> ,roí^U , (#j / FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO V v-èt* m : THBSE DO il. (Müatm $tu ^-eí^TT^^SíK^^^^^T^^-^ =ü^\-i t ■?* r\ ,iõ. ^ 886 <^^y /J DISSERTAÇÃO Primeira cadeira de clinica medica PONTO 8." Das condições pathopnicãs das paralysias p ntoerii urda da pMisica pulmonar il5U jeis Três sobre eada uma das cadeiras da Eaculdade TIME APRESENTADA Á Ei MWWlW Em 31 de Agosto de 1886 E DEFENDIDA El IDE JANEIRO DE 1887 POR Natural da província do Maranhão, Doutor em medicina pela mesma faculdade. RIO DE JANEIRO TYPOGRAPH1A, LITHOfiRAPHIA E ENCADERNAÇÃO A VAPOR LAEMMERT & C. ?1 RUA DOS INVÁLIDOS TI 1886 01192013 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO director. — Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia VICE-IMRECTOR. — CONSELHEIRO Dr. ALBINO RODRIGUES DE ALVARENGA SECRETARIO. — DF. CARLOS FERREIRA DE SOUZA FERNANDES LENTES CATHEDRATICOS Os Illms. Srs. Das: João Martins Teixeira........* • Physica medica. . Auguslo Ferreira dos Santos.......Chimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro.........Botânica medica e zoologia. José Pereira Guimarães........Anatomia descriptiva. Conselheiro Barão de Maceió.......Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire (Examin.).....Chimica orgânica e biológica. João Baptista Kossuth Vinelli......Physiologia theorica e experimental. João José da Silva......... . Palhologia geral. Cypriano de Souza Freitas.......Anatomia e physiologia pathologicas. João Damasceno Peçanha da Silva.....Palhologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco .... Palhologia cirúrgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga . . Matéria medica e therap,especialmente braz.» Luiz da Cunha Feijó Jumor.......übsietricia. Cláudio Velho da Moita Mais......Anatomia topographica, medicina operatoria experimental, apparelhos e peq. cirurgia Nuno Ferreira de Andrade.......Hygiene e historia da medicina. José Maria Teixeira.........Pharmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima......Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem (Pres.) . )„,. .__,. . .j,,!!-- ,.„ •___„ . .i^»íj» m r„.i« SClinica medica de adultos. Uomingos de Almeida Al. Losla.....) Conselheiro Vicenle Cândido Figueira de Saboia. j n,. . . _ • . ,j„i,„. ■ - j /-, . ■ ■ r. < B >Clinica cirúrgica de adultos. João da Costa Lima e Castro.......( " Hylario Soares de Gouvêa.......Clinica ophtalmologica. Erico Marinho da Gana Coejho......Clinica obstetrica e gynecologica. Cândido Barata Ribeiro (Ex3min.).....Clinica medica e cirúrgica de crianças. João Pizarro Gabizo(Examin.)......Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticaS. João Carlos Teixeira Brandão (Examin.) . . . Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO DE ADJUNTOS Os Illms. Srs. Drs.: Antônio Caetano de Almeida.......Anatomia topographica, medicina operatoria experimental, apparelhos e peq. cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro.....Anatomia descriptiva. José Benicio de Abreu........Matéria medica e therap. especialmente braz.' ADJUNTOS Os Illms. Srs. Drs. ...............Chimica medica e mineralogica. ...............Physica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça......Botânica medica e zoológica. ...... . ,........Histologia theorica e pratica. Arlhur Fernandes Campos da Paz.....Chimica orgânica e biológica. João Paulo de Carvalho........Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes......Anatomia e physiologia pathologicas. ...............Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladislau de Souza Lopes.....Medicina legal e toxicologia. ...............Hygiene e historia da medicina. Francisco de Castro..........\ Eduardo Auguslo de Menezes......I r,,- . ,. , , .. Bernardo Alves Pereira........[ Clinica medica de adultos. Carlos Rodrigi es de Vasccncellos.....1 Ernesto de Freitas Crissiuma......] Francisco de Paula Valladares ...... f „,.. . . . . • . Pedro Seienano de Magalhães......í Clinica cirúrgica de adultos. Domingos de Góes e Vasconcellos ....,] Pedro Paulo de Carvalho........Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza....., Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Costa Chaves Faria.......Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticaS Joaquim Xavier Pereira da Cunha.....Clinica ophtalmologica. ...............Clinica psychiatrica. Más d flrakk PAGINA9 LINHAS ERROS EMENDAS 8, 25, nos oceupão; etc. nos occupito, etc. 17, 23, esquerda, direita. 17, ultima, direito, esquerdo. 19, 7, a esta observação, etc. á esta outra observação, etc, 19, 11, lobulo, lobo. 27, 4, substancia, etc. substancia branca, etc. 44, Proposição II, odium albicans, oidium albicans. 50, » I, pai-asytaria, parasitaria. Aphori smo II, Naturam corporis, Natura corpori". — Outros pequenos erro?, augmento, troca de lettras, etc, que nâo alterào o sentido, são facilmente c< rregiveis. Os factos mórbidos de que nos occupamos neste trabalho, forão por muito tempo considerados dependentes e se explicarão admittindo somente a influencia dyscrasica e hypoglobulica do sangue ; assim como a repercussão sympathica para o systema nervoso das lesões que a diathese tuberculosa produzia sobre os outros órgãos da economia- Por muito tempo falou-se e foi muito levada em linha de conta a existência de uma hydrocephalia mais ou menos intensa e extensa productora desses accidentes. Parte dahi a propensão á localísação e o reconhecimento para os centros nervosos de uma lesão que fosse causa desses phenomenos. Mais tarde, em 1763, depois de observações isoladas de Duvercy (1701) de André de Saint Clair (1732) e de Paisley (1733), Sauvages, o primeiro entre todos que ligou á natureza da diathese a meningite observada na tuberculose, descreve esta affecção como uma fôrma de eclampsia (eclampsia ab hydrocephalo). Não foi senão um século depois desta descripção que Demangeot de Confevron (1826), conti. nuando os estudos iniciados por Guersant, seu mestre, reconheceu a natureza tuberculosa das granulações observadas nas meningeas cerebraes. Ainda por muito tempo, porém, a maior parte dos accidentes sobre- vindos no fim da phtisica pulmonar, forão por autores de nota ligados 1 1886—P — 2 — á inflammação ultima dessas membranas e descriptas como variedades da mesma affecção. Andral, orientando-se em uma via nova, apresenta em sua « Cli- nica medica» as primeiras observações sobre as complicações cerebraes da phtisica pulmonar, fora mesmo da meningite observada na mesma moléstia. Elle cita vários casos de accidentes paralyticos revestindo a fôrma hemiplegica e vindo complicar a marcha da phtisica. Em muitos delles é digna de nota a invasão brusca que os approxima muito da hemorrhagia cerebral.Em outros, no entanto, a presença de vômitos e de delirio revela claramente a sua comparticipação meningeana. Em seu estudo feito em geral sobre as affecções tuberculosas do cérebro e suas miningeas nas crianças, Becquerel (1840) descreve cuidadosamente as lesões da substancia cerebral; demora-se sobre o amollecimento e a hemorrhagia do cérebro; porém as noções a respeito dos symptomas que se referem á essas lesões são ainda incom- pletas. Nos Archivos de Medicina de 1846, vem a observação, publicada por Valleix, de um doente que apresentou no ultimo período de uma phtisica chronica phenomenos paralyticos. Sucumbindo pouco tempo depois, a autópsia descobrio um amollecimento cerebral com hemor- rhagia, que foi considerada secundaria. Accresce a circumstancia, lembra o autor, de ser esse o único facto de apoplexia capillar que elle conhecia coexistindo com tuberculisação da pia-mater. Falando da hemorrhagia cerebral em seu tratado das moléstias das crianças, dizem Rilliet e Barthez que nellas o facto resulta de cachexia e enfraquecimento geral, ligados as mais das vezes á tuber- culisação.— Além disso á esta reunem-se as outras causas, porém ella basta por si mesma para produzir a moléstia. Em sua these, sustentada em 1868, Hayem, estudando as lesões da substancia cerebral na meningite tuberculosa, attribue o amolle- cimento superficial das circumvoluções á lesões inflammatorias e con- cilie dahi que nesses casos trata-se de uma verdadeira encephalite diffusa. Cita também um caso de hemiplegia em um phtisico. A autó- psia descobre lesões devidas á uma encephalite complicando uma — 3 — erupção provável de tuberculos desenvolvidos nas meningeas e no cortex. Hayem approxima esta inflammação dessas pneumonias mais ou menos francas que circundão os tuberculos pulmonares e vêm á ser mais tarde a causa principal das cavernas. Muitos autores adoptárão suas idéas, emquanto que outros mani- festárão-se contra ella, acreditando antes que essas lesões devem estar ligadas á alteração das paredes vasculares e obliteração dos vasos, ou por outra, admittindo um amollecimento primitivo da própria sub- stancia cerebral. Perroud publica em 1869 uma serie de observações de paralysias da classe de que nos occupamos. Pensa elle que ellas reconhecem muitas vezes por causa uma embolia, e para encontrar o ponto de partida do coalho emigrante, admitte três hypotheses: ou esse coalho pode partir do coração, tendo por origem as paredes do endocardio, ou provir das cavernas pulmonares que são verdadeiros focos de ulce- ração, aptos á producção de embolos, ou ter finalmente por origem as veias pulmonares. Quanto á esta ultima pypothese, elle estabelece todo seu fundamento, mostrando a grande tendência á inopexia que se observa na phtisica pulmonar. Olivier, em 1870, também aponta em sua these esta causa de embolia, que até agora, porém, ainda não está assente em facto algum positivo. Por outro ladoaccresce que as altera- ções do sangue na tuberculose pulmonar chronica são muito incomple- tamente conhecidas. Neste assumpto encerra a these de Eendu conhecimentos muito preciosos. Depois de ter estudado seu modo de apparecimento, seus caracteres e sua marcha, o mesmo autor as refere á um amollecimento dos núcleos cinzentos, lesão que elle crê antes devida á uma necro- biose do que á uma verdadeira encephalite. E declara que em sua opinião fica bem estabelecido que as lesões das paralysias na meningite consistem em focos de amollecimento situados de preferencia já nos corpos opto-estriados, já nas camadas ópticas ou no pedunculo cerebral. Landouzy, em sua these de 1876, collocando-se sob outro ponto de vista e baseando-se sobre um grande numero de observações, prova que essas paralysias são muitas vezes devidas á inflammação — 4 — localisalisada das meningeas e dó cortex cerebral, e demonstra que seus caracteres clinicos e da mesma fôrma suas lesões anatômicas provão que ellas são de origem coftical. No artigo do Dicc. Encyc. escripto por Archambault sobre tuber- culos das meningeas, são estas as suas palavras : « Os symptomas participão ao mesmo tempo dos que determinão os tumores cerebraes ou periencephalicos e dos que pertencem á meningite tuberculosa. » Deve ser aqui notado este tópico porque a causa dos accidentes que para o deante serão estudados, é bom numero de vezes um accumulo de granulações tuberculosas tendo penetrado das meningeas para a substancia das circumvoluções. Demais, diz o mesmo Archambault que não crê ser possivel em certos casos estabelecer diferença entre os symptomas destes últimos