricultores e commer- ciantes, e solicitam do parlamanto a suspensão dos im- postos de exportação e a reducção das tarifas das estradas de ferro, como únicas medidas capazes de evitar a ruina total da agricultura. Veja S. Ex. o Sr. deputado Soares:—ao passo que a fabricação dos vinhos falsificados progride em larga escala aqui, em S. Paulo em Pindamonhangaba e em Campos, as corporações citadas, cuja competência se não pôde negar, annunciam-nos a ruina tolal da agricultura, se não forem adoptadas as medidas que reclamam, ne- nhuma das quaes é a criminosa protecção á fraude pe- dida pelo Sr. Soares. Encaminhar o assucar para os mercados do inundo e não para os laboratórios de intoxicação dos falsificadores, eis o caminho. Isso quanto ao problema financeiro, onde é aliás estranhavel o desacerto do Sr. Soares, tanto mais quanto, protegendo a fraude, em nada auxilia a producção saccha- rina e matta a naseente e auspiciosa vinicultura de sua província, Minas Geraes, que já produz bom vinho. Mas ha uma outra face do problema que deve attrahír a altenção do Sr. Soares, e devia ter pesado no animo de S. Ex. antes de ter dado o seu voto, não faltando na fraude — ó a saúde publica. A Junta de Hygiene, presidida pelo Dr. Domingos Freire, declarou que os vinhos artificiaes, mesmo não contendo substancias tóxicas, são prejudiciaes á saúde publica. Depois de larga discussão sobre vários quesitos em relação aos vinhos artificiaes, a Imperial Academia de Medicina respondeu pela affirmativa ao seguinte que- sito : « Em face da legislação financeira e sanitária do paiz, poder-se-ha condemnar em absuluto, e desde já -353 - o commercio de vinhos artificiaes, que não contiverem substancias nocivas á saúde publica ? » A Academia julgou pois prejudiciaes á saúde pu- blica os vinhos artificiaes. Dirá o Sr. Soares que á Academia está em oppo- sição a actual Inspectoria de Hygiene, que protege os falsificadores; mas eu direi a S. Ex. que o voto da inspectoria é virtualmente nullo, porque a maioria da Inspectoria, os Srs. Ibituruna, Souza Lima e Góes, faz parte justamente da minoria que foi vencida na Academia por occasião da votação do quesito supra a 19 de Janeiro do corrente. Reflicta bem o Sr. Soares sobre o que ahi fica e seja franco em declarar da tribuna do parlamento se, mesmo sendo prejudiciaes á saúde publica, o Sr. Soares continua a prolegel-os, não fallando na morte da vini- cultura. Se o Sr. Soares entende que não, é porque os julga innocenles, e é seu dever provar essa innocencia contra a opinião da Junta demittida, da Academia de Medicina, que ainda não foi demittida e de todo o mundo scientifico, inaccessivel ás demissões provocadas por quem quer que seja, muito menos pelos falsificadores. Não se infira que sou pelo imposto; não soa por elle, porque sou pela prohibição, e não quero que haja falsificadores que paguem, nem falsificações passíveis de imposto. Eu quero a suppressão desses especuladores que, para a nossa vinicultura, são peiores do que o phylo- xera. A therapeutica agrícola não encontrou ainda veneno para matar o phyloxera, que o parlamento se convença de que a cadeia, se não mata, diminue os estragos cau- sados por esse novo phyloxera — o falcificador de vinhos. 23 - 354 - A VISITA DO IMPERADOR AO LARORATORIO DE IIVUIENK XXXIII Dizem os jornacs que Sua Magestade o Imperador "visitou o laborolorio de hygiene, e que o Sr. Dr. Borges da Costa exhibio em sua augusta presença as reacções de vários venenos em vinhos, que lá estão ás ordens da Inspectoria de Hygiene; dizem mais que o Sr. Dr. Pi- mentel mostrou a Sua Magestade a matéria verde com que os falsificadores coloram os licores, mas não consta que o mesmo senhor tivesse accrescentado que essa matéria colore o Chartreuse dos Srs. Fritz, Mack & C, nem que Sua Magestade o tivesse perguntado, de certo porque o sabe. O que significa essa visita do Chefe do Estado ao laboratório de hygiene, onde nada ha de novo? Em outras circumstancias nada significaria, mas agora prova que Sua Magestade ahi foi por causa das analyses, quiz talvez ver o corpo de delido do crime planejado pelo Sr. Mamoré, e executado pela .Inspectoria de Hy- giene. De facto Sua Magestade já tinha ouvido do Inspector de Hygiene que havia cervejas envenenadas pelo chumbo, e foi saber no laboratório que ha vinhos envenenados pelo ácido salicylico, por caramelo corado com anilina e por cobre, o que a noticia deixou de mencionar, já tendo sabido pela analyse que o Chartreuse dos Srs. Fritz, Mack &.C., é colorido com a celebre substancia verde, que os mesmos