üS$i -*£" a2^f"j/í^~~^ FACULDADE DE MEDICINADA BAHIA. TIIÉSE DE Ernesto (Carneiro, A • >> M T-. 8 1935 ,0)S)J^^ -*<^(g)j Ji m x m \ » í THÉSE QUE SUSTENTA PARA OBTER 0 SRÀO DE DOUTOR Eli IÍEDIOIHA PELA FACULDADE DA BAHIA Ernesto Carneiro Natural desta cidade, professor de Francez pela Conselho de Instrucção Publica. Toutes les sciences,dit Hume, touchent par quelque bout à Ia nalure humaine, et si loin que 1'objet de quelques-unes semble les en tenir, encore ne laissent-elles pas de s'y reu- nir par quelque conduit souterrain. L'esprit humain et le centre et le chef-lieu de toutes les sciencies; une fois que nous sommes mai- tre de cette place il nous est facile d'étendre de tons côtés nos conquétes. (Reidí. 3.» pag. 12.) BAHIA. TYPOGRAPHIA CONSTITUCIONAL DE FRANÇA GUERRA. Ao Aljnbe n. 1. 1864. FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA. O E\m. Sr. Cons.Dr. João Baptista dos Anjos. VICE-DIRECTOR O Exm. Sr. Consellieiro Vicente Ferreira de Magalhães. LENTES PROPRIETÁRIOS. /." ANNO. Os SENHORES DOUTORES. MATÉRIAS QUE LECCIONÃO. Cous. Vicente Ferreira de Magalhães . Pliysica em gerai, c particularmente em íuas anpli cações a Medicina. Fancisco Rodrigues da Silva .... Chimicn e Mineralogia, Adriano Alves de Lima Gordillio. . . Anatomia descripliva. 2.<> ANNO. Anlonio M ariano do Bom fim .... Botânica e Zoologia Antônio de Cerqueira Tinto.....Chimica orgânica. .............Physiologia. Adriano Alves de Lima Gordilho. . . Anatomia descriptiva, sendo os alumnos obri- gados dissecções anatômicas. 3.<> ANNO. ............. Physiologia. Elias José Pedroza...... . Anatomia geral e pathologica. José de Góes Siqueira.......Pathologla geral. 4." ANNO. Cons. Manoel Ladisláo Aranha Dantas . Pathologia externa. Alexandre José de Queiroz ..... Pathologia interna. Mathias Moreira Sampaio.....Partos, moléstias de mulheies pejadas e de menino recém-nascidos. 5." ANNO. Alexandre José de Queiroz .... Pathologia inteina. José Antônio de Freitas......Anatomia topographica, Medicina operatoria o appa relhos. Joaquim Antônio d'01iveira Botelho . . Matéria medica e therapeutica. 6.o ANNO. Domingos Rodrigues Seixas.....Hygiene, e Historia da Medicina. Salustiano Ferreiia Souto.....Medicina legal. Antônio José Ozorio.......Pharmacia. Antônio José Alves......» Clinica externa do 3. c 4. Antônio Januário de Faria.....Clinica interna do 5. e 6. LENTES OPPOSITORES. José Aflunso Paraizo de Moura. . • Augusto Gonsalves Martins - . Do mingos Carlos da Silva . . • A Serção Cirúrgica. Ignacio José da Cunha.....\ Pedro Ribeiro de Araújo.....I liozendo Aprigio Pereira Guimarães. .> Secção Accessoria. José Ignacio de Barros Pimentel. . .1 Virgílio Climaco Damazio.....' Antônio Alvares da Silva .... Demttrio Cyiiaco Tourinho . . . Luiz Alvares dos Santos......} Secção Medica. João Pedro da Cunha Valle. . . Jeronimo Sodré Pereira. ..... SECRETARIO—O Sr. Dr. Ciacinnato Pinto da Silva» OFFICIAL DA SECRETARIA—© Sr. Ilr. Thoimiz d'Aquino Gaspar. J Faculdade não approva, nem reprova as idèas emittidas nesta Thesn. RELAÇÕES DA MEDICINA COM AS SCIENCIAS PHILOSOPHICAS A facillimís ordiamur. (Cie. defini, 5.) gLGUNS preliminares julgamos essenciaes ao desen- volvimento de nosso ponto; pelo que hemos por con- veniente dividil-o em três partes: nas duas primei- ras procuraremos definir a medicina , mostrar as partes de que ella se compõe, indicaremos em que accepção to- mamos as expressões—sciencias philosophicas, mostraremos a le- gitimidade da psychologia que é a base das sciencias moraes, em que ella diíTere da physiologia, finalmente, depois de mais ou me- nos elucidarmos ta«s questões, entraremos mais positivamente em o ponto, que faz o objeclo de nossa thése; o que constituirá a ter- ceira e ultima parte de nosso trabalho. 2 DISSERTAÇÃO PRIMEIRA PARTE. Capitulo 1 Medicus vir probus medendi peritas. (Bouillaud essai de philosophie medicale.) medicina é a scienciaque tem por objectoo tratamen- to das moléstias, a conservação da sáude, eo progres- so physico do homem. Nascida com o primeiro soffrimento da humanidade, filha legitima do instincto de conservação, a medicina é con- temporânea da própria humanidade, substituindo-se com o correr dos séculos ás tendências espontâneas e grosseiras do instincto as luzes esplendidas da razão e da experiência. Da definição que abraçamos, vê-se que a medicina compre- hende: 1. ° A Pathologia—sciencía que trata das moléstias. 2.° A Hygiene—que prescreve ao homem são os meios de que deve utilisar-se para preservar-se d'ellas. 3. ° A Therapeutica—que ensina a combatel-as. Esta, quando PRIMEIRA PARTE 3 exige o auxilio das operações, recebe o nome de Cirurgia ou de Medicina operatoria. 4.° A Orthopedia, sciencia que tem por fim prevenir e corri- gir as deformidades do corpo. O conhecimento da Anatomia, da Physiologia e da Matéria Medica ou Pharmacologia é indispensável para a pratica da medi- cina: estas sciencias se reúnem a medicina propriamente dita e re- cebem junctas o nome de sciencias médicas: a ellas liga-se o estudo e tratamento das moléstias dos animaes,—é a Medicina Veteri- nária . A medicina, porém, não se estuda só nos livros; ha um livro ainda mais rico, mais sublime que de continuo deve ser folheado pelo medico; é o livro que a natureza lhe apresenta e de que é elle o único interprete; esse livro dos livros é o próprio doente: a medi- cina, quando estudada ao leito do doente, chama-se Clinica. A todas estas partes da medicina devemos accrescentar a Me- dieina Legal que é o complexo de conhecimentos médicos applican- do-se a questões de direito, questões de que se occupa o medico, quando tem de verificar o estado de saúde physico ou moral de um individuo ou reconhecer os traços que após si poude deixar tal ou tal crime. Capitulo 