e os da meningite. A' vista, pois, do exposto até aqui, só se encontrão noções mais precisas nos autores que se têm occupado de tuberculisação das me- ningeas. Hahn (1874), comprehendendo e discutindo em sua these todas as perturbações nervosas que podem apresentar os phtisicos, estudou não só os accidentes provocados por uma complicação cerebral, mas também as modificações da sensibilidade e da motilidade de origem peripherica. Nesse mesmo anno apparecem na Allemanha as clinicas de Lebert sobre as moléstias do peito. Elle admitte que a hemorrhagia e o amolle- cimento cerebraes são raros nesta moléstia e attribue a maior parte dos symptomas paralyticos observados na tuberculose á anemia cere- bral, para elle muito mais freqüente do que a congestão. Diz elle : « A anemia cerebral pôde revelar-se por symptomas análogos aos da hemorrhagia ou da inflammação cerebral e traduzir-se por con- vulsões, accessos epileptiformes, caimbras e mesmo algumas vezes uma paralysia consecutiva dos membros, uma hemiplegia, sem que pela autópsia se encontre lesão alguma apreciável do cérebro. » No artigo do Dicc. de Medicina e Cirurgia praticas, consagrado ao estudo da phtisica, M. Hanot occupa-se pouco com as complicações cerebraes : « Certos phtisicos, escreve elle, apresentão nos últimos dias da vida delírio, allucinações, perda de conhecimento com ou — 5 — sem paralysia, com ou sem convulsões, symptomas que têm sido ligados já á anemia, já á congestão cerebral. Mais excepcionalmente se terá diante dos olhos o quadro symptomatico da hemorrhagia ou do amolle- cimento cerebral, do tumor encephalico, da meningite chronica. » Sob o ponto de vista anatômico, elle acredita que esses symptomas podem depender já de thromboses, já de embolias. O professor Peter, recordando as diferentes perturbações sensi- tivas e motoras que se observão nos doentes, insiste sobretudo no que respeita as paralysias de causa central ; baseando-se nos traba- lhos de Charcot e Landouzy, elle assenta que essas perturbações são quasi sempre devidas á lesões corticaes e que sob o ponto de vista do prognostico convém ter de memória : « que ellas precedem de pou- cos dias a morte do doente, que contribuem a accelerar. » Béringier, em seu trabalho publicado em 1880, e no qual fomos buscar a maior parte dos dados que aqui se encontrão, faz um estudo muito interessante e apresenta factos muito curiosos destas para- lysias. Emfim muito recentemente apparecem os dous importantes traba- lhos publicados na Revista de Medicina, em que são estudados no de Raymond, as paralysias e mais modificações nervosas, tendo por causa reconhecida e perfeitamente estudada as lepto-myelites tuberculosas 5 no outro, em que collaborárão Pitres e Vaillard,—as mesmas pertur- bações, dependentes neste caso de nevrites periphericas. São estes os últimos trabalhos feitos nestes tempos e que com justa razão devem chamar a attenção dos observadores e marcar uma phase nova no estudo deste assumpto. PRIMEIRA PARTE Mininggai cerebi&es —hemispherio cerebraes — cerebello i E' do conhecimento de todos a predilecção decidida que têm as manifestações tuberculosas de localisarem-se nos tecidos mais vas- cularisados do organismo. A dura-mater, por sua pobreza em vasos, e a arachnoide, por sua vascularisação ainda mais pobre, são raramente a sede das manifesta- ções tuberculosas que podem determinar as modificações nervosas de que nos vamos occupar. E' as mais das vezes, com effeito, nos casos de tumores ósseos e de osteites da natureza da diathese á que nos limitamos neste estudo, que se observão as pachymeningites e arachnites por extensão e propagação da primitiva affecção óssea. Mesmo nestes casos, com- prehende-se, não será sempre fácil que a producção tuberculosa e o outro typo mórbido indicado sejão taes que cheguem ao ponto de provocar perturbações mesmo ligeiras no funccionalismo e ainda menos na constituição anatômica da polpa cerebral subjacente, — 8 — No entanto, muitas vezes, succedendo á esses tuberculos ósseos ou á gommas tuberculosas desenvolvidas na vizinhança da dura-mater, produz-se uma eclosão de pachymeningite que compromette toda a espessura da membrana e torna-se logo interna. O èxsudato formado organiza-se e sob a fôrma de massa tuberculosa ou de uma verda- deira gomma, é o ponto de partida de uma serie de tumores de in- fecção salientes na parte interna da membrana e invadindo a arachnoide, tumores que são sempre de pequeno diâmetro, o de uma ervilha por exemplo. Todas essas producções passão ora ao estado fibroso soldando -entre si a arachnoide, a dura-mater e a pia-mater, ora propagão-se em profundidade e invadem a pia-mater e os centros nervosos. Os symptomas provocados nesses diversos casos estão, como é fácil de prever, dependentes de suas variáveis condições. De qual- quer modo, porém, que isso se dê, elles se manifestão e seguem a marcha dos que são provocados pelos tumores cerebraes qualquer que seja sua natureza, mas sempre com o caracter que lhes imprime o seu logar de desenvolvimento. Em nossas pesquizas não encontrámos facto nenhum em que paralysias se tenhão manifestado podendo ser explicadas pelas con- dições que viemos de expor, isto é, tendo por origem uma lesão óssea craneana. Além disso, como é nosso intento, por causa da origem que acabámos de assignalar, esse ponto de pathogenia das paralysias que nos occupão; não será aqui tratado, assim como não o será também o que se refere á tuberculose vertebral do mal de Pott, embora pareça caber o assumpto no ponto sobre que dissertamos. Deixando a dura-mater e a arachnoide, passemos ao que res- peita á membrana mais importante que reveste os centros nervosos, a pia-mater, que pôde ser chamada a cápsula e o esqueleto do cérebro, assim como o é no fígado a membrana capsular de Glisson, e no baço a deMalpighi. Este simile é ainda perfeito em relação aos vasos, podendo a pia-mater ser ainda considerada o verdadeiro aqueducto da irrigação nervosa central. — 9 — E' justamente nesses elementos, os principaes da miningea que foi chamada a membrana vascular do cérebro, que se reúnem, desen- volvem e manifestão as granulações tuberculosas. O estudo de anatomia pathologica deste processo foi perfeita- mente feito por Cornil no artigo que elle publicou nos Archivos de Physiol. (Du tubercule spêcialement étudié ãans ses rapports avec les vaisseaux). Não reproduziremos esse estudo por não tornar demasiado ex- tensa esta parte, e mesmo porque não temos intenção de repetir a historia completa da tuberculose das -meningeas, o que julgamos desnecessário. Mas em summa, digamos o que se observa mais geralmente : As granulações localisão-se nas meningeas e mais freqüentemente na pia-mater e tomão ahi um desenvolvimento mais ou menos considerável. Observa-se algumas vezes, diz Archambault (Dicc. Enoycl. Pathologie des méninges), a existência de placas tubercu- losas que não são mais do que a agglomeração das granulações ; ou encontrão-se ainda massas tuberculosas do tamanho de ervilhas resultando da reunião de elementos múltiplos. Nos casos de meningite tuberculosa localisada, os envoltórios do cérebro apresentão as alterações seguintes : apresentão-se con- sideravelmente espessados em uma extensão variável, ora em um, ora em muitos pontos, revestem um aspecto opaco, perdendo assim completamente sua transparência, muitas vezes mesmo parecem estar infiltrados de pús; além disso não é raro observar-se grande suppuração das meningeas. Na maioria dos casos é possível á olhos nús, encontrar as granulações ; em outros um fraco augmento basta para tornal-as distinctas. Quando em sua peripheria tem-se produzido uma in- flammação mais pronunciada, vê-se uma espécie de falsa membrana espessa, de coloração amarellada, englobando por assim dizer as mesmas granulações, membrana essa que representa um èxsudato fibrino-purulento reunido no tecido cellular sub-arachnoidiano. 1886—P — 10 — A maior ou menor quantidade de glóbulos purulentos ahi contida communica ao todo uma coloração mais ou menos accentuada. O espessamento das meningeas augmentatoda a vez que por baixo delle existe um foco de amollecimento. A' abertura do craneo, encontra-se freqüentemente um ponto da dura-mater de coloração mais baça do que as partes vizinhas. Deprimindo-se com o dedo, sente-se uma fluctuação bem patente e que simula a presença de um abcesso. Procurando separar a dura-mater, vê-se que ella adhere ás meningeas subjacentes, for- mando com as mesmas uma só membrana. Nestes casos, final- mente, a reunião das meningeas fecha á modo de uma tampa a parte superior do foco de amollecimento. Freqüentemente também a reunião da dura-mater á arachnoide é menos intima e faz-se por meio de tractus pouco resistentes. Quando as lesões excedem a extensão de uma circumvolução, granulações tuberculosas e exsudatos penetrão nas anfractuosidades que separão esta ultima das circumvoluções vizinhas e fazem com que ellas adhirão entre si. Em certos casos a agglomeração das granulações tuberculo- sas pôde formar não mais massa achatada disposta na superfície do hemispherio, porém verdadeiro tumor tendo por ponto de par- tida as meningeas, mas desenvolvendo-se ulteriormente na sub- stancia subjacente. Podem os tumores desta espécie, evoluindo ra- pidamente, adquirir dimensões muito consideráveis. Sua origem ao mesmo tempo meningeana e cerebral permitte collocal-os já em uma, já em outra das partes com que está em connexão. Exemplo perfeito de um caso desta ordem, encontra-se na seguinte observação transcripta por Béringier : D..., de 19 annos de idade, entra para o hospital Temporaire em Março de 1877. Phtisica pulmonar em terceiro gráo. No dia 3 desse mez teve perda dos sentidos que durou cinco minutos, seguida de he- miplegia esquerda completa. Esta ultima desappareceu no fim de dez minutos, de modo que o doente poude andar. — 11 — De 13 a 18 os mesmos accidentes reproduzirão-se, porém, com menor intensidade, por quatro ou cinco vezes; a paralysia não se mostrou mais tão pronunciada como no primeiro dia. 28 de Março. Dores na perna esquerda, entorpecimento do membro; na marcha o doente arrasta a perna. 29. Enfraquecimento mais considerável do membro inferior es- querdo. Os músculos da coxa são agitados de espasmos convulsivos muito regulares que levantão o joelho. Meia flexão do membro. Não ha contractura. Os dous membros do lado esquerdo achão-se ligeiramente anesthesiados. 31. O braço esquerdo se enfraquece. A anesthesia desappareceu nelle, persistindo pelo contrario no membro inferior, mas em gráo muito menor. 2 de Abril. A paralysia é mais completa, occupa os dous mem- bros esquerdos, mais é muito mais pronunciada no inferior. Desde o dia anterior cessarão os espasmos. Movimentos reflexos da perna es- querda sensivelmente diminuidos. Nem anesthesia nem analgesia. Dores nas articulações do lado esquerdo quando se faz executar movi- mentos. Não ha paralysia facial. Diminuição da audição do lado esquerdo. Abolição completa do lado direito. Morte em 10 de Abril sem accidentes novos. Autópsia.—Pulmões.—A' direita e á esquerda lesões ordinárias da tuberculose no terceiro período. Cavernas volumosas nos dous ápices. Cérebro.