Esta these está conforme aos Estatutos. Rio de Janeiro 1.° de Novembro de 1847. i Dr. João José de Carvalho. . ^cryci/: C4sC ft4J> '4séU&ír*4/x ÍLOTIIS GE1TER0S DE ASFHTZIi ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE ABUSOS. AS ULCERAS GANCROIDES SERÃO UMA VARIEDADE DE SYPHILIS FORMAM UMA ESPÉCIE PARTICULAR DE MOLÉSTIA? OITllIIVAS LEITOSAS SUAS CAUSAS, SUA CONFRONTAÇÃO COM A NEPHRÍTE ALBUMINOSA APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO E SUSTENTADA EM 4 DE DEZEMBRO DE 1850 POR FILHO LEGITIMO DO Capitão Antônio Pinto de Mjara e Góes E D. MAFALDA CÂNDIDA DE REZENDE ALVIM Membro effectivo da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional e do Gymnasio Brasileiro N&TMAL 0)Ê MIC MS ©i&AiS DOUTOR EM MEDICINA PELA MESMA FACULDADE. Non, 1'art de soulager 1'infirme creature Ne*i pas un vil trafique fondé súr 1'imposture! Miracles du savoir si soudains et si beaux Qu'ils semblent dire aux morts;—sortez de vos tombeaux ! (Poeme; Barthelemy), RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA DE FRANCISCO DE PAULA BRITO Praça da Constituição n. 64 1850. FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO. DIRECTOR O Snk. Dr. José' Martins da Cruz Jobim. LENTES PROPRIETÁRIOS. Os Srs. Drs. I—anno. Francisco de Paula Cândido...................... Physica Medica. Francisco Freire Allemão........................ 5 Botânica Medica, e principios elementares de Zoo- t logia. II —ANNO. Joaquim Vicente Torres Homem................. í Chimica Medica, e principios elementares de Mine- í ralogia. José Maurício Nunes Garcia...................... Anatomia geral e descriptiva. III—ANNO. .José Maurício Nunes Garcia...................... Anatomia Geral e descriptiva. Lourenço de Assis Pereira da Cunha.............• Physiolc-ia IV—ANNO. Luiz Francisco Ferreira, Examinaãor.............. Pathologia externa. Joaquim José da Silva........................... Pathologia interna. João José de Carvalho.......................... S Pharmacia, Matéria Medica, especialmente a Bri- V—anno. ' sileira, Therap., e Arte de formular. Cândido Borges Monteiro, Examinaãor............ Operações, Anatomia topogr. e Apparelhos. Francisco Júlio Xavier, Presidente...............• Partos, Moléstias das mulheres pejadas e paridas VI—anno e <*os meninos recém-nascidos. Thomaz Gomes dos Santos........................ Hygiene, e historia da Medicina. José Martins da Cruz Jobim...................... Medicina legal. = ^a0lO»Ian0e! felÍci,?n?-P-^e Carv\°............ Clinica externa, e Anat. pathol. respectiva. 5.» ao 6.° Manoel do Valladao Pimentel............. Cünica interna, e Anat. patbol. respectiva. LENTES SUBSTITUTOS. Francisco Gabriel da Rocha Freire................ >0 . , . Antônio Maria de Miranda Castro................ J Secçao de sciencias accessoria». José Bento da Rosa.............................. j Antônio Felix Martins, Examinaãor.............. \ Secção medica. Domingos Marinho de Azevedo Americano........ 1 0 Luiz da Cunha Feijó, Examinaãor................. 5 Secçao cirúrgica; SECRETARIO O Snr. Dr. Luiz Carlos da Fonceca. A Faculdade não approva nem degapprova as opiniões emittidas nas Theses, que lhe sHo apresentadas. ERRATAS. Pela rapidez com que fomos obrigados a imprimir nossa These, diversos erros ty- pographicos e orthograpuicos nos escaparam, dos quaes os mais sensíveis vão aqui emendados. Desde a pagina l.a até a 8.a inclusive, em vez de—asphixia e asphixiadores—leia-se- xiadores. Pagina 9,linhas 16—assim como as fossas nazaes—que assim como as fossas, &c. 25—se nelles—se nelle. 4—mucu—mucus. 33—morrer?—morrer! 12—seus filhos—suas filhas. 13 — bárbaros—barbaras. 5—que em algumas creanças—que em algumas as creanças. 30—homoepathica—homceopathica. 3—sypbiles— syphilis. 15— fongosidades— fungosidades. 14 — os mesmos erros da linha antecedente. 30 — tyranos — lyranos. ■ asphyxia — asphy- 1 11, • • 13, - > 14, . • 15, . lbidem > Pag. 16, . lbidem » Pag. 21, • • 22, . » 25, » ■ 26, . MEU PAE, MINHA MÃE, MEUS IRMÃOS E IRMÃAS Não é para vos offerecer meu pequeno trabalho que a vós me dirijo; pois, se alguma cousa vale, vosso é: mas para ainda confessar a amizade que vos devo, e pedir-vos que me abençoeis! A MMUh MUIUCIR I MmUh ÊELM&, A MEU SOGRO, SOGRA, CUNHADOS E CUNHADAS. A MEU TIO E VERDADEIRO AMIGO O ILLM. SNR. VIGÁRIO JOAQUIM CARLOS DE REZENDE ALVIM. Meu amigo, que tenho eu para offerecer-vos em troca de tanta affeição que me haveis lido, e quando ainda tenho de pedir-vos a continuação de vossa amizade ? »®§»®I1 ®« i®i® •.®§§®®®tt®®i$®®®®f®®S ã®SS®®®i§®®®®®S®®I■ 8®!®®@®®S® %«;*.« Z Á MEMÓRIA DE MINHA AVÓ * »; ®I?f f «®®%'sí'?®8®««®®®®®®®«®®®®®®®®®fi.S!ef ®f®®1®3?«i®Qs A MEUS TIOS EM PARTICULAR OS 1LLMS. SNRS. PADRE DAMAZO PINTO DE ALMEIDA LARA MAJOR FRANCISCO DE ASSIS REZENDE DOMINGOS THEODORO DE AZEVEDO E PAIVA FRANCISCO EUGÊNIO DE AZEVEDO. A MEUS PRIMOS EM PARTICULAR OS ILLMS. SNRS. AURELIANO IGNACIO BOTELHO ANTÔNIO PEDRO MONTEIRO DE REZENDE. p A MEMÓRIA SAUDOSA DE MEUS COLLEGAS U | ANTÔNIO GONSALVES CHAVES | :| ANTÔNIO FELICIANO PINTO COELHO | A MEU INTIMO AMIGO E COLLEGA DB. JOSÉ FRANCISCO HETTO. A MEUS COLLEGAS E AMIGOS Dns. DOMICIANO MATIIEOS MONTEIRO DE CASTRO ANTÔNIO OLINTHO PINTO COELHO FRANCISCO DE ASSIS PAES LEME ROMUALDO CEZAR MONTEIRO DE MIRANDA RIBEIRO DOMINGOS DE CARVALHO TEIXEIRA PENNA EDUARDO ERNESTO PEREIRA DA SILVA MANOEL ESTEVES OTTONI JOSÉ DO NASCIMENTO GARCIA DE MENDONÇA JOSÉ FRANCISCO DIOGO. A MEUS AMIGOS, OS ILLMS. SNRS. DOMINGOS MARTINS GUERRA PADRE JOSÉ JOAQUIM CORREIA JOÃO JOSÉ DE ARAÚJO E OLIVEIRA MATHEOS DA SILVA CHAVES CARLOS THOMAZ DE MAGALHÃES PEDRO MARIA DA FONCECA FERREIRA MANOEL FAUSTINO CORREIA BRANDÃO JOSÉ CONSTANCIO DE OLIVEIRA FRANCISCO GRAM MOGOL DE AZEREDO FRANCISCO ANTÔNIO TEIXEIRA COELHO ANTÔNIO ALVES DO BANHO JÚNIOR BALBINO CÂNDIDO DA CUNHA HERCULANO, E JOAQUIM JOSÉ DE OLIVEIRA MAFRA CASSIANO BERNARDO DE NORONHA. Talvez alguém ache muitos nomes para minha these tão pequena; mas que importa ? Eu sinto um prazer especial em nomear aqui meus amigos no tempo mais solemne de minha carreira escolar; aceita* portanto esta prova de rainha estima 0 JÚ6*. A MEU PRIMO O Illm. Snr. Commendador JOSÉ ANTÔNIO DA SILVA PINTO Minha estima e consideração. Á MEMÓRIA VENERANDA DO ILLM. SNR. DR. FRANCISCO JUUO XAVIER. AOS ILLUSTRADOS LENTES DA FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO EM PARTICULAR AOS ILLMS. SNRS. DRS. ANTÔNIO FELJX MARTINS LUIZ DA CUNHA FEIJO' Honra ao verdadeiro mérito. d? S^€€/or. AO &3m» @^&« asasse se>23 £g&3&s&£?