2, Na divisão geral das sciencias occupa a medicina a categoria das sciencias physicas; porem laços immensos a vinculam as scien- cias históricas e moraes, constituindo-a muitas vezes um estudo mais interessante para o philosopho ou o moralista do que para o physico ou o naturalista. Ha uma sciencia eminentemente elevada em seu objecto, sublime em seu destino, tendência, aspiração constante do espirito \ DISSERTAÇÃO humano a sua completa regeneração; sciencia, que não é uma in- venção, um sonho, um delirio da phantasia, mas uma necessidade real da humanidade, uma grande conquista do pensamento, a maior victoria do espirito sobre a matéria; sciencia professada pelos maiores gênios da antigüidade,amada de Thales, Platão, Aristóteles, Pythagoras, despida do manto da authoridade de que revestiu-a a Scolastica e assumindo os foros de independente á custa dos gran- des esforços de Bacon e Descartes, que illuminaram-lhe o horizonte, dando-lhe o verdadeiro methodo: é a philosophia. Como todas as sciencias moraes ella basea-se na psychologia e a menor tentativa de divorcio anniquillaria uma e outras. Não fallo da philosophia de Auguste Comte e do Littré, fallo da philosophia dos Jouffroy, e dos Cousin: a primeira, diz Chauf- fard, não é uma aífirmacão nova; mas uma adhesão renovada ás antigas profissões de feda eschola organicista: sua essência é o sen- sualismo mais decidido o, o caracter essencial do sensualismo é a ne- gação de todas as grandes verdades, que escapam aos sentidos e que só a razão descobre; a negarão do tempo e do espaço infinito, do bem e do mal, da liberdade humana, da immaterialidade d'alma e da Divina Provi- dencia. A psychologia, a lógica, a methaphysica, a moral, a esthetica e a pedagogia formam as sciencias chamadas philosophicas. A psychologia tem por objecto o estudo d'alma e de suas fa- culdades . A lógica analysa as leis do pensamento e dá preceitos para dirigir o espirito. A methaphysica é a philosophia considerada especulati vãmen- te, é a sciencia do que ultrapassa os limites da experiência. A moral é a sciencia dos nossos deveres. A esthetica é a sciencia do bello. A pedagogia é a sciencia que tem por objecto o desenvolvi- mento physico, intellectual e moral da mocidade. A estas sciencias ajunta-se, constituindo o tope, o capitei do edifício philosophico, a theodicea ou religião natural; sciencia, que PRIMEIRA PARTE 5 expõe as provas da existência de Deus, suas relações com o mun- do e com o homem. (*) SEGUNDA PARTE. Capitula l. LEGITIMIDADE DA PS7CH0LOGIA, DIFFE&EHÇA EHTRE ESTA SCIEHCIA E A PH7SI0L0SIA. Cogito, ergo sum. {Descartes.) Duas sciencias ha que estudam o homem, tomando-o como ponto de partida e remate de suas investigações: uma o considera como um ente moral, examina suas faculdades, reconhece nelle três ordens de phenomenos—sensitivos, intellectuaes, e voluntários, phenomenos, que são modificações de um mesmo sugeito, que é por dizel-o assim o substratus delles, cuja natureza o homem estuda, e cuja origem mysteriosa debalde esforça-se por descortinar; im- menso barathro onde perde-se a sua razão: é a psychologia. (*) Podemos comparar as sciencias pfailosophicas á uma linda pyra- mide cuja base é representada pela psychologia e o vértice pelaTheodicea. 6 DISSERTAÇÃO Outra, estuda o homem physico: analysa pelo pensamento certos phenomenos denominados funcções, cujo exame sobremodo interessa e attrahe sua attenção: é a sciencia, que Richerand chamou sciencia da vida: é a physiologia: nobre e elevada sciencia que es- tuda o homem desde o phenomeno mais recôndito e mysterioso da geração, desde o encontro do óvulo com o licor fecundante, per- correndo todo o espaço, que váe da fecundação á morte; occupan- do-se em seu caminhar das funcções da vida vegetativa, da vida animal, das incomprehensiveis funcções da geração. A digestão, a absorpção, a circulação, a respiração, as secre- ções, a nutrição, as funcções do systema nervoso, a ovulação, a copulação, a fecundação, a digestão, a lactação são phenomenos da physiologia. Capitulo 2. No cogito de Descartes estam assentadas as bases da sciencia do espirito humano. Sim: é a consciência, esta vista interior d'alma sobre si mes- ma, que nos revela os phenomenos do principio pensante, fazen- do-nos presuppor a existência. De feito; não ha sentimento, pensamento, vontade, senão pa- ra o ente, que se conhece sentindo, pensando e querendo; mas a idéia de existência é a condição sem que são inconceptiveis aquel- les phenomenos. Muitos phenomenos, porém, se passam no mundo interior, e d'elles não tem o homem consciência; d'ahi duas ordens de fac- tos, dos quaes uns estam sob o dominio da consciência: são phe- nomenos da psychologia: outros escapam aos olhos prescrutadores da consciência: são da alçada da physiologia, ou de outras scien- cias da categoria das sciencias physicas ou naturaes. Os primeiros escapam aos sentidos; são só, e unicamente, ob- SEGUNDA PARTE 7 servados pela consciência, illudem a subtileza dos instrumentos: os segundos prestam-se á evidencia sensível, são observados por instrumentos, que a arte humana inventou para, augmentando o poder dos sentidos, examinal-os com mais precisão. Os phenomenos da vida psychologica não são figurados, di- visiveis, extensos, como os da vida orgânica. Estes se reduzem em definitiva a figuras ou a movimentos; é, por exemplo, a disposição dos ossos, dos músculos, e dos nervos, a forma do cérebro, a circulação do sangue, a secreção da bilis. O eu, que se conhece sentindo, que se conhece pensando, que se conhece querendo, não é o mesmo, que digere, que faz o sangue circular nos vasos, que expira constantemente, no meio em que vive, o ácido carbônico e recebe o oxigênio, que vae servir para os grandes phenomenos da hematose. O