senhores confessaram ser venenosa, o que os peritos confirmaram. O que porém Sua Magestade talvez ainda não saiba é que os vinhos dessas fabricas continuam a ser ven- didos, bem como o licor colorido com a matéria verde. Outra cousa que lambem talvez Sua Magestade ainda não saiba, e me apresso em dizer, é que o Sr. Barão de Mamoré ainda é Ministro do Império. Que o seja! O Imperador praticou uma leviandade ou foi buscar uma prova, visitando o laboratório? -355 - Dil-o-ha o seu procedimento futuro. Emquanto esperamos é bom lembrar que a capital do mundo—Paris—já se preocupa com a falsificação dos vinhos entre nós, como se vê do seguinte trecho dá Chro- nica Franco-Brazileira de 15 de Agosto do corrente anno, que se publica em Paris, referindo-se á falsificação em geral e á dos vinhos artificiaes em particular: * « Une sorte de ligue semble vouloir se former á Rio de Janeiro à ce sujet. Le Diário do Brazil, le Jornal do Commercio—celui ei est le journal grave, prudent, indépendant et sage par excellence—le Paiz, Ia Gazeta da Tarde, Ia Gazeta de Noticias, Ia Vanguarda, ['Evo- lução ont fulmine tour á tour contre ces intolérables abus, demandant l'intervention énergique des pouvoirs publies. II n'y a pas longtemps que 1'illustre dodeur Domingos Freire, president du conseil supérieur d'hygiene, s'est attiré Tanimadversion du gouvernement, parce qu'il avait énergiquement condamné les produits falsifiés ainsi mis dans Ia circulation eo trompant Ia bonne foi des acheteurs. » [Paiz de 19 de Setembro do corrente.) ©Q(gt!HIMT@ CERTIDÃO DA ILLEGALIDADE DO FABRICO POR FALTA DE LI- CENÇA, DA NÃO ESPECIFICAÇÃO DA NATUREZA DO VINHO, DA AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES PRESTADAS PELA INSPEC- TORIA Á CÂMARA MUNICIPAL, ETC. Requeri á Câmara Municipal que me mandasse passar por certidão o seguinte: 1.°—Se as fabricas dos Srs. Manoel Teixeira Car- doso, Benjamin Carmo Braga & C, Braga Irmãos &C, Tavares, Sinde & C, Schumann & C, Ernesto de Oli- veira & C, Faria & Ramos, estabelecidos á rua de S. José n. 113; Fritz Mack & C. estabelecidos á rua do Passeio n. 15 ; José Caffarena á C. estabelecidos á tra- vessa de S. Francisco n. 14; Santos, Guedes & C, esta- belecidos á rua da Conceição n. 24; Machado, Irmão & C., estabelecidos á rua de Uruguayana n. 31; Pe- reira & Silva, estabelecidos á rua Theophilo Ottoni n. 168 A, sendo estes ulümos senhores estabelecidos com fabrica de cerveja e os outros com fabrica de distillação licores, vinagres, obtiveram da íllma. Câmara Municipal licença para fabricar vinhos, pagando a respectiva licença de Abril de 1885 a Abril de 1686, com audiência da Junta de Hygiene. 2.°—Se as seis primeiras firmas sociaes, que ob- tiveram licença para fabricar vinhos, de 1886 a 1887, especificaram a qualidade e natureza do vinho que pre- tendem fabricar, ou se nos officios com que a Inspectoria tem informado favoravelmente esses requerimentos ha a es- pecificação alludida. -358 - 3.°—Se os seis requerimentos alludidos no quesito anterior estão devidamente acompanhados de cópia dos pareceres da Inspectoria Geral de Hygiene. 4.°—A data em que Braga, Irmãos & C. reque- reram licença para fabricar vinhos, a data em que o re- querimento foi mandado á Inspectoria Geral de Hygiene para informar e o theor do despacho da mesma Inspectoria Geral de Hygiene. A Câmara Municipal certificou do modo por que se vai ler : « Certifico que dos commerciantes apontados pelo supplicante no 1.° quesito deste requerimento, pagaram o respectivo imposto municipal com audiência da Junta de Hygiene : Braga, Irmãos & C, para fabrica de distillação á rua de S. Pedro ns. 83 e 85, em 5 de Abril de 1886; Benjamin do Carmo Braga & C, para fabrica de de vinhos e licores, á rua do Livramento ns. c24 e 26 em 3o de Abril do corrente anno, e Tavares, Sinde & C, para fabrica de vinhos e vinagres á rua do Areai n. ti, em 22 de Março do corrente anno; que Schumann & C, com fabrica de vinhos á rua da Saúde n. 156 e fabrica de vinagre á mesma rua n. 164, Ernesto Gomes de Oli- veira & C-, com, fabrica de vinhos á rua do Senador Bernardo de Vasconcellos n. 146 De Manoel Teixeira Cardoso, com fabrica de vinhos á Praia Formosa n. 167 pagaram os respectivos impostos depois de Abril do cor- rente ; quanto aos demais, também apontados no 1.° quesito, não consta pagamento de imposto. Quanto ao 2.° quesito não. Quanto ao 3.° quesito, só consta nesta repartição o parecer da Inspectoria Geral de Hygiene, que acompanha o requerimento de Tavares, Sinde & C. Quanto ao 4.