& D. ANTÔNIO FERREIRA VIÇOSO. AO MUITO ILLUSTRADO SNR. CONEGO JOSÉ ANTÔNIO MARINHO Homenagem que presto ao saber e á virtude (?ÓÚi/t#. PEGLOS0, In magnis voltasse sal esí. (IIeiider). IIEGOU o tempo de escrevermos nossa these, e apresental-a ao juizo de nossos mestres; não é a flor desabrochada colhida por delicadas mãos, nem o fructo maduro que agrada ao paladar, c satisfaz o appelite: mas unicamente um botão arrancado da ar- vore. Procuramos o mais que pcrmittiam nossas acluaes circumstan- cias, cumprir nosso dever escolar, e tudo o que faltou não dependeu de nossa vontade, mas somente de nossa insufliciencia. A sorte designou-nos os trcs pontos seguintes: cmscienciasaccessorias—os diver- sos gêneros de asphixia,—em cirurgia—as ulceras cancroides serão uma variedade de syphilis ou formam uma espécie particular da moléstia?—em medicina—asourinas lei- tozas, suas causas, sua confrontação com a nephrite albuminoza. Tratamos destas matérias na ordem em que estão aqui escriptas. No primeiro ponto consideramos os gêneros de asphixia, que Orfila comprelaende em seu tratado de medicina legal: no segundo expuzemos uma resenha das semelhanças que existem cntreaulceracancroide, c a syphilitica: c no terceiro fizemos doze proposições sobre as ourinas leitozas e a moléstia de Rrigt; pois que em uma abre\iada these não poderíamos abranger os nu- merosos e interessantes trabalhos que tom apparecido sobre estas alterações. Talvez defeitos numerosos, e mesmo imperfeita comprehensão das matérias tornem nosso trabalho pouco digno da luz, mas urgem a obrigação de um lado, e de outro o desejo de completar nossa carreira este anno, e de voltar ao seio de nossa família. Por tudo isto com toda a força da vontade estudamos, e escrevemos o melhor que pudemos; bem semelhante ao mineiro sem pratica que cheio de avidez desmorona montões de terra, vai catando somente as folhetas de ouro que mais fáceis se lhe apre- sentam, e deixa ficar a maior e melhor porção do metal na areia, e no cascalho para fazer um dia a fortuna de explorador mais hábil. fimiEi ípiim »€> e?o V ^v-^"^ DIVERSOS GÊNEROS DE ASPHIXIA DEBAIXO DO PONTO DE VISTA MEDICO-LEGAL. Obscuritate rerum verba scepe obscurantur. (GfclWASIUS TILBEMENSIS). IVV^SIí^! PALAVRA asphixia, segundo a etimologia grega, só designa a 3S/&Wfj ausência de pulso devida á desordens do coração, mas, atten- x ^S^Ê ^endo aos orgãos que primeiro soíTrem em suas funcçôes, defi- S}|^ffás niu-se:— asphixia a morle apparente que provêm da suspen- são das funcçôes de hematoze pulmonar. Muitos são os gêneros de asphixia, conforme as causas que dão lugar a ella, mas nós somente estudaremos aqui o que cm medicina legal compre- hende esle ponto. Em primeiro lugar fallaremos da estrangulação e suspen- são; em segundo da submersão; em terceiro emfim diremos algumas pala- vras a respeito da asphixia dos recém-nascidos. Antes porém de entrarmos no estudo das questões medico-legaes exporemos em resumo o que se costu- ma a observar nos aphixiados em geral. Quando sesubmette um animal á influencia de uma causa que obste a he- matoze, nota-se nellc: a principio difíiculdade d? respirar que cresce de mais a mais; máu estar; inquietação; perturbação dos sentidos, e dos órgãos locomotores; anciedade; perda de conhecimento e prostração. Conhece se apenas que a respiração se faz pelos pequenos movimentos do peito, e então mui remotamente se percebem as pulsações do coração, quando a tudo isto suecede a ausência completa de respiração e absoluta immobilidade. É agora — 4 — que se manifestam os phenomenos de plenitude capillar: a face, as mãos, os pés, c outros pontos do corpo tomam uma cor vermelha violácca, pára emfim a circulação, e completa-se a asphixia, que só se distingue da morte caracte- rizada pela ausência de rigidez cadaverica e pela presença de algum calor. Blas estes phenomenos, que parecem succeder-se mais ou menos gradaliva- mente, quando a causa asphixiadora é lenta, ou apparecem todos de um golpe, ou não se pode notar sua rápida successáo, quando a causa éjpermit- ta se-nos a expressão) fulminante. Então ausenta-se totalmente a respi- ração; e a circulação não tarda a parar, succcdendo-lhe o estudo de morte apparenle. Quando a asphixia termina-se pela morte, nota-se segundo Devergie o seguinte. Habito externo.— Uma cor rosada viva, e algumas vezes violácca na face o outras parles do corpo, cor que se não deve confundir com a lividez ca- daverica ; pois qué esta ordinariamente se mostra nas partes do corpo que podem ser comprimidas ou contundidas nas diversas posições em que estiver collocado o cadáver; entretanto que aquella pode ser observada em pontos, que não foram tocados; e ainda mais, a cor acima apontada occupa os tecidos mucosos e a pelle, que sendo incisada deixa correr um liquido sanguinolento de um caracter repugnante. Os olhos apresentam-se salientes, lixos, c como que brilhantes; a boca ora no estado natural, ora exprimindo soíTrimenlo; a rigidez cadaverica muito pronunciada, e durando muito tempo. Quando a causa obrou rapidamente nota-se, segundo Piorry, que os mem- bros ficam inleiriçados, mas por pouco tempo, e o calor natural subsistindo por muitas horas em certos casos, desvanece-se logo em outros. Apparelho digestivo.— A lingua em sua base é muito injectada, e ahi suas papillas muito desenvolvidas; a mucosa, principalmente a porção que re- veste o estômago é muito congestionada; o fígado muito tumefeito empurra o diaphragma para a cavidade thoraxica; o baço e os rins acham-se no mesmo estado que o figado. Apparelho respiratório.— A mucosa do laringe, da epiglote, e da tra- chea artéria é rubra, e tanto mais quanto se approxima das ultimas rami- ficações bronchicas; e na superfície delia costuma-se a encontrar um liquido escumoso sanguinolento; os pulmões então mais pesados apresentam-se en- gorgitados; sua cor é violeta ou negra, sendo incisado vè-se seu paren- chima enegrecido ou rubro, e delle correrem goltas de sangue que se augmen- tam com a compressão; o volume destes órgãos variam segundo o gênero de - 5 - asphixia; se foi, por exemplo, um obstáculo mecânico á entrada do ar, elles não se deprimem quando se abre o thorax, e então tal é o seu tamanho que elles cobrem o pericardio, e chegando a romper o mediastino, seus bordos acavalgam-se um sobre o outro. Neste caso elles não crepitam, e não tem muito sangue em seu parenchima. Quando a asphixia tem lugar por falta de ar no meio ambiente os pulmões podem-se deprimir e não crepitar. Não ha neste caso engorgitamento sangüíneo; porque a lentidão da causa per- mitte que estes órgãos se desembaracem do sangue, que vai quasi todo para o systema vascular. Apparelho circulatório.