principio pensante, o eu só pode ter o caracter de pessoa- lidade; e uma pessoa, um individuo, (in divisus) não pode ser múltiplo. Pode-se, diz M. Benard, tirar uma parte de meu corpo; um braço, uma perna; minha pessoa não arrancarão de mim. O corpo, continua o mesmo psychologista, em verdade, nos oíTerece uma espécie de unidade; mas é uma totalidade, uma ag- glomeração, uma unidade de numero, de lugar, de harmonia en- tre os órgãos; unidade nas relações, e não na substancia. A harmonia do corpo, dizia Platão, é como a de uma lyra; é um resultado, um effeito, não a propriedade de uma causa, de um principio. O corpo organisado constantemente está a perder muitas de suas moléculas, e a receber pela alimentação novas moléculas, que vão reparar aquellas perdas incessantes do organismo; n'esse grande labyrintho de perdas e novas acquisições, n'essa perenne troca de moléculas, que Cuvier chamou turbilhão vital; oeupsy- chologico conserva-se sempre o mesmo, a despeito das constantes modificações, porque passa a substancia organisada. E' esse eu assim um, indivisível, idêntico sem a concepção do qual a huma- 8 DISSERTAÇÃO nidade, degradando-se, desappareceria no passado; é esse eu, di- go, com seus phenomenos, que a Psychologia estuda. São, pois, diííerentes os objectos dessas duas sciencias; por con- seguinte são diíTerentes a sciencia da vida e a sciencia do espirito humano. Capitulo 3. Jáibeau vouloir douter de toutes cho- ses, il m'est impossible de douter si je suis. Douter et se tromper, c'est penser. Ce moi qui pense, qui doute, qui craint de se tromper, qui n'ose juger de rien ne saurait faire tout cela s'il n'étaitrien. (Fénelon, Exist de Dieu 2." part. cap. l.°) A physiologia e a psychologia, diz M. A. Jacques, são distinctas, como as duas vidas, que á parelha se passam em nós, a vida do corpo, e a vida d'alma; como os productos tão dissimilhantes destas duas vidas; de um lado, por exemplo, a respiração e a digestão; do outro o sentimento e o pensamento; como seus princípios separa- dos, aqui a força fatal, que anima o organismo, acolá a vontade li- vre; como seus meios respectivos de investigação, os sentidos e a consciência. As partes do corpo e seus estados apenas são o órgão, o instru- mento, a occasião, o signal das faculdades e das modificações d'alma. Ora não nos cançaremos em repetir, a interpretação do signal, a appreciação de seu valor significativo, exige a noção anterior d'a- quillo que é significado. Do que havemos expendido, se deduz como corollario forçado e necessário a legitimidade da psychologia. SEGUNDA PARTE 9 Si os phenomenos do pensamento, isto é, do senso intimo, existem, si não se podem, não se devem confundir com os dos sen- tidos, cornos orgânicos; a sciencia, que se occupa destes, não se pode, não se deve confundir com a que se occupa daquelles: mas si taes phenomenos existem, é real a sciencia que se occupa de estu- dar, investigar suas leis delles: esta sciencia é a psychologia. Por maiores que sejam as tentativas da sciencia de Gall para supplantar a sciencia do espirio humano, jamais esta ultima, ana- lvsando os desvarios da phrenologia, deixará de reivindicar os seus direitos postergados. (*) Negar a existência da psychologia é suicidar a própria humani- dade, negando-lhe a existência, é negar a existência do mundo, a existência de Deus, a existência de tudo; porque, ha dous séculos, já o havia proclamado o mais distincto promotor da revolução philoso- phica dos séculos 17° e 18°, a certeza do pensamento é o primeiro fundamento de toda certeza. O sceptismo levado a esse excesso desmorona-se, incinera-se, aniquilla-se por suas próprias mãos. E o sceptico, como já disse al- guém; não pode abrir os lábios sem prestar homenagem á verdade. A negação e a duvida são a anniquillação da intelligencia; quem diz vida, diz movimento; e o movimento; é uma affirmação. Antes de concluirmos este nosso capitulo, somos arrastados a citar as seguintes palavras, que cahiram dos lábios do mais distincto philosopho contemporâneo, com referencia a este assumpto. O estudo da consciência, diz eloqüentemente M. Courin, é o estudo da humanidade. O estudo da consciência, no diccionario philosophico, chama-se psychologia; ora, si o homem resume o mun- do inteiro, assim como o mundo inteiro reflecte a Deus, si todos os momentos da essência divina se manifestam no mundo, e voltam para a consciência do homem; julgai do alto lugar do homem na O La phrénologie est un tissu d'assertions arbitraires, qui ne repo- sent sur aucun fondement réel et qu'il faut repousser du sanctuaire de Ia seience. (J. Muller. Manuel de Physiologie de Ia trad. franç.—pag. 780 tit. !.•) 10 DISSERTAÇÃO creação, e por conseguinte da psychologia na sciencia. O homem é o universo em resumo; a psychologia a sciencia universal con- centrada . «'^S©^^; TERCEIRA PARTE. »-Jj c»» Capitulo 1. Medicina autcm in philosophia non fundata, res infirmata est. (Bacon.; De duas necessidades da vida da humanidade rebentam duas sciencias eminentemente humanitárias: ao primeiro vagido da infância nasce a medicina; ao primeiro vislumbre da reflexão sur- ge a philosophia; uma é produzida pela espontaneidade, outra pela razão; sendo na ordem chronologica a primeira a que tem direitos á primogenitura: é, pois, a medicina a mais antiga das sciencias: seu berço foi o mesmo berço do primeiro homem. Houve tempo, em que a philosophia era considerada como abrangendo a universalidade dos conhecimentos humanos; era a sabedoria em fim: o philosopho nada devia ignorar: a physica, a historia natural, asmathematicas, a medicina, a moral, a theologia, a methaphysica; tudo era da alçada da philosophia: Deus, a natureza, o homem, taes os objectos da sciencia de Thales. TERCEIRA PARTE 11 Correm os