° quesito, finalmente, que o requerimento de Braga, Irmãos & C. tem a data de Ti de Janeiro de 1886, foi re- mettido a 29 do mesmo mez, sendo o theor do officio da Inspectoria Geral de Hygiene o que segue:—Braga Irmãos & C. já satisfizeram as determinações do art. 83 do Begulamento annexo ao Decreto n. 9.554 de 3 de Fe- -359- vereiro do corrente anno ; pôde pois a íllma. Câmara con- ceder-lhes a licença que solicitam. » Estava datado de 27 de Julho e assignado pelo Sr. Miguel A. J. Rangel de Vasconcellos. CERTIDÃO DE UMA LICENÇA PARA FABRICA DE VINHOS FALSIFICADOS ARRANJADA EM 3 DIAS A íllma. Câmara Municipal, certificou o seguinte : Certifico, de conformidade com o que me foi apon- tado neste requerimento, quanto ao 1.° quesito : a data do requerimento de Ernesto de Oliveira & C é de 27 de Abril do corrente anno e nesse requerimento, assim como no officio da Junla de Hygiene, que existe nesta repartição, não se especifica a natureza dos vinhos; quanto ao 2.° quesito: a data do officio da Junta de Hygiene é de 30 de Abril do corrente anno ; quanto ao 3.° quesito finalmente, não consta nesta repartição, no periodo apontado pelo supplicante pagamento de licença por parle de Ernesto de Oliveira & C. para fabrica de yinhos. O referido é verdade, e para constar mandei extrahir a presente certidão que assigno no dia e mez abaixo de- pi O r*n í| AC Estava datado de 15 de Julho de 1886.—Miguel À. J. Rangel de Vasconcellos. CERTIDÃO DO PARECER DO DR. PIRES DE ALMEIDA SOBRE A FABRICA DE VINHOS FALSIFICADOS DE TAVARES & SINDE Á RUA DO AREAL Certifico que nesta repartição consta dos papeis de receita archivados o requerimento a que se refere o supplicante com o parecer do theor seguinte: - 3«0 - A fabrica a que se refere o ©flieio junto, acha-se em boas condições hygienicas; porquanto sobre ser rela' tivamente espaçosa regularmente arejada e clara, tem as suas machinas isoladas, bem collocadas, sem tocar as paredes do prédio. Não sendo um estabelecimento modelo acha-se todavia perfeitamente nas condições de continuar a func- cionar. Inspectoria Geral de Saúde, 24 de Fevereiro de 1886.—Dr. Pires de Almeida. O referido é verdade etc. Está datado de 15 de Julho de Í886.— Miguel A. J. Rangel de Vasconcellos. CERTIDÃO DA ANALYSE FEITA A REQUISIÇÃO DA COMMISSÃO VACINICO-SANITARIA DE S. CHRISTOVÃO SOBRE OS PRO- DUCTOS DA FABRICA DE MANOEL TEIXEIRA CARDOSO : Resultado da analyse a que se procedeu nas amostras de vinhos branco e tinto, vinagres branco e tinto, artifi- ciaes, de M. T. Cardoso, da Praia Formosa n. 167, a requisição do Dr. Presidente da Commissão Vacinico-Sani- taria de S. Christovão. Vinho branco E' um liquido de côr fulva, de gosto doce e açidulo com cheiro de aguardente. Contem por 1000 : Densidade de 25.°..................... 0,986 Álcool °/o em vol...................... 21^4 Extrado no vácuo..................... 6-liOOO gr. Idem a 100.°........................' 39^800 Substancias saccharinas redudoras......... 29,000 Cremor de tartaro...................... 0351 Tanino.............................[\ 0J00 Çln.zas................................ 0,980 Acidez total (expressa em ac. sulphurico)... 1,400 -361 - Em 6 das 7 garrafas de vinho branco, que foram enviadas, a analyse demonstrou a presença de ácido salicylico, que reconhecemos do modo seguinte: A 20 centímetros cúbicos de vinho ajuntamos algu- mas gottas de ácido chlorhydrico e agitamos; depois de termos addicionado um pouco de ether agitamos nova- mente sem emnlsionar o liquido, dicantámos a camada etherea, que foi lavada com água dislillada e evaporada ; o resíduo dissolvido em pequena quantidade d'agua, posto em contado com uma solução diluida de chlorureto ferrico produzio uma riquíssima coloração violete. Os processos chimicos, postos em pratica no labora- tório, não revelaram metaes tóxicos. Só em uma garrafa de vinho branco não existe ácido salicylico, differindo este vinho do primeiro, como se verifica pelas seguintes dosagens: Densidade de 25.°...................... 0,992 Álcool em vol......................... 20,8 Extracto no vácuo..................... 58,000 gr. Idem de 100.°......................... 51,800 Substancias saccharinas reductoras......... 30,400 Cinzas................................ 1,140 Acidez total (expressa em ácido sulphurico). 2,600 Vinagre branco Liquido quasi incolôr de cheiro acetico forte, sabor ácido, não acre, marcando nove no acetimetro de Reveil contem por 1000: Densidade de 25.°..................... 1,008 Extracto a 100.°....................... 9,800 gr. Cinzas................................. 