—As vezes o coração esquerdo contem sangue; suas dimensões variam segundo a promptidão da morte, ou a natureza da causa asphixiadora. Quando o doente succumbe rapidamente, o coração como que volta-se sobre si mesmo, algumas vezes suas paredes são espessas, mas seu volume apparente é pequeno em relação ás cavidades direitas; isto depende dos últimos esforços da vida, que era então vigorosa. O coração assim é difíicil de cortar-se, e resiste ao dedo que procura atravessal-o; porque a es- pessura de suas paredes é considerável. Quando a asphixia foi lenta, o cora- ção esquerdo é mais destendido, suas paredes são mais delgadas e mais mo- les, e deixam-se atravessar pelo dedo. O sangue contido nas cavidades es- querdas pode neste caso ser abundante, e então também as artérias o contem. O sangue, que soffreu grande alteração, é fluido e negro, mas em contacto com o ar athmospherico torna-se vermelho, e pode as vezes ser coagulado, existindo sempre em maior quantidade nas veias do que nas artérias. Apparelho nervoso.—As veias aqui são grossas e injectadas; a substancia cerebral parece pouco amollecida; as membranas serosas pouco injectadas, podendo varia velmen te o contrario ter lugar: assim sendo a morte rápida suecede o primeiro caso, e sendo demorada dá-se o segundo. A ESTRANGULAÇÃO E A SUSPENSÃO. Segundo os autores, consiste a estrangulação na compressão mais ou me- nos considerável exercida no pescoço, seja qual for a posição do corpo; en- — 6 - tretanto que a suspensão, que é completa ou incompleta, tem lucrar no pri- meiro caso quando o corpo está suspenso com um laço no pescoço sem que por nenhuma de suas partes toque o solo, e no segundo quando, estando suspenso, toca o solo por alguma de suas extremidades. Se da estrangulação e da suspensão resulta a morte, esta costuma a ser devida a quatro causas, que são, conforme Devergie, congestão cerebral, asphixia, congestão e asphixia ao mesmo tempo, e lezão da medulla ; mas segundo Oríila ás três causas primeiramente citadas. Diz este ultimo autor, que, por idênticas serem as causas destas duas espécies de asphixia, é que as estuda reunidas, e nós por esta mesma razão o imitamos. As questões que temos logo a resolver são as seguintes: A estrangulação ou a suspensão teve lugar antes, ou depois da morte ? Provado que teve lugar durante a vida, foi o resultado de um homicídio ou de um suicidio ? Muitos autores querem, que com a presença de certos signaes se possa logo resolver o primeiro problema afíirmativãmente, e são estes signaes os seguintes: lividez e inchação da face; palpebras tumefeitas, meio fechadas; rubor, proeminencia e deslocamento dos olhos; lingua inchada, livida, do- brada, sahindo as vezes fora da boca e outras vezes fixada contra a arcada dentaria; um liquido escumoso na garganta; signal livido, rubro, ou negro echimosado da corda no pescoço; despedaçamenlo dos músculos e ligamen- tos, que se inserem no osso hyoide, e das túnicas arteriaes; ruptura dola- ringe e dos primeiros anneis da tracheia artéria; echimoses nos braços, e coxas; lividez e contracção dos dedos; traços de violência exercida em algu- mas partes do corpo, como a impressão produzida por corda nos pulsos; li- videz do tronco; sangue nos pulmões, no coração, e no cérebro. A respeito destas provas, diz Orfila: On conçoit avec peine qu'un objet d'une aussi haute importance êut été traitè avec autant de Uglretè par des ecrivains, dont les ouvrages ont dà servir de guide aux medicins. E segundo as numerosas experiências deste sábio e de outros muitos não temos remédio senão ficar perplexos ainda, e como não duvidaremos, quan- do os médicos legalistas não estando deaccordo, vêem suas experiências não provarem senão que esta questão é actualmente, senão irresoluvel, ao menos difficilima de resolver-se? Vejamos o valor de cada um dos signaes, segundo o tratado de medicina legal que estudamos. — 7 — A impressão da corda, sua profundidade e situação variam muito e podem ser produzidas sobre cadáveres. A echimose rarissimas vezes é en- contrada, pois que se tem com ella confundido o resultado da acção pro- longada da corda. A luxação da primeira e da segunda vertebra cervical, ainda que cilada por pessoas fidedignas, depois das numerosas experiên- cias do celebre professor de Paris, fica em duvida pois que apezar de todos os esforços, apezar da pouca força, da menor elasticidade dos tecidos mor- tos não a pôde produzir. As fracturas do osso hyoide, de algumas cartila- gens do pescoço, e do laringe; a ruptura das membranas arteriaes e de al- guns músculos e ligamentos, tendo certamente algum valor quando se reú- nem a outros signaes, não existem sempre. O estado das mãos, e do corpo em geral, os traços de violência, lesões notáveis mesmo, e os signaes de re- sistência apenas provam que ha razão para suspeitar-se fundadamente que houve um assassinato, e nada mais. O derramamento de sangue nos pulmões e no cérebro pode ser devido á outra causa; e sendo mesmo uma boa pro- babilidade quando existe reunido a outras lezões, não é tão constante que possa ter alto valor. A erecção do penis tem sido vista em cadáveres que se enforcou para experiências, e o esperma tendo sido encontrado na uretra e na roupa de cadáveres de indivíduos que falleceram de varias enfermidades, perde por tanto muito da importância que se lhe dava. Confessamos que não temos meios de resolver semelhante questão, e que apenas seremos levados a suspeitar, se outras provas, se outras circumstan- cias não vierem em nosso soecorro. E estas provas serão a posição do cadá- ver, a desordem dos objectos que o cercarem, o comprimento da corda e a altura do ponto de apoio delia; e estas circumstancias serão o estado moral do indivíduo e seu comportamento social, reunidos a outros dados que mais compete a autoridade indagar. Mas o Medico, quando não esteja bastante esclarecido a ponto de decidir a questão, pôde ao menos ser levado a ter vehementissimos indícios de que o crime foi perpetrado durante a vida, se, tendo encontrado os principaes signaes, como sejam — echimozes dos tecidos do pescoço, traços de violên- cia, derramamento de sangue nos pulmões e no cérebro, luxação das verte- bras cervicaes, fractura do osso hyoide, das vertebras e cartilagens, &c.