séculos; aperfeiçoam-se os conhecimentos humanos; tornam-se mais brilhantes as luzes da observação; classificam-se as sciencias; o horizonte da intelligencia até então obumbrado, acom- panha, ampliando-se, a marcha progressiva dos séculos; e reco- nhece-se que uma sciencia assim concebida não era para a intelli- gencia do homem; era antes um sonho, um ideial; e então o nome pomposo de sábio é substituído pelo modesto titulo de philosopho: foi Pylhagoras o primeiro a appellidar-se assim. As sciencias physicas, e naturaes tomam o seu lugar; já não fazem parte da philosophia a Zoologia, a Mineralogia e a Botânica: as sciencias médicas e outros ramos de conhecimentos consideram- se á parte; estudam-se seus methodos, sua lógica particulares; se- param-se os ramos da arvore gigantesca; mas de tal modo, que os últimos ramusculos ainda rccebom do tronco seiva evida. A philosophia não deixou de participar do movimento pro- gressivo das idades, foi pouco e pouco tomando o lugar, que ver- dadeiramente lhe competia, reconheceu mais razoavelmente os seus limites; e hoje, como mui judiciosamente observa Auber, é a mol- la central das operações intellectuaes e moraes; em summa é a sci- encia geral das ideias e dos methodos próprios para adqueril-as está por conseguinte reduzida, por dizel-o assim, á lógica; mas também, por uma espécie de compensação, com tudo mistura-se, tudo anima, e como soberana, tem-se tornado de alguma sorte, em nossos dias, a ultima palavra, ou, para melhor dizer, a ultima ra- zão de todas as cousas. Si estudarmos as definições, que, em lodosos tempos,teem da- do á philosophia, demonstram-se á toda luz os laços, que prendem- na a todas as outras sciencias: ou considerem-na como o conhe- cimento das cousas divinas e humanas, confundindo-a com o ter- mo sabedoria, ou, como Aristóteles a definia, a sciencia dos prin- cipios, definição que mais particularmente pertence a methaphy- sica; ou tomem-na pela reflexão do homem sobre si mesmo, em quanto esforça-se por conhecer-se; ou a definam o culto das ideas, ou ainda mais restrictamente considerem-na, como a sciencia, que analysa o pensamento, estuda suas leis e determina as da vonta- 12 DISSERTAÇÃO de; em todas essas definições reconhecem-se claramente os pontos de parentesco entre a sciencia do pensamento e todas as mais sci- encias . E não pode ser d'outra sorte; porque a philosophia a mais libe- ral, a mais generosa das sciencias não pode marchar só; abraça fraternalmente todas as sciencias e animando-as com um sopro de vida, desenvolve-as, explica-as, fortifica e robustece seus metho- dos, esclarece seus princiçios, imprime-lhes sua forma especial, como também imprime no século e na humanidade seu matiz, sua poderosa influencia. A medicina, pois, sciencia sobre modo sublime, scienciaque tantas e tão estreitadas relações tem com os diversos ramos de co- nhecimentos humanos; a medicina que,por sua philantropia, cons- titue os seus apóstolos os parentes mais chegados da humanidade soffredora; que tão amorosamente familiarisa-se com os gemidos do enfermo; que abraçando-se com a charidade, e a religião leva a luz da esperança em qualquer lugar, em que ouve o reclamo do infeliz; não podia divorciar-se da sciencia, que tudo systematisa, tudo ordena, tudo divinisa; seus passos não seriam bem seguros, senão fossem esclarecidos pelo luzeiro da sciencia dos princípios; porque a medicina não é, como diz Chauffard, uma sciencia sub- mettida a condições desconhecidas, e sem relação com o complexo de nossos conhecimentos; é ao contrario a mais philosophica das sciencias, a mais estreitamente unida aos princípios mesmos das cousas. TERCEIRA PARTE 13 Capitulo 2. Mens sana in corpore sano. Qui soutient le corps contre Ia faü- gue ou dans Ia maladie, sinon 1'éner- gíe morale? Niera-t-on les prodiges de Ia volonté dans des corps chétifs? L'en- thousiasme et Ia foi n'ont ils enfanté des milliers de martyrs? (Benard.) Psychologia,—Fallemos agora mais especialmente da psy- chologia: vejamos as relações que ha entre esta sciencia, base de todo edifício philosophico, e a medicina. Si o homem é um composto de duas substancias—alma e cor- po, si estas substancias estam maravilhosamente unidas, união in- contestável, porem mysteriosa, quedebalde tentaram explicar o in- fluxo physico dos Peripateticos, os Espíritos animaes de Descartes, as Causas occasionaes de Mallebranche, o Mediador plástico de Cudworth, a Harmonia prestabelecída de Leíbnitz etc; não é claro que as immensas modificações d'alma devem de ter uma influen- cia sobre a substancia corporea, e que as modificações do corpo hão de por sua vez retumbar sobre o principio do pensamento in- fluindo sobre elle ? Certamente: e ahi vem a observação em apoio dos factos. Este homem que, ha pouco, em esplendido salão, ao som mel- lifluo de harmoniosos instrumentos, ao perfume fragrante das flo- res, ao ruido estrepitoso da walsa vertiginosa, com soíTreguidão sorvia a longos tragos o prazer, ao receber a noticia de um sinistro, que bem de perto lhe toca: a morte de um pae, de uma mãe, de um amigo etc.; eil-o em um estado diametralmente opposto, o seu semblante, onde luziam os raios expansivos do prazer, agora é a 4 u DISSERTAÇÃO fiel imagem das negras ideias, que toldam-lhe o pensamento; seus olhos são o echo cia tristeza que lá d'entro d'alma o magoa, emfim pelo semblante se lhe traduz a alma. Aquelle outro, por uma destas circumstancias que ainda não receberam da sciencia uma explicação satisfactoria, e que a su- perstição attribue a muitas trivialidades, como a influencia dos hu- mores, dos astros, da lua, da temperatura; que a ignorância con- sidera, como o presagio de alguma contrariedade, e que M. Le- moine parece attribuir a sonhos máos, cuja lembrança