0,200 A analyse não revelou metaes tóxicos nem ácidos mineraes. Vinho tinto Liquido de côr vermelho-vinosa límpido, de gosto ado- cicado e cheiro de aguardente. Contem por 1000: Densidade de 25.°..................... 0,990 Álcool 7« em v°l...................... 18,2 Extracto no vácuo...................... 42,000 gr. Idem a 1000.°......................... 34,000 Substancias saccharinas reductoras........ 21,600 Cremor de tartaro..................... 1,216 Taninos e matérias corantes.............. 0,700 Cinzas.,.............................. 1,580 Acidez total (expressa em ácido sulphurico). 2,600 Coloração : A analyse demonstrou neste vinho a exis- tência de uma matéria corante violete, derivada da anilina que verificamos do seguinte modo: 1.° O ensaio sobre o giz albuminado deu lugar no fim de 24 horas a uma mancha de um circulo leve- mente violaceo. 2.p—Saturamos 250 centímetros cúbicos de vinho por um leve excesso de água de baryta, ajunlamos 30 centímetros cúbicos de álcool amylico puro e agitamos, pelo repouzo o álcool—amylico reunio-se na parte su- perior tinto de violete-avermelhado ; evaporado rapida- mente em presença de seda e lã brancas previamente la- vadas com água distillada fervendo, tingiram-se essas substancias de violete-roseo. A seda e a lã assim ob- tidas, depois de lavadas e seccas, descoraram pela acção da ammonia diluida.—Tratadas por algumas gottas de ácido chlorhydrico concentrado adquirem uma côr amarella-par- dacenla, a addicão d'agua restitui-lhes a primitiva côr violete-avermelhada. 3.°—A 50 centímetros cúbicos de vinho ajuntou-se 10 centímetros cúbicos de sub-acetato de chumbo liquido de 1,320 de densidade; aqueceu-se sem attingir a ebul- lição, filtrou-se e ao liquido depois de frio, ajuntaram-se - 363 - 10 gottas de ácido acetico e 10 centímetros cúbicos de álcool amylico, agitando-se vivamente; pelo repouzo o álcool amylico reunio-se na parte superior com uma côr violete. Tratado por ammonia diluida a volumes iguaes, o álcool amylico descorou-se ficando também incoiôr a ca- mada aquosa ammoniacal. Com o fim de verificarmos a presença de arsênico neste liquido, evaporamos a banho-maria 400 cent-cubi- cos (não podendo dispor de maior quantidade) e o resí- duo foi destruído pelo processo de Gautier: o liquido oblido não manifestou esse metalloide no apparelho de Marsh. ' Vinagre tinto Liquido de côr vermelho-vinoza, de cheiro acelico forte, sabor ácido, não acre, marcando 9 no acetimetro de Reveil. Contem por 1.000: Densidade a 26.°5...................... 1,008 Extracto a 100.°....................... 10.000 gr. Cinzas................................ 0,200 Coloração: Sobre o giz albuminado produza) no fim de 24 horas uma mancha rosea. Os meios de investigação empregados na analyse do vinho nos permittiram ainda fixar sobre a seda e a lã uma matéria corante violete, fornecendo as mesmas reac- ções acima descriptas. Não procuramos arsênico neste liquido por dispor- mos de quantidade insufficiente. Do exposto resulta que uma das amostras do deno- minado vinho branco contem ácido salicylico, que no de- nominado vinho tinto e no vinagre tinto existe uma ma- téria corante violete, derivada da anilina e que o uso desses liquidos è prejudicial á saúde, Quanto ao vinagre branco é um producto de qua- lidade inferior aos vinagres de vinho. — 364 — Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 1885. Dr. José Borges Ribeiro da Gosta, Inspector do Laboratório da Fa- culdade de Medicina. Certifico mais que das actas das sessões desta Ins- pectoria nada consta relativamente ao requerido por cer- tidão, por ler sido despachado como expediente ordinário e que os productos dessa fabrica e de outras, com as respectivas formulas, foram enviados ao Laboratório de Hygiene para as competentes analyses. Inspectoria Geral de Hygiene, 5 de Agosto de 1886. — Dr. Pedro Affonso de Carvalho. CERTIDÃO DO PARECER DA INSPECTORIA QUE SERVIO DE BASE Á LICENÇA QUE FOI DADA Á FABRICA DE VINHOS FALSI- FICADOS E ENVENENADOS DE MANOEL TEIXEIRA CARDOSO, Á PRAIA FORMOSA N. 167. Parecer dos delegados da Inspectoria Geral de Hygiene Illm. e Exm. Sr. — Informando sobre o pedido de licença feito á Câmara Municipal por Manoel Teixeira Cardoso, para coulinuar com a fabrica de vinho artifi- cial e vinagre de sua propriedade á Praia Formosa n. 167, cumpre declarar que tendo examinado achamol-a em boas condições hygienicas e com os apparelhos necessários para a fabricação em que trabalha ha 12 annos. As formulas empregadas, bem como as amostras dos productos, vão juntas a esta informação, devendo declarar- mos que o vinho é nella vendido como artificial e só em barris ou pipas, não fazendo negocio a varejo. Estando ella em boas condições e verificado que o vinho artificial não contem substancia nociva, entende- mos que se pôde conceder a licença.