— unir a tudo isto outras muitas circumstancias, que podem também existir. Servindo desta sorte muito á causa da justiça ; pois a autoridade informada pôde esclarecer melhor o facto, o que não suecederia talvez sem o auxilio da medicina legal. — 8 — Provado que a estrangulação e a suspensão tiveram lugar durante a vida, foram o resultado de homicídio ou de suicídio ? É, senão irresoluvel em muitos casos, ao menos difíicil de resolver-se este problema, salvo se uma circumstancia accessoria vier rasgar o véo do mys- terio; e dissolver todas as duvidas. Nós, porém, vemos que tudo que se costuma a notar no cadáver de um suicida pôde ser também visto na victima do assassino. Comtudo, a posição em que fôr encontrado, sendo deserto ou não o lugar; a possibilidade ou a impossibilidade de ahi chegarem outras pessoas; certos signaes de violência e de resistência, ou a ausência delles; a altura em que estiver fixada a cor- da ; a facilidade ou difflculdade de o mesmo indivíduo attentar contra sua existência; a impressão mais ou menos profunda do laço no pescoço; a lu- xação ou não luxação das articulações vertebraes; a ordem ou desordem dos vestidos; finalmente, o estado moral do indivíduo, o estado dasaude delle são provas, que reunidas ao resultado das pesquizas policiaes, podem mui- tas vezes resolver a questão. ASPHIXIA POR SUBMERSÃO. Este gênero de asphixia envolve também duas questões iguaes a aquellas que acabamos de estudar, e são: —O indivíduo que se achou morto em um liquido foi submergido antes ou depois da morte? Provado que foi antes da morte, é um caso de homicídio ou de suicídio? Antes, porém, de entrarmos no estudo da primeira questão, devemos sa- ber qual é a causa da morte dos afogados. Esta não é devida nem á água engolida na quantidade de uma ou duas libras; nem ao abaixamento da epiglote, que só teria lugar se a lingua fosse bastante deprimida, e se houvessem feixes musculares tão fortes que arras- tassem a epiglote isoladamente, o que não suecede; nem também á com- pressão dos pulmões, que nunca é tal que prohiba completamente a circu- lação destes órgãos; pois que na asphixia esta funeção continua ainda a executàr-se por algum tempo; nem tão pouco á introducção do liquido nas vias respiratórias, que se algum mal fizessem, era somente (segundo Gar- — 9 - damc e Varnier) obslando a hemaloze. Qual será pois a causa da morte neste caso? Segundo a opinião de Macquer, reforçada por Berger e aceita por Or- fila, é a viciação do ar contido no peito dos afogados, que não sendo reno- vado perde os elementos necessários para a arterialisação do sangue, pois \("'-se, por experiência, que em vez de vinte e uma partes de oxigeneo que devem existir em cem partes de ar atmospherico aqui ha somente quatro ou cinco partes; e assim o sangue, não hematozado, em lugar de nutrir os órgãos a que é levado, envenena-os pelo contrario. Deixando de parte as classificações de Desgranges e de Pouteau admitti- mos que antes da submersão o indivíduo podia ler lido uma sincope e mesmo uma asphyxia. Muitos autores pensam que com certos signaes por elles admittidos poder- se-hia demonstrar que a immersão teve lugar durante a vida, e destes os mais importantes são os seguintes: — face inchada, livida, ou rubra; palpe- bras abertas, pupillas meio dilatadas; boca fechada; língua dirigida para o bordo interno dos lábios, assim como as fossas nasaes internamente estão cheias de um liquido escumoso; pallidez extrema da pelle e das mucosas exteriores; os dedos esfolladose contendo nas unhas lodo e areia, significando que o indivíduo com desejos de salvar-se agarrou-se em tudo que encontrou; as veias da parte superior do cérebro engorgitadas, assim como os plexos choroides; os ventriculos contendo serosidade, e a massa cerebral não pare- cendo estar amollecida; escuma aquosa na trachea-arteria; as cavidades di- reitas do coração, as veias cavas, a artéria e a veia pulmonares contendo muito mais sangue, do que as cavidades esquerdas do coração e as artérias ; o ventriculo direito é de uma cor rosea carregada, entretanto que o do lado esquerdo é rosado; o ventriculo e a auricula pulmonares se contrahem mais facilmente e por mais tempo, do que os da esquerda; o sangue é fluido du- rante muitas horas; o diaphragma é retirado para o abdômen, e o peito ele- vado; a cor das vísceras abdominaes é mais carregada, do que quando o in- divíduo succumbiu á outras causas; e a bexiga contem ourina, mas somente antes da rigidez cadaverica; emfim, o mais importante de todos os signaes, a presença de grande quantidade de liquido no estômago e nas vias respi- ratórias. Apreciemos com Orfila cada um destes signaes. O estado da face, a palli- dez da pelle, as alterações dos órgãos contidos no craneo nenhum valor po- dem ter por si sós porque são os mesmos nos cadáveres de sujeitos que mor- reram de varias enfermidades. A dilatarão da pupilla somente tem algum 3 — 10 — valor quando se observa logo depois da immersão, e antes de começar a pu- trefacção. As esfoladuras dos dedos e a areia que elles podem conter nas unhas podem ser a conseqüência de choques contra pedras, etc. A escuma nas vias respiratórias pode também existir em outros casos, que não no afo- gado; pois que basta a presença de mucus para que com o ar, que entra e sahe, formem-se escumas; e além disto não é a grande quantidade de liquido que mais favorece a sua formação, e até pelo contrario lava a que já existir; e ainda é preciso que o indivíduo immergido tenha ao menos uma vez su- bido á superfície da água para respirar; pois quando não voltam os afoga- dos á superfície, segundo Piorry, nenhuma escuma se nota nos canaes aé- reos ; e mesmo experiências feitas com cadáveres de homens e outros ani- maes demostraram que apezar de todos os esforços empregados, um liquido não pode penetrar até as ultimas ramificações bronchicas. A côr dolarynge e dos bronchios pouco ou nada provam. Os órgãos circulatórios, ainda que constantemente apresentem os caracteres que acima demos, podem apre- sental-os em muitos casos de morte súbita. A cor das cavidades cardíacas apaga-se muito depressa; e a irritabilidade e contractibilidade do coração direito não é uma prova que muito valor tenha; porque ella só existe logo depois da morte, e nesse tempo cremos que o Medico deve-se oecupar ainda com diligencias de salvar o asphyxiado. A fluidez do sangue pode não existir, e quando exista, pode ser o resultado da putrefacção adiantada, ou de algu- ma moléstia, como o escorbuto, febres