tenha de- sappareciclo da mente; ao erguer-se do leito, sente como que um grande peso, que, confrangendo-lhe o peito, o esmaga, sente sua alma envolta em uma tristeza que elle não explica e que appellida simplismente—mcíu humor. Suas palavras, suas acções, os movimentos de seu corpo, a inflexão de sua voz, tudo resente-se d'aquelle estado. Mas quem vae arrancar alma d'este homem das mãos cruéis do monstro desconhecido , que o opprime ? Quereis sabel-o ? E' muita vez uma destas noticias agradáveis, que fazem a alma achar amesquinhados os limites do corpo para manifestação d'ellas. Taes os pontos que prendem a Physiologia á Psychologia, o pensamento á vida, o espirito ao corpo. E sabe-se o papel importante da physiologia na medicina. Por outra parte, os males do corpo, as doenças, que grande influencia não teem sobre os phenomenos do pensamento? Pode ser plácido o pensamento de uma alma a braços com uma enfer- midade que poderosamente tende a desmoronar o edifício a que foi fadada pela Providencia a associar-se? Estudemos algumas alterações, que se apresentam do lado da intelligencia, em um individuo acommettido por algumas moléstias agudas: por exemplo: por uma febre typhoidea; com effeito; que vemos? A attenção do doente com difficuldade fixa-se sobre um ob- jecto; elle a custo concebe as perguntas, que lhe dirige o medico; lembra-se com imperfeição do que o prostrou no leito; suas respostas são lentas e obscuras; as linhas de sua physionomia não estam em harmonia com os objectos, que o cercam; ha o que quer que seja de insólito no seu olhar; tem uma idéia confusa do que se passa TERCEIRA PARTE 15 em derredor de si; do lugaF em que está; das relações com os cir- cumstantes; seus olhos não teem expressão; a estupidez, um indif- ferentismo de morte está diflundido sobre todo'o seu semblante. Em algumas moléstias nervosas, que immensas não são as aberrações das faculdades intellectuacseaflectivas? E' uma senhora, que vae ser assaltada por um attaque de hys- teria: ora vereis, como prelúdio do drama terrível, que vae come- çar, nm riso não motivado, uma alegria em completo desaccordo com as circumstancias actuaes; ora um pranto, e lagrimas, casan- do-se ou extrcmando-se estas duas ordens de phenomenos. E' a hypochondria ou a mania e vereis o doente ter a maior a- versão para as pessoas, que lhe eram mais aífeiçoadas—seus pães, seus parentes, e amigos, as prendas mais queridas de seu coração. Não se tem visto, sob a influencia de uma excitarão cerebral, produzida por um parto mui doloroso, algumas mães aliás proto- typos de virtude, symbolos de amor e candura, aborrecerem-se de seus próprios filhos, repellirem-nos e até cntregarem-se aactosde crueldade, que não teriam justificação possível, noutras circums- tancias, teslimunhando-lhes umaanthipathia, que é um verdadei- ro contraste das ternuras, que poucos momentos antes pullulavam de seus corações aflectuosos? Não se tem observado alguma das faculdades d'alma perder- se nas grandes enfermidades? A memória, esta faculdade inexpli- cável do passado, que quasi exclusivamente unida a imaginação entra como actriz, nas variadas scenas do drama mysterioso dos so- nhos, não depende tanto das condições da substancia corporea? Ha casos, diz Chomel, em que, sob a influencia de lesões cere- btaes a memória profundamente attacada, não fornece mais ao doente as palavras necessárias para expressão de suas ideias; elle não se lem- bra mais senão dos termos geraes, taes como os adjectivos, que expri- mem qualidades communs a um grande numero de objectos, e se es- quece da maior parte dos substantivos, que designam objectos particu- lares. . . , i O medo, o terror, as paixões deprimentes, a miséria e todas as impressões moraes não são consideradas pelos Pathologlstas, 16 DISSERTAÇÃO como causas predisponentes de moléstias? A observação não mos- tra que quando, em um campo de batalha súbito se desenvolve uma epidemia, de ordinário são os vencidos as victimas mais nu- merosas? E tudo isso não nos diz a união da pathologia com a sciencia do pensamento, por conseguinte da Medicina com a philosophia? Sim: digamol-o ainda. O medico, pois, não deve ignorar estes factos. Convencido de que a boa medicina não é a que só se occupa do que é material; terá muitas vezes de curar o corpo pela alma. E então que pers- picácia, que tino não convém ao filho de Hippocrates para entrar no sanctuario d'alma, neste mundo maravilhoso que só podem prescrutar os olhos attinados do medico psychologista?!---- Citemos para rematar esse nosso capitulo as eloqüentes pala- vras de M. Bouchut: Le médecin estla personnification de deux idées appartenant, 1'une àfordre abstrait et moral et 1'autre àfordre matériel. Par- tout ou il se presente ces deux idées sont en présence parce que devantluise trouvela nature corporelle, dynamique et morale de 1'homme. Comme philosophe et comme médecin, il les oppose constamment l'une à 1'autre dans 1'intérêt de l'humanité et celui qui ne songe qu aux effets matériels supprime 1'àme de son oeu- vre et ce qui 1'élève audessus de toutes les sciences rivales (Bou- chut Path. géné, pag. 591.) Capitulo 3. Des études sans ordre et des médi- lations obscures troublent les lu- mières naturelles, et aveuglent l'es- pirit — quiconque s'accoutume à marcher ainsi dans les ténèbres , s'affaiblit tellement Ia vue. qu'il ne peut plus supporter le grand jour. (Descartes.) Lógica*—Não ha nada mais estimavel do que o bom senso e a exactidão do espirito no distinguir a verdade da falsidade. Todas os TERCEIRA PARTE 17 outras qualidades do espirito teem usos limitados; porém a exactidão da razão é geralmente útil em todas as partes e em todos os empregos da vida. Assim se exprime o sabio Nicole no 1.