— Deus guarde a V. Ex.—Corte, em 24 de Setembro de 1886.—Illm. e Exm. Sr. Barão de Ibituruna, os delegados.—Dr. Manoel V. Paranhos Pederneiras. —Dr. Celso dos Reis. -365- CERTIDÃO DO CONTEÚDO DA FOLHA 143 DO LIVRO DE REGISTROS N. 118 DO CARTÓRIO DO TABELLIÃO CANTANHEDA JÚNIOR. Antônio Joaquim de Cantanheda Júnior, Official da Imperial Ordem da Rosa, Serventuário vitalício do quarto officio de Tabellião publico de notas, nesta Corte e ci- dade do Rio de Janeiro, por Mercê de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro Segundo, a quem Deus Guarde. Certifico que revendo o livro n. 118 de Registro deste meu Cartório, nelle á folhas 143 verso se acha o que ora me ó pedido por certidão e cujo theor é o seguinte: Registro de um abaixo assignado firmado por Aleixo Gary e o Conselheiro Joaquim Pereira de Faria, que me foi apresentado hoje, 3 de Outubro de 1878. Tendo nós abaixo assignados resolvido dissolver amigavelmente o accôrdo que fizemos em Junho de 1876 para em commum explorarmos a empreza da limpeza e irrigação desta cidade, que fez o objedo do contrado formado em Outubro do mesmo anno entre o Governo Imperial e o primeiro dos abaixo assignados ; e achando-nos hoje em divergência sobre algumas das condições daquella dissolução resolvemos submeller ao arbitramento dos Exms. Srs. Desembargador Ambrozio Leitão da Cunha e Dr. Antônio Fereira Vianna os termos em que, á vista dos dados e informações que lhes ministramos, deverá ser definitivamente dissolvido aquelle accôrdo: de modo a continuar o primeiro dos abaixo assignados a explo- rar por si só ou de parceria com outros a empreza alludida, desligando-se delia inteiramente o segundo. As- sim obrigamo-nos a sujeitarmo-nos ao que os ditos Srs. resolverem sobre os pontos em duvida, sem que possa- mos interpor de sua decisão recurso de espécie alguma. E para firmeza mandamos lavrar o presente compromisso que vai por nós ambos assignado. Rio de Janeiro, 27 de Setembro de 1878.— Aleixo Gary.— Joaquim Pereira de Faria. - 366 - Estava collada e devidamente inutilisada uma estam- pilha de 200 rs. Eu Luiz Alves Suzano, Escrevente juramentado, a registrei. E eu, Antônio Joaquim de Cantanheda Júnior, Tabellião, que subscrevo e assigno. Era este o contendo do presente ragistro, aqui transcripto, ao qual me reporto, de cujo theor bem e fielmente fiz extrahir a presente certidão, que conferi, e, por achal-a em tudo conforme, subscrevo e assigno, nesta Corte e cidade do Rio de Janeiro, aos 27 de Agosto de 1876. Eu, Antônio Joaquim de Cantanheda Júnior, Tabellião, que subscrevo e assigno.— Antônio Joaquim rle Cantanheda Júnior. CERTIDÃO DO CONTEÚDO DA FOLHA 142 DO LIVRO DE REGISTROS N. 118 DO CARTÓRIO DO TABELLIÃO CANTANHEDA JÚNIOR. Antônio Joaquim de Cantanheda Júnior, official da Imperial Ordem da Rosa, Serventuário vitalício do quarto officio de Tabellião publico de notas nesta Corte e ci- dade do Rio de Janeiro, por Mercê de Sua Magestade o Imperador, o Senhor Dom Pedro Segundo a quem Deus Guarde. Certifico que revendo o livro de registros deste meu Cartório, sob o numero 118, n'elle, á folhas 142, se acha o que hora me é pedido por certidão, e cujo theor é o seguinte: Registro de um documento de sociedade entre o Conselheiro Joaquim Pereira de Faria e Aleixo Gary, que me foi apresentado, hoje 3 de Outubro de 1878. Vistos e examinados as exposições e memoriaes apre- sentados pelo Coilselheiro Joaquim Pereira de Faria e Aleixo Gary e constituindo o Juizo arbitrai decisivo pejo compromisso de 21 de Setembro do corrente anno. '■> -367- Considerando : 1.° Que entre o Conselheiro Joaquim Pereira de Faria e Aleixo Gary, ambos residentes nesta cidade, se formou a sociedade em conta de participação em commum da empreza de limpeza e irrigação desta Cidade, iniciada em le de Junho de 1876 e contractada com o Governo Imperial em Outubro do mesmo anno; Considerando: 2.° Que o dito contrado fora promo- vido e alcançado com auxilio do Conselheiro Faria, sem ônus ou sacrifício pecuniário de qualquer espécie para com terceiros ; Considerando: 3.° Nas condições do contrado de 10 de Outubro de 1876, e posteriores dependências a que está subordinada a sua continuação; Considernndo : 4.