adynamicas, &c. Orfila diz que o diaphragma, em vez de ser empurrado para o abdômen, é pelo contrario des- tendido para a cavidade thoracica. A cor das vísceras abdomináes só prova, que houve asphyxia. O estado dos órgãos ourinarios pode valer mas somen- te antes da rigidez cadaverica. Temos emfim o mais importante dos signaes, a presença de agoa no estômago em grande quantidade, porém é preciso que ella não tenha sido injectada depois da morte, e que este liquido seja irmão daquelle, em que se houver encontrado o afogado. Achando-se assim tão modificado o valor destes signaes, como é que po- deremos com segurança resolver a questão—se o indivíduo cahio vivo ou depois de morto no liquido em que foi encontrado? Podemos ter presum- pções tão vehementes, e provas taes que nos levem a responder logo pela af- firmativa? Se encontrarmos grande quantidade de liquido irmão daquelle em que estiver o cadáver, no estômago e nas vias aéreas; se este liquido não houver sido injectado; se não houver decorrido muito tempo depois da sub- mersao e se o afogado não permaneceu muito tempo n'agua; se existir a es- — 11 - cuma nos bronchios; e se a isto se reunirem os outros signaes; se provarmos pela ausência dos dados próprios que o indivíduo não foi antes assassinado ou envenenado; com o soccorro de circumstancias que podem apparecer, e que devem ser aproveitadas, como sejam traços de violência ede resistência, a quantidade d'agoa onde se achou o afogado, a impossibilidade delle sal- var-se, e depois o seu modo de viver, suas relações sociaes, etc, teremos as mais decididas razões para afíirmarmos que a submersão teve lugar duran- te a vida. Porém quasi nunca se acharão reunidas estas provas e circumstan- cias, e o Medico discreto e prudente não deve exorbitar jamais de sua obri- gação aqui; expondo com franqueza seus pensamentos e suas duvidas ficará bem com sua consciência e quite com a sociedade. A autoridade compele o resto. Provado que a submersão teve lugar durante a vida, foi ella o resultado de um homicídio ou de um suicídio? Hoc opus, hic labor est. Como é que havemos decidir esta questão quando na maior parte dos casos tudo que existe no cadáver do assassinado encon- tra-se também no suicida? A dilTerença que fazem alguns autores de que no cadáver do suicida deve haver liquido nas vias respiratórias; porque ellc respira; e no cadáver do assassinado não, porque é tomado por tfma sincope, não deve ser admitti- do ; pois que acreditamos que em ambos os casos podem fazer esforços para respirar. Confessamos (diz Orfila) que em muitas circumstancias não temos meios de resolver este problema. Mas se o lugar, onde achou-se o cadáver, é deser- to; se nelles não existem traços de uma luta ou resistência; se não tem lesão alguma que indique violência; se as mãos estão livres; se não traz um peso ligado a si; se os vestidos não estão em desordem; se o indivíduo não sof- fria de uma dessas enfermidades que trazem comsigo o tédio á vida; se não é victima de paixões violentas; se acharmos tudo isto reunido, poderemos ter não certeza, mas vehementissimas presumpções de que o crime é um suicídio. Mas repetiremos ainda que o Medico perito tanto nesta, como em outras questões medico-legaes, tendo em vista sua palavra e seu juramento, deve ser circumspecto e acaulelado. - 12 - ASPHYXIA DOS UECEM-NASCIDOS. Bem que pertença esta parte de medicina legal ao infanticidio—com tudo lendo intima relação com o nosso ponto diremos alguma cousa a respeito, não só porque cumprimos assim um dever, como porque esta questão in- teressa muito particularmente á nossa desgraçada sociedade. Se no adulto, em que todas as condições mais favoráveis se encontram, onde os signaes mais notáveis sobre órgãos mais desenvolvidos nos podem mais claramente orientar; no adulto, onde tudo favorece, é tão difficil deci- dir se houve asphyxia, se existe um crime: quantas difficuldades achará o Medico para resolver as mesmas questões num recém-nascido, cujo organis- mo está em miniatura, cujas funcçôes ainda não se tem completamente exe- cutado? Supponhamos um facto: a autoridade tendo recebido o cadáver de ura recém-nascido com uma denuncia de infanticidio, tendo de formar o corpo de delicto, chama um Medico para como perito resolver, se na realidade existe um crime. Este, conhecida a idade e a viabilidade do feto, procura pela docimasia saber se o feto respirou; se existem todas as mudanças que a respiração determina nos órgãos. Decidido isto affirmativamente, e de- monstrado pela ausência de signaes próprios, que a morte não teve lugar por outras causas, a não ser a asphyxia passa elle a indagar se ella existe. Podendo o infanticida usar de todos os meios asphyxiadores, e por exem- plo: da compressão da trachea-arteria, da applicaçâo da epiglote sobre a glote, e mais astutamente de cobertores que embaracem a respiração, e ain- da simplesmente tapando a boca do feto, o perito não achando prova appa- rente, e duvidando se alguma lesão ou signal de violência encontrado, não resultaria de algum acontecimento durante o parto, passa depois ao exame interno. Aqui, vencendo todas as difficuldades, poderá elle encontrar os phenome- nos que dependem de uma asphyxia: mas embora tudo o leve a crer que houve causa asphyxiadora, como dirá elle que houve um infanticidio por commissão, ou mesmo por ommissão? - 13 - A compressão do cordão umbilical, ainda que o feto houvesse respirado no ventre materno, interrompida depois esta respiração, não podia dar lu- gar á morte? Uma compressão involuntária da trachea-arteria, uma porção de mucu obstruindo as vias respiratórias não teriam o mesmo resultado? Os mesmos inconvenientes, os mesmos óbices, que nos embaraçam para demonstrar a existência de um crime na asphyxia do adulto, não se apresentam augmen- tados aqui? Infelizmente a medicina legal não pode resolver bem estas questões, e o perito consciencioso dirá somente em resposta ao problema dado, que ha signaes de asphyxia, e que esta criminosa, ou não, podia dar em resultado a morte! As circumstancias que acompanharem o facto, e as provas, que a autoridade obtiver por meios policiaes, poderão conseguir muito, e alcan- çar-se-ha então ajusta punição do mais indigno, do mais horrível dos crimes! ALGUMAS CONSIDERAÇÕES QUE TEM RELAÇÃO COM ESTE PONTO. A soiencia é a verdade, e esla não é lisongeira. A moralidade corrompida, o interesse mal entendido, e as leis incompletas e mal observadas, são causas de mui- tos males. Não satisfizemos