° discurso de sua lógica. Si é incontestável essa observação, si a medicina é uma sci- encia nimiamente difíicil, em que tudo parece fugitivo e duvidoso, em que um mesmo tratamento aliás poderoso para debellar uma moléstia, muitas vezes illudindo o medico na sua faculdade de ge- neralisar, torna-se improficuo e, o que mais é, contra indicado na mesma moléstia, em outro individuo, ou no mesmo individuo, em circumstancias diversas; não é evidente que a exactidão da ra- zão é uma qualidade do espirito sem a qual o medico perder-se- hia no labyrintho de symptomas de que se reveste a entidade mór- bida, aventurar-se-hia a navegar sempre em um mar de conjectu- ras, de hypotheses desvairadas e que afinal remataria no scepticis- mo, ultimo brado de desesperação da sciencia? Mas que é que dá a exactidão ao espirito, que é que tudo coor- dena, tudo methodiza nas sciencias? E' a lógica, esta arte que reúne as partes de um todo e d'estas partes forma um todo regular; é a ló- gica sem a qnal podem existir as materiaes de uma sciencia; mas não a própria sciencia. A medicina, como todas as sciencias, tem seu methodo par- ticular; mas o methodo da observação medica pode separar-se dos dous grandes processos do methodo—a analyse easynthese? Pode o medico prescindir de definições lógicas, divisões e clas- sificações? Que perspicácia não exige a medicina na faculdade de generalisar e no methodo synthetico? Si nas outras sciencias a syn- these deve emanar de uma boa analyse, nas sciencias médicas prin- cipalmente não é que se notam os perigos de uma synthese, que teve por origem uma analyse imperfeita? Não é d'ahi que nasce essa alluvião de hypotheses, que tantas vezes tem entorpecido os passos de uma sciencia tão ligada aos interesses da humanidade ? Certo; a sciencia do judicium difficile ie não pode desligar-se da sciencia das leis e das formas do pensamento. O que em medicina chama-se tino medico, esse quid, que pa- 5 18 DISSERTAÇÃO rece no medico constituir outro medico não é senão a lógica, illu- minando, por uma inspiração a razão e o gênio do medico. E' a lógica, diz Auber, que nos ensina a raciocinar, ella é que imprime aos trabalhos do espirito a direcção que lhes convém; que nos inicia nas regras da linguagem, que tem uma relação tão intima com o pensamento, que uma pode-se dizer reflexo do ou- tro; é em fim a lógica que por meio de seus processos e methodos admiráveis, a analogia e a inducção, a analyse e a synthese, escla- rece a razão, dissipa os preconceitos, destroe os erros e impede principalmente que uma sciencia usurpe os direitos de outra, e tome, por conseguinte um vóo superior a seus princípios e por isso mesmo incommodo e perigoso para a constituição geral do todo do edifício. Capitulo £♦ Toute Ia philosophie est coflime un arbre dont les racines sont Ia métha- physique. (Descartes, pref.) Methapliysica,—Si, na esphera especulativa, o conheci- mento dos princípios é essencial para a constituição do monumen- to scientifico; porque a sciencia separada dos princípios, segundo Platão, degenera em rotina; é certo também que a medicina não pode deixar de ter a sua methaphysica, não pode considerar-se ab- solutamente separada da sciencia dos princípios. Digam o que disserem, diz Chauffard, em sua obra de patholo- gia geral, tudo está submettido as leis eternas das cousas, leis, que rece- bem o nome de philosophia. Nada pensamos, nada fazemos, senão á sua luz. 0 medico, mal ou bem de seu grado, submette-se a essas leis, e isto, em cada pagina de uma descripção mórbida, em cada estudo cli- TERCEIRA PARTE 19 nico,em cada determinação therapeutica motivada. Todos curvam-se a suas exigências communs, com a differença de que uns cedem a taes leis, como cegos, caminhando á ventura, através de incessantes contra- dicções; outros procuram ter consciência do trabalho, que cumprem e in- vidam seus esforços para comprehender as condições essenciaes, a razão primeira deste trabalho. Env cada conhecimento scientifico real, diz ainda o Pathologista, aquém me refiro, ha sempre dous elementos: um immutavel, absoluto, necessário; outro movei, contingente, phenomenal; o primeiro, emanação activa do entendimento, e achando no segundo sua forma de applica- ção, sua realidade no tempo e no espaço; o ultimo fornecido pela sensação e experiência, matéria, sustentaculo exterior do conhecimen- to; mas não nos dando senão, ao sopro do absoluto, sua razão de ser, sua essência, seu valor e sua importância no complexo das existên- cias . E, pois, aquelle primeiro elemento immutavel, absoluto a ra- zão tira de sua própria essência; elle constitue a base de todas as sciencias: estas verdades primeiras, estas verdades necessárias, esta synthese racional, que tanto exalta a philosophia especulativa é a base de todas as verdades, e a primeira arma contra o scepticismo. Só estas verdades, continua o Pathologista ja citado, nos per- mittirão dissipar todos os preconceitos sensualistas [de tanta voga entre nós, e proclamados, como a philosophia de nossa sciencia; só estas verdades nos libertarão do pesado fardo de hypotheses e de explicações grosseiras, que nos acabrunham, só ellas estabelecerão a medicina sobre o terreno de suas verdades delia e afastarão as innumeras usurpações que são levantadas por espíritos desorde- nados . 