° Que os sócios estão de accôrdo em dissolver a dita sociedade, ficando com todo o adivo e passivo o sócio Gary, e relirando-se o sócio Conse- lheiro Faria sem mais obrigação, responsabilidade nem direitos, salvos os declarados n'essa decisão, restando ao Juizo arbitrai somente regular a liquidação e emtermos amigáveis; Considerando : 5.° Que foi dispensada a exhibição dos livros da sociedade para que os árbitros julguem o quo et bono pelas informações dos sócios e com força de transacção entre os respectivos interesses; Considerando: 6." Que de facto a sociedade ficou dissolvida em 30 de Agosto do corrente anno ; Considerando: 7.° Nas reclamações de uma e outra parte, seus serviços para o estabelecimento da empreza, continuação delia e recursos de que pôde dispor o sócio que fica. Os árbitros de commum accôrdo decidem decisiva- mente : 1.° Fica dissolvida a sociedade em conta de parti- cipação entre o Conselheiro Joaquim Pereira de Faria e Aleixo Gary para exploração da empreza de limpeza e irri- gação da cidade do Rio de Janeiro a de 31 de Agosto do corrente anno; -368- 2.° O sócio Gary recebe o activo e toma a seu cargo pagar o passivo social tal como fôr, sem direito de re- clamação, qualquer que seja a razão ou pretexto em que a fundamente; 3.° Aleixo Gary pagará ao Conselheiro Joaquim Pe- reira de Faria a quantia de dezesete contos cento e oitenta e um mil oitocentos e noventa e dous réis, importância do saldo de contas de supprimentos com que concorreu para auxilio da empreza. Este pagamento fica dividido em duas partes iguaes, uma vencivel em 15 de Outubro corrente, e outra em 15 de Novembro próximo futuro, representados em duas letras de igual valor, acceitas por Aleixo Gary, vencendo pela mora o juro de 10 7» ao anno. 4.° Além do pagamento da decisão supra, fica Aleixo Gary obrigado a pagar ao Conselheiro Joaquim Pereira de Faria a quantia de seis contos de réis vencivel em 31 de Março do anno próximo futuro de 1879, correspon- dente á parte de lucros da sociedade até 31 de Agosto próximo passado e representado também por uma letra do acceite de Aleixo Gary vencendo pela mora o juro de 10 7» ao anno. 5.° Caso venha a ser approvado pelo Poder Legislativo o contrado de 10 de Outubro de 1876, fica Aleixo Gary obrigado a pagar ao Conselheiro Joaquim Pereira de Faria quinhentos mil réis em cada mez durante todo o tempo de duração do contrado como compensação dos serviços prestados pelo dito conselheiro Faria para'obtenção do con- trado e durante a empreza até 31 de Agosto próximo passado. As subvenções do Thesouro Nacional, a que então tiver direito Aleixo Gary, garantem o pagamento dessas presta- ções ao Conselheiro Faria; 6.° Caso não seja o contrado approvado pelo Poder Legislativo e se effedue a indemnisação estipulada no contrado de 10 de Outubro de 1876 cabe ao Conselhero Faria a metade da dita indemnisação na razão do tempo decorrido de i.° de Junho de 1K76 até 31 de Agosto próximo passado. -369 - Rio de Janeiro 2 de Outubro de 1878.—Desem- bargador, Ambrosio Leitão da Cunha.— Dr. Antônio Fer- reira Vianna. Estavam colladas e devidamente inutilisadas quatro estampilhas de 200 rs. Eu, Luiz Alves Suzano, escrevente juramentado, a registrei. E eu, Antônio Joaquim de Cantanheda Júnior Tabellião, que subscrevo e assigno.— Antônio Joaquim de Cantanheda Júnior. E nada mais se continha no presente registro, aqui bem e fielmente transcripto por certidão e ao mesmo registro me reporto: este conferi, subscrevo e assigno. Rio de Janeiro, 27 de Agosto de 1886.— Eu, An- tônio Joaquim de Cantanheda Júnior, Tabellião, subscrevo e assigno. 24 M@Tâ Pagina 20 : O Aviso do Ministro da Fazenda ao Inspector da Al- fândega é datado de 4 de Novembro de 1885. O officio, em que o Inspector da Alfândega representou contra a Junta de Hygiene, é datado de 28 de Outubro de 1885. O Aviso do Ministro da Fazenda ao do Impedo, que publicamos na pag. 20, é de 2 de Novembro de 1885. Está tudo publicado no Diário Official de 5 de No- vembro de 1885. O Aviso do Ministro do Impedo ao da Fazenda, ap- provando a prohibição de analyses nos vinhos importados, é de 7 de Novembro de 1885, e está publicado no Diário Official de 9 do mesmo mez. O Regulamento Sanitário de 3 de Fevereiro de 1886 reguladsa o assumpto no art. 26, XII á pag. 13 Pagina 125: Essa questão de Rigaud e Dusart, a que d Sr. Dr. Sousa Lima se refere no começo de seu primeiro discurso foi bem' elucidada pela imprensa. ; i Fieou demonstrado nessa occasião que o-acto da Junta de Hygiene foi correcto. ,<;:;;, Não licenciou medicamentos falsificados] -> — Licenciou medicamentos legítimos que a" Jun:tá' anterior tinha condemnado Gomo falsificados, jlor