ainda nosso fim, e attendendo á nossa epígrafe não dis- semos ao que vínhamos. Sim, não é mais a obrigação que nos urge, não é mais o dever escolar que cumprimos: é somente um grito de indignação e de pena, que parte de nosso coração; é a humanidade quem brada agora; é o acordar da memória sobre um fado que impressionou-nos muito I Não ridicularizeis nosso sentimento, ouvi-nos primeiro. Quasi todos os dias no hospital da Misericórdia, em o lugar onde se de- 4 - u - positam cadáveres, offerecem-se á vista dos que lá vão seis e mais pequenos embrulhos, e o curioso, examinando-os, reconhecerá horrorisado que são recém-nascidos, que se encontraram mortos, ou quasi mortos, na roda dos expostos, ou trazidos de fora: ha de então sentir o mesmo que nós sentimos; ha de perguntar, como neste paiz de mil recursos, de fartura enorme, pôde tal facto succeder tão repelido; como em uma sociedade que, enchendo a boca, se diz civilisada, não se busca estancar a fonte deste mal, e mesmo punir algum crime, que será muita vez a causa delle? Se vós não acreditaes, ide ás quatro ou cinco horas da tarde a esse nojento deposito, e depois de haverdes contemplado esses cadáveres amontoados aos dous e aos três num velho caixão, homens e mulheres descompostos, e al- gumas vezes lubricamente collocados, quando, cheios de dor e dos tris- tes pensamentos que sóe gerar este espectaculo, quizerdes retirar-vos, demorai-vos um pouco, e fixai vossos olhos nesses fardinhos azues, de que vos falíamos, descobri-os: são cadáveres de recém-nascidos de todos os se- xos, de todas as idades, desde seis até nove mezes, a maior parte bem de- senvolvidos, e parecendo completamente viáveis; então não precisa que se- jaes lá muito sensíveis para exclamardes comnosco: Oh mulher, tu nada vales, Quando não sabes ser mãe, Como harpa que não tem cordas, Gomo céo que astros não tem ! Então vós perguntareis também como istopassadesapercebidamente.como se não procura indagar a origem destas mortes talvez, talvez bem crimino- sas? Então (quem sabe?) deixando o Limbo, osmanes destes infelizes innocen- tes viriam a ter comnosco, e pôde ser que um delles vos conduzisse pela mão até um dos bairros desta cidade, e lá vos mostrasse uma desgraçada mulher de cor preta, desesperada, despedaçando os vestidos, arrancando-se osca- bellos, com os seios infiammados, o olhar enfurecido, e bradando: — meu filho, tirou-me meu filho, para engeital-o, matal-o de fome, para vender meu leite (1)! Ainda bem este vos não teria deixado, que outro vos viria mos- trar a mãe, o pai perverso que o assassinaram, outro ainda viria accusar a estúpida comadre que o matou no parlo, ou que o deixou morrer? (I) Pessoa fidedigna nos referio que foi testemunha de um semelhante facto. - 15 — Foi este sentimento que gerou em nós as idéas que vamos entregar a quem mais alto, a quem mais sabiamente pôde elevar suas vozes. No nosso paiz a moralidade corrompe-se de mais a mais pela falta de at- tenção dos pães e mestres na educação dos meninos, nos quaes, em vez de virtudes nobres, procura-se com fataes exemplos innocular as mais funestas paixões: — a cólera e a soberba, a luxuria e a gula, são os primeiros habi- tadores de seus tenros e já pervertidos corações I E sem religião, sem instruc- çáo, são estes os mancebos que tem de herdar grandes fortunas; e sem reli- gião, sem fé, são estas as donzellas que tem de tornar-se mães de famílias! E, o que cem vezes se tem dito e escripto, o bárbaro costume que tem cer- tos pais de castigar escravos na vista de seus tenros filhos, a indignidade de certas mães, que armadas de um chicote ensinam seus filhos a serem bár- baros e brutaes: esses exemplos freqüentes de dureza e crueldade fazem de um moço, que podia ser bom, um perverso ! —de uma menina, que podia ser sensível e virtuosa, uma fúria I E o estado da instrucção religiosa entre nós qual é? Basta em resposta dizermos, que os nossos moços da moda, pensam que dão uma prova de civilisação desprezando o culto sagrado: e que n'uma cal- ca bem feita, n'um formidável charuto consistem os ornamentos da moci- dade! Ah! e é-nos bem doloroso o confessal-o, elles só tem um pensamento um sentimento, uma esperança, e mesmo uma religião,—o dinheiro (1) ! Depois de haverem fumado seu longo cigarro, deitam-se para sonhar, não com a gloria, não com este sentimento generoso, queé o movei dos jovens co- rações, mas ainda com o dinheiro, que (diz-lhes sua fada favorita) hade tra- zer-lhes uma noiva embora feia! E assim vão passando a melhor estação da vida sem flores, que lhe dêem fruclos no outono delia! E assim vão sopitan- do alguns sentimentos nobres que seus corações teimosos querem ainda conservar! Um homem destes encontrando uma amante tão estúpida, tão mal educa- da como elle, iniciada em todos os vicios, sem coração, sem consciência, não será capaz de fazer quanto quizer, para livrar-se de um filho, que o viria incommodar nascendo? E qual será o recurso de que lançará mão a moça estúpida e perversa, (1) Aquelles que aqui não virem seu retrato, me louvem; só fallo desses que não se deixam guiar senão por loucuras, mas lenho o prazer de declarar que ha entre nós numerosos moços bem moralisados, e de muitas es- peranças. — 1G - quando quizer occultar a seus formidáveis pais o fructo de seus nojentos passatempos? É o aborto, é o infanticidio, que ficarão impunes!! E qual a causa disto? A falta de religião, a moralidade corrompida ! Ide ahi por essas fazendas, e cheios de dôr sabereis, que numerosos abor- tos dão-se cada dia, que cm algumas creanças apenas tocam certa idade, vão succumbindo uma a uma, sem que se conheça a causa apparente de tão repelidos óbitos! Senlimos muito não ter em nosso abono, senão fados, que são de todos, mas que todos não querem ver. Parece (consenti-nos esta verda- de, ou mesmo superstição, que importa)? parece que um castigo segue de per- to nossos erros, e que em troca de um bem, que roubamos, recebemos ma- les sem conta; e que para nos engorgitarmos com o misero prazer da ócio sidade e da preguiça, perdemos os encantos da innocencia, e da virtude! E a desgraça e os vícios são contagiosos, elles sobem da immunda senzalla, até o luxurioso sobrado; como o vapor mefitico dos charcos, que se levan- tando pouco a pouco, infecciona os prados, murcha as flores, envenena os fruetos! Ah! faça Deos, que alguns pensamentos nobres, que vão apparecendo en- tre nós, não suecumbam, como todas as nossas bellas creações que nascem para morrer devoradas, como os filhos de Saturno! E quem nos faz tanto mal ? É o interesse infame e mal entendido! Vós percebeis bem de que vos falíamos, mas não é este somente o cancro do organismo social; pois que outros temos filhos da desmoralisação, e ali- mentados por leis incompletas, ou não observadas. Entre nós o homem mais estúpido, incapaz de qualquer emprego, inha- bil para tudo, depois de haver consumido sua mocidade na preguiça e no deboche, quando vê que vai morrer de fome, desesperado, pensa (o que tal- vez nunca fizera em sua vida) pensa, e, como o celebre philosopho achando o seu principio decantado, deixa exprimir-se na expansão de seu rosto um pensamento:—vou comprar o formulário de Chernoviz (1), ou uma obra homcepalica, e faço-me Medico!