20 DISSERTAÇÃO Capitulo 5. MORAL, ESTHETICA E PEDAGOGIA. Les príncipes moraux ne nous parais- sent jamais d'une sainteté et d'une beauté plus imposantes que quand on nous les fait embrasser dans leur ap- plication à tous les rangs à toutes les relations, à toutes les aííaires de Ia société humaine. [Reid. 16'. pag. 314.) «oral e Esthetica,—Separae a medicina da moral, e vós tirareis delia toda aquella sublimidade, que levou os antigos a julgarem-na de origem divina. De feito; que achareis, no mundo, mais sublime do que a sym- pathia, este sentimento, que faz uma só familia de toda a huma- nidade? Pois bem; uma das origens da medicina foi esse sentimento tão bem descripto por Adam Smith. Que de mais divino do que a charidade? E' a charidade a virtude, que nunca deve abando- nar o medico; é a seu reclamo, que muitas vezes o sacerdote da vida, cedendo sacrifica seus commodos, seu repouso, levado pelo bem da humanidade soffredora; e a dedicação do medico levada a enthusiasmo, a heroísmo, não é o que em medicina pode-se chamar o bello? E' pois claro que a sciencia de Hippocrates pren- de-se lambem á sciencia do bello, a esthetica. As qualidades moraes, diz Renouard, não se devem seques- TERCEIRA PARTE 21 trar do coração do medico: a candura, a franqueza, a justiça a humanidade, o desinteresse, eis suas virtudes. Sem moralidade a arte mais bemfaseja não passa de um instrumento de decepção, d'uma arma perigosa entregue a mãos pouco seguras. O espirito medico é essencialmente social e civilisador; é este espirito, que, sob o bello nome de Humanidade, tende cada vez mais a prevalecer sobre os sentimentos, muito nobres, é verdade; mas muitas vezes exclusivos de patriotismo e de nacionalidade. A grande obra da reunião da familia humana, que a religião e a poesia começaram, hade acabar-se pela sciencia, e pela scien- cia mais directamente consagrada á conservação, ao melhoramen- to, á propagação e por conseguinte ao bem estar physico e mo- ral da espécie; pela sciencia que semelhante a religião, apodera-se do homem desde seu berço e o acompanha até o túmulo e alem do túmulo, pela Medicina. (Peisse.) pctfagogia—Si a pedagogia comprehende ao mesmo tem- po a educação physica, intellectual e moral: si o medico pelo co- nhecimento da orthopedia, corrige as deformidades do corpo, pela hygiene, sciencia eminentemente social, bússola, que muitas ve- zes é invocada pelo paiz para orientar o legislador, elle aprende a usar com proporção dos modificadores da economia; si ainda por esta sciencia, que na phrase de Londe, não tem só por fim conservar a saúde, mas dirigir os órgãos no exercício de suas funcções, aprende os meios mais efficazes para o desenvolvimen- to do corpo: é ao medico que é dado a educação physica da mo- cidade; e si a esses conhecimentos fornecidos pelas sciencias que mais particularmente entram no quadro das sciencias médicas reunem-se os conhecimentos da philosophia, a elle e só a elle é dado formular as bases mais razoáveis para o desenvolvimento phy- sico, intellectual e moral da mocidade; afim de que o problema da educação, resolvendo-se, se torne uma realidade, uma verdadeira sciencia. Tenhamos fé no futuro: esperemos da successão dos sécu- los os immensos benefícios, que trará á humanidade a medicina, que tão rica de palmas, colhendo novos louros, á luz da obser- 6 22 DISSERTAÇÃO vaeão racional, confraternisando-se com a philosophia, tornar-se-hn a mais nobre, a mais útil das sciencias; porque seus interesses, seus progressos se confundem com os interesses e progressos da própria humanidade. As sciencias são filhas de uma mesma origem, todas tendem ao absoluto, ao immutavel, a unidade; todas tendem a confundir-se n'aquella Unidade Eterna d'onde provem: podem seus interesses ser oppostos, bem como os interesses dos homens; mas ellas não se contrariam, todas tem um fim commum—Ennobrecer o homem, glorificando a Deus. SECÇÃO MEDICA 25 SECCAÕ MEDICA. COMO OBRA OSULFATO DE QUININA NAS FEBRES INTERMITTENTES? M(Dlí(D8tt#18. l.a—Uma febre, cessando e reapparecendo, em intervallos regulares, chama-se intermittente. 2.a—As febres intermittentes attacam especialmente o sys- thema nervoso super-excitando-o. 3.a—As irregularidades, os caprichos immensos, que se no- tam n'essas febres, de algum modo corroboram essa proposição. 4.a—A observação de muitas nevroses nos lugares pantano- sos, sendo debelladas pelos mesmos meios empregados contra as intermittentes alli endêmicas, ainda vem confirmar a verdade d'a- quella asserção. 5.a—Os miasmas paludosos sós, ou unidos a certas condições geológicas, ainda não bem determinadas, são as causas mais com- muns das febres intermittentes. 6.a—O elemento paludoso é certamente a mais poderosa causa a attender-se na etiologia das intermittentes. 7.a—Uma impressão moral viva, uma certa espécie de alimen- to fazem muita vez desapparecer maravilhosamente um movimento 24 PROPOSIÇÕES febril intermittente; observação, que ainda leva o espirito do medi- co a considerar as intermittentes como attacando o systema ner- voso. 8.a—A saúde de que, no discurso da apyrexia, gozam os in- divíduos acommettidos pelas febres intermittentes, não se explica admittindo-se que taes moléstias dependem da intoxicação do san- gue. 9.a—O sulfato dequinina é o primeiro medicamento preco- nisado pelo medico, quando trata de debellar uma febre intermit- tente . 10.a—A observação d'aquelles, que dizem que o sulfato de quinina, nas febres intermittentes, vae neutralisar os miasmas, é insustentável, perante a observação reflectida dos factos. ll.a—O sulfato de quinina, nas intermittentes, actua, como hyposthenisante do systema nervoso. 12.a—Tem-se visto um movimento febril intermittente ma- nifestar-se após a introducção de uma tenta no canal urethral; e po- der-se-ha, n'este caso, sem incorrer em um erro gravissimo, dizer que houve intoxicação do sangue? 13.a—A improficuidade do sulfato de quinina no tratamento da cachexia paludosa é para nós uma prova incontestável de que esse agente therapeutico não cura tonificando. 14.»—o sulfato de quinina é, pois, em sua acção contra as in- termittentes, semelhante ao arsênico, tão empregado por Boudin na cura d'esta enfermidade. SECÇÃO CIRÚRGICA 2o SECCAÕ CIRÚRGICA. 