ter analysado amostras, adrede falsificadas, para comprómétter o credfto -372- da casa de Rigaud e Dusart em proveito de uma outra firma social que tem o mesmo gênero de negocio. Isso ficou perfeitamente liquidado, graças á inque- brantavel energia do saudoso mestre, o Conselheiro Pertence, que se encarregou dessa prova, e a deu cabal. Não só por essa razão, como porque, quando fosse a censura procedente, um abuso não justifica outro, não levantámos a questão em lugar opportuno, nem o fazemos aqui. Pagina 185 : No terceiro e ultimo periodo da 1.' nota a referencia é feita aos vinhos artificiaes. Pagina 190 : O distincto chimico a que nos referimos é o Sr. Dr. A. Berthaud, que se acha entre nós. Pagina 192 : Se faz no 1.° periodo referencia á legislação estrangeira ; nossa legislação não faz diíferença entre os falsificadores de substancias alimentícias e os homens de bem ; ao con- trario, reconhece como licita a industria de falsificar no artigo 83 do Regulamento de 3 de Fevereiro de 1886, e dá-lhe até privilegio no unico paragrapho desse artigo. No Brazil é um titulo de benemerencia a falsificação, e sel-o-ha emquanto o Sr. Barão de Mamoré fôr Ministro Os papeis aqui estão pois trocados, tanto que Domingos Freire foi chamado aos tribunaes por affirmar que fabri- cantes de vinhos falsificados são falsificadores. (Pagina 189). O Parlamento approvou o imposto de 50 rs. por litro de bebidas alcoólicas que as fabricas produzissem. Veremos se o imposto será cobrado com regularidade, para o que será preciso em cada fabrica um empregado fiscal, pago pelo fabricante. -373- A questão dos vinhos foi muito discutida no Senado, na Câmara dos Srs. Deputados e na Assembléa Provincial. Em todas essas trez casas do Parlamento grande numero de representantes da Nação mostraram-se contrários á fal- sificação dos vinhos, sendo pois de esperar que uma lei prohibitiva venha em breve pôr termo a esse abuso, revogando assim o escandaloso artigo 83 do Regulamento Sanitário de 3 de Fevereiro. De entre os membros do Parlamento, que se manifes- taram contrários á falsificação, notam-se os Srs. Sena- dores : Conselheiros Franco de Sá, Meira de Vasconcellos, Silveira Martins, José Bonifácio, Cândido de Oliveira e outros. Na Assembléa Provincial o Sr. Dr. Oliveira Pinto censurou energicamente o Ministro pela protecção aos fal- sificadores. Esperamos que na próxima sessão o assumpto seja mais demoradamente estudado, como o reclama a sua im- portância, sob o ponto de vista da Hygiene, das finanças e da moralidade administrativa. Na Imperial Academia de Medicina votaram á favor dos vinhos falsificados os Srs. Drs. Barão de Ibituruna, Souza Lima, Araújo Góes, Castro, Costa Ferraz, Anjo Coutinho, Piragibe, Conselheiro Caminhoá e Pharmaceu- tico Cezar Diogo. Por não terem comparecido á sessão, mandaram á mesa declaração de voto favorável aos vinhos falsificados os Srs. Drs. Brum, Utinguassú e Eduardo de Menezes. Que a historia não lhes esqueça os nomes, para que se lhes faça a justiça que merecem os que advogam a falsificação em nome da Sciencia, como se fosse possível á Sciencia subscrever-lhes o errado juizo. >**:< > moim PAGS. Dedicatória.......-............................... m Prefacio........................................... v A JUNTA CENTRAL DE HYGIENE PUBLICA.............. XV Carta do dr. freire............................... xvn Carta do dr. joão paulo......................... xxni Carta do dr. sarmento............................ xxv Carta do dr. cincinato lopes.....................xxvn Agradecimento á imprensa........................ xxix PRIMEIRA PARTE A Junta de Hygiene presidida pelo Dr. Domingos Freire. CAPITULO I O AVISO CENSURA Artigo do Paiz que motivou a carta.............. 1 Artigo de fundo no qual vem publicada a carta. 2 A carta ao Paiz................................. 4 O aviso censura.................................... 6 O officio em resposta.............................. 7 CAPITULO II ABERTURA DAS PORTAS DA ALFÂNDEGA Á FRAUDE Considerações geraes sobre a falsificação.......... 11 Artigo 83 do Regulamento Sanitário de 3 de Fe- vereiro de 1886................................ 13 Artigo do Governo no Diário Official de 5 de No- vembro de 1885 procurando justificar-se........ 17 II PAGS.- Contestação........................................ 19 0 Aviso do Ministro da Fazenda prohibindo a ana- lyse dos vinhos importados.................... 20 CAPITULO III EXAME DA OPINIÃO DO GOVERNO Artigos da Gazeta da Tarde....................... 22 CAPITULO IV A ALCHYMIA INDUSTRIAL Serie de artigos de Quintino Bocayuva............ 