— Hemispherio direito. Meningite diffusa, granulosa, com um foco formando uma placa esbranquiçada na região do lobulo paracentral. Pela incisão deste, depara-se com uma massa dura, pe- netrando na substancia desse lobulo, estendendo-se para fora sobre as partes superiores das circumvoluções frontal e parietal ascendentes e formando um tumor do volume de um ovo de pomba. Ella parece for- mada por uma agglomeração de granulações tuberculosas tendo pene- trado das meningeas para a substancia cerebral. — 12 — Hemispherio esquerdo. Tuberculo cerebral do tamanho de uma ervilha desenvolvido na pia-mater, mas alojado sem apresentar adhe- rencias na substancia cinzenta da parte superior das circumvoluções frontal e parietal ascendentes.—(Faisans, 1877.) Taes são as alterações que se encontrão mais ordinariamente para o lado das meningeas ; todavia ha exemplos de lesões, na apparencia menos accentuadas, tendo determinado as mesmas pa- ralysias. Encontrão-se algumas vezes simples conglomerados acha- tados de granulações tuberculosas, sem hyperhemia peripherica, sem lesão notável da substancia cerebral. Nestes casos ou as pa- ralysias forão passageiras ou as lesões do cortex cerebral passa- rão despercebidas sem por isso terem deixado de existir. Rendu acredita que os exsudatos e as granulações tuberculosas não podem determinar paralysias duradouras, e que sempre nesses casos devem haver alterações secundarias da substancia nervosa. Além destas lesões circumscriptas, as meningeas podem ser sede de granulações tuberculosas disseminadas, mas que bom nu- mero de vezes permanecem silenciosas e não determinão em torno de se reacção alguma inflammatoria. O facto da existência, propriamente nas paredes dos vasos, de tumores desenvolvidos á custa dellas ou na bainha lymphatica dos mesmos vasos, produz nelles obliterações mais ou menos ex- tensas, cuja conseqüência immediata é a anemia, á principio, de- pois a necrobiose das partes irrigadas por esses vasos, e isto explica, entre os phenomenos de depressão do segundo periodo da leptome- ningite tuberculosa, essas paralysias parciaes que não são devidas á compressão nem á atrophia de algumas raizes nervosas. Nas lesões tuberculosas que vimos de examinar, quer ellas tenhão por sede exclusivamente o terreno das meningeas, e neste caso sua acção sobre a porção motora cortical do cérebro só pôde ser explicada por compressão simples ou por alterações consecutivas dependentes de lesões vasculares, quer ellas se expliquem por compromettimento pri- mitivo e simultâneo das meningeas e da substancia cerebral, nessas — 13 — lesões as paralysias têm um cunho especial, característico. Coma o diz Landouzy, ellas apparecem fraccionadas eparciaes: pôde a disso- ciação symptomatica acompanhar em todos os seus modos a dissociação anatômica. As paralysias de que falíamos, ou parciaes ou totaes, são no maior numero de casos incompletas ; ha igual numero de vezes paresia e paralysia propriamente dita. Mesmo quando um membro é tomado em sua totalidade não o é com a intensidade habitual ás paralysias provocadas por lesões pro- fundas do cérebro, por lesões dos núcleos centraes. Os doentes accusão antes fraqueza e peso do membro affectado do que uma impotência absoluta e se o membro não pôde ser levan- tado do leito em sua totalidade, o doente consegue ordinariamente executar alguns movimentos do punho ou ante-braço, se é o superior o membro affectado ; do pé ou de alguns músculos da perna, se se trata do membro inferior. II Passando agora a estudar as alterações cerebraes, convém declarar que não se pôde scindir completamente taes alterações das que affectão as meningeas, visto como em muitos casos ha concomi- tância mórbida das duas partes. Começando pelo amollecimento, diremos que o que se produz nas condições precedentemente analysadas, é quasi sempre superficial. Acha-se disseminado sob a fôrma de focos freqüentemente múltiplos, occupando differentes regiões dos hemispherios e mais particular- mente a zona motora. Não é raro encontral-os em numero de dois ou três. Sua extensão é em geral pouco considerável; seu volume é o de uma pequena noz. Ora mais extensos em superfície do que em pro- fundidade, elles invadem o espaço entre duas circumvoluções vizinhas — 14 - e não vão além da substancia cinzenta ; mais raramente interessão também a substancia branca, porém em espessura pouco notável. Sua parede superior é formada pelas meningeas espessadas, opacas ou mesmo suppuradas. Abrindo-se esse foco encontra-se uma substan- cia diffluente constituida pelo tecido nervoso dissociado. Este apre- senta uma coloração branca ou amarellada, e pôde mesmo offerecer o aspecto do pús á ponto de pensar-se na existência de um abscesso. Se por meio de um fio de água, evacua-se essa cavidade, toda a parte semi-liquida é arrastada ; apresentão-se então as paredes anfractuosas, deixando fluctuar na cavidade fragmentos de substancia cerebral apenas adherentes por alguns pontos. Ainda por este exame descobre-se que as paredes apresentão um pontilhado vermelho, vestígios de hemorrhagias capillares. Em sua these, Rendu deu a descripção exacta das alterações que se encontra pelo microscópio nos pontos em que*ee dão esses f&cos de amollecimento. Diz elle que constantemente a substancia cerebral é grandemente alterada. Todos os seus elementos são mais ou- menos destruídos e dissociados, de sorte que se descobre no campo do micro- scópio fragmentos de tubos nervosos, cellulas livres, pequenas gottas de myelina, granulações de gordura, mas isto nunca em grande numero. Para alguns autores, a causa desses amollecimentos parciaes seria a inflammação propagada das meningeas á substancia cere- bral. Hayem acredita que é essa a sua origem constante: dar-se- hião aqui os mesmos phenomenos que os observados na meningite tuberculosa, porém, o amollecimento inflammatorio, em logar de ser diffuso, seria limitado e mais profundo. Em contrario desta opinião sustenta Rendu que a alteração dos vasos exerce o principal papel: os vasos afferentes aos pontos affectados serião obliterados em conseqüência das modificações que experimenta vão pela degenerescen- cia de suas paredes. Estas duas opiniões no entanto parece que são egualmente accei- taveis, pois, segundo os casos, a inflammação ou a obliteração — 15 — vascular determina as lesões. Quando se encontrão signaes de me- ningite muito manifestos, quando um èxsudato abundante existe por cima e no meio das circumvoluções, a inflammação primitiva das meningeas, propagada á substancia cerebral, deve ser posta em primeiro plano. Por estas lesões vê-se que as granulações tubercu- losas seguirão o trajecto dos vasos e determinarão em sua circum- vizinhança um circulo inflammatorio que foi causa do amollecimento. Salvo a localisação e a intensidade das alterações anatômicas, estes casos se approximão muito da meningite tuberculosa, e se sob o ponto de vista symptomatico merecem ser tratados separadamente, por essas mesmas lesões ficaria perfeitamente justificada sua desi- gnação pelo nome de meningo-encephalite localisada. Esta primeira fôrma anatômica é, pois, caracterisada por uma inflammação intensa e localisada das meningeas que se traduz por um èxsudato muito abundante, cercando numerosas granulações tu- berculosas reunidas em foco ; por focos múltiplos de amollecimento superficial disseminados na superfície das circumvoluções. Pôde acontecer que não se encontrem granulações tuberculosas nem exsudatos meningeanos em torno dos vasos ; só existe o amol- lecimento. Parece que nestas condições trata-se de um amolleci- mento primitivo, sem precedência de uma meningite. Exemplo disto encontra-se na observação seguinte, tirada da these ftagrégation de Lépine de 1875. X..., de 45 annos de idade, entrado a 10 de Fevereiro de 1873 para o hospital Lariboisière, serviço do Sr. Raymond. Trouxe-o ao hospital uma peritonite tuberculosa, com alguns signaes limitados de tuberculos pulmonares. O estado do doente melhorava sensivel- mente, quando de repente no dia 18 de Abril, foi elle acommettido de phenomenos cerebraes ; no entretanto, já de alguns dias antes mostrava-se triste e taciturno, porém nada fazia prever o estado em que foi encontrado na dia 18 de manhã. O doente está em delirio continuo, não reconhece mais as pes- soas que o cercão, seu olhar é estúpido, reunindo à esse caracter - 16 - um pouco de strabismo interno. Quer levantar-se sem motivo ; ve- rificando-se então que tem aphasia e hemiplegia direita que se tornão mais accentuadas nos dias seguintes, assim como os outros phenomenos cerebraes e que durarão até a occasião da morte que teve logar na manhã de 21 de Abril. O diagnostico feito foi de granulações tuberculosas das me- ningeas. Pela autópsia reconhece-se que as membranas encephalicas nada offerecem de particular ; não apresentão tuberculos. O hemispherio esquerdo parece são, e nada se encontra para o lado da terceira cir- cumvolução frontal. Em cortes múltiplos ahi praticados não se des- cobre alteração alguma pathologica. Do lado direito, no bordo anterior e externo do corno sphenoidal, encontra-se um foco de amollecimento vermelho do tamanho de uma avelã. O centro deste foco tem um aspecto sanioso, avermelhado, emquanto que os bordos são formados por um pontilhado vermelho muito abundante. A substancia branca de cérebro offerece, em uma extensão de perto de um centímetro, uma coloração amarella clara. O corno frontal do mesmo lado apre- senta alguns pontos muito superficiaes de encephalite. As menin- geas apresentão ligeira adherencia á esses pontos, e quando desta- cadas, conserva-se um granulado vermelho muito miúdo que não des- apparece pela lavagem. A' não considerar senão os symptomas, esta observação deveria ser apresentada sob o titulo de—meningite ultima, porém a autópsia não permitte reconhecer granulações nos envoltórios do cérebro. E' para lamentar-se que não tenha sido indicado o estado dos vasos ; de qualquer modo que seja, o amollecimento existia isolado. Ficou já patente que as lesões localisavão-se do mesmo lado das paralysias, que não estavão em relação com os symptomas e que, finalmente, apezar da aphasia, a terceira circumvolução frontal esquerda estava sã. E' certo que nesses casos, produzem-se thromboses nos vasos que são compromettidos de lesões tuberculosas, cujo resultado é — 17 — tornar espessas suas paredes ao mesmo tempo cheias de desigual- dades, e favorecer a coagulação do sangue. Trata-se ahi, diz Jaccoud, de uma desorganização da substancia nervosa produzida pela insufi- ciência da irrigação, consecutiva á lesões vasculares. O amollecimento pôde, posto que mais raramente, não ser su- perficial ; occupar os núcleos cinzentos centraes. Rendu estabelece que na meningite tuberculosa elle invade o mais das vezes o núcleo extra-ventricular do corpo esfriado. Este amollecimento central pôde ser devido ás mesmas causas que o que se produz nas circumvolu- ções, isto è, á uma thrombose por alteração vascular, porém se liga muitas vezes á uma embolia. A embolia cerebral nos tuberculosos tem sido assignalada por vários autores. Perroud (de Lyon) diz que numerosas são as con- siderações que induzem a pensar que não só as embolias aorticas podem ser observadas nos phtisicos, mas também que ellas devem ser, como pensa Feltz, mais freqüentes do que geralmente se admitte, e que as mortes súbitas ou muito rápidas por