—E eil-o impávido praticando a medicina, annunciando curas, ganhando dinheiro, e escarnecendo dos Médicos, e das autoridades ! Desembarca em nossas praias hospitaleiras um estranho aventureiro, sonda logo o caracter do povo, e o espirito das autoridades, e entre todas as d) Esta obra do Sr. Ür. Chernoviz, é o livro que mais vezes temos \isto nas mãos de alguns curandeiros que conhecemos. — 17 — profissões, entre as maquinas maravilhosas e os privilégios exclusivos elle avista cm seus arrojados cálculos uma eslrella brilhante:—é a medicina, que elle nunca estudou, mas que pode incólume exercer na terra do oiro! — e sem dar satisfações a ninguém, eil-o medico! E os grandes de nossa pátria, que amam tudo que vem de fora, são os primeiros a acolher, e elogiar o doutor improvisado! Esses mesmos, que desapreciam o Medico, ainda que illustrado, de seu paiz, gostam de ser en- ganados, mas hão de ser por um estrangeiro! Sem duvida alguma entre as causas a que suecubem numerosas victimas destes senhores da uiouaps sem privilegio e da celebre opüpueo sem limites, não são as menos freqüentes o aborto e o infanticidio. A mulher imbecil e idiota, que (exceplo no rosto) é tão-bem descripta por Virgílio na figura de uma harpia, a mulher, que tem perdido alguns orna- mentos corpóreos, que no vicio a sustentavam, reconhecendo-se sem apti- dão para o mais insignificante emprego, declara-se parteira! E quem as não tem visto formigarem por toda a parte, e principalmente nas roças debaixo do nome de comadres? Quem as não tem visto junto do leito da pobre parturiente dando-lhe os mais horríveis tratos, empregando quaes verdadeiras feiticeiras, as mais ne- fandas praticas e sacrilégios? Ah! meu Deos, e esses maridos tão amantes e tão zelosos de conservar os encantos de sua terna metade, que por luxo en- tregam seus filhos a uma ama muitas vezes cuberta das mais hediondas en- fermidades, comoé que agora, na maior borrasca do mar de amores, não te- mem confiar o seu thesouro a uma comadre estúpida, que não sabendo pre- vinir deixa que o perinneo se rasgue de banda a banda?! E quantas ve- zes o rompimento da bexiga, o affrouxamento do músculo que constrin- ge o collo delia não podem tornar involuntária a emissão da ourina ? Quantas vezes a nojenta comadre com suas unci-ponludas mãos não provoca metrites que quando não sejam fataes, deixam ao menos á misera parturien- te moléstias tristes para toda a vida? Quantos meninos não são victimas de luxações, ede outras lesões por causa de violência? quantas asphyxias, quan- tos infanticidios? E porque tudo isto suecede? Porque nossas leis são incom- pletas e estas ainda mal observadas! Bem sabemos que nosso devaneio é grande, que nossa sensibilidade exa- gerada nos arrebata, e que não é só no nosso paiz que taes abusos, que taes crimes se commettem: e mais ainda que a civilisação mesma traz comsigo o germen de algumas immoralidades. Sabemos, por exemplo, que essa so- 5 — 18 — berba Albion, que tão sabiaeopulenta se ostenta éa pátria dos horrores mais indignos; que ali debaixo dos mesmos palácios, onde mora o luxo e a abun- dância, onde a illustração brilha (1), existem os focos damais iumuindac miserável devassidão. Sabemos que a França que se gaba da mais alta illus- tração, presencia todos os dias mil abusos o mil crimes, quaes de lá mesmo nos attestam o romance—a legislação—e ostribunaes. Mas em Londres tem- se visto cem vezes o archote da policia, penetrando as trevas da miséria, descobrir o crime e os criminosos, que são com certeza punidos ! Mas em França mais de uma vez as prisões e o carrasco tem recompensado a per- versidade! E entre nós? A cadeia é ordinariamente para o pobre—a forca quasi sempre para o miserável.... As nossas leis carecem de desenvolvimento, e quaesquer que ellas sejam, é preciso que não continuem lettra morta. Nós nada sabemos para dizer quaes as reformas necessárias, mas compungidos pelo que observamos, e indignados pelo atrevimento de certos aventureiros, ousamos levantar uma supplica, para que não se especule com a vida dos homens e não se insulte o senso commum desta nação! Acreditamos que uma escola de partos em cada cidade capital (2), onde estudassem mulheres, seria de grande utilidade; primeiramente : desappa- receria esse receio, que o mal entendido pudor gera, de chamar-se parteiru habilitado; segundo: tornar-se-hia mais fácil, e mais barato este soecorro; terceiro emfim: era uma profissão honrosa mais para muitas de nossas pa- trícias. Talvez assim muitas vidas se poupassem! Também cremos que seria bem útil a creação de commissões medico-Ie- gaes encarregadas de examinar os cadáveres, e indagar se por ventura algum crime foi a causa da morte (3). Entregamos nosso pensamento a quem mais alto, e mais sabia e energi- camente pode levantar suas vozes a favor da civilisação e da moralidade, que soffrem muito. E aqui talvez alguém nos pergunte qual foi nosso fim, escrevendo as considerações que fizemos; ao que responderemos: que tendo (I) Leia-se a viagem de Mme. Flora Tristan a Londres. (2) Ouvimos dizer que em algumas partes ha leis criando estas escolas, mas porque não são postas em exe- eução? (5) Não podemos censurar, nem o queremos, aos Médicos; porque na actualidade nada rodem fazer,«além disto só falíamos de abusos. — 19 - a medicina de alliviar o corpo, como a religião ao espirito, que tendo a mo- ral grande influencia nas moléstias que acommettem o organismo, deve o medico, como o sacerdote, procurar conhecer os males, remedial-os se pu- der, e se não, mostral-os, para que quem mais força tiver, os destrua, se for possível. L o que nós procuramos fazer; e quando nada tenhamos con- seguido, despertaremos ao menos a attenção de quem mais apto desenvolva o nosso