00 CENTEIO ESPIGADO E SUA APPLICAÇÃO EM OBSTETRÍCIA. 1 .a_o esporão de centeio não é senão uma alteração do grão do centeio produzida por um cogumello parasita denominado por Leveillé-sphacelia sagetum. 2.«—Essa degenerencia do centeio tem sido considerada por uns como resultado da picada de certos insectos, por outros como ligada a certas condições atmosphericas. 3.a—Tem-se observado que os terrenos pouco férteis e humi- dos, as grandes chuvas são circumstancias favoráveis ao desenvol- vimento do sphaceliasagetum. 4#a—o centeio espigado emprega-se empo, decocção, infu- são, extracto aquoso, extracto alcoólico, tintura etherea e xarope. 5.a__Quando a dose do centeio é muito elevada, ha náuseas, vômitos, dilatação daspupillas, vertigens, cephalalgia, modorra. 6.a—-A acção d'este medicamento sobre a parte inferior da me- dulla espinhal o tem feito applicar na paralysia do recto, da bexiga, na fraqueza e paralysia dos membros inferiores. 7.a_Oeenteio espigado administrado por mãos pouco segu- ras tem produzido gravíssimos accidentes e até a morte. 7 26 PROPOSIÇÕES 8.a—Nenhuma acção d'este medicamento é mais reconhecida do que a que elle exerce electivamente sobre o utero. 9.a—As contracções uterinas se manifestam 8 a 20 minutos após a administração do medicamento; a duração, porém, daacção do centeio varia de meia hora a hora e meia podendo em alguns ca- sos ser maior ou menor. 10.a—Essas contracções são vivas, longas epermanentes, não apresentando a intermittencia das contracções naturaes. 11 .a—Todas as vezes que para a expulsão do menino ha ape- nas necessidade de contracções uterinas sufíicientes é indicado o centeio espigado. 12.a—Quando o trabalho ainda não tem começado, quando o parto pode fazer-se pelos únicos esforços naturaes, quando existem obstáculos physicos ou dependentes da mulher ou do menino, é pe- rigoso o uso d'esse agente therapeutico. 13.a—As mulheres plethoricas, que apresentam signaes de congestão para o cérebro, com dureza e plenitude no pulso, as de- masiado irritaveis, as que, em partos anteriores, teem soffrido de metrite são outras tantas contra-indicações ao emprego do cen- teio espigado. 14.a—Quando o medico vir que o parto não será prompto, deve abster-se da administração d'esse agente. 15.a—O centeio espigado é um meio poderoso, nas menor- rhagias puerperaes ou não puerperaes, nas leuchorreas; e se- gundo Sparjrani nas congestões uterinas que as mais das vezes tornam-se o ponto de partida de phlegmasias chronicas do utero. 16.a—O centeio espigado é também indicado para impedir os progressos de uma hemorrhagia, que se liga a presença da pla- centa, quando o medico collocandoa mão sobre o hypogastrio não sente a contracção do utero acima do púbis. SECÇÃO ACCESSORIA 27 SECCAÕ ACCESSORIA. THEORIA DA RESPIRAÇÃO VEGETAL. 1 .a—As plantas, pelos stomatos de suas folhas, e pelas raízes, absorvem o ácido carbônico, que existe na atmosphera, e o que pe- netra no solo dissolvido nas águas pluviaes. 2.a—As folhas e as partes verdes do vegetal decompõem o áci- do carbônico, ao influxo da luz do sol. 3.a—As plantas fixam o carbono do ácido carbônico, e expi- ram o oxigênio. 4. a—jja uraa correspondência harmônica entre o vegetal e o animal; ao passo que o ultimo, pela expiração, constantemente lan- ça nomeio da atmosphera uma quantidade de ácido carbônico; o primeiro, decompondo esse agente, apropria-se do carbono, eres- titue ao homem o exigenio, que lhe vae dar vida. 5.a—A elaboração do liquido nutritivo do vegetal produzida pela acção decomponente das partes verdes chama-se respiração vegetal. 6.a—Na obscuridade, ou á noite, as plantas, exhalam ácido carbônico, e absorvem oxigênio. 7 .a—O ácido carbônico exhalado pelas plantas; durante a noi- 28 PROPOSIÇÕES te, não resulta de alguma combinação que sede em seus tecidos; é um phenomeno meramente physico. 8.a—A absorpção do oxigênio durante a noite é um pheno- meno chimico, que tem em resultado a modificação na composi- ção dos princípios do vegetal. 9.a—As folhas das plantas são o theatro, onde se dão os phe- nomenos mais importantes da respiração vegetal. 10.a—Alem do ácido carbônico e do oxigênio, que as folhas e todas as partes verdes do vegetal absorvem, a planta inspira tam- bém ar atmospherico. 11 .»—Alguns vegetaes, por causas ainda não bem determina- das, bem que ao influxo da luz solar, expiram somente azoto. 12.a—As pétalas e os estames da flor absorvem oxigênio, e desprendem ácido carbônico durante o dia ou á noite. 13.a—Observa-se o mesmo phenomeno na semente desde seu primeiro desenvolvimento; aqui tudo é chimico, o carbono do ve- getal combina-se com o oxigênio que foi absorvido. 14. ■—A respiração vegetal se excuta nas cavidades intercel- lulares (lacunas, meatos, vesiculas pneumaticas) que correspon- dem aos stomatos, imprimindo o ar á seiva alli depositada as qua- lidades de liquido nutritivo da planta. HIPPOCRATIS APHORISMI. ■ i —aJ>yjjfVí^^^^pE»-i 1.°—Vita brevis, ars longa, occasio praeceps, experientia fal- lax, judicium difficile. (Sect. l.aAph.l.°) 2.°—Ubi somnus delirium sedat, bonun. (Sect. 2.a Aph. 2.°) 3.°—Vulneri convulsio superveniens , lethale. (Sect. o.a Aph. 2.°) 4.°—Abileo vomitus, ant singultus, aut convulsio, aut deli- rium, malum. (Sect. 7.aAph. 14.) 5\°—Hydropicumsi tussis habeat desperatus est. (Sect. 7.a Aph 47.°) 6.°—Ad extremos morbos, extrema remedia exquisite opti- ma. (Sect. l.a Aph. 6. ) HetneUida a commissao revisora* Bahia e Fa- culdade de Medicina »tf de Agosto de MSB4. Br. Gaspar* Secretario interino. Revista em 30 de Setembro, C Valle Júnior, Esta these esta conforme aos estatutos, Bahia 24 de Setembro de MSG4. Br. Kmíz Alvares Br, Alvares da Silva, Imprima-se. Bahia era et supra. Br, Baptista, BAHIA—TYP. CONTITÜCIONAL DE FRAATÇA GUERRA.—J864.