embolia cerebral não devem ser muito raras. As observações que se seguem offerecem particular interesse sob o ponto de vista da natureza das lesões. Trata-se de uma doente de 30 annos, entrada para o hospital de Ia Croix Bousse, em 19 de Março de 1869. A' sua entrada ob- serva-se uma hemiplegia esquerda com aphasia, sobrevinda brusca- mente alguns dias antes. Nos pulmões encontrão-se todos os signaes de uma phtisica avançada. A morte dá-se a 5 de Abril e pela au- tópsia notão-se as lesões seguintes: pneumonia caseosa em toda a extensão do pulmão direito, caverna do tamanho de uma noz no apice do mesmo pulmão. Nenhuma hypertrophia do coração. Sobre a vál- vula auriculo-ventricular esquerda existem vegetações polypiformes, das quaes as mais volumosas attingem o tamanho de um grão de milho. Examinadas ao microscópio essas concreções parecem formadas de fibrina. Infartos múltiplos no baço e nos rins. O hemispherio cerebral direito apresenta amollecimento diffuso. As artérias da o 1886—P — 18 — base estão sãs. A sylviana acha-se obstruída por massa fibrinosa análoga em aspecto e textura ás vegetações encontradas no coração. Para trás desta massa fibrinosa existe um coalho de nova formação. — (Colrat; 1869). Um homem de 45 annos profundamente tuberculoso e votado a uma morte próxima, é subitamente atacado de paralysia do membro inferior direito. No dia seguinte, paresia de todo o lado direito do corpo; hemiplegia facial com prolapso da palpebra superior. Ao fim de três á quatro dias, toda a metade direita do corpo apresentava paralysia com resolução. Ao mesmo tempo aphasia completa, tendo-se estabe- lecido egualmente de modo gradual. Nenhum symptoma de meningite; ausência de affecção cardíaca. Pela autópsia, encontra-se uma obliteração esquerda da sylviana, á um centímetro e um quarto de sua origem. A obliteração era com- pleta, e era constituída por um coalho branco amarellado, não auto- chtono e sem duvida vindo de longe: destaca-se, com effeito, facil- mente das paredes que não offerecem vestígio algum de inflammação. Do lado das circomvoluções, só ha ligeiro amollecimento da insula e da terceira frontal. Em contraposição, o núcleo lenticular esquerdo acha-se amollecido e bem assim o núcleo extra-ventricular e o pé da coroa radiante. Pensa Wannebroucq, o autor desta ultima observação, que esta embolia foi produzida pela emigração de um coalho proveniente de uma veia pulmonar. Quanto á primeira observação, a causa da embolia é manifesta; explica-se por um coalho partido do coração; os que forão encontrados neste ultimo, erão devidos á coagulação espontânea do sangue e não á lesões da válvula mitral. O ligeiro amollecimento da terceira circumvolução frontal esquerda, tido em pequena conta pelo autor, comtudo basta por se só para expli- car a aphasia. Poulin apresentou em 1878 na Sociedade anatômica um caso de paralysia passageira do membro superior por obliteração de um ramo da sylviana. O ponto de partida do coalho embolico ficou desconhecido; — 19 — não estaria talvez no coração? Essa observação é além disso muito interessante sob um outro ponto de vista. O autor faz notar que apezar da persistência do coalho na artéria obliterada, sem duvida a circulação restabeleceu-se no território irrigado por essa artéria, porque a paralysia desappareceu e na autópsia não se encontrou signal algum de amollecimento. O doente que servio de objecto a esta observação succumbio em 17 de Dezembro de 1878 no serviço de M. Blachez, no hospital Necker. Pela autópsia encontrou-se o cortex cerebral intacto. Nenhum ponto de amollecimento superficial ao nivel das circumvoluções motoras. Levantando-se a parte anterior do lobulo sphenoidal do lado direito, vê-se a artéria sylviana dividindo-se logo no principio em dous ramos, um posterior, outro anterior. O ramo posterior fornece pequenos ramos ás circumvoluções sphenoidaes. Do ramo anterior vê-se nascerem dous ramos que se diri- gem para a face inferior do lobo frontal e para a terceira circumvolução frontal. Depois a artéria bifurca-se: um dos ramos de bifurcação se dirige para o fundo da scisura de Sylvius, na direcção da dobra curva; o outro ganha o sulco rolandico e se divide ahi em dons pequenos ramos para as circumvoluções pre e post-rolandicas. Ora, bem junto do esporão que resulta da bifurcação da artéria, vê-se um coalho branco occupando o calibre do vaso e prolongando-se para os dous ramos de bifurcação : o que vai ganhar o sulco de Rolando e o que se dirige para a dobra curva. Tal é a única lesão que se pôde descobrir neste cérebro. O coração continha coalhos brancos mas evidentemente recentes ; os pulmões apresentavão cavernulas numerosas e estavão cheios de tuberculos caseosos. Eis agora os symptomas que fôrão apreciados durante a vida. 10 de Dezembro.—O doente apresenta signaes cavitarios nos dous ápices. Enfraquecimento extremo pela manhã. Quer beber e toma o copo pela mão esquerda, porém, bruscamente elle o larga e o braço cahe inerte sobre o leito. — 20 — Desde esse momento, paralysia completa do braço esquerdo, sem contractura, sem anesthesia. As pulsações da humeral e da radial são normaes. Nada ha para o lado das pernas. Ausência de para- lysia facial. Em 11 o mesmo estado. 12. O doente pôde executar alguns movimentos, mas com diffi- culdade : flexão e extensão do antebraço sobre o braço e do braço sobre o tronco. E' impossível qualquer movimento da mão e dos dedos. 14. Os movimentos voltarão egualmente na mão. 17. O doente succurabe ao progresso da tuberculose pulmonar. Os focos de amollecimento por hemorrhagia encontrão-se na maior parte das vezes cheios de um liquido cremoso esbranquiçado. Muitas vezes encontra-se na zona próxima e em suas próprias paredes um pontilhado vermelho mais ou menos abundante. Mais raramente o foco é occupado por sangue misturado á substancia cerebral, á qual elle communica um colorido avermelhado ou amarello ; ás vezes o sangue acha-se reunido em coalho, podendo este ser bastante volumoso para encher completamente a cavidade. Dá-se, pois, no ponto amolle- cido uma hemorrhagia secundaria. Quando a ruptura se dá em vasos capillares, o sangue se reúne em sua bainha lymphatica e apresenta o aspecto de ponteações já indi- cado. E' a isto que Cruveillier designou com o nome de apoplexia capillar. Se se examina ao microscópio um desses pequenos pontos hemorrhagicos, só se distingue á principio um accumulo de sangue, porém, depois de ter lavado, vê-se que elle apresenta em seu centro um vaso capillar, cuja bainha lymphatica acha-se distendida e cheia de sangue. Os glóbulos vermelhos colleccionão-se também por fora da bainha (Cornil e Ranvier). Estas hemorrliagias capillares reconhecem por causa o augmento de tensão do sangue nos capillares vizinhos á lesão. Quanto á alteração das paredes arteriaes, ellas dão perfeita- mente explicação do amollecimento, sem que possão por se só dar em resultado hemorrhagia em conseqüência de ruptura vascular. — 21 — Vejamos agora as lesões in loco dos vasos. Como já deixamos patente e tem sido sempre demonstrado, as granulações tuberculosas desenvolvem-se sobretudo em torno dos vasos. Basta acompanhar em uma certa extensão de seu trajecto uma ramificação arterial (com especialidade as da sylviana) para verificar que esta disposição é constituída por um rastro de gra- nullações ; estas podem ser em maior ou menor numero. Este facto explica-se admittindo-se com os micrographos que as paredes vascu- lares são o ponto de origem das granulações tuberculosas. Segundo elles, essas granulações provêm da proliferação dos núcleos de sua bainha lymphatica. Estas alterações não se encontrão somente em volta dos primeiros ramos de bifurcação da sylviana, mas occupão mesmo as mais pequenas divisões. Tem-se-lhes dado o nome de periarterite tuberculosa. Esta inflammação tem um duplo resultado : traz o espessamento das pa- redes vascularas e ao mesmo tempo estreita o calibre da artéria ; o sangue encontrará pois obstáculo á sua livre circulação e se coa- gulará. Haverá suspensão da circulação em uma região mais ou menos limitada, depois amollecimento desta mesma região. Será sempre fa,cil distinguir um coalho formado in loco de um coalho embolico, por causa mesmo da lesão dos vasos que determinarão a parada do sangue no primeiro caso, emquanto que no segundo, uma vez retirado o coalho, se reconhecerá a integridade absoluta das paredes arteriaes. Mas o envaginamento dos vasos pela matéria tuberculosa não é a única causa do amollecimento por thrombose. Exsudatos abundantes se dispõem muitas vezes em torno dos vasos, cercão-n'os e acabão, produzindo sua compressão, determinando também sua obliteração mais ou menos completa. No meio desses exsudatos podem existir algumas granulações tuberculosas, porém estas não desempenhão então nenhum papel na estagnação do sangue ; elles podem também variar de aspecto e de natureza : ora são fibrinosos, ora purulentos. Nestes casos as lesões estão sob a dependência das granulações tuberculosas, mas são productos puramente inflammatorios que occasionão o amol- lecimento. — 22 — A alteração do sangue só pôde exercer uma influencia secundaria nos casos de thrombose ; em contraposição é á ellas que se deve refe- rir a formação do coalho embolico. Os estudos de Becquerel e Rodier demonstrarão de ha muito que em um periodo avançado da tuberculose o sangue dos doentes soffre modificações consideráveis ; ha augmento da quantidade de fibrina ; esta tem além disso grande facilidade em coagular-se espontaneamente. Um grande numero de phtisicos apre- sentão coagulações venosas d)s membros e é natural admit- tir-se que o mesmo possa egualmente dar-se em outros pontos da economia. Accresce que na ausência de outra qualquer causa, é esta a hypothese á que se é naturalmente conduzido. Wannebroucq e Perroud acreditão que essas coagulações podem ter por sede uma veia pulmonar. O primeiro desses autores, consi- derando a freqüência dos coalhos nas veias pulmonares, mostra-se admirado de que a embolia não se produza mais vezes. E' esta uma supposição que parece legitima, porém que não se baseia ainda sobre facto nenhum certo, porque até aqui tem-se descui- dado examinar o pulmão com bastante cuidado em algumas abserva- ções de embolia cerebral de causa desconhecida. A coagulação do sangue nas veias pulmonares pôde egualmente ser favorecida pela hematose incompleta, traduzindo-se nos últimos tempos da vida por uma dyspnéa sempre crescente. Emfim a origem do coalho embolico pôde encontrar-se no próprio coração. Diz Hanot que o amollecimento se explica ainda por em- bolia, vindo o corpo embolico de vegetações inopexicas depositadas sobre as válvulas do coração. Na observação acima transcripta, essas vegetações revestião uma fôrma especial e erão constituídas por fibrina ; a válvula auriculo-ventricular não estava doente. Este é o único caso em que as concreções forão claramente descriptas. Em resumo, pôde-se encontrar em tuberculosos que morrem de accidentes cerebraes, lesões dos hemispherios muito differentes umas das outras, porém tendo determinado todas ellas paralysias mais ou menos extensas. Geralmente encontra-se um amollecimento super- ficial com inflammação localisada das meningeas, em outros casos o — 23 — amollecimento é devido á alterações vasculares