pensamento. E além disto, a pequena pedrinha lançada no alicerce também concorre para formar o soberbo edifício; e Porque recebe immenso o mar enorme Do Amazonas as agoas soberbosas, Não recusa jamais a lympha humilde Que um lacrimal nas margens lhe derrama ! AS ULCERAS GONGROIDES SERÃO UMA VARIEDADE DE SYPHILES, OU FORMÃO UMA ESPÉCIE PARTICULAR DE MOLÉSTIA? Invisible et prezent comme l'air qu'on respire, Ce grand empoisoneur tient tout sous son empire: Nulle digne que puisse arreter ce torrant, 11 saisit a Ia fois le docte et 1'ignorant, Lericheen son hotel, le pauvre en sa cabane, L'impie et l'hommesaintqu'abrite Ia soutane, Levieillard, 1'enfant même atteint souventd'un mal Dont iln'est pas lave parle flotbapüsmal; Etpeutétre aujourd'hui parmi 1'espéce humaine II n'est pas un seul homme, et dans rhomme une vaíne, Ou quoique biensouventencore non revele Le virus destructeur ne soit inoculé. (POEM. BARTHELEMY). ^ç&Pfp^^ ARA respondermos a esta importantíssima questão, preciso Q^l que emfim as mais pungentes dores a obrigam a perguntar o que é, e o Me- dico consultado diagnostica —um cancro! Eestainnocente menina que acaba de ver pútridos os fructos, que acariciou tão bellos, pode ser comparada ú mercenária que também do mesmo modo perde os seios, deposito immundo da filha hedionda do deboxe? Esta menina tinha syphilis? Sim; podia ella encubada não haver-se ostentado por seus symptomas; podia ter vindo hereditária de geração em geração, e achando agora o orga- nismo desta infeliz em condições favoráveis para seu desenvolvimento, com uma dialhese conveniente, desenvolveu-se, e manifestou-se por esta altera- ção medonha! Cest que depuis Adam les eléments pourris Se sontjoints au limon dont nous fumes petris. E verdade que no estado actual a ulcera cancroide (cancro ulcerado) será distincta da ulcera syphilitica; pois que não é evidente que a syphilis possa por si só, fazer desenvolver-se, e apparecer o cancro; mas o cancro não tem uma causa sabida, e qual é das causas conhecidas de moléstias, que possa tanto como o virus venereo produzir alterações tão profundas, tão variadas, e tão fataes? Não somos nós de certo que affirmaremos, que o cancro seja uma molés- tia symptomalica da syphilis; intelligencia, saber, e tempo são para isso in- dispensáveis, e nós, sem precisar da modéstia, já confessamos, que estamos fora destas condições; mas nossa relativa razão (seduzida talvez) é que nos está dizendo, que bem estudada a questão, pode ser que os sábios concluam affirmalivamente, que o mal venereo carregue com esta responsabilidade de mais, e o cancro seja um rasto ainda do pé longevo do judeu errante patho- logico, talvez então os cancrosos em coro com os syphilicos repelirão ■* sublimes versos do poeta portuguez: Prazeres sócios meus e meus tyranos Esta alma que sedenta em si não coube No abysmo vos sumiu dos desenganos! E a sciencia medica instruída da causa do mal horrendo poderá dizer: Haud ignara malis miseris succurrere disco. -~*+*%m&*%&%$&+> OURINAS LEITOSAS SUAS CAUSAS, SUA CONFRONTAÇÃO COM A NEPHRÍTE ALBUMINOSA. Inler renes etcutem antagonismus. I. ÃO está demonstrada (segundo Rayer, Becquerel, Valleix, Fa- $ bre, e Bouchardat) a presença de leite na ourina; o que se § tem chamado até agora ourinas leitosas, não é senão a ourina ^Hl>|g albuminosa, a chylosa, a mucosa, a purulenta, ou uma mistura dellas. II. A presença de caseina (que não foi bem demonstrada) e de matéria gordu- rosa, não basta para provar a existência de leite na ourina; pois que (segun- do Bouchardat) aquella, quando é privada dos principios que a acompa- nham, confunde-se com a albumina, e esta existe nas ourinas albumi- III. Além da cazeina e do creme, é preciso que se mostrem na ourina os glóbu- los leitosos, a butyrina, e a lacuna, o que ainda ninguém vio, a não serem artificialmente ajuntadas. — 28 - IV. As causas das denominadas ourinas leitosas são as moléstias dos appare- lhos digestivo, circulatório, respiratório, e secretorio ourinario, e as nume- rosas causas da moléstia de Brigt. V. As ourinas leitosas são muitas vezes um symptoma desta ultima moléstia, cujo principal caracter é a presença de albumina na ourina. VI. A moléstia de Brigt não apresentando todos os symptomas de uma inflam- mação nem no estado de agudez, nem no estado chronico, não deve conser- var o nome de nephrite. VII. Não se pode dizer que o sexo, a idade, a profissão de um indivíduo, e o clima que elle habita, sejam com especialidade causas desta moléstia; em to- das as idades, sexos, profissões e climas, tem ella sido observada; entretanto não se lhe negará com razão alguma influencia. VIII. Entre outras muitas causas, as mudanças rápidas de temperatura, a sy- philis, o cancro, as lesões de circulação, e respiração, e uma espécie de dia- these influem muito para o desenvolvimento da moléstia de Brigt. IX. Esta moléstia será, como querem Graves e Valentim, uma modificação do sangue, ou como querem Becquerel, e outros, um hypertrophia das glându- las deMalpigi? Ainda que não podemos refutar inteiramente a primeira opi- nião, achamos mais simples e razoável a segunda. Sem admittirmos a classificação distincta das seis formas, que Rayer dá a esta moléstia, cremos na gradação que estabelece Becquerel; ainda que se- jam muito exactas todas as alterações que o primeiro notou nos rins. - 29 - XI. O tratamento das ourinas leitosas varia segundo a moléstia de que é ex- pressão, como varia o seu prognostico; mas sendo symptomaticas da moléstia de Brigt, é o seu tratamento ainda incerto, e o prognostico na maior parte das vezes fatal. XII. O empirismo pode alguma vez ter acertado no curativo destas alterações, mas o Medico não se deve contentar com elle; e attendendo aos órgãos, ás funcçôes lezadas, e ás causas que mais influem, empregará meios racionaes. 8 HIPPOCRATIS APHORISMI. n i. Cibi, polus, venus, omnia moderata sint. (Sec. 2, aph. 6). II. Giim morbus in vigore fuerit, tunc vel tenuissimo victu uti necesse est. (Sect. 1, aph. 10). III, Sonmus, vigília, utraque modum excedentia, malum. (Sect. 2, aph. 2). IV. "♦lulierem in utero gereute.n ab acuto aliquo inorbo corripi, lethaíe. (Sect. 5, aph. 30). v. i In morbis acutis extremarum partium lrigus, malum. (Sect. 7, aph. 1). VI. Impura corpora quó magis nulriveris, éo magis loedes. (Sect. li, aph. 10). TVl». DE FRANCISCO DE PAULA BRITO —1850. Esta These está conforme os Estatutos. Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1850. Dr. Francisco Júlio Xavier. i