29 CAPITULO V A JUNTA DE HYGIENE NA IMPRENSA Considerações geraes, justificando esse acto....... 47 Serie de artigos do Dr. Freire..................... 50 Artigo do Dr. Campos da Paz..................... 76 CAPITULO VI ALCOOLISMO Serie de artigos de Quintino Bocayuva.....'....... 79 CAPITULO VII AS ANALYSES DOS VINHOS DOS FALSIFICADORES Considerações geraes................................ 103 Analyse do vinho branco apprehendido na Bahia.. 104 Idem do vinho tinto........:...................... 105 Reflexões sobre essas analyses...................... 106 Annuncio dos Srs. Fritz, Mack & C, no Almanak . 108 Reflexões sobre esse annuncio..................... 109 Apreciação das analyses por Macrolah............. 110 Analyse attribuida a Fresenius................... 114 III PAGS. Noticia da discussão entre o Dr. Firmo Martins e Macrolah....................................... 116 CAPITULO VIII A QUESTÃO DOS VINHOS NA ACADEMIA DE MEDICINA Resumo do discurso do Dr. Araújo Góes apresentando á Academia quesitos sobre a questão dos vinhos. 121 Resumo do primeiro discurso do Dr. Souza Lima, intercalado de reflexões e notas............... 125 Resumo do segundo discurso do Dr. Souza Lima.. 131 Noticia do discurso do Conselheiro Carlos Frederico. 133 Opinião do Dr. Eduardo de Menezes.............. 133 Resumo do discurso do Dr. Affonso Pinheiro....... 133 Noticia do discurso do Dr. Soeiro Guarany........ 135 Votação dos quesitos do Dr. Góes.................. 135 Apartes do Sr. Barão de Ibituruna ao discurso do Sr. Conselheiro Carlos Frederico............... 136 Votação dos additivos do Conselheiro Carlos Fre- derico.......................................... 138 Reflexões sobre o resultado da votação............ 139 CAPITULO IX A VISITA ÁS FABRICAS E O ADVOGADO DA MORTE Considerações geraes............................... 143 Synopse Commercial do Paiz de 8 de Janeiro de 1886. 145 Fabrica de Fritz Mack & C....................... 149 Auto de apprehensão............................... 150 Auto de deposito.....................r............ 152 Artigo 78 do Regulamento Sanitário de 19 de Ja- neiro de 1882.................................. 153 Officio ao Governo pedindo o fechamento da fabrica. 155 Resposta do Governo e intimação á Junta para sus- pender a ordem de fechamento da fabrica de águas mineraes................................ 156 IV PAGS. Resposta da Junta, pedindo o artigo de Lei....... 157 Uma noticia da Gazeta da Tarde sob a epigraphe— venenos........................................ 159 Fabrica de Ernesto de Oliveira & C.............. 161 Auto de apprehensão.............................. 162 Intimação para o fechamento da fabrica de águas mineraes....................................... 163 Analyse de tinta importada de Hamburgo para co- lorir vinho..................................... 166 Intimação da Junta................................ 167 Modo por que foi recebida a intimação............ 168 Agradecimento do Sr, Ernesto de Oliveira & C, ao Ministro do Império............................ 169 Fabrica de Manoel Teixeira Cardoso á Praia For- mosa n. 167................................... 171 Fabrica de Pereira & Silva........................ 173 Remoção para o Deposito Publico de productos en- venenados ...................................... 173 Censura do Ministro do Império á Junta......... 173 Resposta da Junta................. t............... 174 § 1.° do Titulo 2.8 do Código de Posturas......... 174 Fabrica de Tavares & Sinde...................... 176 As outras fabricas................................. 176 Lista das fabricas.................................. 176 Artigo da Gazeta da Tarde de 22 de Janeiro de 1886, sob a rubrica—o advogado da morte.......... 178 Semana política da Gazeta da Tarde de 23 de Janeiro de 1886........................................ 181 CAPITULO X DEMISSÃO DA JUNTA DE HYGIENE Officio ao Promotor publico........................ 188 O Dr. Freire provocado pelos falsificadores......... 189 Protesto dos falsificadores.......................... 191 Questão de Gabinete............................... 193 V PAGS. Um povo morto, artigo da Gazeta da Tarde........ 193 O Boletim d'0 Paiz............................... 196 Artigo de fundo d'0 Paiz......................... 197 A Gazeta de Noticias........................ 199 O Apóstolo.................................. 200 A imprensa das províncias......................... 200 SEGUNDA PARTE A Junta de Hygiene presidida pelo Sr. Barão de Ibituruna. (Actualmente. Inspectoria Geral