tendo occasionado thromboses ; emfim a coagulação do sangue, já no coração, já no pulmão pôde dar logar á um coalho embolico. Quando as lesões são superficiaes e filião-se á uma meningo-ence- phalite tuberculosa localisada ou á uma alteração primitiva dos vasos, ellas occupão de preferencia a zona motora. Esta região é com effeito irrigada pelas ramificações da sylviana e sabe-se que é sobretudo em redor desta artéria que se formão as granulações tuberculosas. Do mesmo modo o amollecimento pode occupar os núcleos cinzen- tos centraes, e nesses casos o núcleo lenticular do corpo esfriado, segundo Rendu, é o mais freqüentemente lesado. E' pois também seguindo os ramos da artéria cerebral média que a alteração tuber- culosa chegará até essas regiões, visto como todo o núcleo extra-ven- tricular do corpo esfriado recebe o sangue da- sylviana. Quanto ás embolias, ellas podem determinar lesões superficiaes ou profundas ; e posto que menos freqüentes que a meningite locali- sada e a thrombose, nem por isso offerecem menor interesse, quer sob o ponto de vista do amollecimento que determinão, quer sob o de sua causa e de sua origem (Béringier). SEGUNDA PARTE Itiingt&i racMdiaaas—Istbme do e&cephalo leiilk espi&hal O Dr. Liouville (Arch. de physiol. ; 1870) é de opinião que nos casos de manifestações tuberculosas das meningeas no curso da tu- berculose, ellas se dão na maioria dos casos já para as membranas cerebraes, já para as rachidianas, simultaneamente. Accrescenta elle que a razão das descripções de todos os autores se referirem so- mente á porção encephalica, explica-se pelo facto dessas pesquizas limitarem-se á essa parte, e não porque a moléstia parasse ahi. Com- tudo elle acceita que em alguns casos a predominância da produc- ção se estabelece para a cavidade craneana, em outros para o ca- nal rachidiano. E', pois, esta idéa de uma coexistência manifestamente evidente, o resultado ou de uma extensão racional, ou de uma generalisação natural, infelizmente tão completa que em um numero muito consi- derável de casos, tem o pratico de occupar-se com manifestações tuberculosas affectando já as membranas exteriores, já propriamente a trama dos centros nervosos. Já expuzemos na parte de que acabámos de tratar, as lesões A 1886—P — 26 — observadas para o lado das membranas envolventes dos centros ner- vosos. E' desnecessário, pois, reproduzir aqui em todas as suas partes essa descripção, que tem de referir-se á tecidos de consti- tuição idêntica e cujas funcções são inteiramente as mesmas. Isto é de uma extensão absoluta em relação ás duas meningeas mais externas. A pia-mater, embora sob um ponto de vista geral se possa en carar a sua constituição e disposição anatômica e sua physiologia normal e pathologica as mesmas no cérebro e na medulla, comtudo nesta ultima e na parte propriamente constituída pelo cordão espinhal, apresenta um caracter anatomo-histologico até certo ponto especial. Este caracter é bem conhecido e é representado pelos traços que affecta já em seu tecido conjunctivo fundamental, mais perfeitamente con- stituído, já em sua vascularisação, diversa em sua disposição do que se observa no cérebro. D'ahi o cunho especial que reveste até certos limites, o ponto de partida mais constante dos processos pa- thologicos, a inflammação, no primeiro quasi sempre seguida, de amollecimento, na segunda freqüentemente terminada por sclerose. Em relação á localisação tuberculosa, pela analyse praticada na maioria dos casos, vê-se que ella é muito mais rara, sobretudo em- quanto primitiva, para a dura-mater ea arachnoide, como já deixámos dito com referencia ao cérebro. O facto seguinte é o único no gênero que encontrámos em nossas pesquizas. Foi observado por Gendrin e é citado por Olivier d'Angers (Traité de Ia moelle épinière ; 3.a ed.;1837). — Uma criança tuberculosa apresentou um tuberculo situado entre a dura-mater e a arachnoide, na parte lateral esquerda da base do cra- neo, perto do buraco occipital. Tinha o volume de uma pequena noz e deprimia o bulbo rachidiano*acima da raiz do grande hypo-glosso : esse tuberculo não tinha sido annunciado por accidente algum. Accres- centa, porem, o mesmo Olivier que quando o tuberculo desenvolve-se rapidamente e avizinha assim o bulbo rachidiano, pôde determinar uma paralysia mais ou menos completa dos quatro membros. A pia-mater rachidiana—e quando dizemos pia-mater tacitamente temos em mente aqui a idéa do parenchyma medullar—a pia-mater — 27 — rachidiana, repetimos, offerece grande facilidade para a generalisação das granulações tuberculosas. Estas ahi se encontrão*quasi sempre em grande profusão ; envolvem e acompanhão os vasos ; estendem-se da substancia ao eixo cinzento comprehendendo não só a membrana vas- cular, desde sua peripheria e atravez da medulla, pela nevroglia, mas também o revestimento interno do ependymo. E nestes casos não é raro encontrar-se um hydrorachis não só inter-lepto-arachnoidiano, mas egualmente outro contido no canal do ependymo,que então se apre- senta mais ou menos dilatado. Os tuberculos, de numero e volume variável, e a infiltração tu- berculosa são também observados com freqüência. Essas manifestações determinão lesões mais ou menos bem limita- das, mais ou menos circumscriptas, umas vezes ; em outras encontra-se uma degenerescencia ora ascendente, ora descendente, ou exsudatos mais ou menos abundantes, quasi sempre enkistados, juxtapostos ás membranas e determinando compressão maior ou menor do cordão me- dullar. O amollecimento ou a sclerose é o resultado destas producções, conforme seu numero e confluência são mais ou menos consideráveis, conforme sua evolução e a inflammação que esta provoca, é mais ou menos aguda. Transcrevemos em seguida uma observação de Liouville, que no caso é um perfeito exemplo de generalisação encephalo-medullar das granulações tuberculosas, de que fala a autor; assim como representa também o typo, se encararmos isoladamente as lesões rachidianas, da lepto-myelite descripta pelo Sr. Raymond. Trata-se de um moço de 28 annos, tendo soffrido todos os sym- ptomas de meningo-myelite e de , meningo-encephalite durante a vida e em conseqüência de tuberculose generalisada. Apresentava paraplegia e escharas sacras. Autópsia.— No pulmão, granulações miliares e piriformes ; pe- quenas cavernulas. No fígado degenerescencia graxa muito avan- çada. — 28 — No cérebro tuberculos das meningeas em torno dos vasos, constituidos por massas cinzentas. Algumas dessas granulações in- vadem a substancia branca; o mesmo no cerebello. Na medulla, existia uma invasão de meningite espinhal, ara- chnoidite muito intensa da face posterior, no terço médio da região cervico dorsal. Esta arachnoidite era caracterisada por adherencias muito numerosas, fínas, recentes, constituindo malhas estreitamente embricadas, difficeis de arrancar e encerrando vasos numerosos e de nova formação ; por pequenas saliências miliares, fazendo um pequeno relevo sobre a face interna da dura-mater. A pia-mater espessada, esbranquiçada, franzida, occulta absolutamente a sub- stancia da medulla. Havia liquido na cavidade arachnoidiana e a pia-mater mesmo acha-se á espaços embebida por uma serosidade turva ou pouca espessa. Observa-se distensão anormal dos vasos venosos, que achão-se cheios de sangue, quadruplicados de calibre, e constituem grossos troncos varicosos e sinuosos. Esta stase venosa é explicada pela presença abaixo da dilatação brachial, de augmento de volume da medulla, que dá neste ponto a sensação de empastamento análogo ao da encephalite. A' superfície do corte encontra-se um tumor occupando a quasi totalidade da medulla (o lado direito é o mais affectado). Este tumor, situado na substancia cinzenta, substituiu-a em uma extensão considerável. Do lado direito elle occupa toda a ponta anterior e a metade da ponta posterior. Faz certa saliência no logar em que cahio o corte. Sua côr é de amarello âmbar; acha-se cheio de pe- quenos tractus vermelhos (vasos neoformados). Em toda sua peripheria, coloração sclerosa acinzentada, semi- translucida e como que gelatinosa ; a consistência acha-se um pouco augmentada. Sobre um corte praticado um pouco mais acima, o tumor tem invadido quasi toda a extensão da substancia cinzenta. Nesta zona — 29 - observa-se um tecido scleroso, duro, com três pequenas ilhotas ama- relladas. Pelo exame microscópico encontra-se, á 2 centímetros acima do tumor, um amollecimento bem patente da substancia branca dos cordões posteriores, com corpos granulosos, crystaes de gordura, gra- nulações graxas isoladas. Na substancia cinzenta, desintegração gra- nulo-graxa, cellulas nervosas affectadas de hypertrophia e de ex- cesso granulo-graxo. Steatose dos vasos. E, pois, degenerescencia ascendente clássica. A' 2 centímetros abaixo do tumor as mesmas lesões da sub- stancia cinzenta e branca e degeneração descendente, sobretudo no- tável do lado esquerdo. Em muitos casos é a substancia nervosa medullar a única af- fectada, correspondendo elles á tuberculos mais ou menos volu- mosos, discretamente dispostos ou reunidos em um só ponto. Bricheteau, citado por Hahn, dá conta de um caso de um phtisico que tornou-se paralytico, succumbindo depois á um pneumo- thorax. A autópsia descobrio enormes cavernas tuberculosas nos pul- mões, á par de tuberculos crus na medulla espinhal. Walshe refe- re-se também á um caso de paraplegia no curso de uma phtisica pul- monar chronica, e dependente de dous pequenos tuberculos alojados na substancia cinzenta de um dos hemicylindros da medulla. Lebert relata factos em que forão encontrados focos de amol- lecimento medullar sem carie vertebral nem tuberculos das menin- geas, e faz notar que as manifestações paraplégicas nos tubercu- losos apresentão não pequeno numero de vezes um tal ou qual caracter inflammatorio, e nem sempre reconhecem por causa alterações tuber- culosas. Parece-nos problemática esta pathogenia pela inflammação, re- pugnando-nos acceitar este processo, pelo menos emquanto primitivo, em estados de profunda anemia e grande depauperamento orgânico. Não seria mais acertado approximar os factos desta ordem dos que se observão nos estados anêmicos produzidos por moléstias dys- — 30 — crasicas, como o é a phymatose pulmonar, e explicar, talvez, os phe- nomenos paralyticos pelas congestões serosas (Jaccoud) e focos inflam- matorios e degenerativos que se seguem á essas congestões ? E' do que nos parece exemplo um caso que observámos este anno na enfermaria á cargo do eminente professor conselheiro Torres Homem (Ia cadeira de clinica medica). Não incluimos aqui detalhada essa observação porque, incom- pleta por não ter sido feita a autópsia do individuo, que era escravo e foi reclamado, nada traria de positivo para elucidação deste ponto. Todavia cumpre declarar que os symptomas apresentados fôrão os seguintes: o doente, que tinha 22 annos de idade, entrou com uma bronchite dupla de apice, rebelde á todos os meios empregados. Apresentava alguma tosse. Dentro em pouco tempo notou-se manifesta anemia e progres- sivo depauperamento. Signaes de fusão tuberculose em ambos os pulmões ; mais pronunciada no direito. Manifestárão-se depois os phenomenos nervosos, paralysias e outros, que evoluirão como sóe acontecer nos casos de myelite sub- aguda de marcha ascendente. Morte pelo bulbo. TERCEIRA PARTE Ienes peripherico Na tuberculose pulmonar, como nas moléstias egualmente infec- ciosas, dão-se para os nervos periphericos alterações de caracter perfeitamente reconhecido e cuja natureza não deixa margem á duvida alguma. Essas alterações reproduzem os traços da nevrite paren- chymatosa: segmentação da myelina, proliferação dos núcleos dos segmentos inter-annulares, desapparecimento do cylinder axis, atro- phia mais ou menos completa das fibras nervosas. Por sua feição clinica, essas nevrites apresentão-se geralmente diffusas, interessão os tubos nervosos em maior ou menor numero, affectão sem distincção os nervos sensitivos, motores, mixtos, cra- neanos, o pneumogastrico, o phrenico, etc. Dependentes das lesões indicadas, fôrão por muitos autores observadas paralysias diffusas, invasoras, rapidamente seguidas de atrophia muscular, que por seu caracter clinico simulavão e erão consideradas determinadas por uma myelite anterior sub-aguda. Porém, o exame necroscopico revelando perfeita integridade do eixo medullar, foi necessário reconhecer-lhes causa differente das outras. Nesses differentes casos, com effeito, a medulla, cuja altera- ção se havia suspeitado, achava-se completamente indemme, emquanto — 32 — que os nervos periphericos, a priori considerados illesos, apresentavão lesões sufficientes para explicar os phenomenos observados. Eisenlohr foi o primeiro que referio a historia de um tuberculoso que morreu depois de ter apresentado dores agudas nos dois membros inferiores e paralysia com atrophia muscular rápida. Encontrou-se a medulla intacta, mas os dous nervos scyaticos erão sede de uma nevrite parenchymatosa evidente e os músculos correspondentes esta- vão degenerados. Quasi ao mesmo tempo, Joffroy dava conta de uma observação, mais notável ainda, de paralysia com atrophia muscular dos membros inferiores e superiores, sobrevinda nas mesmas condições e dependente também de uma nevrite parenchymatosa generalisada, sem lesão da medulla ou das raizes nervosas. Eis a observação. Uma mulher, de 33 annos, doente de tuberculose pulmonar, expe- rimenta enfraquecimento muito notável dos membros inferiores. Em 5 de Março, na occasião de sua entrada para o hospital, ella podia ainda andar sustentando-se com os braços, porém, no fim de oito dias a paralysia se accentuou e a doente não poude mais levantar o calcanhar do plano horizontal do leito ; todavia ainda lhe é possivel flexionar as pernas, arrastando o calcanhar sobre o lençol. Não se observarão contracturas. A sensibilidade á dôr, á temperatura, á pressão, ou ao contacto enérgico é completamente normal. A noção de posição dos membros acha-se inteiramente perdida. O reflexo plantar apresenta-se ligeira- mente enfraquecido. Não ha paralysia da bexiga nem do recto. Os membros superiores estão intactos. 16 de Março.—Os membros superiores se enfraquecem por sua vez ; os extensores das mãos achão-se particularmente paralysados. Existe além disto um certo gráo de incoordenação motora desses membros. Não existe nelles a noção de posição. Atrophia palpável dos músculos dos membros inferiores. — 33 — 27 de Março. — As massas musculares da eminência thenar, as da região anterior e posterior do antebraço estão visivelmente atrophiadas tanto á direita como á esquerda; o mesmo se observa para os deltoides. 29 de Março. A atrophia faz progressos notáveis nos membros superiores ; apezar de que a paralysia é ahi incompleta assim como nos membros inferiores, e o doente pôde ainda ajudar-se com as mãos. A excitabilidade faradica está totalmente abolida nas massas muscula- res das coxas e das pernas ; é quasi nulla nos músculos da eminência thenar, hypothenar e interosseos, nos músculos das regiões anterior e posterior dos antebraços e emfim nos deltoides. Os biceps se contra- hem ainda energicamente. A doente morre em 7 de Abril, sem ter apresentado até o fim per- turbação alguma da bexiga nem do recto. Uma eschara tinha-se des- envolvido no sacro nos últimos dias da vida. Autópsia. — Adherencias muito extensas das meningeas com as circumvoluções cerebraes, principalmente na base e ao nivel dos lobos anteriores. Neste ponto a substancia cinzenta mostra-se muito con- gesta. Integridade das partes profundas do encephalo. A medulla e seus envoltórios parecem sãos á olho nú. Nota-se de um modo especial, a ausência de qualquer signal de meningite. O exame da medulla depois de endurecimento, não mostra alteração alguma da substancia cinzenta, da substancia branca e particularmente das cellulas nervosas e dos cylinder axis, tanto na dilatação lombar, como na cervical. Os differentes nervos dos membros, retirados do lado direito e do esquerdo, scyatico, mediano, cubital, radial, não apresentão á olho nú, modificação alguma de volume ou coloração. Mas o exame microscópico pela dissociação descobre em todos alterações da mesma natureza e não variando senão em sua intensidade. Em todas as preparações encontra-se quantidade enorme de tubos nervosos perfeitamente sãos; porém, em grande numero de outros observa-se segmentação mais oumenos avançada da myelina e presença 1886—P 5 — 34 — de granulações graxas. Em alguns tubos, essas granulações enchem completamente o cylindro da bainha de Schwan. Os núcleos achão-se multiplicados. E' nos scyaticos que a íesão se encontra mais pronun- ciada ; nos medianos, ao contrario, é menos apparente. As raizes de todos os nervos bulbares e as de grande numero de nervos rachidianos, minuciosamente examinadas, não apresentão alte- ração alguma. Vierordt, Eisenlohr e outros autores mais tiverão occasião de estudar vários factos do mesmo gênero e não menos demonstrativos que o precedente sob o ponto de vista das lesões que affectão os nervos periphericos. Consignamos aqui a observação de Eisenlohr : Um homem de 23 annos, entrado para o hospital de Hamburgo em 29 de Maio de 1883, tinha sido acommettido algumas semanas antes de anorexia, de tosse com expectoração pouco abundante. Estava em grande abatimento. Edema nos pés. Collecção na pleura esquerda, indo até a parte média do omoplata. Não ha albumina nas urinas. Movimento febril continuo sem que a temperatura exceda 38°,5. Em 18 de Maio incontinencia das matérias fecaes, que só durou dous dias. Em 20 os membros inferiores forão atacados de uma paralysia que fez rápidos progressos e tornou-se completa á 26. Complicava-se de uma atrophia progressiva dos músculos paralysados. Não ha dores. Sensibilidade ligeiramente perturbada nos membros inferiores. Re- flexo patellar abolido. No começo de Junho, formigamento nos dedos e fraqueza nos membros superiores ; em 8, alguns grupos musculares estavão já para- ly?ados, por exemplo, os extensores da mão sobre o ante-braço. No momento das inspirações o diaphragma não se contrahía. Em 14 de Junho, a atrophia tinha invadido um grande numero de músculos dos membros inferiores e era quasi igualmente pronun- ciada nos membros superiores. Ligeira atrophia dos músculos do — 35 — dorso. Não lia espasmos nem contracturas nem contracções fibrillares; não ha também dôr á compressão dos músculos paralysados. Excitabilidade faradica abolida em quasi toda a extensão dos membros inferiores, não só nos nervos como nos músculos. O mesmo se observa na excitabilidade galvanica dos nervos. A exploração dos músculos pela corrente galvanica, dava signaes da reação de degene- rescencia. Resultados análogos nos membros inferiores, com a diffe- rença, no entanto, que alguns músculos reagem normalmente contra as duas variedades de correntes. Sensibilidade táctil ligeiramente obtusa nos membros inferiores e sobre o abdômen. Nenhuma perturbação na esphera dos nervos craneanos. Em 22 de Junho a paralysia tinha augmentado nas mãos. Ligeiro edema nos pés, nas pernas, nas coxas e nas mãos. Quando o doente quer escarrar, os músculos abdominaes não se contrahem senão ligeira- mente; entretanto, apezar da paralysia do diaphragma, não ha dyspnéa. 15 de Julho. Pulso de 100 á 120. Respiração de 40 á 50. Tem- peratura de 38°á39°. Accessos de suffocação que forão augmentando até a morte (24 de Julho). Autópsia.—O encephalo e seus invólucros apresentárão-se sãos. O exame histologico da medulla não revelou outra particularidade importante, senão a existência de vacuolos no meio do protoplasma de algumas cellulas motoras. As raizes anteriores conservavão todas sua perfeita integridade. Ao contrario, os nervos periphericos erao sede de uma degenerescencia muito pronunciada nas ramificações ter- minaes e que ia diminuindo de intensidade da peripheria para o centro. Assim, os ramos intra-musculares do nervo tibial quasi não encerrava senão fibras nervosas desaggregadas ; no tronco do nervo o numero das fibras alteradas excedia ainda o numero das fibras intactas. Do mesmo modo na extremidade inferior do tronco do scyatico, em- quanto que na parte superior do mesmo nervo, só se encontravao algu- — 36 — mas fibras degeneradas. Estas não erão assim encontradas nos grossos troncos nervosos do braço direito nem dos do plexo sacro. Os músculos dos membros superiores estavão na maior parte intactos ; aqui e ali encontravão-se fibras adelgaçadas, atrophiadas. Pelo contrario os músculos da perna direita erão sede de degeneres- cencia granulosa muito avançada. A' propósito deste caso, Eisenlohr insiste sobre a tuberculose pulmonar que apresentava seu doente e parece concluir d'ahi para a natureza infecciosa dos accidentes paralyticos. Porém elle considera as nevritesperiphericas como uma simples conseqüência de lesões pri- mordiaes que se dão nos grupos cellulares da medulla e caracterisadas pela presença de vacuolos no meio do protoplasma. Na verdade, a significação deste estado particular, que se encontra algumas vezes no protoplasma das cellulas motoras, é por demais incerta e duvidosa para se ser autorizado a vêr nella uma alteração pathologica real e sufficientemente precisa. A integridade perfeita das raizes anteriores confirma ainda a duvida á este respeito e torna mais provável a inde- pendência absoluta das lesões nevriticas. Desses diversos exemplos resulta o conhecimento de que nos tuber- culosos podem-se observar paralysias, cuja causa não reside em uma alteração do cérebro, da medulla ou das raizes nervosas. O exame methodico dos centros nervosos demonstra, com effeito, a integridade absoluta do cérebro, da medulla e das raizes nervosas. Somente os nervos periphericos se encontrão alterados, e as lesões que elles apresentão reproduzem todos os attributos histologicos da nevrite perenchymatosa. Nos nervos examinados, o numero das fibras compromettidas é tanto maior, a desorganização tanto mais completa, quanto mais a analyse approxima-se dos ramos terminaes. E sempre nos filetes musculares que se encontra no mais alto gráo a atrophia das fibras nervosas. No scyatico, por exemplo, como o menciona Eisenlohr, as fibras degeneradas são raras para a extremidade superior do tronco nervoso ; augmentão, dominão mesmo na parte média ou inferior, e tornão-se de tal modo numerosas nos ramusculos intra-musculares do — 37 — tibial, que esses filetes devem ser considerados absolutamente destruí- dos. Quanto aos ramos do plexo sacro, nelles não se observa uma só fibra alterada. Estes factos, por muito concludentes, parecem estabelecer sem reserva que verdadeiras nevrites periphericas, diffusas, múltiplas e sem relação com uma lesão dos centros ou das raizes, podem sobrevir nos tuberculosos e se manifestar por paralysias amyotrophicas in- vasoras, quasi sempre acompanhadas de perturbações da sensi- bilidade. Parece também que admittindo estas nevrites, póde-se por suas lesões interpretar certas perturbações da motilidade, um pouco differentes das precedentes, que se observão ainda na tu- berculose pulmonar. Taes são essas paralysias sem amyotrophias concomitantes, que se limitão á um grupo de músculos, á um segmento de membro, mas que podem também tornar-se mais extensas ; ellas coincidem quazi sempre também com modificações da sensibilidade no logar em que ha partes affectadas, e, nos factos seguidos de autópsia, pareceu serem estranhas á qualquer lesão cerebral ou medullar. Assim Leudet cita três exemplos de paralysia limitada aos fle- xores, aos extensores dos dedos. Perroud refere vários casos de paresia ou de paralysias circumscriptas, interessando a maior parte das vezes um só braço, algumas vezes os dous membros inferiores. Do mesmo modo, em uma observação mencionada por Hahn, os dous membros superiores fôrão rapidamente interessados de para- lysia completa, que a autópsia não permittio ligar á uma alte- ração dos centros nervosos (Pitres e Vaillard). No serviço do conselheiro Torres Homem, observámos este anno um caso, em que apresentárão-se todos os symptomas descri- ptos pelos autores e no qual o proficiente mestre diagnosticou uma paralysia peripherica por nevrite tuberculosa. O exame histologico dos cordões nervosos, que foi confiado á um acreditado microscopista, parece não ter sido realizado. — 38 — Apezar do muito que nos empenhámos, nada pudemos obter neste sentido, razão porque deixamos de dar aqui a observação que á este caso se refere. PROPOSIÇÕES — 41 — CADEIRA DE PHYSICA MEDICA Estudo especial sobre os thermometros clínicos i Em clinica empregão-se para a exploração da temperatura, ther- mometros á mercúrio, cuja escala apresenta um intervallo de 20° centígrados, comprehendidos entre 25° e 45°, escala essa que deve ser graduada de modo que as divisões por décimos da mesma sejão facil- mente legiveis. II Os thermometros, variáveis na fôrma de seu reservatório niercu- rial, são ou para a temperatura geral ou para a temperatura local ; para a applicação dos primeiros é a axilla o logar geralmente esco- lhido (nas primeiras idades se preferirá com vantagem a prega da virilha, com o membro correspondente em addução, ou o tubo rectal, tendo o cuidado neste caso de abater alguns décimos); o emprego do segundo deve ser feito no logar da affecção ou em parte que mais proximamente a avizinhe. III Os thermometros de maximat empregados ultimamente, apezar de seu manejo mais cuidadoso, são muito commodos na pratica, pois, collocados nas mãos dos próprios doentes, em dadas condições, ou nas de seus enfermeiros, podem informar o clinico das variações da tempe- ratura, toda a vez que lhe fôr preciso acompanhar de perto a marcha de uma pyrexia ou a evolução de um processo inflammatorio. ts 1886—P — 42 — CADEIRA DE CHIMICA MEDICA E MINERALOGIA Estudo chimico do ferro e de seus compostos i O ferro (Fe2), Marte dos alchimistas, é um dos metaes mais espa- lhados já no reino inorgânico, já na natureza viva, sendo introduzido na economia humana, exemplificadamente, não só no estado nativo, como no de muitos de seus numerosos compostos. II E' um corpo cinzento-azulado, de aspecto fibroso, duro e muito ductil; de densidade de 7,60 e peso atômico 56 ; de cheiro particular e sabor estyptico ; de oxydação fácil ao ar humido e na temperatura rubra na água, que elle decompõe. III De seus compostos, possuindo mais ou menos o seu sabor adstrin- gente, os formados com os metalloides e os ácidos, dão nascimento á uma multidão de corpos, quotidianamente empregados em medicina. — 43 — CADEIRA DE CHIMICA ORGÂNICA E BIOLÓGICA Resorcina e seus uzos i A resorcina (C6H602), oxyphenol, ácido oxyphenico, corpo erys- tallisavel, solúvel, descoberto em 1880 por Klassiwetz e Barth, extrahe-se da assafetida, da gomma ammoniaco, do galbanum e do sagapenum, de onde o foi primitivamente com o auxilio da potassa. II Reunida sua acção antizymotica ao effeito anesthesiante local da cocaina, em applicações tópicas a 2/100 por meio de um pincel, na abertura glottica (processo domethodo de tratamento do Dr. Moncorvo), é de magníficos resultados sobre a causa, provavelmente parasitaria, da coqueluche. III Ainda nas mãos do mesmo pratico, vimos,'seguida dos melhores effeitos, sua applicação contra as aphtas e a diarrhéa pútrida na infância. — 44 — CADEIRA DE BOTÂNICA E t ZOOLOGIA MÉDICAS Estudo geral dos vegetaes parasitários do homem, e dos damnos pe podem elles produzir i São numerosos os vegetaes parasitários do homem (epianthropos)' pertencendo a maioria de seus representantes ás obscuras familias das algas e cogumelos, por seu turno representantes da classe inferior dos cryptogamos. II O oãium albicans, cogumelo trichosporo, desenvolvido na mucosa buccal, é o productor da affecção cy clica conhecida geralmente com o nome de aphtas (muguet dos francezes). III São conhecidos os damnos que causão as aphtas entre as crianças, nas quaes não sendo convenientemente combatidas em seu começo, pela extensão de sua influencia ao estômago e intestinos tornão-s9 a causa de dyspepsias e diarrhéas não poucas vezes mortaes. — 45 — CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA Órgão central da circulação i O coração é um órgão cavo; de textura muscular especial; re- vestido interna e externamente por serosas (endocardio e pericardio); dividido em quatro cavidades, seja dito—duas superiores e duas infe- riores (auriculas e ventriculos), por duas paredes que se interceptão, das quaes a que separa as primeiras das segundas, é provida de ori- fícios valvulares, que as communicão entre si, a outra, que se completa depois do nascimento, separa inteiramente as cavidades de um das do outro lado e constitue assim o que também se chama coração direito e coração esquerdo. II O coração, de fôrma conoide, de apice inferior e dirigido para diante e para a esquerda, de base superior e voltada para trás e para a direita, tem uma face convexa, anterior, superior e esquerda, e outra mais plana disposta em sentido inverso, tem dous bordos, um esquerdo, mais curto, curvo, espesso e vertical, outro direito, mais longo, recto e quasi horizontal. III O coração acha-se contido na caixa thoracica, no mediastino an- terior, por trás do sternum, entre os dous pulmões, cornos quaes está em relação por intermédio das pleuras mediastinaes, acima do diaphra- gma, á cujo centro phrenico adhere por intermédio de parte do peri* cardio parietal, e preso finalmente e suspenso pela base por meio dos grossos vasos que ahi immergem trazendo o sangue de que elle ô o collector, e pelos que também dahi partem levando o sangue de que é egualmente elle o distribuidor, como órgão central da circulação. — 46 — CADEIRA DE HISTOLOGIA THEORICA E PRATICA Relações entre as cellulas e as fitos nervosas i As cellulas estão em estreita connexão com as fibras nervosas, já sob o ponto de vista da anatomia, pois sabe-se que estas por seu cylin- der-axis não são mais que a continuação do protoplasma modificado daquellas, como sob o ponto de vista physiologico, em que as cellulas são consideradas ora o centro em que dá-se um movimento espontâneo ou voluntário, provocado ou reflexo, que por meio das fibras (centrífu- gas) será convertido em um acto, ora o ponto em que será percebida uma excitação ou uma sensação, pela fibra nervosa (centripeta) trans- mittida da peripheria. II As cellulas nervosas têm por sua sede privativa, mas não exclu- siva, as partes chamadas centros nervosos e onde também se encontrão as fibras que partindo da peripheria ou a ella indo ter—substancia branca encephalica e cordões brancos medullares—, põem em communi- cação as duas partes, centro e peripheria. III As fibras nervosas, constituindo as raizes e, depois de enfeixadas, formando" os nervos, principalmente para a porção que se refere á medulla, são encontradas fora da cavidade craneo-rachidiana; divi- dem-se, subdividem-se, anastomosão-se e distribuem-se aos membros, tronco e á todos os órgãos, onde não é raro encontral-as inter-seccio- nadas aqui, reunidas ali por grupos de cellulas, verdadeiros centros periphericos. — 47 — CADEIRA DE PHYSIOLOGIA THEORICA E EXPERIMENTAL Da nevrilidade i Nevrilidade é a propriedade que têm as fibras nervosas (centrí- fugas e centripetas) de transmittir por seu apparelho de conducção, em qualquer sentido e indifferentemente, as excitações que lhe são communicadas já por uma cellula nervosa sensitiva ou motora, já por um órgão affecto á sensibilidade ou ao movimento, já finalmente que uma excitação, que pôde ser pathologica, mecânica ou electrica, se exerça sobre qualquer ponto de sua continuidade conservada integra. II A distincção, pois, entre fibras sensitivas e motoras não assenta sobre a constituição anatômica e mesmo, em ultima analyse, sobre uma funcção physiologica especial de seus elementos; e está provado experimentalmente (Vulpian, P. Bert, Chauveau) que essa funcção depende exclusivamente das relações dos tubos com as cellulas nervo- sas : as fibras sensitivas são centripetas porque, terminando em sua extremidade periplierica em órgãos aptos á recolher as excitações, são estas transmittidas dessa extremidade ás cellulas nervosas sensi- tivas da medulla ; as fibras motoras são por sua vez centrífugas em razão da transmissão que se faz nesse sentido, das incitações partidas das cellulas motoras da medulla e indo ter á peripheria, onde se ter- minão essas fibras em órgãos reservados á motilidade. III Está demonstrado que á uma mesma excitação, a energia do movi- mento provocado cresce na razão do afastamento para o centro do ponto em que ella é exercida no nervo que anima um órgão de motili- dade, e que o tempo gasto na transmissão dessa excitação, augmentado com esse afastamento, comtudo não o é na mesma razão. — 48 — CADEIRA DE ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS Paludismo i A intoxicação pela malária exerce-se em seu inicio sobre o sangue, em seguida e por intermédio do meio interno, sobre o systema nervoso ganglionar e finalmente, pela influencia deste, sobre as glândulas em geral e as vasculares sangüíneas ligadas ás grandes funcções. II A presença do elemento infeccioso no sangue, nos casos de palu- dismo, determina, ainda mesmo quando o liquido nutritivo não se acha alterado em sua constituição intima, uma sideração nervosa que é causa dessas congestões passivas, mais ou menos intensas, terminadas ora pela absedação ou suppuração, ora e mais commummente pela degeneração ou sclerose. III A alteração da constituição do sangue no paludismo — sem falar nas conseqüências das obliterações melanemicas dos vasos—, á par de fôrmas diversas de anemia que produz, tem sob sua dependência dif- ferentes estados mórbidos localisados para o apparelho nervoso, o digestivo e órgãos annexos, o circulatório, etc, sendo para notar-se a exquisita immunidade que até certo ponto parece estabelecer para o apparelho respiratório em relação á tuberculose. — 49 — CADEIRA DE PATHOLOGIA GERAL Paralysias i Paralysia é o estado de impotência dos órgãos da motilidade e da sensibilidade, estado que resulta da falta completa ou incompleta de suas funcções, determinada por uma perturbação da innervação motora e sensitiva. II A paralysia do movimento existe associada á paralysia do senti- mento ou ellas existem isoladas; quando completa, a primeira toma o nome de akinesia, incompleta,— o de paresia; a outra, no primeiro caso chama-se anesthesia, no segundo,— paresthesia. III As paralysias, segundo sua natureza, distinguem-se em: orgânicas ischemicas, dyscrasicas e funccionaes; segundo sua extensão e sede, —em: paralysia geral ou resolução muscular, paralysia parcial, hemi- plegia, paraplegia, paralysia alterna, monoplegia, paralysia facial, paralysia do recto, ptosis, cophose, etc. 7 1886—P — 50 — CADEIRA DE PATHOLOGIA MEDICA Coqueluche i A coqueluche é uma moléstia parasytaria, cujo germen pathoge- nico, ainda não perfeitamenta reconhecido, localisa-se na abertura glottica e cryptas existentes na extremidade superior do larynge, onde, determinando uma excitação especial, é causa dos phenomenos reflexos que caracterisão esta moléstia. II A coqueluche é perfeitamente apyretica e a ausência de catarrho, observada em infinidade de casos de sua inteira evolução, durante a qual no entanto elle pôde existir, separa-a completamente da classe das flegmasias que affectão a arvore tracheo-bronchica. III O tratamento da coqueluche pela applicação tópica da resorcina (processo do Dr. Moncorvo, o illustrado professor da Policlinica Geral), não só é um argumento valioso para a prova da natureza zymotica desta affecção, mas também mostra que a mesma é puramente local. 51 CADEIRA DE PATHOLOGIA CIRÚRGICA Carcinoma i O carcinoma, que histologicamente seria designado por Cornil e Ranvier com o nome de «fibroma alveolar,» é um tumor maligno repre- sentado por um stroma de tecido conjunctivo fibroso, limitando alveolos, verdadeiras cavernas que se communicão e cheias de cellulas inde- pendentes umas das outras e mergulhadas em um liquido mais ou menos abundante. II Admittidos os termos desta definição, não se"póde acceitar a con- fusão estabelecida por Fcerster, entre outros, que admitte carcino- mas propriamente ditos e carcinomas epitheliaes, comprehendendo sob esta ultima designação os cancroides ou epitheliomas que, como se sabe, são inteiramente distinctos do carcinoma. III Em muitos casos o diagnostico positivo do carcinoma só pôde ser estabelecido pelo exame repetido e rigoroso, feito ao microscópio, do tecido do tumor. — 52 — CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA ESPECIALMENTE BRAZILEIRA Medicação láctea i Desde Hippocrates que o leite, substancia que tem as proprieda- des de um alimento completo e o de digestão a mais fácil, occupa na therapeutica logar saliente como medicamento emoliente, analeptico e diuretico. II Na criança que se amamenta artificialmente, antes de buscar outro meio para combater uma perturbação gastro-intestinal ou outra, que desta muito freqüentemente costuma depender, deve-se attender, comparando com o poder de seus órgãos digestivos, para as condições do leite que lhe é fornecido: sua qualidade, quantidade e a opportu- nidade de sua ingestão, condições estas que devidamente preenchidas, tornão o leite (de vacca) além do alimento preferível, o medicamento que mais lhe convém. III E' geralmente nas moléstias das vias digestivas, nas de vicio da nutrição geral, nas varias espécies de scleroses de visceras glandu- lares, nas collecções serosas cavitarias, notadamente a ascite, na ana- sarca, etc, que o emprego do leite tem encontrado suas melhores indicações. — 53 — CADEIRA DE PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR Das incompatibilidades dos medicamentos i Diz-se que ha incompatiblidade entre duas ou mais substancias quando estas constituem por sua associação uma mistura defeituosa, já por sua fôrma, já pelos resultados physiologicos á que sua admini- stração poderia dar logar. II Absoluta ou relativa, a incompatibilidade dá-se, no primeiro caso, quando ella se opera entre substancias que nunca devem ser asso- ciadas, quaesquer que sejão a fôrma pharmaceutica e as circumstan- cias em que se faça sua administração, o que se observa entre o calomelanos e os chloruretos e bromuretos alcalinos ; dá-se incompa- tibilidade relativa quando ella não se produz em todos os casos, po- dendo-se pela modificação das preparações, impedir que as reacções se dêm, como, por exemplo, pela presença da glycerina, impede-se a reacção do tannino sobre os sáes de ferro. III Além desses dois modos geraes de ser encarada, a incompatibilidade pôde ser considerada pela sua face physica, chimica, pharmaceutica physiologica e, comportando cada um destes caracteres differenças e especializações diversas. - 54 — CADEIRA DE HYGIENE PUBLICA E PRIVADA E HISTORIA DA MEDICINA Das condições pe explicão a mortalidade das crianças na cidade do Rio de Janeiro i A illegitimidade da filiação das crianças, acompanhada de todas as más condições que neste facto podem concorrer, e de que são ellas as primeiras victimas, illegitimidade essa revelada pelo numero pequeníssimo de uniões matrimoniaes entre nós, á par da crescente proporção em que caminha a prostituição, tal é uma causa que traz poderoso contingente á cifra da mortalidade das crianças na cidade do Rio de Janeiro. II O aleitamento mercenário, já mesmo encarando somente o procurado pelos pobres que, em busca de "melhores proventos, en- tregão os filhos á cuidados alheios; já, caso este mais freqüente e immoral, considerando o á que obrigão os filhos de escravas, que são reduzidas á negar o leite ao producto de seu seio, para em troco delle encher de ouro a bolsa do senhor,—é esta ainda uma das condições que explicão a mortalidade das crianças no Rio de Janeiro. III As conseqüências immediatas ou remotas das diatheses sy- philitica e tuberculosa, as moléstias eruptivas e, talvez mais que estas, o paludismo, especialmente sob suas fôrmas larvadas, sobre- sahindo entre todas a constítuida por diarrhéa, estas são também condições que explicão essa mortalidade. 55 — CADEIRA DE ANATOMIA CIRÚRGICA, MEDICINA OPERATORIA E APPARELHOS Da lithotricia de Bigelow I O processo lithotrico de Bigelow baseia-se nos seguintes prin cipiòs: dilatabilidade maior do canal da urethra, que pôde attin- gir de 18 á 20 millimetros, calibre também do lithotridor que por isso é dotado da conveniente resistência para receber e trans- mittir a força esmagadora. II Realisação—em todos os pontos preferível—da operação em uma só sessão, sujeitando-se para isso o doente á acção de um anesthesico geral. III Evacuação da bexiga, previamente distendida por um liquido, á que se poderá addicionar a cocaina, ,dos residuos lithicos re- sultantes do esmagamento, empregando-se aspiradores especiaes e de typos variados. — 56 — CADEIRA DE OBSTETRÍCIA Delivramento i O delivramento, que é o complemento do parto, consiste no descollamento do placenta e sua expulsão conjunctamente os de- mais annexos do feto para fora dos órgãos da geração da mulher, sendo que este facto, que dá-se naturalmente, exige algumas vezes a intervenção da arte. II O delivramento natural, que habitualmente opera-se dentro de quinze á vinte e cinco minutos, na parte que se refere ao des- collamento do placenta e sua expulsão do canal cervico-uterino, pôde não completar-se inteiramente senão ao fim de varias horas, por causa de sua demora na vagina, estranha ao estimulo de seu contacto, em conseqüência do entorpecimento nella determinado pela passagem da cabeça do feto. III O delivramento artificial encontra suas indicações nos casos de dystocia provocados por uma inércia ou contracção irregular do utero, por um volume excessivo ou adherencias muito fortes do placenta, por fraqueza do cordão umbilical, etc. — 57 — CADEIRA DE MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA Cremação dos cadáveres sob o ponto de vista medico-legal i E' sob o ponto de vista da medicina legal que a questão da cremação dos cadáveres deve ser ventilada com todo o empenho e discutida com o maior cuidado. II A hygiene, neste ponto adversaria da medicina legal, indi- cando-lhe as condições em que devem ser construidos os cemitérios, já concedeu-lhe que a inhumação só é perniciosa, sem falarmos na guerra, em caso de um morbo infeccioso muito singular ou de epidemias cruentas, de saciedade quasi impossivel. III Por outro lado, cumpre ter sempre em vista que a cremação dos cadáveres arranca muitas vezes das mãos da sciencia os meios de armar a justiça contra o culpado, e muitas vezes também não faz mais que espalhar nuvens de cinzas sobre o ceu de esperanças do innocente. 8 1886 P — 58 — 1." CADEIRA DE CLINICA MEDICA Das condições pathogenicas das paralysias que sobreveem du- rante a marcha da phtisica pulmonar i Pelo estudo de suas condições pathogenicas, vê-se que as para- lysias que sobrevêm durante a marcha da phtisica pulmonar, são outras tantas e podem ser incluidas na classificação clássica que as reúne sob a denominação de paralysias orgânicas, anêmicas, dyscrasicas e funccionaes. II Só as paralysias orgânicas observadas no curso da tuberculose, têm um caracteristico especial que é constituído pela natureza das va- riadas manifestações da diathese e predilecções que a ellas são pecu- liares. III As paralysias anêmicas, dyscrasicas e funccionaes na tuberculose, têm a sua pathogenia explicada do mesmo modo como isto se dá em relação á semelhantes paralysias observadas em moléstias egualmente infecciosas e dyscrasicas. — 59 — l.a CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA DE (ADULTOS Indicações que á pratica cirúrgica pode fornecer o exame das urinas i O exame das urinas não deve ser desprezado pelo cirurgião, toda a vez que na imminencia da pratica das operações, elle pelo facies do doente ou outro signal, não é levado á contar com um estado geral capaz de conduzir beneficamente as phases physio-pathologicas, con- secutivas ás mesmas operações. II Instruído por esse exame, que confirma a sua presumpção, elle ou adia sua intervenção cirúrgica, tendo em vista modificar primeiro as condições do doente, ou tem de abster-se completamente de operar, o que succede em não pequeno numero de casos. III E'principalmente nas moléstias diathesicas, e mais particular- mente nas que se localisão em órgãos splanchnicos parenchymatosos, que o exame das urinas descobrirá já corpos chimicos, já elementos biológicos figurados, cujos modos de ser e condições de sua presença nas urinas indicarão ao pratico o procedimento á seguir. HIPPOCRATIS APHORISMI I Vita brevis, ars longa, occasio preceps, experientia fallax, judicium difficile. (Sect. I; Aph. 1). II Naturam corporis est in medicina principium studii. (Sect. 11; Aph. 7). III Ubi somnus delirium sedat, bonum. (Sect. II; Aph. 2). IV Somnus, vigilia, utraque modum excedentia, malum. (Sect. II; Aph. 3). V Lassitudines spontanse morbos denunciant. (Sect. II; Aph. 5). VI In morbis acutis, extremarum partium frigus, malum. (Sect. VI; Aph. 1). Esta these está conforme os Estatutos. Rio de Janeiro, 8 de Setembro de 1886 Dr. Brandão. Dr. Crissiuma. Dr. Francisco de Castro.